domingo, 4 de setembro de 2011

Carta do Duque de Portland, Primeiro-Ministro do Governo britânico, a Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra (4 de Setembro de 1808)



Bulstrode, Domingo ao meio-dia, 4 de Setembro de 1808.





Meu caro Senhor:

Não sei como expressar a minha admiração e perplexidade pelos termos do papel que passa por ser a Convenção feita por Sir Arthur Wellesley e Kellermann. Talvez sejam os termos propostos pelo último; mesmo assim, parece-me tão absurda a ideia de que foram considerados por um momento, que dificilmente consigo imaginar que um francês poderia ter segurança para os propor. Porém, é impossível que algum oficial inglês os tenha aprovado. Supor Sir Arthur Wellesley como sendo capaz de fazer um tal sacrifício do interesse, da honra e da boa fé do seu próprio país, e do seu próprio bom senso, seria um acto de injustiça que não me poderia perdoar ao culpabilizá-lo. Estou seguro que não necessito de requerer-vos, caro Senhor, a tomardes a primeira oportunidade que tiverdes para me libertardes desta cruel angústia, e a me esclarecerdes este enigma incompreensível. 
Sempre o vosso mais sincero,

Portland


[P.S.] Deverei estar na cidade amanhã à noite, depois do jantar. Pedi ao Coronel Brown e ao Capitão Campbell para jantarem comigo na Terça-feira [6 de Setembro]; se não tiverdes compromissos, ficarei muito contente em ter a vossa companhia.


P. 

[Fonte: Charles William Vane (org.), Correspondence, Despatches, and other Papers of Viscount Castlereagh, second Marquess of Londonderry – Vol. VI, London, William Shoberl Publisher, 1851, pp. 423-424]. 

Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, ao Brigadeiro-General Charles Stewart (4 de Setembro de 1808)



Downing Street, 4 de Setembro de 1808.





Meu caríssimo Charles*:

O tumulto do nosso júbilo pela conduta gloriosa e pelos sucessos de Wellesley foi perturbado cruelmente por uma comunicação de [D. Domingos de] Sousa [Coutinho] sobre uma suposta Convenção, em cuja cópia aparece inscrito o nome de Wellesley; se fosse levado a efeito, este instrumento garantiria aos franceses vantagens para além daquelas que seriam alcançadas através dos sucessos mais brilhantes, ao passo que os seus 10.000 homens estão actualmente pressionados por nada menos que 50.000 homens, entre britânicos e portugueses.
Em 1.º lugar, Bonaparte é reconhecido, à face de tal instrumento, como Imperador dos franceses.
Em 2.º lugar, providencia uma retirada segura de um corpo do inimigo destituído de quaisquer outros meios de escape.
Em 3.º lugar, dá à França a inteira graça de ter salvado para a Rússia a sua frota, quando na verdade a França não dispõe dum resto de poder para protegê-la.
Em 4.º lugar, sacrifica gratuitamente a frota dum inimigo, e, pela forma como o faz, reconhece direitos de neutralidade da parte de Portugal em relação à Rússia, os quais, se pudessem alguma vez ter subsistido num porto ocupado por um exército francês, teriam sido destruídos, mesmo em aparência, pela nomeação formal de Junot como o Tenente de Bonaparte em Portugal; e implica sobre todos nós o embaraço de observar um porto dos nossos com uma frota, enquanto devemos dar ao inimigo quarenta e oito hora de avanço, para que não possamos apanhá-lo.
Em 5.º lugar, dá à França não só o uso imediato do seu exército, o qual não poderia ter sem a nossa assistência activa, mas também o que se saqueou em Portugal, debaixo da máscara de propriedade privada.
Em 6.º lugar, dá à França toda a graça de ter protegido aqueles portugueses que traíram o seu soberano, enquanto nos implica na desgraça de expor os nossos aliados a ser posteriormente atacados por uma frota que a França teve a autoridade e meios para proteger. Acreditará a Espanha ou a Europa que isto foi antecedido por triunfos da nossa parte? E não ficará a França convencida do contrário?
Em 7.º lugar, finalmente, parece ser, no seu resultado geral, uma feliz maquinação, segundo a qual a Inglaterra teria feito um esforço poderoso apenas para tornar um Estado dependente no protector de um dos seus inimigos, enquanto [o próprio Armistício] se torna um instrumento segundo o qual o inimigo deve remover um exército duma posição que está perdida, para um onde pode recomeçar as sua operações com vantagem.
Não me posso perdoar por sentir a injustiça que é feita a Wellesley, ao supor que algum poder na terra o poderia ter induzido a ter uma parte individual em tal acordo; não imagino nenhum oficial britânico a ser capaz de fazê-lo, e muito menos aquele a quem confiámos a chefia do comando do nosso exército e marinha. [Para além disto] é uma Convenção que nenhum oficial francês honrado poderia propor por escrito, enquanto acordo racional entre as partes, e que, até enquanto esboço ou primeiro projêt [sic], para ser oferecido para consideração, necessitaria de todo o descaramento solene daquela nação.
Somente a posso entender enquanto suspensão de armas; e, se tivesse sido assinada enquanto tal, ainda que sendo politicamente desaconselhada, não estaria cheia de estipulações sobre os pontos mais importantes a ser ajustados; pois na verdade deixa para trás detalhes poucos importantes para negociar. Resumindo, é uma base falsificada algures, e nada me pode convencer a acreditar que seja genuína.
Deus vos abençoe, caríssimo Charles!
Com pressa,

Castlereagh

[P.S.] Escrevo a Dalrymple, incluindo a nota de Sousa, juntamente com a resposta de Canning, na qual se declara a total descrença do caso, bem como a indignação deste Governo perante o ataque de um poder [=Junta Suprema do Porto] que somente pôde surgir através dos nossos meios, e que tenta arrogar direitos que não tem, com o objectivo de voltá-los para a protecção de um inimigo que tem sido de facto dela, enquanto nos ajuda tanto quanto auxiliou os franceses a manterem-se em Lisboa.

Castlereagh

[Fonte: Charles William Vane (org.), Correspondence, Despatches, and other Papers of Viscount Castlereagh, second Marquess of Londonderry – Vol. VI, London, William Shoberl Publisher, 1851, pp. 421-423]. 

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Nota:

Brigadeiro-General Charles Stewart (meio-irmão do próprio Lord Castlereagh), tinha partido da Inglaterra em finais de Julho com a expedição do corpo militar comandado pelo General John Moore. Como já referimos, devido a uma tempestade, as embarcações que traziam a bordo estes militares demoraram mais de duas semanas para se reunirem no ponto combinado, a oeste do cabo Finisterra. Para evitar perder mais tempo, enquanto Moore acabava de reunir a frota que trazia os seus corpos, o General Harry Burrard (segundo no comando do exército britânico destinado a Portugal), que também vinha nesta expedição, decidiu adiantar-se, a bordo duma fragata, no dia 16 de Agosto. Ao chegar ao Porto, Burrard recebeu as cartas que Wellesley lhe tinha ali deixado e decidiu partir imediatamente ao seu encontro, vendo-se no entanto impossibilitado (devido a ventos contrários) de enviar ordens a Moore para este o seguir. Depois de esperar algum tempo pelas ordens de Burrard, e apercebendo-se que estas não chegariam tão cedo devido aos referidos ventos contrários, Moore acabou por decidir partir para o sul. Charles Stewart, que, como dissemos, vinha nesta expedição, teria então avançado à frente de Moore, partindo para o Porto (no dia 17 ou 18) para entrar em contacto com Burrard, ou, se este já tivesse partido (o que realmente ocorrera, como acima ficou dito), para saber quais eram as suas ordens. Stewart desembarcou no Porto (no dia 18 ou 19), sendo então informado que Burrard partira ao encontro de Wellesley. Devido a este inesperado conjunto de circunstâncias, Stewart encontrou-se na mesma ocasião com o Brigadeiro-General Frederick von Decken, agente secreto do Governo britânico, que tinha acabado de chegar ao Porto no dia 17 de Agosto, e que logo nessa noite se encontrara com o Bispo e Presidente da Junta Suprema do Porto. Von Decken aproveitou assim a passagem de Charles Stewart para lhe encarregar de ser o portador da sua primeira carta a Dalrymple sobre as intenções do Bispo do Porto. Sabemos que Charles Stewart chegou ao Vimeiro no dia 24 de Agosto, antes de John Moore, com a referida carta de von Decken, mas a partir daí ignoramos o seu destino, sendo bastante provável que se tenha mantido, pelo menos até à data da carta acima traduzida, com o exército agora comandado por Dalrymple. 

Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, ao General Hew Dalrymple (4 de Setembro de 1808)





Esboço*.



Downing Street, 4 de Setembro de 1808.



Senhor:

Não posso permitir que a minha carta oficial de hoje parta sem incomodar-vos com algumas linhas, a fim de declarar confidencial e privadamente o estado sincero dos sentimentos do Governo sobre a comunicação do senhor Sousa.
Não podemos certamente dar qualquer crédito aos papéis que ele transmitiu**; e ainda estamos incapazes de compreender a ideia errada que lhe foi imposta. O acordo parece-nos muito mais vantajoso para os franceses do que alguma vez poderiam pretender reivindicar;  ainda que seja este o caso, estamos inclinados a não lhe dar crédito; porém, os termos, tal como se referem a Portugal, bem como ao sacrifício gratuito da frota russa, não para a Rússia, mas para a França - pois só a França poderia tirar proveito de tal estipulação - tornam improvável, no nosso julgamento, que [os ingleses] tenham anuído a tais proposições; e apenas podemos supor que o General Kellermann talvez tivesse avançado com tal papel enquanto primeiro projecto, e que, enquanto tal, pudesse ter sido autentificado pelas assinaturas que nele estão inscritas. Resumindo, é difícil pensar sobre este assunto na sua forma actual, e espero que em breve sejamos libertados da tarefa de nos esforçarmos para resolver este enigma, que o ministro português [D. Domingos de Sousa Coutinho], com a declaração das pretensões mais injustificáveis da parte da sua corte, induziram-me a transmitir-vos, juntamente com a resposta que ele recebeu do senhor Canning
Tenho a honra de ser, etc.,

Castlereagh

[Fonte: Charles William Vane (org.), Correspondence, Despatches, and other Papers of Viscount Castlereagh, second Marquess of Londonderry – Vol. VI, London, William Shoberl Publisher, 1851, p. 425]. 


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Notas:

Na edição que consultámos para a presente tradução, indica-se que este documento é um esboço [draft], e assim sendo ignoramos se Castlereagh o chegou a enviar, ipsis verbis, ao seu destinatário. 

** Como se percebe pela nota oficial de D. Domingos de Sousa Coutinho a George Canning e pela resposta deste último, entre os diversos documentos que o referido embaixador de Portugal em Londres apresentou à Secretaria dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha, no dia 3 de Setembro, encontravam-se pelo menos os seguintes (aqui ordenados por ordem cronológica):

Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, ao General Harry Burrard (4 de Setembro de 1808)



Downing Street, 4 de Setembro de 1808.


Senhor:

Recebi, através do Capitão Campbell, ajudante de campo do Tenente General Sir Arthur Wellesley, o vosso ofício de 21 do passado mês, que incluía a notícia que aquele General vos tinha dirigido sobre a assinalada vitória obtida pelas forças de Sua Majestade debaixo das suas ordens, ao ser atacada, no Vimeiro, pela totalidade da força francesa em Portugal, comandada pessoalmente pelo General Junot. 
Depois de transmitir o mesmo ofício a Sua Majestade, recebi ordens de Sua Majestade para que declareis ao Tenente General Sir Arthur Wellesley que a disposição que ele tomou para receber o inimigo, bem como a perícia e valor que ele demonstrou ao conseguir derrotá-lo completamente, proporcionaram a Sua Majestade a mais alta satisfação.
A conduta do Major General Spencer e dos outros Generais e Oficiais que tão habilmente executaram as ordens que receberam, demonstrando tantos exemplos de discernimento e de valor, é altamente honorável para eles próprios e satisfatória para Sua Majestade.
Tereis o prazer de comunicardes a satisfação que Sua Majestade sentiu perante a bravura deliberada e firme pela qual as suas tropas se distinguiram, reflectindo ao mesmo tempo igual honra perante o carácter e disciplina do seu exército, qualidades que por si só permitem contemplar permanentemente o sucesso na guerra.
A delicadeza e a honorável paciência que vos determinou, apesar de presente na acção, a não interferirdes com as disposições previamente tomadas pelo Tenente General Sir Arthur Wellesley, que estavam então a ser executadas, foram observadas por Sua Majestade com aprovação.
Tenho a honra de ser, etc., 

Castlereagh

[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 123-124].

Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, ao General Wellesley (4 de Setembro de 1808)



Downing Street, 4 de Setembro de 1808.


Senhor:

Recebi, através do Capitão Campbell, vosso Ajudante de Campo, os vossos ofícios de 16 e 17 de Agosto, contendo o primeiro o relato da acção em Alcobaça [sic], que obrigou o inimigo a retirar os seus postos avançados; e contendo o do dia 17 o relato do vosso ataque, com as tropas debaixo do vosso comando, sobre os corpos avançados do inimigo na sua posição formidável perto de Óbidos [sic], e da sua completa derrota.
Estes ofícios foram comunicados a Sua Majestade, e transmito-vos por este meio a plena satisfação de Sua Majestade perante a conduta hábil, sensata e decisiva que haveis demonstrado, através da qual as armas de Sua Majestade reflectiram tanto crédito, e que tanto facilitou o avanço do exército no sentido de reduzir completamente o inimigo.
Sua Majestade também manifestou que é do seu real agrado que transmitais a sua mais grata aprovação ao Major General Spencer e aos Generais e outros Oficiais debaixo do vosso comando, pela perícia, valor e perseverança que revelaram, e às tropas em geral, pela coragem, frieza e determinação que parece que marcaram a sua conduta.
Tenho a honra de ser, etc., 

Castlereagh


Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, ao General Arthur Wellesley (4 de Setembro de 1808)



Downing Street, 4 de Setembro de 1808.


Meu caro Wellesley:

Acreditareis facilmente que poucos acontecimentos na minha vida, na verdade posso dizer nenhum, deram-me mais gratificação que as notícias das vossas duas esplêndidas vitórias, às quais dificilmente sei dar a preferência. A do dia 21 [batalha do Vimeiro] foi certamente a mais importante em todos os seus resultados, e teve certamente mais características de uma grande vitória; mas existem aspectos na primeira [batalha da Roliça], que não necessito particularizar, que a tornam, como feito militar, não menos merecedora de aplauso. Houve algo caprichosamente providencial no ataque que o inimigo fez sobre vós, no preciso momento que o vosso comando estava passando (e de facto passou formalmente) para outras mãos a glória dos vossos sucessos, ataque esse que a vossa moderação pessoal e o sentido de dever vos induziram a não provocar por qualquer aceleração extraordinária das vossas operações.
Haveis recebido a recompensa dos princípios que governaram a vossa conduta, numa ascensão importante de reputação militar, e haveis sulcado os fundamentos, segundo espero, duma sucessão de triunfos, tão frequentes quanto possamos levar as tropas britânicas a contactar com o inimigo em termos justos. 
Não vejo o Rei desde que o Capitão Campbell chegou. A nota que me enviou assinala como desfrutou dos vossos serviços; e soube que ele ouviu os detalhes das vossas cartas com tanto interesse e atenção que as sabe quase de cor.
Qualquer outro assunto não me pode incomodar, ao misturar-se com os indivisos sentimentos de gratidão e admiração com que vos dou os meus agradecimentos e parabéns pelos serviços que prestastes ao exército, tal como aos interesses imediatos do vosso próprio país; e estou convencido que, seja qual for o lugar que ocupeis agora no exército, as vossas qualidades enquanto oficial serão reveladas com um zelo igual como enquanto estivestes encarregado do comando supremo.
Reservo-me a escrever sobre outros pontos até uma nova ocasião. 
Sempre, meu caro Wellesley, o vosso mais sincero

Castlereagh


Ofício confidencial de George Canning, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do Governo britânico, a D. Domingos António de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal em Londres (4 de Setembro de 1808)



Confidencial




Ministério dos Negócios Estrangeiros, 4 de Setembro de 1808.


O abaixo assinado, Primeiro Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de Sua Majestade, tem a honra de acusar a recepção da nota oficial do Cavalheiro de Sousa Coutinho, incluindo a cópia de uma Convenção que se supõe ter sido concluída entre os Comandantes dos exércitos britânico e francês em Portugal, juntamente com as observações do General Bernardim Freire de Andrade e do Bispo do Porto a seu respeito, assim como a cópia de uma carta dirigida pelo Bispo do Porto ao Comandante da esquadra russa no Tejo.
Quanto ao primeiro destes documentos, cumpre ao abaixo assinado certificar ao Cavalheiro de Sousa Coutinho que não foi transmitido ao Governo de Sua Majestade; que a suposta Convenção parece apresentar bastantes razões de dúvida na sua autenticidade, e que se deve nutrir firme esperança de que ou a sua substância virá provar que foi erradamente anunciada, ou que o seu intento e natureza foram expressos de um modo inexacto.
O abaixo assinado deseja com sinceridade que possa haver dúvidas da mesma espécie quanto à autenticidade da carta do Bispo do Porto ao Almirante russo, escrita, como parece, a 22 de Agosto, e, por conseguinte, ainda antes que a suspeita da Convenção (tal como é representada) pudesse chegar ao Porto.
Mas, se esta carta se considerar genuína, e se pela sua comunicação ao Governo britânico se pretendeu intervir para proteger a esquadra russa, o abaixo assinado tem ordem de notificar imediatamente ao Cavalheiro de Sousa Coutinho o modo por que tal intervenção seria olhada por Sua Majestade.
Sua Majestade manda um exército para libertar Portugal do domínio da França e para se apoderar de uma esquadra inimiga ancorada num porto ocupado pelos exércitos franceses e inteiramente debaixo da sua autoridade.
As armas de Sua Majestade ganham uma vitória sobre as da França, o que promete a realização de um dos fins indicados.
Com tanta surpresa como indignação saberia Sua Majestade que o primeiro uso que faziam da vitória aqueles em cujo proveito se deu a batalha, era assumirem o exercício dos direitos de independência e neutralidade para proteger contra os conquistadores a esquadra de outro inimigo de Sua Majestade, aliado e confederado da França.
O abaixo assinado tem ordem de protestar com a maior energia contra uma pretensão tão absolutamente injustificável, e de negar autoridade ao Bispo do Porto ou a qualquer outro Governo Provisório para se interpor entre as armas vitoriosas de Sua Majestade e as consequências naturais da vitória.
Se tal pretensão fosse mantida em nome do Príncipe Regente pelo Ministro acreditado de Portugal, cumpria a Sua Majestade pensar seriamente qual a consideração que merecia um país cujo livramento as armas de Sua Majestade empreenderam e que convertia esse benefício em vantagem dos inimigos de Sua Majestade.
O abaixo assinado tem além disto ordem de Sua Majestade para recomendar à atenção do Cavalheiro de Sousa Coutinho a parte da carta do Bispo do Porto em que se menciona um «Tratado de aliança ultimamente concluído entre Sua Majestade Fidelíssima e o Imperador da Rússia», e de pedir ao Cavalheiro de Sousa Coutinho que o informe de qual é o Tratado a que se alude.
O abaixo assinado pede ao Cavalheiro de Sousa Coutinho que aceite os protestos da sua subida consideração.


George Canning


[Fonte: Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potências desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, pp. 86-91 (texto original e tradução portuguesa - itálicos conforme o original)]
 

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Dalrymple (4 de Setembro de 1808)





Senhor:


Uma forte inflamação nos olhos impediu-me de acusar logo de seguida a recepção da carta de Vossa Excelência do dia 2 do mês corrente, o que tenho a honra de fazer hoje; gostaria que me fosse possível estar aí, mas o desejo de terminar honoravelmente a comissão que o General Freire de Andrade me encarregou leva-me à necessidade de continuar uma correspondência que a volta que tomaram os negócios parecia ter terminado. Vossa Excelência certamente perceberá que a sua resposta à minha carta datada do primeiro dia deste mês não é bem uma resposta às questões que vos coloquei; não obstante, essa mesma resposta contém uma acusação grave, e parece que de alguma forma faz recair sobre o meu General tudo o que nos artigos da Capitulação ajustada entre Vossa Excelência e o General Junot pode comprometer a honra e a dignidade nacional e, sobretudo, a autoridade do Príncipe Regente meu Senhor; acusação esta que, em última análise, recai completamente sobre mim, visto que eu tinha sido comissionado e munido de poderes para fazer perceber a Vossa Excelência os inconvenientes contidos no tratado do Armistício.
Consequentemente, rogo a Vossa Excelência a licença para começar o assunto do início, e que me desculpeis se entrar em detalhes minuciosos, mas ajo pela minha honra, única herança que recebi dos meus antepassados, a qual devo conservar em toda a sua pureza. Pelo que parece, Vossa Excelência queixa-se que o meu General não lhe fez quaisquer observações necessárias sobre os diferentes artigos da Capitulação, enquanto as negociações estavam ainda sobre a mesa, e que, em consequência, Vossa Excelência se crê completamente isenta de toda a responsabilidade. No dia 23 de Agosto, recebi uma ordem do meu General para me dirigir a Vossa Excelência a fim de lhe fazer saber os inconvenientes que deveriam resultar para este país, se os artigos do Armistício concluído a 22 de Agosto não fossem modificados. No mesmo dia 23 apresentei a Vossa Excelência a carta do meu General, que me autorizava a propor a Vossa Excelência, em seu nome, aquelas observações que se deveriam fazer às estipulações do Armistício, o que com efeito tive a honra de fazer verbalmente, artigo por artigo, numa conferência de quase duas horas, que Vossa Excelência me concedeu; e foi perante a minha solicitação que Vossa Excelência enviou nesse mesmo dia ao meu General a participação oficial dos artigos do Armistício, a qual Vossa Excelência lhe tinha transmitido confidencialmente um dia antes. Vossa Excelência recordar-se-á indubitavelmente que fiz-vos a observação de que o Governo e o Povo português eram tratados de forma um pouco secundária no Armistício, e que fiz tudo o que estava ao meu alcance para fazer perceber a Vossa Excelência o que daí poderia resultar, e que era absolutamente necessário que o Exército português e o Governo do país fossem de alguma forma considerados, nem que fosse apenas para pôr um travão aos falsos rumores que os facciosos e amigos dos franceses propagariam; fiz ver a Vossa Excelência que os artigos 3.º e 4.º do Armistício não eram mais do que uma artimanha da parte dos franceses, ao requererem uma linha de demarcação para os exércitos portugueses entre Leiria e Tomar, ao mesmo tempo que sabiam bastante bem que esses exércitos portugueses formavam um corpo regular do exército, e que esse corpo já estava a sete léguas à frente da linha de demarcação que eles propunham. Vossa Excelência recordar-se-á igualmente das observações que tive a honra de vos fazer sobre o artigo 5.º, pois não acreditava que os franceses fossem tão fortes como para merecer tantas considerações, e que, de qualquer forma, iríamos em tal caso pedir-lhes conta dos saques, rapinas, depredações, assassinatos e sacrilégios de todo o tipo cometidos neste reino e contra os seus habitantes, o que requeria uma vingança exemplar. Sobre o artigo 6.º observei a Vossa Excelência que uma tal estipulação, ao dizer respeito aos portugueses, parecia ser mais uma resolução do Governo do que dos Generais do Exército; porém, como tinha a certeza que a intenção dos verdadeiros portugueses não era tanto a vingança contra os traidores, mas sim de se precaverem contra as suas maquinações, referi que ficaria satisfeito se se estipulasse a sua retirada imediata deste país. As respostas verbais de Vossa Excelência, as quais logo de seguida transmiti ao meu General, levando-me a crer que as minhas observações tinham merecido a consideração de Vossa Excelência, fizeram-me esperar o resultado mais feliz da minha comissão, e foi esta mesma convicção que me fez julgar que era desnecessário pôr por escrito as minhas requisições (único erro que me podem acusar; ainda assim, espero que o mesmo seja perdoado pela minha sinceridade e pela probidade ligada ao nome inglês). 
Posto isto, Vossa Excelência dá-se ao trabalho de comparar os artigos 16.º e o 17.º, bem como o 1.º adicional do tratado definitivo, com os preliminares do Armistício, e estou seguro que Vossa Excelência concordará comigo que nenhuma modificação daqueles que eu propus se encontra nos artigos 16.º e 17.º, mas que, pelo contrário, não se fizeram senão amplificações em completo benefício dos franceses, declarando a caixa militar compreendida na estipulação do artigo 5.º do Armistício, da mesma maneira que oitocentos cavalos, sem se ter tido atenção que o Exército francês não trouxe para Portugal mais do que os napoleões de ouro de baixa qualidade, fabricados expressamente para serem trocados pelo ouro português, e que os cavalos franceses foram vendidos em hasta pública e a sua cavalaria foi remontada à custa do público e das cavalariças de Sua Alteza Real o Príncipe Regente; e que o primeiro artigo adicional é não só completamente novo, mas duma tal natureza que o General Freire não pode mesmo dar o seu consentimento, sem a expressa determinação do Governo. Vossa Excelência verá também que, ainda que o Exército, o Governo e o Povo português tenham sido tão pouco considerados nas bases do tratado, não se lhes faz qualquer menção na conclusão definitiva. Que Vossa Excelência considere assim como é que o General Freire e eu próprio enquanto seu comissário poderíamos ter feito observações sobre assuntos que não tinham sido de todo considerados nos [artigos] preliminares, e espero que Vossa Excelência concluirá que jamais nos poderemos crer responsáveis pela conclusão dum negócio ao qual o consentimento dos portugueses não foi chamado senão por formalidade. Espero da bondade de Vossa Excelência que me queira acusar a recepção desta carta, e ouso ao mesmo tempo pedir-vos a permissão de tomar todas as medidas possíveis para que a minha conduta em todo esta negócio possa parecer aos olhos do Governo e do Povo português tal como realmente foi, e que a minha honra, que ponho por cima de tudo o que há no mundo, não possa sofrer qualquer estigma. Tenho a honra de ser com o mais profundo respeito o mais humilde e respeitoso servidor de Vossa Excelência.


Aires Pinto de Sousa


Quartel-General de Mafra, 4 de Setembro de 1808.

[Fonte: Esta carta foi escrita originalmente em francês, e é nessa língua que aparece publicada nas seguintes obras: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, pp. 205-206 (doc. 107); Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 34-36 (doc. 77)].

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao General Dalrymple (4 de Setembro de 1808)





Devendo responder à carta de Vossa Excelência que acompanhou a remessa da Convenção Definitiva, que tive a honra de receber hoje, observarei a Vossa Excelência que eu recebi a comunicação dos artigos do Armistício depois de ele estar decretado, e que pelo Major Aires Pinto de Sousa fiz imediatamente a Vossa Excelência as observações que pareceram mais precisas, para fazer conhecer a Vossa Excelência os inconvenientes de muitos deles, as quais foram lidas a Vossa Excelência, que, livrando-me de todo o cuidado pelo que respeitava à independência da Nação e [ao] restabelecimento do Governo de Sua Alteza Real o Príncipe Regente meu Amo, deu a alguns [artigos] explicações aceitáveis, e fez esperar a modificação de outros, termos em que nada mais restava a ponderar para o ultimatum desta negociação. Agora aparece o Tratado concluído não só com os mesmos artigos mais detalhados, mas com outros adicionais, que o primeiro não continha. 
ontem [sic]* protestei a Vossa Excelência por carta, que não me foi respondida, que eu não ficava responsável por este ajuste, de que só se me comunicou a cópia depois de concluído; mas como vejo nele estipulações que são e podem parecer atentatórias à Soberana Autoridade do Príncipe Regente ou do Governo que o representa, assim como à Independência e Segurança deste país, e aos seus interesses, sou obrigado desde já a protestar a Vossa Excelência e do modo mais formal e solene contra todos aqueles que forem desta natureza, e particularmente contra os que vão acusados na Protestação que será entregue a Vossa Excelência por duplicata, a fim de voltar uma delas assinada por quem Vossa Excelência ordenar.
Porém, como estou intimamente persuadido de que as intenções do Governo britânico são em tudo conformes às intenções do Governo português, e que ele e Vossa Excelência só têm em vista o restabelecimento do Governo do Príncipe Regente no mesmo estado de independência em que se achava antes da injusta invasão do Exército francês, depois de satisfazer aquele dever, vou [as]segurar a Vossa Excelência que eu me prestarei sempre da melhor vontade para tudo o que puder tender àquele fim.
E como Vossa Excelência deseja que eu lhe exponha as minhas ideias a este respeito, tomo sobre mim expor a Vossa Excelência na memória inclusa os únicos meios que me ocorrem para modificar a impressão que tem feito no público, e especialmente no Exército do meu comando, o que transpirado acerca deste ajuste no que nos respeita imediatamente. Pelo que pertence à situação em que se deve estabelecer este Exército, enquanto não se conclui a evacuação ajustada, ou não receba novas instruções do meu Governo, julgo que eu Mafra e suas vizinhanças fico mais comodamente, mesmo em razão das subsistências, que recebo pelo porto da Ericeira, e particularmente por ficar mais ao alcance de conferir com Vossa Excelência sobre estes assuntos em geral e em detalhe, logo que Vossa Excelência se sirva de dizer-me o dia em que nos poderemos juntar para esse efeito. Quanto à intimação da Convenção aos Exércitos portugueses que se acham fronteiriços às praças e aos comandantes das guarnições francesas, devo observar a Vossa Excelência que, além da minha autoridade militar não se estender ao Alentejo e Algarve, eu não posso prestar-me ao que Vossa Excelência me insinua a respeito da praça de Almeida, nem intimar este este Tratado às guarnições francesas, ou tomar sobre mim a sua execução; sendo ela, aliás, reservada a Vossa Excelência no mesmo artigo 12, observando a Vossa Excelência que se for preciso que as guarnições de Elvas e fortes da sua dependência, e de Almeida, entreguem aquelas praças a Exércitos ingleses, muito se deverá demorar a evacuação deste Reino pelo Exército francês.
Contudo, mando suspender as hostilidades em Peniche, por estar observada por tropa do meu imediato comando, reservando-me sempre o direito da protecção sobre os povos circunvizinhos, no caso que a guarnição daquela praça, debandando-se, cometa hostilidades particulares como tem praticado por ali mesmo, segundo me consta por ofícios dos Governadores militares das povoações confinantes.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Quartel-General da Encarnação, 4 de Setembro de 1808.

Bernardim Freire de Andrade.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 29-31 (incluída no doc. 75)].


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Nota: 


* Apesar de datada do dia 4 de Setembro, esta carta parece ter sido na verdade composta no dia anterior, como aliás o próprio Bernardim Freire de Andrade reconhece na carta que viria a enviar a Dalrymple no dia 7.  Ademais, quando o dito General português escreveu no mesmo dia 3 ao Bispo do Porto (carta essa, por sua vez, datada de 4 de Setembro), o documento acima transcrito já estava composto, sendo aí aludido como a "cópia n.º 4".

Protesto do General Bernardim Freire de Andrade contra a Convenção de 30 de Agosto (4 de Setembro 1808)






PROTESTAÇÃO
que faz Bernardim Freire de Andrada [sic], General Comandante das Tropas Portuguesas, 
contra os Artigos da Capitulação convencionada e assinada entre o Exército Inglês e o Francês para a evacuação de Portugal.


Protesto em geral pela falta de contemplação que se teve neste Tratado com Sua Alteza Real o Príncipe Regente, ou o Governo [=Junta Suprema do Porto] que o representa; por tudo o que pode ser atentatório à Autoridade Soberana e [à] independência do mesmo Governo; por tudo o que pode ser contrário à Honra, Segurança e Interesses da Nação, e particularmente contra o que se acha estipulado nos seguintes artigos:


Artigos 1.º, 4.º e 12.º: Na parte em que determina a entrega das Praças, Armazéns e Navios portugueses às Forças inglesas, sem declarar por algum modo obrigatório que esta entrega é interina, e que intenta restituí-las logo ao Príncipe Regente de Portugal ou ao Governo que o representar, a quem pertencem, e a quem as Forças inglesas vieram auxiliar.
Artigo 16.º: Na parte em que permite a demora em Portugal aos indivíduos nele mencionados.
Artigo 17.º: Na parte em que se pretende ligar o Governo deste Reino a não inquirir e castigar por algum modo aqueles indivíduos que notória e escandalosamente foram desleais ao seu Príncipe e à sua Pátria, servindo o partido francês; e quando a protecção do Exército inglês os salve da pena que mereciam, não os deve livrar de um extermínio que isente este país de ser por eles outra vez atraiçoado.
Artigo 1.º dos artigos adicionais: Que não pode por modo algum ser obrigatório para o Governo deste Reino sem uma reciprocidade que não se estipula.
Finalmente, protesto pela falta de contemplação que se teve com os habitantes da capital e suas vizinhanças, deixando de se estipular a seu favor a segurança de que não seriam vexados durante o tempo que os franceses ainda ali se conservassem, ao menos como uma reciprocidade do que se estabelecia nos artigos 16.º e 17.º a favor dos franceses e seus sequazes.
E limito aqui os meus protestos, para não aumentar a lista, deixando de fazer menção de outros objectos de menos consideração, tais como a concessão de 800 cavalos, sem se atender que eles são quase todos tirados de Portugal, e não devem ser por isso considerados como propriedade francesa; e a [concessão] dos armazéns de víveres fornecidos à custa do país, e por isso só pertencentes de facto, mas não de direito, aos injustos possuidores do mesmo país. 
Quartel-General da Encarnação, 4 de Setembro de 1808.

Bernardim Freire de Andrade


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 28-29 (doc. 75). Este documento aparece ligeiramente truncado in  Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potências desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, pp. 103-104; Raul Brandão, El-Rei JunotLisboa, IN-CM, s.d., p. 251. Este texto tornou-se público em inglês apenas duas semanas depois de ter sido composto [cf., por exemplo,  Bell's Weekly Messenger, London, 21th September 1808 (apud doc. manuscrito disponível no Arquivo Histórico Militar com a cota PT AHM/DIV/1/14/005/02); The Edinburgh Annual Register for 1808. Vol. First - Part Second, Edinburgh, Printed by James Ballantyne and Co, 1810, pp. 204-205; Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 207 (doc. 108)]. Em português, este documento apareceu originalmente publicado também em Londres, aparentemente (re)traduzido a partir do inglês, no Correio Braziliense de Setembro de 1808 (pp. 325-326), embora com a data errónea de 14 de Setembro de 1808, lacuna com que também apareceu estampado na própria imprensa britânica. Com tal erro foi também publicado, com algumas variantes (provavelmente derivadas doutra tradução do texto em inglês) por Simão José da Luz Soriano, na sua História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 118-119. Sobre a data errónea de 14 de Setembro, com a qual este documento, como dissemos, apareceu estampado no Correio Braziliense, veja-se ainda o que escreveu Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão, logo em 1809, nas suas Reflexões sobre o Correio Braziliense (Lisboa, Impressão Régia, 1809, p. 55)]. 


Carta de D. Miguel Pereira Forjaz, Brigadeiro Ajudante General do Exército Português, ao General Dalrymple (4 de Setembro de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Chegando a esta vila [de Mafra] com uma comissão do General Comandante do Exército português, Bernardim Freire de Andrada [sic], me consta que por equivocação dum oficial português se denunciará ao General Murray, que aqui se acha com a sua Brigada, um depósito de farinhas, cevadas e outros géneros que os franceses haviam ultimamente obtido por requisição ao país, de que o mesmo General Bernardim Freire estava ciente pelas participações que lhe havia feito o Juiz de Fora da mesma vila, e com que contava para a subsistência das suas tropas. Estou certo de que nem as intenções do General Murray nem as de Vossa Excelência são de privar as tropas portuguesas destas subsistências, havidas violentamente no seu país; porém, como o General Murray me [as]segura ter já participado a Vossa Excelência este acontecimento, e depender da sua decisão esta entrega, que ele desejaria fazer imediatamente.
Conhecendo por outra parte a necessidade que haverá de que ela não se retarde, apreço-me em solicitar de Vossa Excelência as ordens necessárias para que ela se verifique, aproveitando igualmente esta ocasião de presentar a Vossa Excelência os meus respeitos, e que tenho a honra de me assinar. De Vossa Excelência o mais atento e fiel servidor.

D. Miguel Pereira Forjaz

Mafra, 4 de Setembro de 1808.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 33-34 (doc. 76)].

Carta do General Beresford e do Tenente-Coronel Proby ao General Dalrymple (4 de Setembro de 1808)






Lisboa, 4 de Setembro de 1808.




Senhor:


Apesar de não termos recebido quaisquer instruções precisas, a partir das vossas diversas comunicações com que fomos honrados, e mais particularmente pela carta desta data dirigida pelo vosso Secretário militar ao Coronel Lord Proby, parece que entendeis que, de acordo com a Convenção ajustada com os franceses para a evacuação de Portugal, existem limitações em relação à quantidade e natureza das bagagens que eles devem levar; e como parece que eles consideram que, segundo a Convenção, têm direito a levar (e que nós devemos fornecer os devidos transportes) tudo quanto estava na sua posse antes da ratificação da Convenção ajustada a 30 de Agosto, fosse qual fosse o meio pelo qual o tivessem obtido, ou a quem quer que pertencessem, e como eles podem citar alguns artigos do Tratado com bastante peso a seu favor, e em todo o caso caso invocarão aquele que declara que sempre que surja uma dúvida esta será interpretada a favor dos franceses, pensamos que é necessário rogar-vos que nos informeis acerca do tipo de propriedade pública e privada que nós possamos, em conformidade com o Tratado, negar o seu embarque ou transporte para fora do país.
É justo informar Vossa Excelência que, exceptuando os navios e os arsenais militares e navais, não existe qualquer espécie de propriedade pública que os franceses aparentem ter a menor intenção de abdicar; e devemos assinalar particularmente que temos razões para pensar que continuam por aqui muitos dos objectos de valor de Sua Alteza Real o Príncipe Regente, bem como dos saques extraídos das igrejas; e os franceses pretendem levar ou vender muita da sua propriedade particular. De forma semelhante, muito recentemente, empacotou-se a Livraria Real e muitos dos artigos do Museu de História Natural, com a intenção de serem levados para fora do país; e não antes do dia 29 de Agosto, extraiu-se a quantia de cerca de 20.000 libras [80 contos de réis] do assim chamado Depósito Público [sic], o que é, de facto, um roubo a indivíduos particulares, pois este dinheiro estava guardado em depósito, embora pertencesse a particulares, até que houvesse uma decisão do litígio que o concerne. 
Para além disto, considerando que é contrário às sabidas leis das nações e às regras de guerra a apropriação, através da distribuição privada a indivíduos particulares, daquilo que sempre se considera como propriedade pública (não há ao presente a mínima intenção de nos darem qualquer relatório de qualquer dinheiro público ou propriedades de qualquer espécie), acreditamos particularmente que quando o objecto tratado não é a aquisição de território num país qualquer, mas sim a totalidade do país, então, durante uma trégua, em cujo caso é inadmissível que se faça alguma requisição ou uma receita forçada ou extraordinária de dinheiros públicos, sobretudo pela parte que pede tal trégua, que, para todas as intenções e propósitos, deve ser considerada como uma operação militar e com um objectivo militar, se as suas negociações falharem, ou se daí resultar o prejuízo dos interesses daqueles que garantiram a trégua, caso a negociação termine no abandono do país por aqueles que fazem a requisição; e, sinceramente, não conseguimos pensar que se tenham garantido à parte que rogou por uma trégua tais termos desfavoráveis para o poder superior.
Contudo, pensamos que é justo submeter estas considerações a Vossa Excelência, para que possamos ter alguma garantia, ao fazer as nossas objecções, em que terreno pisamos; pois ainda hoje, na nossa entrevista com o General Kellermann, evitámos tocar nestes assuntos delicados, perante as evasões e as objecções muito recatadas e quase indiferentes que assistimos, pelo que temos razões para recear os protestos mais categóricos e violentos a qualquer objecções que possamos fazer ao transporte para fora do país de tudo aquilo que eles denominam Propriedade do Exército.
Temos a honra de ser os mais humildes e obedientes servidores de Vossa Excelência,

W. C. Beresford,
Major General.

Proby,
Tenente-Coronel



Carta do Capitão Dalrymple ao Tenente-Coronel Proby (4 de Setembro de 1808)





Quartel-General, Sintra, 4 de Setembro de 1808.




Meu Senhor:


Sua Excelência o Comandante das forças [General Dalrymple] ordenou-me para vos informar que o Tenente-Coronel Murray garantiu ao General Kellermann que os Comandantes britânicos estariam dispostos a mostrar toda a atenção à recomendação do Comandante francês, garantia esta que Vossa Senhoria pode seguramente renovar; mas a questão dos navios dinamarqueses já está decidida, e ele deveria imaginar que a atribuição de cinco deles para levarem quaisquer propriedades do exército francês seria inadmissível por muitas razões. Entre outras, os portugueses referem de facto que valiosas propriedades públicas e privadas estão a ser embarcadas neste momento a bordo dos navios dinamarqueses, ou a ser postas à venda pelo exército português; convém que esta calúnia, se for infundada, seja repelida tanto pelo General francês como pelo britânico; o General [Dalrymple] foi ontem fortemente pressionado sobre este assunto, e os exemplos fornecidos eram tão evidentes que, apesar dele não se convencer a acreditar nestes factos, enviou o General Beresford como vosso colega, para aliviar-vos da menor parte de contrariedade e trabalhos que podem surgir ao buscar-se os meios necessários para prevenir a possível existência de alguma base verdadeira, ou falsa, na qual tal afirmação pode de futuro ser especiosamente avançada. Nas comunicações que possais ter com os Generais franceses sobre este assunto, o Comandante das forças [britânicas] pensa que deveis observar que existirão suficientes transportes britânicos para levar todos os bens que os Oficiais franceses tencionam remover (segundo a Convenção); a continuação dos franceses em posse, durante um determinado período, do posto onde os espanhóis estão confinados, cria alguma dificuldades sobre este ponto; contudo, o General consentirá que ocupem Aldeia Galega [=actual Montijo], ou qualquer lugar conveniente da margem sul do Tejo, providenciando o seu desembarque imediato.

Capitão e Secretário Militar.