segunda-feira, 27 de junho de 2011

Relação de Bernardo António Zagalo, Comandante do Destacamento que foi atacar o Forte da Figueira da Foz (27 de Junho de 1808)



Figueira, 27 de Junho.


Tendo partido de Coimbra na tarde do dia 25 de Junho, mandei o destacamento comandado por António Inácio Coiolla [sic], Sargento de Peniche, pela margem meridional do Mondego, e eu com quatro cavaleiros fui por Tentúgal e Carapinheira até Montemor, onde dei o ponto de reunião. Por todas as vilas por onde passamos aclamou-se a repiques de sinos, e entre inumeráveis vivas, o Nosso Augusto PRÍNCIPE, e descobriram-se as suas Reais Armas. Reunidos em Montemor, continuamos a marchar de noite, e às 7 da manhã chegámos à vila da Figueira acompanhados por quase 3.000 homens de Ordenanças armados com lanças, piques e foices. Mandei atacar a vila por duas divisões com ordem de se reunirem na praça, prenderam-se 11 franceses que andavam fora do forte, e mandei pôr sentinelas à porta do Governador. Caminhámos depois para o forte com o fim de o obrigar a render-se por fome, pois a gente que nele se achava estava em absoluta necessidade de tudo. Vendo porém que o povo, sem reflectir no perigo, se adiantava demais, corri à sua frente e o fiz retirar; nessa ocasião dispararam os franceses alguma mosquetaria e uma peça de artilharia sobre nós; mas tendo observado os seus movimentos, deitámo-nos, e não feriram uma única pessoa. Como o cerco estava formalmente lançado, e a comunicação com o Cabedelo inteiramente cortada, intimei aos franceses que se rendessem, pois sabia que não tinham mantimentos nem para aquele dia, aliás seriam passados à espada; o Comandante respondeu que era um Tenente Engenheiro português e que não podia render-se por causa do perigo em que ficava a sua família, que tinha em Peniche em poder dos franceses; em razão disto continuou o cerco, e quando se estavam a render à discrição de hora para hora, recebi no dia 27 ordem do Governador de Coimbra para me retirar imediatamente para aquela cidade; mas como queria acabar a empresa, propus ao Comandante que se entregasse, e que se poderia ir com a sua gente para Peniche, levando espingardas e mochilas, porém sem pólvora nem bala. A condição foi aceite; e entrando no forte acompanhado do Major de Buarcos e dos Juízes de Fora da Figueira e de Tentúgal, descarregaram-se as espingardas, e os franceses foram-se embarcando para passarem à outra banda, caminho de Peniche. O povo porém não tendo aprovado esta convenção puramente vocal, foi examinar os soldados, cujas cartucheiras ainda que se achassem vazias, entre elas contudo e as patronas descobriram-se mais de vinte cartuchos a cada soldado. Consequentemente ficaram todos prisioneiros, e mais dois Tenentes, um de Artilharia e outro de Engenharia, que era o Comandante. Mandou-se arvorar no forte a bandeira portuguesa com salvas de artilharia, ficando Governador o Major Soares, pois que o antecedente e seu filho vieram presos; e de tudo se deu parte à esquadra inglesa. Feito isto, imediatamente marchámos para Coimbra, trazendo connosco os prisioneiros, as suas armas, e cinco peças de artilharia para defesa da cidade.

Assinado: Zagalo



Crónica dos acontecimentos e medidas tomadas em Coimbra nos dias 26 e 27 de Junho de 1808





Coimbra, 27 de Junho.


O dia de Domingo 26 de Junho será hum dia memorável nos fastos de Coimbra. Recebeu-se notícia de ofício de ter Loison entrado no dia 25 de tarde na cidade de Viseu, e que se encaminhava para Coimbra. As almas fortes e generosas reuniram-se junto do Excelentíssimo Senhor Governador, e tomaram-se grandes medidas de defesa. Mandaram-se pôr em armas todos os povos que bordam a estrada de Mortágua para Coimbra, e igualmente os que habitam desde a Ponte da Mucela até à mesma cidade; e repartiu-se com eles alguma pólvora. Ordenou-se que se abrissem grandes fossos em ambas as estradas, que se cortassem os pinheiros e outras grandes árvores, que as entulhassem, enfim, que as tornassem impraticáveis por todos os meios possíveis. Mandaram-se vir todas as Ordenanças da Comarca, e já na segunda-feira entraram mais de 8.000 armados de piques e roçadoras, e de muitas espingardas que tinham escapado à ordem dos nossos cobardes opressores, que as tinham mandado entregar. Deitou-se um bando [=aviso público], para que todos os moradores se munissem com muitas pedras, cal viva e lume aceso para terem pronta água a ferver, para que se o inimigo pudesse escapar aos ataques exteriores  morresse dentro da cidade. Mandou-se igualmente que se fizessem entrincheiramentos com barricas, cadeiras, estacas, etc., nas bocas das ruas por onde o inimigo podia entrar. Confiou-se esse trabalho aos moradores de cada rua; mas uma reflexão mais sossegada lembrou, que noutras iguais circunstâncias se devem incumbir tais entrincheiramentos a uma companhia de homens, e que se dê um Chefe, que fique responsável pela execução das ordens. Mandaram-se pôr luminárias para que se visse o que se fazia pelas ruas, e para que em caso de algum rebate falso os portugueses não [se] atacassem uns aos outros. Mas é evidente que, no caso de chegar o inimigo, as luminárias se deviam apagar, pois lhe eram muito mais úteis do que aos próprios moradores, que não poderiam combatê-lo tanto a coberto das portas, das janelas e dos telhados; quanto mais o inimigo certamente não havia de tentar a entrada de noite. 
Determinou-se enfim que as mulheres e crianças se recolhessem a suas casas; e que o sinal do rebate verdadeiro seria dado pelos sinos da Universidade, e sendo de noite, seria acompanhado de um farol posto na sua torre.

Os cobardes, e talvez alguns ocultos partidistas franceses julgam que, se Loison descesse de Viseu directamente a Coimbra, conquistaria esta cidade; estão porém perfeitamente enganados, e medem o coração dos outros pela fraqueza do seu; havia grande número de homens denodados, principalmente dos Eclesiásticos e dos Académicos, que tinham determinado pôr-se à testa dos diversos Esquadrões das Ordenanças e do Povo, meterem-se de emboscada nos arrabaldes da cidade, e dentro das travessas e dos becos, e arremessarem-se sobre o flanco dos franceses.
O Excelentíssimo Senhor Governador, tendo mandado chamar a todos os Ministros da terra, quais são Dr. Juiz de Fora, o Dr. Juiz do Crime, o Dr. Corregedor, o Dr. Provedor e o Dr. Vice-Conservador da Universidade, a fim de cooperarem com ele para uma tão justa e gloriosa causa. Estes se prestaram logo, incumbindo-se e executando cada um com toda a prontidão, fidelidade e patriotismo todas as Comissões que lhes têm sido encarregadas; e trabalhando todos com a maior actividade e zelo possível a respeito de um objecto de tanta consideração e importância; e animando a todos com o seu exemplo de praticarem o mesmo. De entre eles foi eleito para Juiz dos Réus de Polícia e Inconfidência o Dr. Provedor Miguel Borges Tavares de Azevedo Gouveia e Castro, o qual tem servido com toda a circunspecção e vigilância um cargo do maior melindre e ponderação. 

Neste dia [26 de Junho] alistaram-se os estudantes, ainda que, por ser tempo de férias, nem metade se achava em Coimbra. Tristão Álvares da Costa, Lente de Cálculo e Major de Engenharia, foi quem dividiu o Corpo em Companhias, formando-se seis, que actualmente se acham bem armadas. Muitos outros estudantes e doutores alistaram-se na Cavalaria e Artilharia. Destes Corpos é que têm saído os Destacamentos que fizeram a conquista dos fortes da Figueira e Nazaré, e de diversas outras expedições de muita honra. Mas seria mais conveniente que se armassem de espingardas ordinárias, para servirem como caçadores, e que as armas pesadas se dessem aos Corpos de Auxiliares que ainda não as tivessem. 
Também se passaram as ordens necessárias para se juntarem todas as Companhias dos Milicianos desta cidade; e efectivamente se acham juntas, e se lhes têm agregado muito dos Soldados de linha veteranos, de maneira que fazem um Corpo de perto de 1.200 praças. 
Não esqueceu mandarem-se emissários com ordens e proclamações para diversas partes, ainda remotas. Uns foram para Miranda, Espinhal, Pedrogão, Sertã e margens do Zêzere, outros para Seia, Gouveia, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Covilhã, etc., e em todas as povoações proclamaram a Restauração do Governo legítimo e a guerra nacional contra os franceses.
A esta medida do enérgico Governo de Coimbra, é que Loison deve a perda que experimentou na sua marcha para Abrantes, a bala que constantemente se afirma [que] recebera num ombro, a falta de víveres que teve e o penoso das marchas que fez; e destas diversas causas reunidas resultaram 800 estropiados ou doentes, que são outros tanto inimigos que temos de menos. 
Enfim, uma medida de grande importância era o fabrico da pólvora e bala, pois tínhamos absoluta falta de munições de guerra; e para que o público conheça com verdade a extensão do trabalho que houve para se remediar esta falta no Laboratório Químico, damos por extenso a conta oficial de um dos seus Administradores.


Conta dos trabalhos do Laboratório Químico, desde 26 de Junho até 14 de Julho.

Tendo-se considerado no dia imediato à Revolução de Coimbra quão pouca era a pólvora que tínhamos para nos defendermos dos ataques do inimigo, de cuja chegada estavamos ameaçados, e sabendo-se que no Laboratório Químico se tinham muitas vezes feito diversas porções dela, pareceu conveniente executar-se a sua composição na maior quantidade possível, segundo a grande necessidade em que estávamos pelas circunstâncias actuais. Consequentemente, incumbiu o Excelentíssimo Senhor Governador este grande projecto ao Dr. Tomé Rodrigues Sobral, Lende de Química na nossa Universidade de Coimbra, o qual, unindo aos grandes talentos e amplos conhecimentos de que é dotado, o maior zelo e actividade, pôs em execução aquele tão útil e tão importante desígnio. A tarde do dia 26 gastou-se em aprontar a lenha necessária para se fazer carvão, para cuja factura concorreu muito uma carrada de vides que veio de Santa Cruz. Às 10 horas da noite apareceu alguma pólvora, mas como não houvesse quem a soubesse encartuchar, ra fazerem cnem também houvessem balas feitas, mandaram-se vir do Hospital dois soldados portugueses convalescentes, para fazerem cartuchos, e mandaram-se também chamar todos os ourives e funileiros, para fundirem as balas; no que se ocuparam toda a noite, sem descansarem um só instante, aprontando todas as formas, fundindo e ensinando também os outros. Na mesma noite cuidou-se em fazer metralha para as peças que se esperavam da Figueira; e às seis horas da manhã estavam feitos mais de 3.000 cartuchos.
Na manhã do dia 27 cuidou-se em mandar buscar aos Salgueirais do Mondego pau de salgueiro, e a Castelo Viegas aveleira, madeiras de que se faz o melhor carvão para a pólvora; igualmente se mandaram vir varas de castanho para lanças. Enfim tratou-se de juntar todo o salitre que havia na cidade, o enxofre preciso, pederneiras, chumbo e ferro. De tarde continuou o trabalho da fundição da bala, do cartuchame, da metralha, das lanças e [do] fabrico de pólvora, e principiou o das lanternetas, o que continuou por toda a noite seguinte. 
[Fonte: Minerva Lusitana, n.º 7, Coimbra, 19 de Julho de 1808].
Todos os trabalhos continuam com igual actividade até ao presente, excepto de noite; multiplicando-se todos os dias os operários voluntários e os jornaleiros.
Fizeram-se até ao dia 14 de Julho cartuchos de todas as sortes...........................69.090
Destes têm-se distribuído por ordem...................................................................29.220
Nos rebates falsos, sem ordem, mais de ...............................................................7.000
Existem...............................................................................................................32.870
Lanternetas de todas as sortes..................................................................................567
Cartuchos de peça de todas as sortes cheios de pólvora feita no Laboratório........... 542
E levaram arrobas......................................................................................................22, e 18 arrat.
Metralha arrobas.......................................................................................................19
Fizeram-se lanças....................................................................................................120
O que tudo consta do livro dos assentos. 
N.B. O trabalho das lanças e metralha foi transferido para a serralharia e carpintaria, onde vai continuando com grande actividade.
Com os instrumentos e aparelhos feitos acha-se o fabrico da pólvora em estado de fornecer, havendo nitro, 4 para 5 arrobas por dia, de qualidade tal que faz dar a bala recuxata [sic] e meia mais do que outra qualquer pólvora, como consta das experiências dos Artilheiros, e atestação do Major de Artilharia; relativamente à formação dos cartuchos, cada dia aprontam-se 6 para 7 mil.  
Assinado: Joaquim Baptista

Merece uma particular atenção e zelo com que o Dr. Joaquim Baptista, tendo primeiro lembrado aquele trabalho, se prestou a ele, pondo todos os seus esforços e diligências para tão importante como difícil serviço. Não são pois mneras especulações e teorias estéreis as lições filosóficas dadas na Universidade, que em tão críticas circunstâncias forneceram suprabundantemente pólvora de qualidade muito superior a qualquer das conhecidas; donde se vê não só a utilidade e conhecimento proveito daquelas lições, mas além disto a vantagem dos trabalhos dirigidos por pessoas instruídos nos princípios respectivos, à dos que só seguem uma rotina empírica e puro mecanismo.


Conta dos trabalhos que se fizeram na Fábrica de Manuel Fernandes Guimarães.

Foram nesta ocasião da mais  evidente utilidade os diferentes estabelecimentos que servem na fábrica de fiação de Manuel Fernandes Guimarães, pelos grandes serviços que prestou o Mestreda dita fábrica Bernardo Ferreira de Brito, natural da vila de Tomar, homem de um génio raro; e tão bom conhecimento havia dos seus talentos, que o Excelentíssimo Senhor Governador o preferiu aos artistas artilheiros que para o mesmo objecto se lhe ofereceram; com efeito em pouco tempo ele fez construir cavalos de frisa guarnecidos de pontas de ferro, com que se obstruiram todas as entradas da cidade, e algumas com fileiras dobradas, sendo cada uma defendida por uma peça de artilharia e por um grosso destacamento de Infantaria de linha. 
Por direcção do mesmo Bernardo Ferreira de Brito concertaram-se muitos centenares de espingardas, clavinas e outras armas que estavam absolutamente inúteis; fizeram-se inúmeráveis piques e também carretas de campo para a artilharia que os estudantes conquistaram na Figueira, e prepararam-se muitas outras obras relativas ao objecto presente com a maior segurança e comodidade. É incrível o prazer que sentiam todos os que iam ver aquele Arsenal, admirando a actividade com que de dia e de noite trabalhavam muitos e diferentes artistas debaixo da direcção do dito Mestre, que a tudo era presidente. O proprietário da fábrica, deixando com a maior satisfação paradas absolutamente as suas manufacturas, anima incessantemente os seus oficiais ao maior cuidado nos seus respectivos trabalhos para o bem comum da Nação.

Tal é a história das fortes medidas que se tomaram nos dias perigos de 26 e 27 de Junho; creio que todo o juiz imparcial confessará que ela faz honra a Coimbra, à Universidade e a todos os nós.



Duas das primeiras resoluções da Junta do Algarve (27 de Junho de 1808)



O Supremo Conselho do Governo deste Reino [do Algarve] determinou, e manda fazer constante a todos, que os portos do mesmo Reino estão patentemente abertos para todas as Nações que neles quiserem importar-se, à excepção da francesa, a quem tem declarado guerra. E outrossim determina o mesmo Concelho que quem tiver ocultado franceses nas suas casas, o declare logo, sob pena de ser reputado como inimigo do Estado, e ser julgado como tal: o que Vossas Mercês farão publicar pela forma do estilo, o que se determinou em Junta. 
Faro, vinte e sete de Junho de mil e oitocentos e oito. 

Ventura José Crisóstomo, Secretário do Conselho 
Gavião
Mascarenhas
Senhores Juiz Presidente, Vereadores e demais oficiais do Senado

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, s.ed., 1941, p. 373 (Doc. 53)].

Edital da Junta do Porto apelando a donativos (27 de Junho de 1808)





Ordem da Junta do Porto levantando o sequestro das mercadorias e bens ingleses decretado por Junot (27 de Junho de 1808)

Edital da Junta do Porto anunciando um novo imposto sobre a exportação das pipas de vinho (27 de Junho de 1808)