segunda-feira, 4 de julho de 2011

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (4 de Julho de 1808)



Lisboa, 4 de Julho

Por ordem do Colégio Patriarcal se acaba de publicar a peça seguinte, bem própria para produzir a mais viva impressão nos ânimos verdadeiramente religiosos: aponta ela ao Clero de todo o Reino o comportamento prudente e moderado que deve seguir em meio das paixões furiosas que se procuram atiçar para fazer a desgraça de Portugal. O meio de honrar a nossa santa Religião e de assegurar-lhe novas homenagens é opor assim uma linguagem celeste aos ímpetos da ambição e da raiva, que estão unidos para chamar a parte do povo, sempre fácil de seduzir, à revolta e à morte, que é o seu castigo inevitável.


Tendo o Senhor Principal Castro, Conselheiro do Governo encarregado dos negócios da Justiça e dos Cultos, representado, havia muito tempo, ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes que o mau estado da sua saúde não lhe permitia ficar incumbido, simultaneamente, de ambas as pastas da Justiça e dos Negócios Eclesiásticos; e tendo recentemente insistido de novo em ser aliviado da pasta da Justiça, Sua Excelência se prestou a aceitar-lha, não sem bastante sentimento, por causa das virtudes que distinguem aquele digno Prelado.
Conseguintemente, querendo o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes que os negócios concernentes à Justiça não padeçam retardamento algum, nomeou, por Decreto do 1.º do corrente [mês], o Senhor Conde da Ega, Conselheiro de Governo, para ficar encarregado da pasta da Justiça, devendo trabalhar directamente com Sua Excelência, como os Secretários de Estado.


Política


Em alguns actos autênticos das pretendidas Juntas espanholas se confessa que os bandos dos rebeldes foram já batidos, cinco vezes, em Espanha, assim pelo General Dupont, como pelo General Lefevre, que aí comanda outra divisão francesa. Verdade é que por não deixar em total desalento aqueles corpos de cidadãos e de camponeses que se ajuntaram ao acaso, e que já estão nimiamente cansados do penoso emprego a que os constrangem alguns cabeças de motim, procuram as Juntas corar os sobreditos desbaratos com diversos pretextos que não impedem de ver que, como era de esperar, está já exausto o primeiro fogo da insurreição espanhola, sem ter alcançado nem sequer uma só vantagem dos franceses, que ainda estão dispersos e sem ter recebido os reforços de todas as legiões que diariamente lhes chegam dos diversos pontos do seu imenso Império!
Que novo género de delírio e de extravagância não é na verdade o que agora corre certas províncias de Espanha e que também se estende a um mui pequeno número de povoações de Portugal? Em que se poderia fundar, entre aqueles insensatos, a louca esperança de resistir ao Grande Imperador e à sua grande Nação? Onde estão os Chefes? Onde estão os meios? Onde estão os próprios Príncipes por amor de cujos fantasmas quer essa gente expor-se à morte? Ainda quando a Espanha detivesse, por mais alguns dias, a marcha de alguns corpos isolados, como pode ela deixar de ver que será invadida, quando preciso for, daquelas mesmas tropas que venceram a Europa, e que infalivelmente será vítima do seu ridículo fanatismo por amor dum Príncipe que nem sequer está em seu poder, nem que jamais o estará? Irão pois as suas Juntas buscar Fernando a Paris, e conquistar a França em seu nome?
Em Portugal, pelo menos, ou antes nas partes que momentaneamente estão agitadas no Norte e Sul deste país, não se alimentam tais despropósitos: o único que aí se observa é o de se terem deixado atemorizar por alguns pequenos bandos de celerados que entraram em 3 ou 4 povoações, gritando que vinham seguidos de exércitos que não existiam; e o terem, tanto contra sua vontade como contra os seus interesses, feito pegar em armas a pessoas que a isso não se inclinavam de modo algum, e ainda assim só a mais vil canalha é que se sublevou, para entregar-se à pilhagem, se lho consentirem.
É mais que tempo de deporem as armas os que nelas pegaram, sejam quem forem; de pedirem perdão, e de fazerem ceder um vão receio a um terror muito mais racionável, porque uma parte do exército francês está em marcha, e vai a fulminar vingança contra tudo o que não se tiver submetido antes da sua chegada. Desgraçadas das povoações a quem seja preciso forçar de mão armada! A sua sentença está proferida na última Proclamação tão enérgica e ao mesmo tempo tão paternal do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes! Não é debalde que ameaça, depois de ter generosamente oferecido o perdão! Disto apresenta uma prova a sorte de Vila Viçosa, que hoje está em grande sossego; e mais modernamente ainda a justa punição da cidade de Beja, que depois de haver tido a criminosa audácia de assassinar dentro do seu recinto vários soldados franceses, foi militarmente executada. Agora porém a sua população decimada está deitada aos pés do General em Chefe, para chorar o seu crime e implorar o perdão por meio do seu estimável Pároco, que se viu reduzido a enterrar os que no dia precedente não quiseram dar ouvidos às suas exortações pacíficas. Desgraçados! Sirva o seu exemplo ao menos àqueles dos seus concidadãos que correm, como eles, à sua perdição! Porque razão se hão de fazer necessárias peças de artilharia, chamas e a morte, para ensinar-lhes os seus deveres, sendo que só se lhes pede que fiquem sossegados, sem que se deixem iludir de quimeras de invasões estrangeiras e de desembarques ingleses, que não existem nem podem existir em parte alguma?

[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 26, 4 de Julho de 1808].

Aviso publicado na Gazeta de Lisboa (4 de Julho de 1808)



[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 26, 4 de Julho de 1808].


Carta de Lagarde ao Juiz de Fora de Elvas (4 de Julho de 1808)


O movimento de revolta que está manifestado entre a gentalha do Algarve nem deve causar inquietação, nem é preciso mais do que fazer marchar contra esses amotinados alguns batalhões, para lhes fazer experimentar a triste sorte dos habitantes de Beja, justamente entregue ao ferro e às chamas por ter ousado atacar as tropas francesas. 
Tal será, como é necessário fazer saber aos seus subalternos, o destino de toda a cidade de Portugal que tiver a culpável imprudência de se revoltar contra o Imperador, hoje o único senhor deste país. 
É tão perfeita e segura a nossa tranquilidade em Lisboa e nas províncias vizinhas, que acaba de ser expedida uma coluna do exército bastante numerosa, para ir castigar os sediciosos nos lugares em que eles se têm manifestado; outras colunas vão seguir esta, para varrerem rapidamente o país por toda a parte que for necessário. 

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, s. ed., 1941, pp. 134-135]. 

Proclamação do Almirante Charles Cotton, prometendo ajuda e ordenando que se hasteasse a bandeira portuguesa (4 de Julho de 1808)



Habitantes de Portugal: 

Todas as partes do vosso Reino me têm mandado Deputações solicitando socorro, ajuda e auxílio; asseverando-me a determinação leal e varonil do povo de Portugal para restabelecer o Governo do seu legítimo Príncipe, e libertar o seu país da opressão francesa. 
Condescendendo pois com os vossos rogos, eu vos envio navios, tropas, armas e munições; ordenando ao mesmo tempo que se arvore a bandeira de Sua Alteza Real o Príncipe Regente, em torno da qual todos os leais portugueses, segundo por esta [proclamação] lhes intimo, se devem imediatamente juntar, e pegar em armas numa causa tão justa e gloriosa. 
Para serdes bem sucedidos, portugueses, sede unânimes, e juntando-vos aos espanhóis, vossos valorosos vizinhos e amigos, não vos deixeis intimidar com ameaças nem iludir com promessas. 
Alguns meses de experiência ter-vos-ão convencido dos efeitos da amizade francesa; e agora confio que devereis à lealdade e auxílio britânico, ajudado por vossa própria energia e esforços, a Restauração do vosso Príncipe e a Independência do vosso país. 
Hibernia, defronte do Tejo, a 4 de Julho de 1808.

C. Cotton

[Fonte: Gazeta do Rio de Janeiro, n.º 10, 15 de Outubro de 1808, p. 3. Esta proclamação também foi publicada, com algumas variantes (provavelmente derivadas de traduções diversas do original inglês, ao qual não conseguimos aceder) no Correio Braziliense de Novembro de 1808, p. 438; e ainda na monumental obra de Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, p. 93].

Ordens de Sua Majestade Britânica ao seu Conselho, declarando o fim das hostilidades contra a Espanha (4 de Julho de 1808)



Na Corte do Palácio da Rainha, a 4 de Julho de 1808,
perante a Excelentíssima Majestade do Rei em Conselho.


Sua Majestade, tendo tomado em consideração os gloriosos esforços da nação espanhola para libertar o seu país da tirania e da usurpação da França, e as garantias que recebeu de diversas províncias da Espanha, acerca da sua amigável disposição em relação a este Reino; aconselhada pelo e com o seu Conselho privado, Sua Majestade satisfaz-se em ordenar o seguinte: 
Primeiro, que cessarão imediatamente todas as hostilidades da parte de Sua Majestade contra a Espanha. 
Segundo, que serão levantados sem demora os bloqueios de todos os portos da Espanha, excepto aqueles que podem estar ainda em posse ou debaixo do controle da França. 
Terceiro, que todos os navios e embarcações pertencentes à Espanha terão livre admissão nos portos dos domínios de Sua Majestade, como ocorria antes das presentes hostilidades. 
Quarto, que todos os navios e embarcações pertencentes à Espanha que forem encontrados no mar pelos navios e cruzadores de Sua Majestade, serão tratados da mesma maneira que os navios dos Estados em amizade com Sua Majestade, e permitir-se-á que levem a bordo qualquer mercadoria que Sua Majestade actualmente considera que pode ser legalmente levada por navios neutrais. 
Quinto, que todas as embarcações e mercadorias pertencentes a pessoas que residam nas colónias espanholas, que sejam detidas por algum dos cruzadores de Sua Majestade depois desta data, serão trazidas a um porto e serão cuidadosamente preservadas em salvaguarda, ficando à espera do que Sua Majestade decida depois de saber se todas as ditas colónias, ou pelo menos qualquer uma das em que residam os proprietários de tais navios e mercadorias, fizeram causa comum com a Espanha contra o poder da França. 
[...] 


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Nota:

Com a Paz de Basileia, assinada ao fim dos 2 anos que durou a campanha do Rossilhão, a Espanha rompera secretamente a aliança que mantinha com a Inglaterra, acabando por formalizar uma declaração de guerra a este país a 5 de Outubro de 1796. Em resposta, a Inglaterra manteve durante cerca de 11 anos um bloqueio quase ininterrupto sobre alguns portos da costa espanhola, bem como um apertado controle sobre as suas embarcações e respectivas mercadorias. Este período chega assim ao fim com as ordens acima transcritas, que, dada a sua importância, foram republicadas nos três números seguintes do referido periódico londrino.