domingo, 10 de julho de 2011

Billingsgate at Bayonne or the Imperial Dinner!, caricatura de Thomas Rowlandson (10 de Julho de 1808)



Peixeirada em Bayonne ou o Banquete Imperial!
Caricatura de Thomas Rowlandson (publicada a 10 de Julho de 1808)


Esta sátira sobre a desunião entre a família real espanhola foi concebida na sequência da publicação em Londres (apenas uma semana antes) duma suposta carta particular remetida de Bayonne a 8 de MaioDeve notar-se que o título da caricatura, que traduzimos livremente por peixeiradaé inspirado no mercado de Billingsgatesituado nos subúrbios de Londres, que era então o maior mercado de peixe do mundo.
A cena passa-se em Bayonne, no dia 5 de Maio, num banquete presidido por Napoleão. À esquerda, a Rainha D. Maria Luísa e o seu filho D. Fernando, ambos de pé e com as mãos nos quadris, enfrentam-se um ao outro, gritando a primeira: Agora vou vos dizer, vilão, cara a cara e diante do meu querido amigo Boney: Não sois filho dos Reis; então podeis fechar a loja [=calar-vos]. Replica Fernando: Madame, eu conheço todos os vossos truques e os do seu Príncipe da Paz. Godoy, o único que se vê a comer, contrapõe: Gostaria que eles me deixassem em paz. Atrás de Fernando e diante de Godoy estão os dois filhos mais novos dos Reis (os Infantes Carlos María Isidro e Francisco de Paula), sentados no mesmo banco, dizendo Carlos a Fernando: Irmão, não se importe com o que ela diz, nós os Infantes o reconhecemos. Ao lado destes, encontra-se Pedro Cevallos (primeiro-ministro de Carlos IV e depois de Fernando VII), que, farto da conversa, pergunta: Não sou eu o grande Cevallos? Vocês calam-se? Diante deste, D. Carlos IV, com um gorro de dormir e tocando violino, diz: Gostaria que eles deixassem um pobre e velho Rei tocar tranquilamente o seu violino. Finalmente, Napoleão levanta-se e diz, de punhos cerrados: Vou vos dizer o que farei se fazem um tumulto destes na minha mesa. Ficarei danado se não vos mandar a todos para prisão [sic: Round House].

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Existe uma outra digitalização desta caricatura disponível no site do British Museum.

Carta do General Wellesley a Castlereagh, secretário de Estado da Guerra (10 de Julho de 1808)



Cove, 10 de Julho de 1808 

Meu caro Senhor: 

O vento continua contrário, mas esperamos que mude para podermos navegar hoje, quando começar a entardecer. Estamos prontos para partir, e não esperaremos um instante logo que o vento seja favorável. 
Vejo que na Inglaterra o povo se queixa do atraso que ocorreu na partida da expedição; mas na verdade não houve atraso nenhum; e mesmo que todos estivessem a bordo, não poderíamos ter partido antes deste dia. E ainda que tivéssemos sido mais rápidos, somente ontem conseguimos ter os cavalos da artilharia em Cork, que foram imediatamente embarcados; e também foi somente ontem que chegou o Regimento n.º 20 de Dragões, bem como os navios para transportar o Regimento n.º 36 e um destacamento do n.º 45, que chegaram ontem ao entardecer e logo foram embarcados. 
As vossas instruções partiram de Londres na Sexta-feira [1 de Julho] ao entardecer, e eu estava em Cork na seguinte Quarta-feira [6 de Julho], o que foi tão rápido como se as instruções tivessem vindo pelo correio. [...] 

Arthur Wellesley 



Notícias de Ayamonte sobre os acontecimentos em Portugal (10 de Julho de 1808)



Ayamonte, 10 de Julho. 

O Algarve, livre já de piratas, não somente se acha, como que por encanto, num respeitável estado de defesa de tropas organizadas, como também destacou outras para o Alentejo, onde, segundo nos dizem de Évora, permanece ainda um curto número de Cavalaria francesa. Estes descobriram um aprovisionamento onde os portugueses tinham escondido 400 arrobas de pólvora, que inutilizaram atirando-a num lago. 
Por um correio que enviou para aqui a Junta de Mértola, novamente erigida pelo Corregedor de Beja, com a data de 7 de Julho, diz-se o seguinte: "Dou a Vossas Senhorias a agradável notícia que às dez da manhã se acaba de receber um correio do General Gomes Freire, no qual manda dizer que no dia 30 de Junho chegou a Santarém (a nove léguas de Lisboa) com 30 mil homens. Os franceses, que acometeram contra Beja, passaram a Setúbal, tendo tomado a artilharia de Montemor". 
Ontem recebeu-se a notícia de que Lisboa estava já em insurreição; e que os nossos espanhóis faziam ali prodígios de tal valor que forçaram os franceses a encerrarem-se no Castelo de S. Filipe [em Setúbal]. 
O General francês Maurin e o ingrato Malet*, prisioneiros em Faro, a quem se lhes propôs que escolhessem o destino entre as praças de Espanha ou da Inglaterra, determinaram que iriam para Gibraltar, onde se acham já, como escreveu o General do Algarve. 


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Nota:

Parece-nos que este "Malet" seria o "João Baptista Malé" (ou Jean-Baptiste Malet?) reportado pelo padre João Coelho de Carvalho, na sua Memória da Revolução do Algarve. De facto, o citado autor conta a este respeito que o General Maurin foi aprisionado em Faro (a 19 de Junho de 1808) juntamente "com João Baptista Malé, seu ajudante, e um capitão do dito General e também ajudante dele. [Maurin] pediu que o levassem para casa do Excelentíssimo Bispo, que de boa vontade o aceitou, e em seu palácio esteve alguns dias debaixo da mais rigorosa prisão, sendo a Nobreza quem de dia e de noite o vigiava com sentinelas à vista. O Governo, que então já estava organizado, não pôde vencer os clamores do povo, que queria ver fora do país o General e toda a tropa francesa, ordenou que com outros oficiais fosse conduzido para Sagres, onde não chegou, por ser preciso contramandar a ordem, visto que o povo não se aquietou com isto, querendo-o fora do Reino; e também porque o povo de Lagos se amotinou logo que ali chegou a embarcação que os conduzia, custando a sustê-lo para que não o assassinassem. Foi ele e os demais conduzido portanto conduzidos para Gibraltar, onde os ingleses tomaram posse dele. Por aqui se pode ver a brutalidade destes povos, em se quererem privar de um prisioneiro que podia servir de refém. Também foram remetidos para Espanha os soldados franceses aprisionados, que ali foram postos em liberdade cuidando pouco a Espanha de prisioneiros portugueses. Parece incrível que não só a plebe instasse ao Governo por um tal procedimento, mas que pessoas caracterizadas e que deviam ter juízo fossem as que o maquinavam. O Governo conhecia a louca petição de um povo amotinado mas era preciso curar um mal com uma imprudência". 

Pastoral do Vigário Geral de Coimbra ao povo e clero da sua diocese (10 de Julho de 1808)



O Doutor António José Vieira dos Guimarães, Desembargador, Chanceler, Vigário Geral, que sirvo de Provisor e Presidente da Junta do Governo deste Bispado de Coimbra, pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Bispo Conde, Reformador da Universidade, etc.

A todo o Povo e Clero Secular e Regular deste Bispado, Saúde e Fortaleza em Jesus Cristo, que é a Pedra Angular do Edifício da Igreja, e Príncipe dos Reis da Terra.
Chegou enfim, Amados Irmãos, a feliz época em que já posso derramar desabafadamente em vossos peitos os sentimentos do meu coração. O Deus Altíssimo, que habita nos Céus, e que, abraendo de um fim a outro fim com fortaleza, dispõe tudo com suavidade, depois de nos ter ferido na sua ira, quer finalmente dar-nos vida, e mostrar-nos a grandeza das suas Misericórdias. As Orações dos Santos chegaram ao Trono do Eterno, e o Senhor Misericordioso se dignou lançar vistas propícias sobre Portugal, sobre este Reino, que é herança sua por títulos tão particulares.
Uma Tropa de Salteadores, mandada por um homem que junta a perfídia mais atroz com uma soberba e arrogância diabólica, tem há meses, como sabeis, usurpado o Governo deste Reino, roubado a nossa fazenda, atacado nossa honra, desarmado os nossos bravos compatriotas, e arrancado cruel e aleivosamente a vida a alguns deles, cujo crime todo era o seu manifesto Patriotismo. Vimos, e toda a Europa viu com espanto e horror, imposta por Napoleão uma Contribuição extraordinária de guerra aos portugueses, que tinham acolhido amigavelmente e com generosa afabilidade as Tropas francesas, e a quem ele protestava vir proteger. E não se envergonhou aquele pérfido de intitular esta enorme Contribuição resgate das nossas propriedades, no momento mesmo em que solenemente declarou ser nosso amigo, e não Conquistador. Essa afronta, ó Portugueses! Os Séculos da Barbaridade não apontam factos tão pérfidos e atrozes: Nós fomos tratados de miseráveis e vis escravos. Ainda mais, Amados Irmãos: Foi-nos arrancado dentre os braços o nosso Bispo: Este grande e amável Prelado, juntamente com as maiores personagens do Reino, foi obrigado a fazer uma viagem penosa, e lá se acha desterrado em país inimigo, sem que nem o seu Carácter Sagrado, nem a sua idade avançada, nem a fraqueza da sua saúde fossem bastantes a amolgar o coração de ferro do Bárbaro Usurpador.
Continuando este na sua carreira de traição e de perfídia, fingiu uma chamada modificação do bárbaro imposto, digno do tempo dos Vândalos, e descaradamente faltava à sua palavra, preparando-se já para saquear todo o dinheiro dos portugueses, depois de haver sacrilegamente roubado quase todas as alfaias preciosas, que a Piedade portuguesa havia dedicado ao Culto do Santuário. Que monstro de iniquidade! Ele, assim como abusara da amizade para roubar aleivosamente as Espanhas a Sua Majestade Católica; assim como abusava da nossa sinceridade para usurpar Portugal ao Nosso Augusto, Legítimo e Amado Príncipe; assim como abusava da Religião, da qual se serve só para disfarçar os seus danados intentos; Assim projectava (abri os olhos, amados Irmãos) planos sanguinários, cuja consideração faz tremer de horror, e sobretudo ferir-nos no que temos de mais precioso; pois que a nossa Santa Religião ia a ser tristemente reduzida ao desprezo e vilipêndio. Semelhante ao Apóstata Juliano, Napoleão queria reduzir o Clero à miséria e indigência, extinguir todas as Congregações Religiosas, aviltar tudo o que são asilos da inocência e casas em que se praticam os Conselhos Evangélicos. E que bárbaros projectos!
Mas o Nosso Bom Deus Omnipotente, em cujo Poder estão postas todas as coisas, e a cuja Majestade ninguém pode resistir, compadecido enfim da nossa tribulação, começa a defender-nos e a confundir os nossos pérfidos inimigos, mostrando-lhes que nada são, e voltando contra eles seus malvados desígnios: Uma luz brilhante tem raiado em todo o Portugal, e por um modo perfeitamente milagroso, o Céu encheu de fortaleza os corações dos portugueses para sacudirem o jugo da dominação francesa, e à imitação dos bravos espanhois nossos vizinhos, libertarem as suas casas, as suas famílias, a sua honra, e a sua religião. Tem-se feito já prodígios em todas as províncias, e tudo indica que o Nosso Deus é connosco.
E será possível, ó Clero Conimbricense, que enquanto os Cidadãos de todas as Classes concorrem à porfia para consumar tão santa e justa empresa, nós nos contentemos com simples gemidos e estéreis votos! Às armas, Respeitáveis Irmãos: Se como Clérigos devemos orar fervorosamente e oferecer sacrifícios pelo Povo, como Cidadãos somos estritamente obrigados a defender com todas as nossas forças a Pátria, que padece. E se é isto sempre verdade, agora com maior razão, que a Causa da Pátria está ligada com a da Religião, agora que a Causa Pública é muito especialmente a nossa Causa, ó Clérigos Seculares, e ainda mais vossa, ó Regulares. Corramos todos animosamente às armas; e seja esta a voz que ressoe por todas as freguesias: Às armas, pais de famílias, para defenderdes vossas mulheres e vossos filhos; às armas, filhos de famílias, para defenderdes vossos pais; às armas, Clérigos Seculares, para defenderdes os fiéis, de quem sois pais na religião; às armas, Corporações Regulares, para rechaçardes os ímpios, os hipócritas que pretendem arrasar-vos e arrasar os cidadãos que vos sustetam; às armas, valorosos portugueses, contra os vis salteadores, que ousam querer-vos reduzir à escravidão. E para que esta voz tenha toda a sua força, abri caminho, ó Clero respeitável: juntai às súplicas de Moisés a valentia e fortaleza de Josué: Dai exemplo aos vossos compatriotas, não só com exortações, senão também com obras de valor: Alistai-vos voluntariamente e empunhai a espada, como os Levitas do Antigo Testamento, para cortardes os inimigos da vossa Lei, e confiai que o Senhor, que julga sempre segundo a justiça, há de coroar com vitória os vossos trabalhos: Tais são os desejos ardentes do meu Coração. Viva o Príncipe Regente Nosso Senhor; Vivam os portugueses; Viva o ilustrado e valoroso Clero conimbricense.
E para que esta Carta Pastoral chegue à notícia de todos os diocesanos deste Bispado, mando que seja remetida a todos os Reverendos Párocos, para que a leiam e publiquem à estação da Missa Conventual, e depois a afixem nos lugares costumados.
Dada em Coimbra, sob meu sinal, e selo das armas de Sua Excelência*, aos dez de Julho de mil oitocentos e oito.
E eu, João Crisóstomo de Vasconcelos, Notário Apostólico, que sirvo de Escrivão da Câmara, a fiz escrever e subscrever.

António José Vieira dos Guimarães.

[Fonte: Henrique de Campos Ferreira Lima, "Medalha concedida, em 1808, ao Corpo de Eclesiásticos Voluntários Conimbricenses durante a Guerra Peninsular", in O Instituto (Revista Científica e Literária) - Volume 86.º, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, pp.  141-156, pp. 150-152. Esta pastoral seria somente publicada no dia 16 de Julho (Sábado), de acordo com a Minerva Lusitana, n.º 3, 15 de Julho de 1808].

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Nota:

* Por Sua Excelência entenda-se o ausente Bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinhoque partira em meados de Março de 1808 para a França (donde regressaria somente em 1814), na qualidade de membro da chamada deputação portuguesa.