domingo, 19 de junho de 2011

Proclamação do Almirante Charles Cotton aos portugueses (19 de Junho de 1808)



Habitantes de Lisboa e de todo o Portugal


Os nossos inimigos e opressores, os franceses, têm sido obrigados a sair das três províncias do norte do vosso Reino pelos seus leais patriotas e pelos espanhóis. O Governo do Príncipe Regente está outra vez restituído, e a bandeira portuguesa outra vez arvorada. Todo o socorro que vos puder dar a esquadra de Sua Majestade Britânica ser-vos-á franqueado com o maior gosto, e aos vossos generosos aliados espanhóis, na grande empresa de libertardes a vossa capital e o vosso Reino da violenta opressão que tem sofrido desde que nele entraram as tropas francesas.
Dada a bordo da nau Hibernia, defronte da foz do Tejo, aos 19 de Junho de 1808.

Charles Cotton

[Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo V, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 32-33].

Notícia publicada no National Register de Londres (19 de Junho de 1808)



[...] Não temos razões para mudar as opiniões que expusemos no nosso último número sobre o socorro da Espanha*. Sir Arthur Wellesley, ao que parece, irá comandar uma expedição para auxílio da Espanha. As tropas que ele irá comandar encontram-se em Cork. São compostas pelos Regimentos de Infantaria a pé n.os 5, 9, 38, 40 e 91; pelo 3.º batalhão do Regimento n.º 69, e pelo 4.º batalhão dos Veteranos Reais. O Major-General Hill será o segundo no comando, sob o qual estarão os Generais-Brigadeiros Fane e Crauford. 

Não podemos olhar mais para o emprego destas forças sem denunciar uma grande inquietação. A Inglaterra sempre foi bastante rápida a interferir em qualquer disputa continental e a derrubar um império que descontentasse uma província. Mas como a informação da determinação dos ministros em enviar aquele exército para a Espanha não foi tornada pública, nenhuma opinião decidida pode ser formada acerca da sua conveniência. A sagacidade e a prudência deve ter bastado para dirigir as nossas medidas para auxílio dos espanhóis; não estamos certamente obrigados pela honra, pois nem temos aliança nem confiança com a Espanha. 



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Nota:

* No número anterior deste semanário londrino, depois de relatar a chegada à Inglaterra dos dois nobres espanhóis enviados pela Junta das Astúrias (ver uma notícia e uma carta do Capitão John Hill a George Canning sobre este assunto), referia o redactor o seguinte: 

Os nossos leitores lembrar-se-ão que a partir do primeiro momento em que chegaram as notícias da mudança de circunstâncias da Espanha, considerámos como infundadas as esperanças daqueles que, a partir de tais alterações, foram induzidos a daí esperar vantagens para a causa da Grã-Bretanha ou da Europa em geral. Parece agora que os nossos Ministros, animados pelo pedido dos dois nobres acima mencionados, estão determinados a enviar ajuda para os desafortunados habitantes da Espanha. Esta questão já excitou uma fermentação considerável neste país - ou melhor, os editores dos periódicos aproveitaram a ocasião para excitar a fermentação. Um partido, os amigos dos Ministros, exaltam a liberalidade e sabedoria do Governo, enquanto os aderentes da oposição condenaram em alguns jornais a administração pelo seu atraso. Pela nossa parte, conservamos as nossas opiniões originais, e não sentimos inclinação para aprovar a conduta dum partido ou do outro. Sentimos que é do nosso dever fazer o nosso protesto contra as medidas, que circulam confidencialmente, através das quais os nossos Ministros têm a intenção de prestar auxílio ao povo de Espanha. A história de todas as eras e de todos os países proporciona milhares de provas do quão pouco pode fazer uma população, armada na emergência dum momento, contra veteranos alicerçados na coragem e disciplinados por experiência. Não é contudo necessário remeter para provas distantes, e procurar os registos da antiguidade para os antecedentes da nossa conduta: encontram-se antecedentes nas recordações de todos nós; abundam antecedentes na narração dos eventos que se seguiram à Revolução Francesa; os antecedentes vivem nas nossas memórias, e agem ainda sobre os nossos sentimentos. O estado da Europa, a queda de todas as coligações continentais, a destruição de todas as vãs esperanças sustentadas por anteriores Ministros, a matança dos nossos soldados, o peso das nossas taxas, são estes os antecedentes que chocam com o exemplo deles, sendo tremenda a sua pressão! Devemos enviar para Espanha, segundo se diz, cinco ou dez mil homens. Mas, em nome da prudência, que bem pode ser efectuado por cinco ou dez mil homens? Não serão eles cortados como erva? Estarão aptos para opor resistência por um momento, face às numerosas legiões que Bonaparte pode enviar contra eles? Não há nenhuma região intermédia hostil através da qual as tropas francesas tenham que passar para entrar na Espanha; a linha de comunicação é fácil e directa, e miríades de homens podem deslocar-se a qualquer parte, bastando uma palavra. Enviamos o nosso pequeno exército para uma chacina certa. Mas mesmo supondo que os Ministros determinem enviar para a Espanha uma força realmente grande e operativa, qual deverá ser a consequência? As nossas costas ficarão completamente indefesas; e Bonaparte, vendo toda a nossa força empregue num serviço estrangeiro, poderá conseguir uma oportunidade, doutra forma quase desesperada, de invadir estas ilhas, e, como tememos, de invadi-las com sucesso. A sua superioridade em números tem pouca vantagem contra nós enquanto as nossas tropas regulares continuem em casa, porque a força regular, se for organizada por uma população devidamente disciplinada, é suficiente para agir contra um exército invasor, que necessariamente deve ser incapacitado ao se levar ao mesmo tempo um vasto número de homens para aquela zona;  mas quando as nossas tropas regulares forem removidas, Bonaparte estará em condições para se opor a elas no estrangeiro, com um poder igual ou maior do que o que elas possuem, e para enviar outro exército de não menor magnitude contra estas ilhas, que então estarão completamente indefesas. Nestas circunstâncias, qualquer acaso do tempo que afaste a nossa marinha dos seus postos, deixar-nos-á totalmente expostos ao vigor militar dos nossos invasores.
Quanto mais contemplamos o conjunto de circunstâncias na Espanha, com menos terreno ficamos para racionalmente esperarmos uma vantagem. Exércitos pequenos perecem. Exércitos grandes, na Espanha, rodeados de habitantes de diferentes partidos e opostos a um inimigo de bravura e perícia infinitas, lutarão com perspectivas pouco brilhantes de sucesso; e entretanto a Inglaterra fica exposta. Não nos falem em generosidade. A auto-defesa é uma virtude bastante fundamental para a generosidade. Que o Governo poupe o povo inglês, em vez de se apressar para ajudar os espanhóis. Não é este o tempo para que a Grã-Bretanha pegue em lanças e se ponha a galope, com um quixotismo político, defendendo qualquer nação fraca ou tola que, tendo na prosperidade perdido toda a credibilidade para se aliar com a Grã-Bretanha, julga que na adversidade pode lançar-se na misericórdia britânica. Esperamos que a desgraça dos ingleses nunca seja oprimir os infelizes; mas nem a necessidade e nem a honra dizem para se reparar os estragos que a insensatez fez na sua própria cobertura.
[Fonte: The National Register, London, n.º 24, June 12, 1808, pp. 378-379].


Restauração de Torre de Moncorvo (19 de Junho de 1808)



Na extremidade mais oriental desta província [de Trás-os-Montes], um pouco abaixo de Zamora, o Douro, descendo pelo reino de Leão, vem tocar o terreno de Portugal, e banhando os muros da cidade de Miranda, toma a direcção de nordeste a sudoeste até o confluente do Águeda, defronte do castelo de [Barca de] Alva, formando sempre a divisão dos dois reinos. Aqui se entranha em terras de Portugal, tomando o caminho do noroeste, e forma uma curva, que se aproxima a um ângulo recto, recebendo sucessivamente da parte do norte as águas do Sabor, do Tua e de outros rios que oferecem por toda a parte, principalmente o Douro, margens escarpadas de dificilíssimo acesso e correntes precipitadas, que só dão passagem em algumas barcas. É dentro desta curva, e por entre estes rios, que se estende a comarca da Torre de Moncorvo, país muito fértil e agradável no interior, e valado no exterior com estas fortes trincheiras que a natureza lhe concedeu; a cabeça da comarca está situada muito perto da foz do Sabor.
Na verdade, os seus habitantes não foram dos primeiros em soltar os vivas da aclamação; mas o que perderam em tempo, eles o ganharam na combinação e acerto das suas providências, no estabelecimento da sua Junta, que principiou por acautelar abusos que as outras nunca puderam evitar. Preparou-se a revolução nos dias 17 e 18 de Junho, apreendendo-se as barcas do Douro desde a foz do Águeda até ao do Sabor, para se evitar a passagem aos franceses de Almeida, se tentassem algum repentino ingresso no país. Na barca de Alva houve uma pequena oposição, que facilmente venceu um Capitão de ordenanças à frente de 60 caçadores, mandando passar o rio a dois resolutos nadadores que na margem oposta a foram apreender e meter no fundo. A 19 ficou consumada a revolução, pela sanção de um numeroso congresso da Câmara, clero, nobreza e povo. Seguiram-se imediatamente as demonstrações públicas do prazer geral e [as] disposições para o armamento do povo, tais quais permitiam as circunstâncias de uma terra onde os meios eram muito limitados.

[Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo III, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 154-156].

Primeira proclamação da Junta Provisional do Governo Supremo do Porto (19 de Junho de 1808)





Termo da constituição da Junta provisória do Supremo Governo do Porto (19 de Junho de 1808)



No dia dezanove de Junho de mil oitocentos e oito anos, nesta Cidade do Porto, e no Paço Episcopal, em Congresso convocado pelo Corpo Militar, estando presente a Câmara da Cidade, o Desembargador Estanislau José Brandão, que no impedimento do Chanceler da Relação serve o seu lugar e [o] de Governador Interino das Justiças, e outros Magistrados, e bem assim os Representantes do Estado Eclesiástico e o Corpo Militar; representado pelas primeiras Patentes da sua Oficialidade, e bem assim o Procurador, e Escrivão do Povo, e alguns Negociantes da Cidade: Foi proposto da parte do Corpo Militar pelo Capitão Comandante da Brigada de Artilharia, João Manuel de Mariz Sarmento, o seguinte: A Corporação Militar que restaurou o Porto e deu os passos mais importantes para a conservação e defesa do Estado, tendo eleito seis dos seus Membros para uma Junta Provisional do Governo que supra a falta de representação legítima da Autoridade Soberana, pede ao Excelentíssimo Senhor Bispo do Porto e às demais Autoridades Constituídas, [que] queiram nomear dois Membros da Corporação Eclesiástica, dois da Magistratura, e dois da do Comércio para completarem e constituírem esta Junta Provisional do Governo, que só dependerá do PRÍNCIPE REGENTE de Portugal, e a quem só responderá do uso que fizer da Autoridade Soberana, de que circunstâncias imperiosas a obrigam a apossar-se, e que exercerá enquanto na Capital, actualmente bloqueada pelas forças inimigas, não for restituído o Governo instituído por Sua Alteza Real. E mandando Sua Excelência Reverendíssima que se propusesse a votos a proposta acima, foi decidido por unânime consentimento de todos os Representantes que se instituísse uma Junta Superior e Interina do Governo Geral, com todos os Direitos da Soberania, que será composta por dois Membros do Corpo Eclesiástico, dois do da Magistratura, dois do Corpo Militar, e dois da classe dos Cidadãos, de que será Presidente Sua Excelência Reverendíssima, e que se convocará nas Segundas e Sábados neste Paço Episcopal e além disso todas as vezes que for necessário; a qual Junta, segundo as Leis deste Reino, usos, costumes e privilégios dele, deliberará e mandará tudo o que for necessário, entendida a Autoridade e Responsabilidade da Junta na forma proposta; e que a Autoridade e exercício desta Junta cessará inteiramente logo que se restituir na Capital o legítimo poder instituído por Sua Alteza Real. Assentou-se mais que, recaindo o Governo das Armas no Coronel de Infantaria José Cardoso de Menezes Sotto Maior, haja mais uma Junta particular Militar para o Governo e direcção de todas as operações tendentes ao Ataque e Defesa da Nação, e que esta Junta se componha de cinco Membros tirados dos cinco Ramos do Corpo Militar, a saber: do Corpo de Engenharia, da Artilharia, da Infantaria de Linha, da Cavalaria, e da Infantaria Mili­ciana, servindo nela sempre de Presidente quem tiver o Governo das Armas, e na sua falta a Patente maior, ou, na concorrência de duas ou mais iguais, a de maior antiguidade entre elas. 
E passando logo a votar nas Pessoas de que se hão compor as duas Juntas, saíram eleitos por unanimidade de votos para a Junta Superior e Geral, de que é Presidente Sua Excelência Reverendíssima, a saber: o Reverendo Manuel Lopes Loureiro, Provisor do Bispado, o Reverendo José Dias de Oliveira, Vigário Geral, o Desembargador de Agravos Luís de Sequeira da Gama Ayalla, o Desembargador Juiz da Coroa José de Mello Freire, o Capitão Comandante da Brigada de Artilharia João Manuel de Mariz Sarmento, o Sargento Mor de Infantaria António da Silva Pinto, António Mateus Freire de Andrade, e António Ribeiro Braga: e para a Junta particular Militar de Ataque e Defesa, o Tenente Coronel de Engenharia Luís Cândido Cordeiro, o Tenente Coronel de Artilharia Manuel Ribeiro de Araújo, o Sar­gento Mor de Infantaria de Linha João da Cunha de Araújo, o Tenente de Cavalaria Luís Paulino de Oliveira Pinto, e o Tenente Coronel de Infantaria Miliciana Do­mingos Ribeiro de Freitas. E para constar a todo o tempo, se fez este Assento assinado, pelos Representantes Vogais, os quais mandam que ele se imprima, e publique: e eu, José de Mello Freire, Desembargador Juiz da Coroa, que o escrevi e assinei. 

José de Mello Freire
Bispo Presidente. 
Estanislau José Brandão. 
José Cardozo de Menezes. 
Luís Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado de Mendonça. 
João Manuel de Mariz Sarmento, Capitão Comandante da Brigada de Artilharia. 
João da Cunha Araújo Porto Carreiro, Sargento Mor de Linha. 
Luís Paulino de Oliveira Pinto de França. 
António da Silva Pinto. 
Manuel Ribeiro de Araújo. 
António de Araújo Vasques, Alferes. 
António de Almeida Carvalhais, Te­nente. 
Faustino Salustiano da Costa e Sá. 
António Cae­tano de Castro Moraes. 
Rodrigo Xavier de Sousa da Silva Alcoforado. 
Domingos Ribeiro de Freitas. 
Gonçalo An­tónio Teixeira Coelho de Mello. 
Raimundo José Pinheiro. 
José Cândido de Pina de Mello. 
Manuel Caetano Machado Pereira da Silva Rocha, Sargento Mor. 
António de Se­queira Almeida Carvalhais, Capitão. 
José Augusto Leite Pereira de Mello, Coronel. 
Joaquim de Brito Coutinho Araújo, Capitão. 
João Joaquim Pereira do Lago, Alferes. 
José Bernardo Pereira Barroso, Alferes. 
Manuel Joaquim Freire de Andrade Pinto, Capitão de Caçadores. 
Manuel Luís Correia, Tenente. 
João Lourenço de Meirelles, Te­nente Coronel. 
Sebastião Gomes de Oliveira, Tenente. 
Florido Telles de Menezes. 
José Cardozo Pinto de Madureira Vasconcellos, Capitão Mor de Penafiel. 
Joaquim de Magalhães de Menezes Brito, Alferes. 
Manuel Lopes Lou­reiro. 
José Dias de Oliveira. 
Tomás da Rocha Pinto Chantre. 
António Jorge de Meirelles, Arcediago do Porto. 
Francisco Januário Valle. 
Tomás Aquino de Lima. 
O Arcipreste Pedro António Virgolino. 
Luís de Sequeira da Gama Ayalla. 
Alexandre Barbosa de Albuquerque. 
João de Almeida Coutinho Vieira. 
Luís de Barbosa Men­donça. 
Joaquim de Vasconcellos Cardozo e Menezes. 
Ber­nardo de Mello Vieira e Sousa de Menezes. 
Tomás da Silva Ferraz. 
António Mateus Freire de Andrade Cou­tinho Bandeira. 
Manuel Félix Correia Maya. 
Rodrigo Freire de Andrade Pinto. 
Procurador do Povo na falta do Juiz, Inácio Vieira Soares. 
Escrivão do Povo, João de Almeida Ribeiro.