terça-feira, 5 de julho de 2011

Tratado de aliança ofensiva e defensiva entre Portugal e a Espanha, ajustada entre o Governo da Galiza e a Junta Suprema de Governo do Porto (5 de Julho de 1808)


Artigos preliminares de uma nova e perpétua aliança ofensiva e defensiva entre as duas nações, portuguesa e espanhola, ajustadas pelos dois poderes reais actualmente existentes, a Junta Suprema do Governo, instalada na cidade do Porto em nome do Príncipe Regente de Portugal, e a soberania da Espanha, representada pelo Governo da Galiza, em nome do seu Augusto Soberano, D. Fernando VII. 

Art. 1.º Haverá paz, amizade e boa inteligência entre as duas potências, e se prestarão mútuo auxílio, a fim de expelirem de todos os seus domínios na península a tirania francesa, começando por Portugal, a fim de que cada uma destas duas nações conserve a sua perfeita independência e seja restabelecida a soberania dos seus legítimos monarcas. 

Art. 2.º O Governo da Galiza prestará o socorro que puder para reforçar o exército de Portugal, e além disso será obrigado a promover, quanto lhe seja possível, que as demais províncias da Espanha fronteiras a Portugal juntem as necessárias forças para destruírem o inimigo comum, e da mesma maneira Portugal, além do socorro que deve dar à Espanha, quando se ache libertado, promoverá desde já, quanto lhe seja possível, a restauração das demais províncias do mesmo reino da Espanha. 

Art. 3.º Sendo este tratado de comum interesse igualmente para a nação britânica, antiga e fidelíssima aliada de Portugal, comunicar-se-á a Sua Majestade el-Rei da Grã-Bretanha o presente tratado, a fim de prestar a sua garantia ao que nele se estipula. 

Em fé do que firmamos o presente convénio. 

[seguiam-se as assinaturas dos membros das duas Juntas]

Artigo adicional: Em virtude de haver recebido posteriormente o enviado espanhol amplos poderes do seu governo para ajustar definitivamente o presente tratado, fica assim ajustado na forma que se acha mencionada, escusando-se a saída do enviado português, cujo objecto era ir tratar da aprovação do mesmo ao Reino da Galiza. Os mencionados plenos poderes foram apresentados e reconhecidos pela Junta Suprema, em consequência dos quais se há acrescentado que as tropas que de cada nação auxiliarem pela sua vez a outra serão pagas de pré e soldos pela nação que auxiliarem, sendo esta igualmente obrigada a fornecer-lhes da mesma sorte rações e etapa* de campanha. 

Porto, 5 de Julho de 1808. 

[seguiam-se de novo as assinaturas do presidente da Junta do Porto e do enviado espanhol D. Genaro Figueiroa]

[Fonte: Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 57-58]. 


_____________________________________________________________


Nota:


Etapa - ração de tropas em marcha.

Proposta do Reino de Galiza à Junta Suprema do Porto (5 de Julho de 1808)






Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (5 de Julho de 1808)



Lisboa, 5 de Julho


Nas circunstâncias actuais, é talvez útil trazer à lembrança dos portugueses que as promessas de felicidade e de governo separado, que Sua Majestade o Imperador e Rei se dignou de fazer-lhes por meio da Deputação, são condicionais: a sorte dos portugueses estava nas suas mãos, dizia a Memória; e a eles é que competia provar pelas suas acções que eram ainda dignos de formar uma nação independente e de ter um Rei, em vez de virem a ser uma simples província de outro Estado vizinho.
Por felicidade, o movimento de desvario, que por alguns dias parecia haver-se apoderado de uma parte de Portugal, parece que vai serenando e tomando uma face pacífica; pois de outra sorte mal conviria nem seria próprio representar este país a Sua Majestade o Imperador e Rei como digno dos altos destinos que a sua bondade tem feito brilhar à vista dos seus olhos. Os que têm pegado em armas contra as tropas francesas se assemelham inteiramente a um bando de escravos que querem agrilhoar-se pelas suas próprias mãos, e que correm deliberadamente, com a impaciência da servidão, para um jugo por largo tempo detestado, e que os seus antepassados tanto se ensoberbeciam de ter conseguido sacudir!
O sublevar-se hoje o povo em Portugal é proclamar o voto de cessar de ser português, para vir a ser vassalo espanhol.
Nada haveria de mais incompreensível que esta confusão de todo o cálculo político; por efeito do qual indivíduos de duas nações tão interessadas em aborrecer-se se entregariam com igual furor a uma revolta que deve ser igualmente fatal para ambas; mas cujo bom êxito, a poder-se sequer sonhar, prenderia uma com as cadeias da outra!
Outra extravagância da posição actual é ver duas nações que se pretende tornar fanáticas em nome de Príncipes que elas nem sequer têm à sua testa, e que debalde chamariam de tão longe e por entre tantos obstáculos.
Que desatino, portugueses, não seria o procurardes revoltar-vos contra o Imperador, hoje vosso único Soberano legítimo, e o qual representa, entre vós, o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes? Porque razão quereis expor-vos a ser, com Vila Viçosa e Beja, esmagados pela força, quando a autoridade mui poderosa só pensa em esquecer-se dos próprios direitos de conquista e em governar-vos com suavidade? Porventura diariamente de alguns pequenos corpos de facciosos em Portugal é que havia de desmaiar a estrela do GRANDE NAPOLEÃO e amortecer-se o braço de um dos seus mais valentes e hábeis Capitães?

O Decreto do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe, para que voltem a Lisboa as pessoas que se ausentaram como fugitivas, se vai executando com celeridade. Hoje é que expira o termo fixado para se restituírem a esta capital; e amanhã, os que não tiverem obedecido, estarão no caso de serem presos por ordem do Senhor Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Polícia do Reino. Asseguram-nos que a sua intenção, bem como o seu dever, é fazer com que severamente se cumpra um decreto que prescrevem as circunstâncias, e sem o qual, por um terror pueril, a pesar da mais perfeita tranquilidade, estava para despovoar-se uma cidade que precisa de uma parte dos seus habitantes para alimentar a outra. O deixar aqui de improviso só a classe indigente haveria sido dar maior partido às desordens as mais prejudiciais aos consumidores e aos próprios donos das herdades.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes acaba de nomear por Cónego da Sé de Lisboa o Pároco de Beja, que tão bem se portou ao querer impedir que os seus concidadãos provocassem os desastres que foram o justo castigo da sua criminosa agressão contra as tropas francesas.
O dito pároco porém deve continuar a exercer as suas funções numa cidade onde a sua presença é todavia necessária para reparar as desgraças que ele não pôde prevenir por não ter havido o bom espírito de lhe dar crédito.

Assegura-se que a cidade de Mérida, em Espanha, foi entregue às chamas, por haver também tentado fechar as suas portas a uma coluna do Exército de Sua Alteza Imperial o Grão-Duque de Berg.
Fala-se de ter havido mais três combates em Espanha, todos com grande vantagem dos franceses.

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 27, 5 de Julho de 1808].

Participação da Junta do Algarve ao Príncipe Regente (5 de Julho de 1808)


Participação do Supremo Concelho do Reino do Algarve a Sua Alteza Real. 


Nós, o leal povo do Algarve, rendemos a Vossa Alteza Real, como o legítimo Soberano, as homenagens da mais fiel vassalagem exibida pelos deveres de reconhecimento e gratidão a que Vossa Alteza Real, mais como Pai [do] que [como] Imperante, tem adquirido, com os nossos corações, irrefragáveis Direitos e absoluto Império. Todos nós, Senhor, voamos em espírito e à competência a apresentar e restituir a Vossa Alteza Real uma Coroa de Patriotismo realçada pelo amor, fidelidade e zelo para com Vossa Alteza Real. Coroa que o tirano usurpador do mundo tão infamemente tinha roubado a Vossa Alteza, e a qual estamos firmes e constantes em sustentar, tanto em Vossa Alteza como na Sua Augusta Descendência, até esgotar o sangue e perder a vida, as quais coisas pertencem a Vossa Alteza, à pátria em que nascemos, à causa justa, que defendemos, ao Deus Grande, que adoramos, à Santa Religião, que professamos, e que temos solenemente jurado vingar dos ultrajes com que a pretendem manchar os irreconciliáveis inimigos do Sacerdócio e do Império, autoridades que o Supremo Árbitro do universo constituiu e sustenta, e que por isso ninguém jamais poderá abalar. A obediência aos seus Soberanos foi sempre o timbre do carácter português; mas parece que nunca poderemos alegar testemunho mais autêntico deste carácter [do] que na execução exacta do Decreto de 26 de Novembro do ano passado; porque depois de ver os imensos sacrifícios a que Vossa Alteza se sujeitou, exaurindo o Erário, fechando os portos ao seu antigo e fiel Aliado, com tão grande detrimento das rendas públicas e estagnação do comércio, para conservar a Neutralidade, assim mesmo não foram bastantes tantos excessos para aplacar a sanha daquele, que, nutrindo-se de sangue, para mais se cevar nele, fez marchar famintas e sacrílegas tropas pelo interior do Reino, com intentos de se apoderar da Real Pessoa de Vossa Alteza, segundo mostra evidentemente o seu procedimento com os Soberanos de Espanha.
Obedecemos, sim, ao Decreto sobredito, apesar de nos ver como órfãos, separados por imenso espaço dos nossos amados e legítimos Soberanos e da Sua Augusta Prole, que, expostos a incómodos e perigos gravíssimos, habitam já outro hemisfério e outro mundo. Obedecemos, talvez esquecidos de nós mesmos, e recebemos as estropiadas tropas francesas no interior deste Reino, acolhendo em nossas casas, entre nossas famílias, os vis instrumentos de todas as nossas calamidades para satisfazer a seus caprichos, e imensas requisições. Sim, foi o fruto da nossa obediência o resgatar nossas propriedades, e talvez nossas vidas, pela exorbitante soma de 40 milhões de cruzados, pilhagem e saque de nenhum modo merecido, por não lhe preceder combate ou risco, e que só se deveria praticar com as Nações conquistadas à viva força, e que oferecessem pertinaz resistência. Em prémio da nossa condescendência e da bondade com que os recebemos, fomos espectadores e forçados executores da confiscação dos bens dos leais e fiéis vassalos que acompanharam a Vossa Alteza Real, vimos a Nobreza do Reino ir prostrar-se aos pés e beijar a mão do autor dos nossos males, caminhar a maior parte das nossas tropas a socorro do nosso opressor, desarmadas as que restavam para que presas com os duros ferros fossem forçados cúmplices dos crimes daquele, que não satisfeito de tiranizar a França, pretende agrilhoar o mundo. Tudo isto e muito mais sofremos, Senhor, não por cobardes, mas por obediência fidelíssima a Vossa Alteza Real.
Quando porém vimos chegar ao cúmulo as iniquidades e perfídias deste flagelo do mundo e de seus executores; quando nos pretenderam roubar o único bem que nos restava, dando por extinta a Real Casa de Bragança, pretendendo aniquilar os seus inauferíveis Direitos sancionados pela justiça e defendidos por Deus e [pelos] nossos braços em tantas batalhas; então não pudemos suportar por mais tempo o ceptro de ferro que nos esmagava, e a que de nenhum modo estávamos acostumados.
Foi pois no dia 19 de Junho, dia para sempre memorável, que Vossa Alteza Real foi solenemente aclamado por todas as Ordens do Estado nesta cidade de Faro, e consecutivamente em todo o Reino do Algarve; arvorou-se a bandeira portuguesa nos lugares donde a tinham arrancado para lhe substituir a francesa; iluminou-se a cidade por três noites, entoaram-se cânticos de graças, e se ofereceram soleníssimos sacrifícios ao Deus dos Exércitos, que nos entregava às mãos os seus e nossos inimigos, sem que de parte a parte houvesse a menor efusão de sangue. Foi no dia 23 que este fiel Povo, para evitar os efeitos da Anarquia, nomeou uma Junta Provisional do Governo no Algarve, composta de Deputados de todas as Classes do Estado, eleitos à pluralidade de votos, os quais temos a incomparável honra de assinar esta protestação solene dos nossos sentimentos e deveres patrióticos, reiterando os firmes e indissolúveis juramentos da nossa mais fiel vassalagem à Real e Augusta Pessoa de Vossa Alteza, de Quem esperamos a benigna aprovação da Constituição que temos a honra de apresentar a Vossa Alteza Real, que Deus guarde etc., etc., 

O Conde Monteiro Mor.
O Arcediago da Sé, Domingos Maria Gavião Peixoto.
O Cónego António Luís de Macedo e Brito.
O Major Joaquim Filipe de Landerset.
O Desembargador José Duarte da Silva Negrão.
Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira.
O Capitão Mor, José Bernardo da Gama Mascarenhas Figueiredo.
Miguel do Ó, filho.
Francisco Aleixo.

[Nota: Adaptámos a transcrição desta participação, que foi fixada a 24 de Setembro de 1808, no 4.º número da Gazeta do Rio de Janeiro, sem as respectivas assinaturas dos membros da Junta do Algarve, que foram publicadas apenas quatro dias depois, no número seguinte do mesmo jornal].