sexta-feira, 8 de abril de 2011

Carta de Geoffroy Saint-Hilaire aos professores-administradores do Museu de História Natural de Paris (8 de Abril de 1808)



Vitoria, 8 de Abril*.


Senhores e caros Colegas:


Encaminho-me para Madrid. Não há nenhuma estrada cómoda e, ademais, não há viaturas que sigam para Lisboa em linha recta. Só havia uma hipótese [ou seja, partir para Madrid], e aproveitei-a, ou melhor, paguei-a por um grande preço. Fiquei feliz por sair de Bayonne, cidade que está a abarrotar e onde todos os viajantes encontram-se mal e têm grandes despesas.
O Imperador determinou que no dia 10 de Abril receberia uma deputação portuguesa na cidade de Bayonne, e na estrada de Madrid estão preparadas as mudas de cavalos para a sua passagem, donde resulta que estarei em Madrid ao mesmo tempo que Sua Majestade. 
É possível que, com ordens do Governo francês, consiga obter duplicados das colecções do Príncipe da Paz**, ou encontre, ao longo do caminho, outra ocasião para fazer uma colheita abundante para o nosso Museu [de História Natural de Paris]; aguardo a oportunidade e darei o meu melhor para que tireis proveito da minha passagem por Madrid. 
Caso se proporcione tal ocasião [ou seja, caso o Governo francês envie as respectivas ordens], terei necessidade do Sr. Tondi; [mas] não sei onde encontrá-lo, nem para onde lhe poderia escrever. Imaginei pedir-vos, meus caros colegas, que tenhais a bondade de me enviardes para Madrid, sem demora, um aviso sobre o caminho que ele prossegue***. Estou assegurado que, caso me honreis com uma resposta, ela chegará às minhas mãos, mesmo que já não me encontre em Madrid.
Encontram-se semeados arcos de triunfo em todo o caminho que percorro, não somente nas principais cidades, mas também nas mais pequenas aldeias.
Os espanhóis estão encantados com a revolução que ocorreu no seu país e vêem os franceses com tanto prazer quanto antes os viam com repugnância.
O exército [francês] é tratado com consideração e melhor do que na França; são os administradores espanhóis que suprem, conforme as ordens do Rei, todas as necessidades dos soldados, que, avaliando a sua sorte através da qualidade do pão, julgam-se num país de Cocanha [pays de Cocagne].
Todas as províncias limítrofes dos Pirenéus enviam deputações ao Imperador: todos os magistrados, análogos pelo valor das funções aos nossos subprefeitos, querem ser [membros] das deputações, de modo que estas são muito numerosas. O infante de Espanha dormirá esta noite em Tolosa e esperará aí por Sua Majestade. Todos os monges saem dos seus conventos e enchem as casas onde estão as mudas de cavalos, na esperança de verem o Imperador no momento em que ele troque as suas mulas.
Adeus, meus caros Colegas, terei o dever de escrever-vos de Madrid: peço-vos que me conservem na vossa benevolência e de me crer 
Vosso todo dedicado e afectuoso colega,

Geoffroy Saint-Hilaire

[Fonte: E.-T. Hamy, "La mission de Geoffroy Saint-Hilaire en Espagne et en Portugal (1808). Histoire et documents", in Nouvelles Archives du Muséum d'Histoire Naturelle, Quatrième série - Tome dixième, Paris, Masson et C. Éditeurs, 1908, pp. 1-66, pp. 33-34].


__________________________________________

Notas:

* Esta carta foi lida aos professores do Museu de História Natural de Paris em sessão de 20 de Abril, e respondida por Cuvier, seu director, três dias depois.

** É possível que Geoffroy Saint-Hilaire já tivesse tomado conhecimento tanto da prisão de Godoy como das subsequentes ordens de apreensão de todos os seus bens (emitidas a 22 de Março de 1808).

*** Numa nota manuscrita à margem desta carta, René Haüyprofessor de minerologia no Museu de História Natural de Paris, escreveu que "tinha recebido no dia 16 deste mês uma carta do  Sr. Tondi, remetida de Múrcia com a data de 1 de abril. [Tondi] dispôs-se a seguir para Málaga, e parece que daí partirá para Madrid, porque tem cartas para alguns sábios que habitam nessa cidade".

Publicação da sentença do processo de El Escorial


"Ao episódio do Motim de Aranjuez foram dados eufemisticamente muitos e variados nomes: tormenta, rebelião, revolta, traição, deploráveis jornadas, catástrofe, revolução, levantamento, alvoroço, agitação, sublevação, comoção ou sucessos de Aranjuez, e assim muitos mais, e ainda que numerosos historiadores de relevante prestígio se resistem a denominá-lo pelo seu nome, esta acção só tem um: golpe de Estado". Estas palavras de José Luis Lindo Martínez (in El Motín de Aranjuez, inicio de la Guerra de la Independencia. Una historia falseada) resumem o falseamento histórico de um episódio que durante dois séculos tem vindo a ser tantas vezes considerado como um levantamento popular contra os franceses, que teria iniciado a assim chamada Guerra de la Independencia.

No entanto, basta consultar as fontes da época para ver que os franceses eram nesta altura vistos como heróis, em grande parte devido à propaganda espalhada pelos próprios partidários de D. Fernando, que afirmavam que os exércitos napoleónicos tinham entrado na Espanha com o objectivo de derrubar Godoy. De facto, a revolução ocorrida entre 17 e 19 de Março de 1808 em Aranjuez foi realmente um golpe de estado urdido pela nobreza espanhola, que usou para seu próprio proveito a ambição de poder de D. Fernando e o descontentamento do povo, contra o poder intocável de Godoy, e que teve como pretexto a iminente partida da família real para o sul da Espanha, eventualmente para depois embarcar para as colónias americanas, imitando o exemplo da Corte portuguesa. 

Costuma-se dizer que a história é escrita pelos vencedores, e foram de facto os partidários de D. Fernando que começaram por viciar a história destes acontecimentos, através de uma explicação maniqueísta onde Godoy era visto como a causa de todos os males da Espanha e D. Fernando como o único salvador possível da pátria. Consumado e consagrado em Aranjuez, D. Fernando começou logo por contribuir para que se manchasse ainda mais a imagem de Godoy, ao mesmo tempo que limpava a sua. Assim, no dia 31 de Março, um número extraordinário da Gazeta de Madrid anunciava o que se segue, antes de inserir um resumo do processo do Escorial e da sua sentença: "Ainda não se publicou o resultado do processo realizado no Escorial, apesar do que se previne no decreto de [D. Carlos IV de] 30 de Outubro do ano passado; e desejando el-Rei Nosso Senhor [D. Fernando VII] que todos os vassalos se instruam dos procedimentos contra a sua Real pessoa, vários criados seus e outros sujeitos que intervieram nas ocorrências dela, mandou fazer um breve resumo do seu conteúdo, segundo a sentença dele, achada nos papéis do Príncipe da Paz". 

Recordemos que este processo tinha chegado ao fim no dia 25 de Janeiro, embora entretanto não se tivesse publicado a sua sentença. No dia 8 de Abril, reimprimia-se o decreto de D. Carlos IV de 30 de Outubro de 1807 (onde anunciava o processo no qual o seu filho estava imputado), uma ordem de 3 de Novembro seguinte (para ser realizada uma missa de acção de graças pelo fiasco da conspiração contra Carlos IV), e finalmente o resumo do processo e a sentença (que tinha sido publicada no referido n.º extraordinário da Gazeta de Madrid de 31 de Março de 1808), para ser posta a circular entre a magistratura de Espanha: 










[Fonte: Archivo Histórico Nacional de España, 
ES.28079.AHN/1.1.38.1//CONSEJOS, L.1398, Exp. 100]



Provisão de Junot relativa ao pagamento da contribuição extraordinária (8 de Abril de 1808)



Em nome de Sua Majestade o Imperador dos franceses, Rei de Itália, protector da Confederação do Reno. O General em Chefe do Exército francês em Portugal, etc. 

Faz saber que a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação destes Reinos e seus domínios, encarregada de derramar por todo o reino os 6 milhões de cruzados com que o comércio deve concorrer para a contribuição extraordinária de guerra, não lhe sendo possível, em razão da estreiteza dos prazos decretados para os pagamentos, organizar um plano geral em que cada uma das suas partes fosse contemplada com aquela relativa igualdade de que nasce a justiça; e desejando que cada uma das províncias do reino gozasse de toda a moderação que coubesse nos limites prescritos pela necessidade indispensável de se perfazer aquela soma, cometeu essa diligência aos magistrados de todas as províncias, remetendo a cada um deles um exemplar do decreto imperial e real, para que, instruídos por ele mesmo de que o objecto da contribuição era o resgate de todas as propriedades debaixo de quaisquer denominações, estabelecessem em conformidade as suas regras de justiça nas fortunas conhecidas ou presumidas de cada negociante, porque sendo a taxa justa a respeito de cada um, ficava salvo o ponto mais essencial de uma empresa tão difícil. Porém, tendo a experiência mostrado a nulidade deste projecto, cuja execução frustrou o fim desejado, o tribunal se vê constrangido a fazer por si mesmo a derrama das províncias do reino; e ouvindo para isso as pessoas que pareceram mais instruídas das faculdades e posses de cada uma, formou a lista das comarcas com a sua respectiva quota, para se repartir por todas as vilas, concelhos e demais lugares da sua dependência. 
O Corregedor da Comarca de … , passando ao lugar mais central e mais acessível a todas as terras da Comarca, fará sem perda de tempo avisos muito precisos a todas as Câmaras, para que nos curtos prazos que lhes assinar compareçam elas mesmo, sendo possível, aliás mandem representantes seus, capazes de conciliarem os seus interessem com a conclusão do negócio que há de ser infalível. Constituindo ele então em sessão permanente, resolverá com as respectivas Câmaras, e com os louvados que parecer justo, a quota relativa a cada vila ou lugar; e porque não é possível que o mesmo Corregedor passe à execução do que se resolver a respeito de cada terra, e ainda menos que presida à derrama individual de cada uma delas, para se concluírem todas nos mesmos prazos que instam, cometerá essa diligência aos magistrados que forem mais capazes da sua execução, pondo nela toda a actividade que o negócio exige, como se demonstra pelo mesmo decreto e demais ordens que dele têm emanado. 
Concluído o lançamento em cada lugar, se fará logo a cobrança do primeiro terço, sem se admitir reclamação alguma, na forma do decreto de 9 de Março, cujo método se deve observar para a instrução dos processos competentes, que serão remetidos ao tribunal com o produto da cobrança, para cuja remessa pedirão, sendo necessário, auxílio militar. E contra os que forem remissos nos pagamentos, se procederá em conformidade do outro decreto de 24 [sic] de Março passado*; devendo entender-se que se há de abonar a cada um dos colectados qualquer quantia que tenham já pago em consequência da derrama anterior; do mesmo modo que entrarão no cômputo de cada terra as somas daquelas pessoas que por contratos ou por quaisquer outras razões tenham já sido taxadas ou forem depois pelo tribunal. Bem entendido que não deve entrar na classe dos rendeiros o lavrador que arrendou terras para as cultivar ele mesmo, e que sem outro algum tráfico carrega com as décimas dos seus frutos. Ficando, outrossim, advertido que quando qualquer contribuidor quiser pagar a sua dívida toda em metal, se lhe deverá abonar o desconto respectivo à metade do papel, dado-se as competentes clarezas para a conta geral. 
As listas da derrama, assim das terras como dos indivíduos, deverão ser assinadas pelos magistrados e pelos outros vogais, para se remeterem ao tribunal, ficando cópias na Câmara e nas respectivas Comarcas. Pelo que todos os corregedores, magistrados e demais pessoas a quem o conhecimento desta pertencer, a cumpram como nela se contém. 
O mesmo senhor o mandou pelos ministros abaixo assinados, deputados da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação destes Reinos e seus domínios. 

João Camilo da Silva Sousa e Bastos a fez em Lisboa a 8 de Abril de 1808. 


[Fonte: Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 38-40].

_________________

Nota:


* É possível que haja aqui alguma gralha, pois aparentemente estaria-se a fazer uma menção ao decreto de 28 de Março


Decreto de Junot sobre a criação de um novo Tribunal do Crime e enumeração dos delitos da competência do Tribunal Especial e penas em que incorrem os que os cometerem (8 de Abril de 1808)



Em nome de Sua Majestade Napoleão Primeiro, Imperador dos Franceses, Rei de Itália e Protector da Confederação do Reno. 

O General em Chefe do Exército Francês, penetrado da necessidade urgente de reprimir sem dilação com um castigo exemplar todos os delitos que atentam contra a segurança pública; e convencido, por outra parte, da insuficiência das Leis Criminais do país, ouvido o Conselho do Governo, decreta: 

Art. I. Criar-se-á imediatamente um Tribunal especial, destinado para julgar todos os delitos que atentarem contra a segurança pública e se cometerem em toda a extensão do Reino de Portugal. 

Art. II. Este Tribunal terá o seu assento na cidade de Lisboa. 

Art. III. O Tribunal especial conhecerá todos os delitos mencionados no presente Decreto. 

Art. IV. O Tribunal especial será composto da maneira seguinte: 

Um presidente, Oficial superior francês. 

Um Capitão relator francês. 

Três oficiais franceses. 

Um oficial português. 

Um juiz português, escolhido entre os mais recomendáveis, e que mais conhecimento tiver das matérias criminais. 

Um escrivão. 

Art. V. O Capitão relator não tem voto deliberativo. 

Art. VI. Os membros que compuserem o Tribunal especial exercerão gratuitamente as suas funções; e tão somente se dará cada mês ao Capitão relator, em consideração ao seu maior trabalho, uma gratificação que não poderá exceder a soma de vinte e quatro mil réis, nem ser menos de dezasseis mil réis. 

Art. VII. O escrivão será escolhido indistintamente entre os franceses e portugueses, contanto que fale ambas as línguas; e terá de ordenado trinta e dois mil réis por mês, e duzentos e quarenta réis por cada sentença. 

Art. VIII. Haverá um intérprete agregado ao Tribunal, que receberá, só quando for empregado, um salário de novecentos e sessenta réis por dia, e de mil e seiscentos réis por cada sessão de noite. 

Art. IX. As testemunhas que forem chamadas para depor no Tribunal receberão uma gratificação regulada pelo modo seguinte, a saber: 

Quatrocentos réis por cada dia que estiverem fora de suas casas. 

Os dias serão contados pelas distâncias de etapa estabelecidas para a marcha das tropas. 

Art. X. O Capitão relator promoverá a acusação e processo dos delitos da competência do Tribunal, em consequência das denúnicas que receber dos Comandantes militares ou dos da força armada, ou dos Corregedores, Juízes de Fora e outros Ministros de justiça; ou, enfim, oficialmente, quando os delitos forem provados por uma notoriedade pública. 

Art. XI. Quando um processo criminal estiver completamente instruído, o Capitão relator o participará ao presidente do Tribunal; e este remeterá logo ao Secretário de Estado da Guerra todos os documentos pertencentes à instrução do processo, que pelo Capitão relator lhe tiverem sido entregues. O Secretário de Estado da Guerra fará na mais prócima sessão do Conselho da guerra o relatório da causa instruída, para que o dito Conselho decida se é ou não da competência do Tribunal julgar o delito de que se trata. 

Art. XII. Se o Conselho de Governo admitir a competência do Tribunal, o Secretário de Estado da Guerra mandará logo os documentos do processo ao presidente do Tribunal, o qual o convocará imediatamente, e se julgará sem demora. 

Art. XIII. As sentenças do Tribunal especial não têm apelação nem revista. 

Art. XIV. Executar-se-ão dentro de vinte e quatro horas as sentenças proferidas; e o Capitão relator promoverá a execução. 

Art. XV. As custas do processo e sentença das causas que correrem no Tribunal especial serão pagas pelos condenados; mas provisoriamente pagá-las-á o Secretário de Estado da Guerra, ficando-lhe o direito salvo contra os condenados, direito de que usará por meio dos administradores das rendas nacionais, participando-lhes o julgado pelo Tribunal. 

Art. XVI. Destinar-se-á na cidade de Lisboa um lugar para as sessões do Tribunal especial e uma prisão particular em que estejam presos os que forem compreendidos nos delitos da competência do dito Tribunal. 

Art. XVII. Toda a pessoa de qualquer qualidade, profissão ou nação, acusada de um dos delitos da competência do Tribunal especial, será julgada pelo dito Tribunal. 

Art. XVIII. O Tribunal especial principiará a exercitar as suas funções logo que se publicar o presente decreto. 

Art. XIX. A lei entender-se-á publicada e terá vigor em todo o Reino quinze dias depois de ter sido publicada e afixada na cidade de Lisboa. 

Igualmente se publicará e afixará por ordem dos Corregedores, onde convier, no mesmo dia em que a receberem. 

Art. XX. Os tribunais ordinários continuarão a conhecer dos delitos criminais ou de polícia correccional que não se especificam no presente decreto. 



*



Enumeração dos delitos da competência do Tribunal Especial e penas em que incorrem os que os cometerem


1.º Insurreição contra a autoridade, motim popular, ou ajuntamento armado – Pena de morte, na conformidade das Leis portuguesas de 28 de Julho de 1751, 3 de Agosto de 1759, 24 de Outubro de 1764, e 14 de Fevereiro de 1772; e da Lei Francesa de 14 de Brumário do ano XI, Artigo 61.º 

2.º Assassínio premeditado, tenha ou não tenha sido consumado – Pena de morte, na conformidade das Leis portuguesas de 6 de Dezembro de 1612, 15 de Janeiro de 1652, 14 de Agosto de 1751, 20 de Outubro de 1763; e do Código Penal francês de 6 de Outubro de 1791. 

3.º Crime de incendiário – Pena de morte, na conformidade do Livro V, Título 86, da Ordenação portuguesa, e da disposição do Título 2 do Código Penal francês. 

4.º Roubos feitos com armas nas estradas, ou dentro das cidades, lugares, e nos campos – Pena de morte, na conformidade do Título 61 do Livro V da Ordenação portuguesa. 

5.º Roubos perpetrados com arrombamentos e outros – Pena de morte ou galés, na conformidade do Título 61.º do Livro V. da Ordenação portuguesa e do Código Penal francês. 

Tendo-se multiplicado, infinitamente, os roubos, tanto na cidade de Lisboa como em todo o Portugal, o General em Chefe do Exército, desejando proteger com todas as suas forças as propriedades dos habitantes, determinou que o Tribunal especial Criminal conhecerá também (provisoriamente, e enquanto não houver outra determinação) todos os crimes de roubo, e julgará os criminosos destes delitos que forem mandados responder ante ele, ou pelo Intendente Geral da Polícia do Reino de Portugal, ou por qualquer outra autoridade competente. 

6.º Contravenção à lei sobre o uso das facas e outras armas mortíferas – Pena de açoites e galés, na conformidade do § 6.º, título 80.º do Livro V da Ordenação portuguesa, e das Leis de 5 de Janeiro de 1620; 20 de Janeiro de 1634, 8 de Julho de 1674, 29 de Março de 1719 e 25 de Junho 1749. 

7.º Crime de espionagem – Pena de morte, na conformidade da Disposição do Código Penal Militar. 

8.º Aliciação para passar para o inimigo – Pena de morte. 


Todas as sentenças que infligirem pena capital ou aflitivas serão impressas em ambas as línguas e afixadas. 

O Secretário de Estado das Finanças e do Interior, o da Guerra e da Marinha, e bem assim o Regedor, ficam encarregados da execução do presente decreto, que será impresso em ambas as línguas. 

Dado no Palácio do Quartel-General, em Lisboa, aos 8 de Abril de 1808. 

(assinado) O Duque de Abrantes. 

Pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe. 

O Secretário Geral do Conselho do Governo, 
Vaublanc



[Fonte: Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 44-47; também foi publicado um excerto deste decreto por José António de Sá, na sua anónima Demonstração Analítica dos bárbaros e inauditos procedimentos adoptados como meios de justiça pelo Imperador dos franceses para a usurpação do trono da Sereníssima e Augustíssima Casa de Bragança, e da Real Coroa de Portugal, Lisboa, Impressão Régia, 1810, pp. 274-279. O autor desta última obra, comentando este documento, refere que “que o encarregado de minutar este Decreto parece que de propósito citou as nossas Ordenações e Leis para mostrar a superfluidade de novas sanções sobre objecções em que tudo se achou providenciado, e fazer indecorosamente uma contradição visível neste mesmo Decreto, que acusa a insuficiência das Leis do País, quando as aplica”]. 


Notícia publicada na Gazeta de Lisboa sobre os decretos de Junot (8 de Abril de 1808)


Os decretos do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe, sendo sempre análogos ao espírito de rectidão e beneficência que o distingue, dão bem a conhecer que desveladamente se aproveita de toda a ocasião em que possa manifestar estes sentimentos aos portugueses. Não podem estes pois deixar de ser sensíveis a isso, muito principalmente por verem a generosidade com que Sua Excelência de seu motu proprio quis corresponder aos que foram exactos em cumprir com o primeiro pagamento da contribuição extraordinária de guerra, ficando assim persuadidos de que debaixo dum Governo, sobre justo, generoso, não se podem esperar senão vantagens progressivas, e que devem contribuir cada vez mais para a felicidade do país. 

[Fonte: Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º XIV, 8 de Abril de 1808].

_________________

NOTA: Esta notícia, certamente escrita por Lagarde, aparecia inserida depois do decreto sobre a proibição das comunicações com a esquadra inglesa e do decreto de Junot acima mencionado, ambos datados de 5 de Abril. 


Carta de Junot a Napoleão, agradecendo-lhe o título de Duque de Abrantes (8 de Abril de 1808)



[...]
Que expressões poderão alguma vez traduzir todo o meu reconhecimento pelas benfeitorias que Vossa Majestade me concede todos os dias? Vossa Majestade fez-me Duque de Abrantes, e esta recompensa está muito acima, sem dúvida, dos serviços que lhe tenho podido prestar; mas, Sire, eu também gosto de persuadir-me de que Vossa Majestade Imperial quis recompensar a minha dedicação à sua sagrada pessoa.
Que entusiasmo, que estímulo, não deve excitar em todos os súbditos de Vossa Majestade a esperança de recompensas tão grandes? E estes títulos, transmitidos ao meu filho, recordar-lhe-ão incessantemente que seu pai, se conseguiu receber do maior dos monarcas tão honrosa distinção, lhe legou, ao transmitir-lhos, a obrigação de merecê-los por um apego e uma dedicação sem limites à Dinastia Napoleónica.
[...]

[Fonte: Junot, Diário da I Invasão Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008, p. 159 (n.º 103)].