domingo, 28 de novembro de 2010

A província de Trás-os-Montes durante as invasões (II)




Recapitulando, entre outros termos, o Tratado de Fontainebleau havia determinado a divisão de Portugal em três territórios distintos, a saber: 

    1) O reino da Etrúria, composto pela província de Entre-Douro e Minho; 
    2) O principado dos Algarves, composto pelo Alentejo e pelo Algarve;
    3) As restantes províncias (Estremadura, Beira e Trás-os-Montes) ficariam por dispor até que houvesse uma paz e segundo o que a França e a Espanha acordassem.

Como se previa, os dois primeiros territórios foram ocupados pelas tropas espanholas, em Dezembro de 1807. A falta de forças do exército francês, no entanto, não permitira a total ocupação das restantes províncias. Ao contrário do que era esperado, Junot viu-se assim obrigado a fazer um acordo com os espanhóis, logo a meados de Dezembro, para que aqueles ocupassem a península de Setúbal, o que realmente se verificou, estabelecendo-se aí, aliás, o Quartel-General do Marquês del Socorro. 
Uma outra zona que devia ser ocupada pelos franceses mas que nunca chegou a sê-lo (nem sequer pelos espanhóis) foi a província de Trás-os-Montes, como já tivemos ocasião de indicar. Quer os franceses (através da Regência) quer os espanhóis expediam ordens, mas como refere e bem Acúrsio das Neves, aquelas chegavam frias... Vejamos agora alguma correspondência estabelecida entre o General que encabeçava a região, Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, a Regência, o General espanhol estabelecido no Porto, Francisco Taranco, e o Marquês de Alorna, Inspector Geral e Comandante das tropas portuguesas das Beiras, Trás-os-Montes e Estremadura (cargo que Junot lhe atribuíra).

A primeira carta é do próprio General Sepúlveda ao Conde de Sampaio, declarando que recebera uns avisos que a Regência lhe havia dirigido, ordenando o bom acolhimento das tropas francesas e não permitindo ajuntamentos ou movimentos das milícias ou ordenanças da região. Para que se perceba quão isolada estava a província em relação a Lisboa, dever-se-á dizer que esta carta tardou 12 dias para chegar às mãos do Conde de Sampaio:


Il.mo e Ex.mo Sr:

Em consequência das ordens dos senhores Governadores deste Reino que V.ª Ex.ª me comunica, em avisos de 1 e 2 do corrente mês, passei as precisas ordens aos Coronéis de Milícias e Capitães mores dos distritos desta província [de Trás-os-Montes], ordenando-lhes debaixo da mais rigorosa responsabilidade [para que] pratiquem com as tropas francesas toda a civilidade e bom acolhimento, não consentindo ajuntamento algum, nem o menor movimento de ditas milícias ou ordenanças, na forma recomendada nos ditos avisos.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª.
Quartel-General de Bragança, 12 de Dezembro de 1807

Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 3, doc. 54, fl. 1]




No Porto, no dia 19 de Dezembro, o General Taranco escreve ao General Sepúlveda para requerer o envio duma lista de todas as armas, número de militares e praças de guerra que existissem em Trás-os-Montes:



Il.mo e Ex.mo Sr:

Para o inteiro cumprimento das ordens com que me acho, é indispensável [que] tenha a bem V.ª Ex.ª passar a minhas mãos, com a brevidade que for dada, relações exactas das forças e militares que contém esta província; bem a saber, corpos de todas as armas e seus destinos, com o número de praças de que constam [ter] artilharia, armas, munições, apetrechos e quantos efeitos pertencem às operações ofensivas e defensivas de toda a classe; cujas importantes e urgentes notícias não duvido [que] mandará V.ª Ex.ª formar e remeter-me, com toda a prontidão possível.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª muitos anos.
Porto, 19 de Dezembro de 1807.

Francisco de Taranco







No dia em que recebe esta última carta, "somente" 4 dias depois de lhe ter sido enviada, o General Sepúlveda responde ao General Taranco. Apesar de assumir que não tinha ordens para lhe poder responder, Sepúlveda acaba por revelar, em traços gerais, alguns dos dados que lhe eram requeridos:


Il.mo e Ex.mo  Sr:

Recebendo a carta de V.ª Ex.ª de 19 de Dezembro do corrente [mês], devo dizer a V.ª Ex.ª que as ordens com que me acho são somente para receber de boa fé nesta província como amigas e agasalhar as tropas espanholas e francesas que, por estar fronteiras, transitarem;  e nesta consideração, passei as correspondentes [ordens] a todos os indivíduos destes distritos.
Para satisfazer a V.ª Ex.ª em tudo, como desejo, devo dizer-lhe que dois Regimentos de Infantaria de linha de mil praças cada um e dois ditos de Cavalaria de quatrocentas praças cada um, pouco mais ou menos, que guarneciam esta dita província, saíram dela para outras, no princípio do mês passado, e não sei onde param.
Nesta ficou um Regimento de Cavalaria de linha de quatrocentas praças, e cinco Regimentos de Milícias de pé, de oitocentas praças cada um.
Praças de guerra ou fortes, não há senão Miranda e Chaves, arruinadas e desmanteladas, e sem artilharia; e os armazéns de munições de guerra estão pouco menos, desde a entrada que fizeram aqui os espanhóis, no ano de 1762 [aquando da chamada guerra fantástica].
[É] isto o que me cumpre dizer a V.ª Ex.ª, desejando ter ocasiões em que possa servir e obsequiar a V.ª Ex.ª.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª muitos anos.
Bragança, 23 de Dezembro de 1807.

Manuel Jorge Gomes de Speúlveda 






Não obstante aquela resposta, dois dias depois Sepúlveda envia à Regência uma participação da carta de Taranco e da sua resposta. Esta participação, no entanto, só alcançará Lisboa no dia 9 de Janeiro de 1808:


Il.mo e Ex.mo Sr:

O General em Chefe do Exército espanhol residente na cidade do Porto, me escreveu na carta de 19 do corrente [mês], o que V.ª Ex.ª verá da cópia inclusa; e eu lhe respondi, na data de 23 [do] dito [mês], o que também consta da cópia também inclusa.
Persuado-me [de que] não devia mandar-lhe as relações que me pedia, dos géneros destes pequenos armazéns; e portanto, e porque não tinha instruções a este respeito nem a semelhantes, rogo a V.ª Ex.ª [para que] queira saber dos senhores Governadores como me deva portar a tais requisições.
Também agora recebi pelo correio [=carteiro], Sebastião Luiz, a carta de V.ª Ex.ª de 17 do corrente, em que me repete, por ordem de ditos senhores Governadores, a boa recepção, harmonia e civilidade com que devo tratar as tropas francesas e espanholas que trasitarem por esta província, em cuja inteligência fico.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª.
Quartel-General de Bragança, 25 de Dezembro de 1807.

Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda





Entretanto, no dia 29 de Dezembro, o General Taranco, talvez não muito satisfeito com a resposta do General Sepúlveda, volta a escrever-lhe, justificando-se agora melhor:




Il.mo e Ex.mo Sr:


Sabe V.ª Ex.ª muito bem que nem sempre o povo armado concorre com energia à defesa do seu país, abusando muitas vezes dos meios que se lhe entregam para a segurança dos seus lugares, em grave prejuízo dos seus habitantes, e talvez em ultraje das próprias autoridades que deveria respeitar. Nas actuais circunstâncias, não se pode duvidar que a luta de superiores diferentes é capaz de acender distúrbios intestinos em alguns territórios, não obstante as sábias precauções do Governo e a experimentada moderação das tropas do meu comando; e toca-nos, a V.ª Ex.ª e a mim, respectivamente, tomar as medidas que a prudência dita, a fim de evitar que os males e [?] possam perturbar a tranquilidade dos habitantes pacíficos, e que se ensanguentem em duelo.
As armas distribuídas entre os milicianos e as ordenanças e as que têm reunidas os Capitães e outros chefes, são perigosas actualmente; e eu não posso menos que crer que V.ª Ex.ª, penetrado pelas óbvias reflexões que lhe dou a entender, terá por bem providenciar que as referidas armas se recolham na capital, onde se custodiarão com a segurança que pede um objecto tão importante, para cujo fim estou pronto a facilitar a V.ª Ex.ª todos os auxílios que pudesse necessitar.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª muitos anos.
Porto, 29 de Dezembro de 1807.

Francisco de Taranco



Sete dias depois, o General Sepúlveda recebe a carta de Taranco, respondendo-lhe que as suas forças não seriam capazes de resistir a um exército armado e que não iria desarmar os paisanos, em virtude de grassarem ladrões na região e, sobretudo, porque não dispunha das competentes ordens para o efectuar:


Il.mo e Ex.mo Sr:

Em data de 29 do passado [mês], em carta que agora recebo, expõe V.ª Ex.ª a necessidade de se desarmar as milícias e as ordenanças desta província, e respeitando eu as sábias reflexões de V.ª Ex.ª, devo também expor-lhe que não havendo nesta dita província povoação cujos paisanos sejam capazes de resistir a uma companhia de tropa armada, não pode temer-se nem uma insurreição, tendo, como tem, ordens repetidas para não se juntarem e para receberem as tropas espanholas e francesas como amigas.
Nestes termos, seria exasperar estes povos desarmando-os, por ficarem expostos a que muitos ladrões foragidos, que grassam por estas partes armados, pudessem a seu salvo roubá-los ou matá-los. 
Estes [são] os motivos porque consinto que os espanhóis que diariamente passam a esta cidade, e daqui a essa do Porto, vão e voltem armados ao seu negócio, como V.ª Ex.ª terá visto.
Além de que eu não me acho autorizado para ordenar uma tal mudança, e portanto dou conta aos senhores Governadores deste Reino, com a carta de V.ª Ex.ª e desejo e espero que ditos senhores resolvam o que lhes parecer mais útil para conservação, harmonia e segurança destes ditos povos, cuja resolução participarei a V.ª Ex.ª imediatamente.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª muitos anos.
Quartel-General de Bragança, 5 de Janeiro de 1808.

Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda





Como prometera a Taranco, nesse mesmo dia escreve Sepúlveda ao Conde de Sampaio, aproveitando para se queixar da falta de ordens sobre assuntos como este:


Il.mo e Ex.mo Sr:

O General em Chefe do Exército espanhol acantonado na cidade do Porto, D. Francisco de Taranco, escreve-me em data de 29 do passado [mês] a carta cuja cópia remeto inclusa, em que solicita que eu faça desarmar as Milícias e as Ordenanças desta província; e não me julgando autorizado para isto, lhe respondi na data de hoje a carta que também vai inclusa por cópia, concluindo que dava conta aos senhores Governadores deste Reino, esperando [a] sua resolução.
Portanto, rogo a V.ª Ex.ª para apresentar a dita [?], esta e as referidas cópias, pedindo-lhes uma resolução pronta.
Já em carta de 25 do passado [mês] pedia eu, pelo Ministério de V.ª Ex.ª, instruções sobre este e semelhantes assuntos que todos os dias se multiplicaram, para saber o como devo comportar-me, pois não me consta a autoridade do dito General, nem de nenhum outro, que a não tenha do Príncipe Regente Nosso Senhor, que Deus Guarde muitos anos. 
Quartel-General de Bragança, 5 de Janeiro de 1808.

Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda



Antes, porém, de chegar esta última carta, finalmente, no dia 9 de Janeiro de 1808, chegava a Lisboa a carta que o General Sepúlveda enviara no dia 25 de Dezembro do ano anterior. A resposta do Conde de Sampaio não podia ser mais clara: 



Il.mo e Ex.mo Sr:

Tendo sido presente ao Conselho de Regência o ofício que V.ª Ex.ª me dirigiu em data de 25 de Dezembro [...] passado; aprovou o mesmo Conselho a resposta que V.ª Ex.ª deu ao ofício do General Taranco, como era justo; acrescentando a V.ª Ex.ª que todas as requisições da parte do dito General Taranco nessa província de Trás-os-Montes serão incuriais, por isto mesmo que essa província está fora da sua jurisdição, na forma que se acha declarado pelo General [Junot] de Sua Majestade Imperador e Rei. Portanto, se voltarem novas requisições da parte do sobredito General, deverá V.ª Ex.ª responder-lhe, com toda a civilidade, que achando-se essa província ligada inteiramente às da Beira e Estremadura, devem só responder ao General em Chefe do Exército francês, e que, em consequência, não pode V.ª Ex.ª de modo algum prestar-se às requisições deste General espanhol, enquanto não receber novas ordens em contrário. O que participo a V.ª Ex.ª para sua devida inteligência e consecução. 
Deus Guarde a V.ª Ex.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 9 de Janeiro de 1808.

Conde de Sampaio



Ainda antes de chegar à Regência a participação do General Sepúlveda datada de 5 de Janeiro, o Marquês de Alorna envia a seguinte carta ao referido General, ordenando o desarmamento de Trás-os-Montes (não se entende, porém, o motivo desta ordem do Marquês de Alorna ter tardado tanto em ser enviada, pois Junot tinha-lhe determinado, por decreto de 1 de Janeiro, que aquela província devia estar desarmada até ao dia 20 do mesmo mês):



V.ª Ex.ª ordenará aos Coronéis ou chefes dos Regimentos de Milícias dessa província que façam recolher imediatamente os armamentos que têm em seu poder, e que deverão ser enviados aos depósito de Chaves, até ao dia 20 de Fevereiro, facilitando-lhes V.ª Ex.ª para isso os transportes necessários, que serão pagos pelas respectivas Câmaras, devendo V.ª Ex.ª remeter-me os recibos desta satisfação, para se passarem as ordens competentes às tesourarias, a fim de serem as mesmas Câmaras indemnizadas destas despesas; igualmente me remeterá V.ª Ex.ª uma cópia autêntica dos recibos que no depósito geral se passarem aos Coronéis de Milícias, não só para que conste a pontual execução desta ordem, mas para o conhecimento que convém haver do número de armas que ao mesmo depósito se recolherão.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª.
Quartel General de Lisboa, na Calçada das Necessidades, 15 de Janeiro de 1808.

Marquês de Alorna



Finalmente, no dia 16 de Janeiro, o Conde de Sampaio responde à referida carta do General Sepúlveda de 5 do mesmo mês, omitindo (talvez por desconhecimento) qualquer palavra sobre a anterior ordem do Marquês de Alorna, e ordenando somente o desarmamento dalguns indivíduos suspeitos:



Il.mo e Ex.mo Sr:


Tendo sido sido presente ao Conselho de Regência deste Reino o ofício que V.ª Ex.ª me dirigiu  em data de 5 do corrente [mês], o mesmo Conselho aprova muito a resposta que V.ª Ex.ª deu ao General Taranco sobre a requisição de serem desarmados os milicianos e as ordenanças dessa província, recolhendo-se as armas à cidade do Porto. Ordena pois o Conselho que V.ª Ex.ª continue do mesmo modo a recusar-se a quaisquer requisições que o dito General lhe haja de fazer, visto que essa província de Trás-os-Montes se acha independente dessa jurisdição; tendo contudo V.ª Ex.ª um especial cuidado em manter o maior sossego e quietação pública, para o que fará tirar as armas a todos aqueles indivíduos de que puder desconfiar que façam delas uma aplicação viciosa.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 16 de Janeiro de 1808.


Conde de Sampaio








Como era previsível, a carta do Marquês de Alorna só chegaria às mãos do General Sepúlveda já depois do fim do prazo estabelecido para o desarmamento de Trás-os-Montes. Sepúlveda, que provavelmente desconhecia os vários decretos de Junot onde se referia o nome e o novo cargo do Marquês, escreve no dia 25 de Janeiro ao Conde de Sampaio, relatando-lhe a situação e assumindo que já não percebia a que ordens tinha que obedecer:


Il.mo Ex.mo Sr:

Agora chega aqui um correio da Secretaria, com uma carta do Ex.mo Marquês de Alorna, datada em quinze do corrente [mês], na qual me ordena [para que] faça recolher ao armazém da Praça de Chaves o armamento dos cinco Regimentos milicianos desta província, mas não me dizendo em que qualidade me manda, e por ordem de quem, e não tendo eu nem uma a este respeito, dilato esta execução, suplicando pelo Ministério de V.ª Ex.ª aos senhores Governadores deste Reino a sua decisão pronta, pois cabe no prazo indicado, vindo a resposta logo.
E cuja pedi a V.ª Ex.ª em ofício de cinco do corrente [mês] instruções e ordens que necessito para me resolver neste e em casos semelhantes - pois a minha vontade e a minha obediência está sempre pronta para cumprir as ordens superiores.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª.
Quartel-General de Bragança, 25 de Janeiro de 1808.

PS. Vai por cópia a carta a que me refiro.
PS. Se os milicianos devem entregar as suas armas, é mais cómodo à Fazenda real recolherem-se ao armazém de Bragança os das Comarcas de Miranda, Moncorvo e Bragança, e os de Vila Real e Chaves a Chaves.


Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda



A resposta a esta última carta somente foi dada a 5 de Fevereiro. Não conseguimos encontrá-la, senão somente o seguinte resumo, provavelmente escrito pelo punho do próprio Conde de Sampaio: 




Disse-lhe que cumprisse a ordem do Marquês de Alorna para que os armamentos das milícias da província fossem recolhidos em Chaves; e que satisfizesse as demais condições exigidas pelo dito Marquês, visto este ter a legítima autoridade.


*


Para finalizar, transcreve-se uma carta do Conde de Sampaio para o Marquês de Alorna, pela qual se deduz que o General Taranco tinha posto em causa a pertença dum determinado Regimento português à província de Trás-os-Montes. Não se conhece a resposta nem o ofício aqui mencionado.



Il.mo Ex.mo Sr:


O Conselho da Regência mandou remeter a V.ª Ex.ª, por cópia, o ofício do Chefe do Regimento de Infantaria n.º 24, para que à vista do conteúdo do mesmo ofício possa V.ª Ex.ª conhecer a dúvida que o General Taranco oferece sobre o dever-se considerar o referido Regimento pertencente à província de Trás-os-Montes, e portanto sujeito às ordens de V.ª Ex.ª e às que o contemplam para entrar na nova regulação.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 27 de Janeiro de 1808.


Conde de Sampaio






sábado, 27 de novembro de 2010

Documentos relativos à administração espanhola no sul do país (II)


Continua-se neste ponto a segunda parte da documentação encontrada relativa à administração do sul do país, ocupado pelas tropas do General Solano. A primeira parte pode ser consultada aqui.


No dia 6 de Janeiro de 1808, foram enviadas as seguintes ordens aos corregedores das províncias a sul do Tejo, provavelmente escritas pelo punho do juiz espanhol D. Juaquín María Sotelo. O objectivo era aliviar-se e aligeirar-se a justiça de processos demorados e supérfluos:






No dia 14 de Janeiro, novas ordens foram comunicadas aos mesmos destinatários. O objectivo agora era que se dividissem todas as localidades em pequenas secções, e em que cada uma destas se encontrasse uma pessoa respeitável e reconhecida, para que com a sua autoridade contribuísse para o sossego público:







A 25 do mesmo mês, o Marquês del Socorro emitiu a seguinte proclamação sobre deserções: 







Já no dia 28 de Janeiro, era a vez do Juiz mor D. Juaquín María Sotelo escrever as seguintes instruções para agilizar a justiça:





[Fonte: Collecçaõ de Decretos, Editaes, &c. &c. &c., Lisboa, Typografia Rollandiana, 1808].


terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ofício da Regência ao Intendente Geral da Polícia (19 de Janeiro de 1808)


Como já referimos, Junot pouco ou nada podia fazer afastar a esquadra inglesa que bloqueava a foz do Tejo. Bem pelo contrário, esta parecia ir aumentando quase todos os dias. A 14 de Janeiro, era já composta por "14 navios de linha, 2 fragatas e um brigue". Estes números são apresentados numa carta do próprio Junot a Napoleão, onde se acrescenta: "um português que foi capturado ao regressar do Brasil e que [os ingleses] nos enviaram numa barca de pesca, declarou que 23 navios de transporte que temos visto de há dias a esta parte, mas que não foram vistos ontem, estavam carregados de tropas e que a bordo da esquadra lhe tinham dito que esperavam 16.000 homens para um desembarque. Se se destinarem a ocupar este país, encontrar-nos-ão muito bem dispostos a recebê-los" [Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 128]Este optimismo de Junot contrasta, no entanto, com o que adianta na mesma carta: as dificuldades que eram sentidas em administrar o país e em conseguir pagar e alimentar as suas próprias tropas. 
A sorte de Junot é que os ingleses não passavam à acção. Por enquanto, limitavam-se a recolher informações dos pescadores e a fazer passar a estes proclamações como uma que apareceu publicada em alguns sítios de Lisboa a meados do mês, e que suspeitamos que se tratasse do primeiro dos documentos que tivemos ocasião de transcrever aqui. Notificada do aparecimento desta proclamação pela própria polícia da capital, a Regência ordenou então ao Intendente Geral da Polícia, Lucas de Seabra da Silva, para que fossem realizados inquéritos a fim de se averiguar a proveniência daquele e doutros papéis que pudessem perturbar e arrastar com as suas ilusões "o público rústico e indiscreto"... Tudo em nome da "tranquilidade pública" e do "bem geral":


O Conselho de Regência do Reino, tomando em consideração o que Vossa Senhoria participa na conta de 17 do corrente, que em algumas esquinas tem amanhecido uma chamada proclamação do rei e parlamento da Grã-Bretanha sobre a saída de Sua Alteza Real, pela perturbação que estes e outros insidiosos papéis podem causar na tranquilidade pública, que tanto se deve manter, e para prevenir o efeito e graves consequências que de semelhantes sinistros e quiméricos papéis podem resultar, ordena que V.ª S.ª mande logo proceder por todos os ministros nos seus respectivos bairros a uma rigorosa devassa[=inquérito] sobre o dito facto, e de todos os pasquins, papéis insidiosos que aparecerem, e de quaisquer outros factos que possam perturbar a tranquilidade pública; promovendo V.ª S.ª com o seu zelo e actividade todos os meios que forem necessários e convenientes para se descobrirem os malévolos e fautores de semelhantes atentados, e dando as mais ajustadas providências para evitar que o público rústico e indiscreto se arraste pela ilusão que estes e outros semelhantes papéis lhe possam influir contra o bem geral.
O Conselho confia de V.ª S.ª a importância desta diligência, e ordena que V.ª S.ª lhe haja de participar tudo o que a respeito dela ocorrer.
Deus Guarde a V.ª S.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 19 de Janeiro de 1808.