Como já referimos, Junot pouco ou nada podia fazer afastar a esquadra inglesa que bloqueava a foz do Tejo. Bem pelo contrário, esta parecia ir aumentando quase todos os dias. A 14 de Janeiro, era já composta por "14 navios de linha, 2 fragatas e um brigue". Estes números são apresentados numa carta do próprio Junot a Napoleão, onde se acrescenta: "um português que foi capturado ao regressar do Brasil e que [os ingleses] nos enviaram numa barca de pesca, declarou que 23 navios de transporte que temos visto de há dias a esta parte, mas que não foram vistos ontem, estavam carregados de tropas e que a bordo da esquadra lhe tinham dito que esperavam 16.000 homens para um desembarque. Se se destinarem a ocupar este país, encontrar-nos-ão muito bem dispostos a recebê-los" [Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 128]. Este optimismo de Junot contrasta, no entanto, com o que adianta na mesma carta: as dificuldades que eram sentidas em administrar o país e em conseguir pagar e alimentar as suas próprias tropas.
A sorte de Junot é que os ingleses não passavam à acção. Por enquanto, limitavam-se a recolher informações dos pescadores e a fazer passar a estes proclamações como uma que apareceu publicada em alguns sítios de Lisboa a meados do mês, e que suspeitamos que se tratasse do primeiro dos documentos que tivemos ocasião de transcrever aqui. Notificada do aparecimento desta proclamação pela própria polícia da capital, a Regência ordenou então ao Intendente Geral da Polícia, Lucas de Seabra da Silva, para que fossem realizados inquéritos a fim de se averiguar a proveniência daquele e doutros papéis que pudessem perturbar e arrastar com as suas ilusões "o público rústico e indiscreto"... Tudo em nome da "tranquilidade pública" e do "bem geral":
O Conselho de Regência do Reino, tomando em consideração o que Vossa Senhoria participa na conta de 17 do corrente, que em algumas esquinas tem amanhecido uma chamada proclamação do rei e parlamento da Grã-Bretanha sobre a saída de Sua Alteza Real, pela perturbação que estes e outros insidiosos papéis podem causar na tranquilidade pública, que tanto se deve manter, e para prevenir o efeito e graves consequências que de semelhantes sinistros e quiméricos papéis podem resultar, ordena que V.ª S.ª mande logo proceder por todos os ministros nos seus respectivos bairros a uma rigorosa devassa[=inquérito] sobre o dito facto, e de todos os pasquins, papéis insidiosos que aparecerem, e de quaisquer outros factos que possam perturbar a tranquilidade pública; promovendo V.ª S.ª com o seu zelo e actividade todos os meios que forem necessários e convenientes para se descobrirem os malévolos e fautores de semelhantes atentados, e dando as mais ajustadas providências para evitar que o público rústico e indiscreto se arraste pela ilusão que estes e outros semelhantes papéis lhe possam influir contra o bem geral.
O Conselho confia de V.ª S.ª a importância desta diligência, e ordena que V.ª S.ª lhe haja de participar tudo o que a respeito dela ocorrer.
Deus Guarde a V.ª S.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 19 de Janeiro de 1808.
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[Fonte do ofício: Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar