quinta-feira, 23 de junho de 2011

Notícias de Badajoz relativas à tomada de Juromenha (23 de Junho de 1808)



Badajoz, 23 de Junho


Na noite de 21 do corrente mês, D. Federico Moretti, Oficial da Guarda Valona e Comandante de uma Legião de voluntários estrangeiros, composta na maior parte de desertores e emigrados portugueses, apoderou-se da praça de Juromenha, a sete léguas de distância de Badajoz, do outro lado do Guadiana. Considera-se este ponto de muito interesse por ser o antemuro de Olivença; enviar-se-ão a Moretti os reforços que pede, para conservar a dita praça e continuar depois outras expedições daquele lado do rio.

[Fonte: Gazeta Ministerial de Sevilla, n.º 9, 29 de junio de 1808, p. 68].

Tratado de cooperação mútua assinado entre D. Sebastião Martins Mestre e a Junta de Sevilha (23 de Junho de 1808)



D. Sebastião Martins Mestre, Cavaleiro Professo da Ordem de Santiago, Capitão agregado ao Regimento de Milícias da Província [sic] de Tavira, apresenta-se a Vossa Alteza, em seu nome e em nome de D. José Lopes de Sousa, Coronel de Infantaria de linha e Governador de Vila Real de Santo António, Reino de Portugal, e diz: 

Que de acordo com a Oficialidade, Nobreza e Paisanos, tendo-se ouvido e entendido as proclamações e os papéis que circularam pelo dito Reino, não puderam deixar de se comover, despertando os desejos que abrigavam no seu coração de sacudir o tirano jugo que lhes tinha imposto o Governo francês, o qual sofriam por falta de meios que lhes auxiliassem, como também por carecerem de uma representação poderosa que desse a cara por um projecto tão interessante, como ambos advertiram; e achando nesta Suprema Junta, que animada dos sentimentos mais heróicos de patriotismo se resistia a sofrer o mesmo domínio, e convidava aos daquela nação, para que, unidos em massa, procedessem todos contra o inimigo comum, com esse fim o tinham comissionado para que, apresentando-se a esta Junta Suprema, trouxesse as proposições seguintes: 

1.ª Que tendo em conta que o seu Príncipe Regente, ao retirar-se da sua Corte, deixou nomeado o seu primo o Marquês de Abrantes e outras pessoas para que compusessem a Regência do Reino durante a sua ausência, e que esta se achava dissolvida e desconcertada, porque os que não tinham passado à França estavam oprimidos e sem liberdade para poder suster os direitos da nação portuguesa, desejavam e pediam que esta Suprema Junta recebesse sob a sua protecção esta Regência, prestando-se a dirigir o que fosse útil e conveniente para a defesa daquele Reino, e resolver os pontos e dúvidas que se proponham pelos leais vassalos portugueses que estão reunidos e [quese venham a reunir pela defesa do seu Príncipe. 

2.ª Que para que tudo isto se realize nos melhores termos possíveis, determinam estabelecer Juntas nacionais em Portugal, a exemplo das da Espanha, mas dependentes e subalternas desta [Junta] Suprema de Sevilha, com a qual terão de ter a sua correspondência [i.e., concordância] para organizar os projectos úteis e necessários tanto para a extinção do inimigo comum, como para a direcção do dito Reino. 

3.ª Que supostos estes tão vantajosos pensamentos e esta admirável aliança, a Junta Suprema [de Sevilha] terá de auxiliar a nação portuguesa com as armas e munições que possa e também com gente, se o permitirem as suas actuais circunstâncias, para que assim se complete uma força bastante capaz de destruir os franceses que existem naquele Reino. 

4.ª Que verificado isto [i.e., a derrota dos franceses em Portugal], continuarão na mesma união e em conformidade para persegui-los e vingar os agravos feitos às duas nações, e reintegrar-lhes aos seus respectivos soberanos, o Príncipe Regente de Portugal e D. Fernando VII, injustamente despojados dos seus tronos. 

5.ª Que para que tudo isto seja executado com a segurança conveniente, oferecem dar parte ao seu citado Príncipe, representando-lhe a necessidade que lhes fez tomarem esta deliberação para salvar os seus direitos, a pátria, a religião e as propriedades. 

6.ª Que ainda que estes sejam os pontos principais, fica sempre pendente que possam ser aumentados com outros, de acordo com aqueles nacionais [i.e., os portugueses], à medida que o tempo e as circunstâncias forem manifestando a necessidade de o fazer, para cujo melhor êxito terá de apresentar-se nesta Suprema Junta um indivíduo representante daquela nação, que concorra como os outros que têm algumas províncias destes Reinos da Andaluzia. 
Sevilha, 23 de Junho de 1808. 

Sebastião Martins Mestre 

Manifestadas à Junta Suprema [de Sevilha] as proposições que se antecedem, feitas por D. Sebastião Martins Mestre em seu nome e pelos demais por quem fala, e instruída dos seus pormenores, acordou [a Junta de Sevilha] que as mesmas fossem admitidas segundo e como se propõem, e também que por agora se habilitem ao referido 800 espingardas, das quais poderá dispor como ache conveniente para a sua condução; que uma vez formada a primeira Junta Nacional, dirija imediatamente a esta [Junta de Sevilha] o seu representante, que será da província do Algarve; que por este conduto se dê conta das demais Juntas que se forem formando, à medida que os territórios forem ficando livres do inimigo comum, as quais reconhecerão estes mesmos tratados na primeira acta que for executada; que mesmo assim se há de dar conta a esta Junta Suprema, através do dito conduto, do resultado que contenha a exposição que se tenha de fazer destes tratados ao Príncipe Regente, para cuja legacia se apresentará nesta Suprema Junta um Deputado da primeira [Junta] nacional que se forme em Portugal, para que, com outros dos habilitados e competentes [deputados] desta [Junta], passe a dar conta de tudo ao Senhor Príncipe Regente; e, por último, que se dê a D. Sebastião [Martins Mestre] uma cópia autorizada destes tratados, para a qual faça o uso que deseje, ficando este original em Secretaria. 
Palácio Real de Alcazares de Sevilha, a 23 de Junho de 1808. 

Francisco Saavedra
Vicente Hore
O conde de Tylli
Juan Fernando Aguirre
Josef Ramirez
Antonio Zambrana Carrillo de Albornoz 
O Marquês de Grañina
Josef Morales Gallego
Josef de Checa
O Marquês de las Torres
Juan del Perozo Coronado 


É cópia do seu original, do qual certifico, 

Juan Bautista Pardo, Secretário


[Fonte: Arquivo Histórico Nacional, 1.ª div., 14.ª sec., cx 70, doc. 04].

Auto de posse dos membros da Junta do Algarve (23 de Junho de 1808)


Auto de posse dada aos Deputados do Supremo Concelho do Reino do Algarve. 

Aos vinte e três dias do mês de Junho de mil oitocentos e oito anos da era de Cristo Senhor Nosso:

No abarracamento do Alto de Nossa Senhora da Esperança desta cidade de Faro, deu o Povo dela posse aos Ilustríssimos Deputados do Supremo Concelho deste Reino, referidos nos presentes autos, declarando que podiam livremente usar de seus ofícios e deputações em todas as acções deste Conselho, bem assim como para criarem novos Deputados na falência de alguns deles, e todos os mais ofícios pertencentes à economia geral e particular deste mesmo Governo. E para constância mandou lavrar este Auto, que eu, José Francisco de Abreu Camacho, Escrivão da Câmara, o escrevi, e assinam os referidos Membros, e confirmou o Povo com os referidos três vivas de sua Liberdade.

Manuel José Plácido da Silva Negrão.
Manuel Herculano de Freitas Azevedo Falcão.
O Arcediago da Sé, Domingos Maria Gavião Peixoto.
O Cónego António Luís de Macedo e Brito.
O Major Joaquim Filipe de Landerset.
Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira.
José Duarte da Silva Negrão.
José Bernardo da Gama Mascarenhas Figueiredo.
Miguel do Ó.
Francisco Aleixo.

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, 1941, p. 357. Um excerto deste auto foi publicado originalmente na Gazeta do Rio de Janeiro, n.º 4, 24 de Setembro de 1808].

Termo de juramento dos membros da Junta do Algarve (23 de Junho de 1808)



Termo de Juramento dado e assinado pelos Deputados eleitos para a constituição do Concelho Supremo do Algarve.

 
Aos vinte e três dias do mês de Junho de mil oitocentos e oito anos da era de Cristo Senhor Nosso:

No abarracamento do Alto de Nossa Senhora da Esperança desta cidade de Faro, na presença do Clero, Nobreza e Povo, prestaram o juramento dos Santos Evangelhos nas Sagradas Mãos do Excelentíssimo Prelado desta Diocese, os Ilustríssimos Deputados que que foram eleitos para Membros do Conselho Supremo deste Reino, na forma declarada no acto da sua eleição, e debaixo do mesmo juramento que prestaram prometeram decidir e resolver todos os pontos a que vão prestar exercer os seus ofícios com aquela rectidão e verdade que por todos os direitos se faz indispensavelmente observado; até mesmo em deliberações da mais leve ponderação, e como assim o prometeram, o juraram e assinaram, e eu, José Francisco de Abreu Camacho, Escrivão do Senado da Câmara, que o escrevi, sendo a tudo presente o mesmo Povo que assim o autorizou por três aclamaçoes e vivas da sua Liberdade, o que tudo quiseram [que] fosse firmado com o selo das Armas Portuguesas impressas à margem deste Soleníssimo Termo, que, depois de registado em todas as Câmaras deste Reino, será conservado este original perpetuamente no Arquivo ou Secretaria do estabelecido Governo.

Francisco, Bispo do Algarve.
O Arcediago da Sé, Domingos Maria Gavião Peixoto.
O Cónego António Luís de Macedo e Brito.
O Major Joaquim Filipe de Landerset.
Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira.
José Duarte da Silva Negrão.
José Bernardo da Gama Mascarenhas Figueiredo.
Miguel do Ó.
Francisco Aleixo.

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, 1941, pp. 357-358. Um excerto deste auto foi publicado originalmente na Gazeta do Rio de Janeiro, n.º 4, 24 de Setembro de 1808].

Carta da Câmara de Lagos à de Odemira, participando-lhe a restauração de Faro e Lagos (23 de Junho de 1808)



Ilustríssimos Senhores Juiz e mais vereadores da Câmara de Odemira: 

Em consequência de uma carta de ofício que a Câmara de Faro dirigiu à Câmara desta cidade, cuja cópia remetemos a Vossas Senhorias, todo o povo desta cidade e o corpo militar tomou as armas e arvorou a bandeira portuguesa. Restabeleceram-se as antigas autoridades constituídas pelo nosso soberano o Príncipe Regente de Portugal, nosso senhor, e tudo está disposto para repelir o inimigo comum, cuja informação darão os portadores desta, que para isso vão autorizados. Rogamos portanto a Vossas Senhorias que tomem iguais e necessárias medidas dirigidas a um fim tão útil. 
Deus guarde a Vossas Senhorias. 
Lagos, em Câmara, aos vinte e três de Junho de mil oitocentos e oito. 

Joaquim Nicolau Mascarenhas Cordovil 
Joaquim António Vieira Belfort 
José da Costa Franco 
Joaquim Manuel Pimenta 
Manuel José Cordeiro 
Rodrigo Xavier de Azevedo Coutinho 

P.S. Rogamos a Vossas Senhorias que façam transmitir este nosso espírito de patriotismo às Câmaras e povos imediatos. 

[Fonte: Manoel João Paulo Rocha, Monographia - As forças militares de Lagos nas Guerras da Restauração e Peninsular e nas pugnas pela liberdade, Porto, Typographia Universal, 1909, pp. 175-176 (existe uma reedição pela editora Algarve em Foco, com o título Monografia de Lagos).

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Nota: Esta carta chegou a Odemira a 25 de Junho, donde foi reenviada (entre outros sítios?) para Vila Nova de Milfontes, onde chegou a 26, e daí para Santiago do Cacém. A resposta da Câmara desta última localidade à de Faro seria dada a 28 de Junho

Carta do Governador da Fortaleza de S. João do Registo da barra de Portimão à Câmara de Faro (23 de Junho de 1808)



Ilustríssimos Senhores: 

Chegou a esta vila [a] alegre e aprazável notícia que a abençoada mão omnipotente nos felicita com a inauguração da bandeira portuguesa e de se achar aclamado o nosso natural Príncipe; e nesta conformidade, lancei mão do meu governo para exercitar os ofícios de fiel e verdadeiro vassalo, bem assim como o fazia antes da invasão dos franceses neste Reino; o que participo a Vossas Senhorias, que mandarão o que for servido. 
Deus guarde as pessoas de Vossas Senhorias. 
Fortaleza de São João do Registo da Barra de Vila Nova de Portimão. 
Vinte e três de Junho de mil oitocentos e oito. 

Francisco José de Moura 

[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, p. 65].

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Nota: 

Atrás indicámos os motivos pelos quais Francisco José de Moura tinha sido afastado das suas funções de Governador da Fortaleza de S. João no início de Janeiro de 1808, não pelos franceses mas pelo próprio Governador do Algarve, o Conde Monteiro mor (que no dia 22 de Junho do mesmo ano foi eleito presidente da Junta do Algarve). 


Edital do Juiz Desembargador José Feliciano da Rocha Gameiro renovando os apelos à tranquilidade pública (22 de Junho de 1808)








Carta da Junta de Monterrei à Junta da Galiza, sobre os acontecimentos a norte do Douro (23 de Junho de 1808)




Temos a honra de comunicar a Vossas Senhorias que os portugueses de Trás-os-Montes declararam formalmente a guerra ao Imperador dos franceses. O edital adjunto que vai indicado com o número 1, e que ouvimos publicar solenemente nas ruas de Chaves, não deixa motivo para dúvidas, e tampouco é indubitável que a província de Entre-Douro-e-Minho se encontra levantada
Cumprindo com o nosso dever e com o que Vossas Senhorias nos têm encarregados, continuamos a dar razão do ocorrido ontem à tarde, que foi da maior satisfação para todos nós. Este dia acabou por nos alentar e desfez todas as dúvidas que os portugueses nos tinham feito conceber. Este território já não teme a invasão que se podia temer, e já a França deve buscar outro sítio para conduzir as suas tropas a este solo inimigo. 
Em virtude das obrigadas negociações e diligências que esta Junta tem travado em Chaves e outros pontos, e de que Vossas Senhorias já estão ao corrente, os portugueses finalmente romperam [as hostilidades]. Os nossos papéis obraram o maravilhoso efeito de excitar os seus abatidos ânimos; e se não nos excedem, pelo menos já nos igualam em valor e ardimento. 
No dia 21, às 10 horas da noite, o Corregedor de Monterrei e [o] Administrador de Verín, indivíduos desta Junta, receberam a carta de um Ajudante [de Ordens?] vindo de Chaves, na qual suplicava aos dois, da parte do Comandante actual daquelas tropas [Manuel Francisco da Silveira Pinto], que se apresentassem imediatamente naquela praça para tratar assuntos importantes. Desde logo se soube que este aviso não podia partir de inimigos. A conduta deste oficial, a nobreza e circunstâncias do Comandante e a estima com que estes dois indivíduos honram a dita vila, não podia inspirar-lhes temor algum; mas entretanto, o povo, ao sabê-lo, desconfia e quer ainda opor-se a esta viagem. Ainda que o General de Trás-os-Montes já se tinha declarado [contra os franceses], as últimas notícias de Lisboa tinham desalentado os espíritos. Conhecia-se o edital de Junot, mandando a todos os portugueses tomar as armas contra nós; suponha-se que não poderiam resistir a este imperioso preceito; já se dizia que o General queria retractar-se, e assegurava-se que os portugueses tinham preparada a desculpa de que os seus movimentos “eram só contra nós, para defender a sua pátria de uma invasão espanhola”. Nestas circunstâncias, o temor do povo era justo, e o foi muito mais quando se soube que acabava de chegar à cidade de Lamego, com intenção de passar o Douro, uma Divisão de cinco mil franceses
Que confusão não causa esta notícia no público alarmado! Os nossos inimigos já distam daqui somente 17 léguas; no dia seguinte entrarão em Chaves; sujeitarão aquela povoação, e virão a esta com a intenção de nos passarem todos à faca. Perante tal situação, deveremos ir a Chaves, para nos acontecer o mesmo? 
Vamos esclarecer-nos: a nossa pátria exige este sacrifício. Assim, pois, responde o Corregedor às três da madrugada, e de lá partiram os dois no dia seguinte. 
Os assuntos da jurisdição não lhes permitiram partir antes das duas da tarde; a esta hora, [o Corregedor] uniu-se com o Administrador, e os dois enviaram um ofício aos demais indivíduos da Junta para instruí-los desta notícia, dispondo-se a partir. Contudo, ao mesmo tempo, chega outro correio do próprio Comandante [Manuel Francisco da Silveira Pinto]. Tinha-se espalhado naquela vila [de Chaves] que os galegos desconfiavam [dos portugueses], e para desvanecer o temor destes, dirigiu-lhes a adjunta carta que vai indicada com o número 2. O condutor [do correio] diz que o dito Comandante estava detido em Chaves somente por esperá-los, devendo correr ao socorro do Douro, onde estavam as tropas francesas. [O Corregedor de Monterrei e o Administrador de Verín] já não podem, por conseguinte, deter-se. Assim, partem com o mesmo enviado e chegam a Chaves às cinco da tarde. 
Qual foi a satisfação e surpresa deles quando, ao entrarem, encontram mais de cem carros carregados de espingardas, escoltados por um imenso número de tropa que vai tomar os montes. Toda a vila está em armas. Uma gente imensa corre pelas ruas, e ao ver estes galegos, exclamam todos Viva a Espanha e Portugal. Os soldados concorrem em tropel para tomar os seus uniformes; os instrumentos bélicos são postos em ordem, e o ardor propaga-se por todos. Parecia esta vila uma cidade assolada, onde, exterminado o inimigo, concorrem de todas as partes a reedificá-la. 
Antes de chegar, já tinham sabido que o inimigo passara o Douro, e que ia acercando-se a Chaves. Esta notícia foi confirmada, e ainda que parecia regular e amedrontar os habitantes, servia pelo contrário para excitar o seu valor. Jamais se viu igual confiança, e deve notar-se que no mesmo momento em que os franceses vêm sobre eles, é quando lhes declaram a guerra. Os dois referidos foram testemunhas desta declaração e viram com entusiasmo publicar em todas as praças com rufos de tambores e imensa tropa formada, o edital que se envia. Os parabéns são mútuos. Todos se abraçam apertadamente e viram-se correr várias lágrimas de regozijo. Que perspectiva esta para o orgulho do Omnipotente Napoleão! 
Finalmente, os nossos dois espanhóis apresentaram-se na casa do Comandante [Manuel Francisco da Silveira Pinto]. Tendo descido a recebê-los na escadaria, ao abraçar-se competiram à porfia com mútuas aclamações do nosso Fernando VII e de D. João VI, o seu actual soberano. Conduzidos depois a uma grande sala, trataram acerca dos assuntos presentes. Os nossos cumpriram com o seu dever, manifestando-lhe a situação da Espanha e quanto deve contar Portugal com os nossos auxílios, e ele correspondeu pela sua parte assegurando a boa disposição de todos os próprios portugueses a abraçar a nossa causa. 
Numa palavra, à excepção de Lisboa, que deve contemplar-se num estado de cativeiro, todo Portugal já se acha em fermentação; e, do Douro para cá, em estado formal de guerra contra os franceses. A Regência do Reino reestabeleceu-se no Porto, cujo Governador [interino das Armas, Luís de Oliveira], suspeito de traição, escapou-se precipitadamente. O mesmo sucedeu a outros vários ministros e magistrados, e contam-se naquela cidade até uns 30.000 homens sobre as armas. 
O herói principal deste levantamento é indubitavelmente o próprio Comandante de quem se fala, D. Francisco Silveira, a quem devem os espanhóis tributar elogios. Este insigne patriota, pronto a sacrificar-se em obséquio da nossa causa, é o que pôs a mais velha metade de Portugal em nosso poder. A sua intenção e a de todos os portugueses que representa não é outra mais que a recuperação do seu Rei, como a nossa a de Fernando VII, e não unir-se à Espanha para sempre, formando com ela uma província. Este Comandante, pois, vivia retirado em Vila Real, chorando sozinho pela sorte da sua pátria. Soube dos acontecimentos da Espanha; chegaram ao seu conhecimento as funções e actos de alegria com que expressámos o nosso júbilo; leu os papéis que nós enviámos; inflamou-se, persuadiu-se e manejou a coisa de tal modo que, em poucos dias, comunicando o seu fogo a toda a província, conseguiu que todos sacudissem o jugo que os oprimia. 
Neste tempo, o Governador [das Armas] do Porto, de quem acima se falou, preparava quartéis para os franceses. Tinha espalhado que esperava 4.000 soldados espanhóis, e sob esta salvaguarda todos se prestavam a lhe obedecer. Uns quantos franceses disfarçados trabalhavam nesta obra, mas uma irritação acabou por vendê-los: a cólera obrigou um a usar do seu idioma, e foi descoberto imediatamente. O próprio Governador escreveu a certo magistrado do caminho de Almeida que lhe avisasse logo que passassem por ali tropas; e estas não podiam ser espanholas. Acabando-se de conhecer a traição, e para preveni-la, o referido Silveira, nunca bem ponderado, envia vinte moços com proclamações iguais às nossas, em que se lê a inscrição de Vencer o morrer por D. João VI, os quais entram pelo Porto proclamando o seu Rei e gritando contra o Tirano da Europa. Estas vozes desceram do céu. Imediatamente, unem-se todos os portuenses. Acrescenta-se o número dos tumultuários; correm aos armazéns; facilita-se armas; fazem fugir vergonhosamente o Governador, e de repente fica restabelecida a liberdade daquela província. 
Deixa-se conhecer por tudo o que foi dito, que a Divisão francesa que passou o Douro era a destinada para a cidade do Porto. Ao passar o rio, em barcas e com muito trabalho, encontrou já os paisanos alarmados; houve uma pequena refrega, na qual morreram vários; um religioso lançou-se ao rio, onde cortou quatro ou cinco gargantas; mas o mesmo teve a desgraça de se afogar. Tomou-se-lhes um obus e perderam um oficial. 
Entretanto, a artilharia de Chaves deve ir chegando. Os montes acham-se cobertos de tropa; todos os chefes e oficiais subalternos esmeram-se à porfia a ser os primeiros nesta acção, e dá-se como suposto que não restará um francês entre aquelas brenhas, cheias por todas as partes de instrumentos da morte. 
Em conclusão, os nossos dois enviados trataram largamente com o Comandante e acordaram em propor ao Reino [da Galiza] as proposições que constam do papel adjunto número 3. Crê-se como uma coisa precisa o desembarco dos ingleses perto de Lisboa, os quais seriam ajudados pelos naturais, e entrando naquela Corte, inflamariam os habitantes, dando-lhes forças para sair da sua opressão. Os espanhóis que se acham ali ficaram desarmados pela inaudita perfídia de Carrafa, segundo voz comum de Portugal
Igualmente se tratou de enviar um correio constante entre estes dois Reinos [de Portugal e da Galiza], cujo arranjo deve expor de palavra o enviado. É absolutamente necessário este correio; pois sendo uns mesmos os nossos interesses e os deles, e influenciando uns nos outros, sem esta correspondência se atrasariam os negócios de ambos os Reinos. Este estável assunto deverá publicar-se para que todos o saibam. Quando se trata do bem da pátria, toda a precaução é pequena, e devemos esperar que a Junta não desapreciará um projecto tão importante. 
Por último, representamos à Junta que são indispensáveis alguns meios para estas negociações. A cada passo oferecem-se desembolsos; a correspondência de Portugal traz consigo muitos gastos, mas no entanto esta correspondência é necessária para a segurança da Galiza. Devemos lisonjear-nos por termos felizmente contribuído para ela, e esperamos que não desapreciando os nossos serviços se digne a dita Junta a proporcionar-nos os meios de os continuar. O enviado poderá dizer de palavra tudo quanto omitimos nesta carta. 
A brevidade do tempo não permite dizer mais, ainda que quiséssemos. Concluímos expondo a Vossas Senhorias a necessidade de publicar no Reino tudo o que ficou dito. Para este efeito é muito conveniente que o mesmo enviado vá a Corunha com todos estes papéis e informe verbalmente o Governo, se necessário. Vossas Senhorias determinarão, como costumam, o mais acertado, contando sempre com o nosso patriotismo e filial obediência. 
Deus guarde a Vossas Senhorias muitos anos. 
Monterrei, 23 de Junho de 1808.

[seguem-se seis assinaturas



[Fonte: Archivo Histórico Nacional de España, "Estados de Fuerza de las tropas españolas en Portugal. Documentación relativa a los ejercitos de la provincia de Tras-os Montes, así como a subsistencias y pasaportes de ciudadanos", ES.28079.AHN/5.1.145.4.1.1.57.3//DIVERSOS-COLECCIONES,87,N.27].


Carta de Francisco da Silveira ao Corregedor de Monterrei e ao Administrador da Alfândega de Verín (23 de Junho de 1808)



O sr. Bispo do Porto marchou para Coimbra, comandando dez mil homens, a encontrar-se com outra coluna inimiga que vinha a entrar no Porto. 
O combate que acima digo foi no Peso da Régua, margens do Douro. Também se fizeram alguns prisioneiros. 
Chaves, 23 de Junho de 1808. 

B.S.M. 

Francisco da Silveira

[Fonte: Archivo Histórico Nacional de España, "Estados de Fuerza de las tropas españolas en Portugal. Documentación relativa a los ejercitos de la provincia de Tras-os Montes, así como a subsistencias y pasaportes de ciudadanos", ES.28079.AHN/5.1.145.4.1.1.57.3//DIVERSOS-COLECCIONES,87,N.27].