Lisboa, 10 de Junho de 1808
Provavelmente estará Vossa Mercê já persuadido, ou não tardará a está-lo, do sucesso acontecido da sublevação que se manifestou por meio das tropas espanholas distribuídas no Porto e Viana, antes de evacuar estas cidades para retirar-se para o seu país.
Vossa Mercê nada me diz sobre se este acontecimento está já divulgado nessa cidade. Estranhou-se tal procedimento naqueles homens que faltaram aos seus deveres e aos que o direito das gentes tem por mais sagrados; chegando ao ponto de se apoderar do Porto e de alguns funcionários franceses que foram aprisionados e conduzidos para a Galiza.
Não considero necessário dizer a Vossa Mercê que abusando assim da generosidade e legalidade com que se lhes tinha confiado como aliados, a segurança de algumas províncias, estas tropas e sobretudo os seus chefes têm a maior responsabilidade em provocar uma activa vingança, da qual não se verão livres pela sua fuga precipitada deste atentado político tão grave como inútil.
Mas sem insistir sobre as medidas tomadas para castigar eficazmente antes de pouco tempo semelhante atentado, pois que o sr. Marechal Lannes entra em Espanha com um reforço de 60.000 franceses, devo fazer conhecer a Vossa Mercê o que as circunstâncias actuais lhe ordenam, se Vossa Mercê quiser obter a benevolência do Governo actual e que esta lhe conduza à do Rei que Sua Majestade promete a este país.
Sua Excelência o Sr. Duque de Abrantes sabe com a mais viva satisfação que nos lugares onde se incendiou esta sublevação de um um curto número de soldados espanhóis, gozou o resto da tranquilidade, e que nenhum português tomou parte nestes excessos, porque todos viram que o delírio agita momentaneamente algumas cabeças, nada tem de comum com a causa deste país, a não ser que queiram atropelar com os seus próprios pés os seus amáveis interesses; Portugal por si mesmo não concorrerá a ser uma província de Espanha.
É a esta verdade que Vossa Mercê deve unir-se e aconselhar os seus concidadãos a que se unam também; a fim de pô-los de acordo contra o perigo que correriam de alguma tentativa de rebelião que os arrancasse do repouso.
A que fim não chegariam aqueles que se deixassem seduzir por insinuações? Admitamos por um momento a mais absurda e mais duvidosa hipótese: Lutando a Espanha algum tempo com vantagem contra a França e suas armas, que ganharia Portugal com isto? Voltar a sofrer o jugo espanhol que antigamente lhe foi tão pesado.
Qual será o homem sensato que possa desconhecer a posição da Europa, os exemplos passados e o imenso poder do Imperador Napoleão, para imaginar que a Espanha toda inteira hoje sem outro Rei que ela mesma, sem outro chefe nem outro centro de autoridade, chegar a levantar-se sem ficar impune por muito tempo? A Espanha, que tantas vezes foi vencida pelos franceses, tornar-se-ia agora mais forte que o resto de toda a Europa submetida às armas e ao talento do maior dos Monarcas?
Quem pensa assim incorre numa completa loucura. Sua Excelência o Duque de Abrantes está muito longe de culpar algumas classes de indivíduos em Portugal, e muito menos a nenhum empregado público, e o próprio encarrega-me que comunique a Vossa Mercê particularmente que conta nesta ocasião sobretudo com o seu zelo, para fazer continuar a profunda tranquilidade que nós gozamos, e para prevenir com maiores observações e vigilância que de qualquer desordem ou desassossego se me instrua de correio em correio com a maior exactidão e escrúpulo como de qualquer coisa que possa merecer a atenção do Governo.
Nestas circunstâncias, toda a negligência que Vossa Mercê cometa na sua correspondência, tornar-lhe-á suspeito à consideração de Sua Excelência, e por consequinte, culpável pela mais leve omissão que padeça em cumprir os seus deveres.
Informe-me Vossa Mercê não somente deste acontecimento, mas também das ocorrências de Espanha; e fará Vossa Mercê ver que qualquer sinal ou qualquer invocação relativa à Casa de Bragança desterrada no Brasil é actualmente tão criminosa como impossível que volte a Portugal uma família que para sempre cessou aqui de reinar, pois que o Grande Napoleão assim o prescreve e determina.
Tenho a honra de saudar Vossa Mercê.
P. Lagarde
[Fonte: Archivo Histórico Nacional de España, "Estados de Fuerza de las tropas españolas en Portugal. Documentación relativa a los ejercitos de la provincia de Tras-os Montes, así como a subsistencias y pasaportes de ciudadanos", cota: ES.28079.AHN/5.1.145.4.1.1.57.3//DIVERSOS-COLECCIONES,87,N.27].