terça-feira, 12 de abril de 2011

Notícia publicada na Gazeta de Lisboa (12 de Abril de 1808)





Lisboa, 12 de Abril 


Os sábios e literatos que compõe a Academia de Lisboa, por conhecerem já o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe, Governador de Portugal, desde o tempo em que esteve aqui por embaixador [entre 1805 e 1806], se achavam no caso de avaliar a urbanidade do seu carácter, a cultura do seu espírito, o gosto vivo e iluminado que tem pelas artes, e a estima e protecção que Sua Excelência se apraz de conceder às ciências e aos sábios. 
Portanto, desde que o viram Governador Geral deste país, [que] solicitavam com toda a eficácia que se dignasse de aceitar o título vago de seu presidente. 
A isso respondia Sua Excelência, até aqui, com uma extrema cortesania, se bem que recusando-se à instância de um modo tão modesto como perseverante. 
Como o título, porém, de Duque de Abrantes, que acaba de conferir-lhe o nosso mui benigno Soberano, o Imperador Napoleão, parecia anunciar que Sua Excelência pertencia para o futuro dum modo mais íntimo a Portugal, reduplicou a Academia as suas instâncias, a que Sua Excelência julgou finalmente dever prestar-se, não aceitando ainda assim, em vez do título de presidente, mais que o de sócio honorário. 
Conseguintemente, foi-lhe apresentado o diploma deste título, quinta-feira, 7 do corrente, por uma deputação da Academia composta dos senhores Domingos Vandelli, Joaquim de Foios e Francisco de Borja Garção Stockler, secretário. Este, falando por parte dela, dirigiu a Sua Excelência o discurso seguinte: 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:  
Promover os progressos das ciências honrando os sábios e prestando o favor e protecção dos estabelecimentos dedicados a acelerar o desenvolvimento do espírito humano, é acção tão gloriosa, que os maiores homens que o mundo admira por suas extraordinárias acções, e que mais dignos se fizeram do geral reconhecimento pela benéfica influência que tiveram na sorte do género humano, esses mesmos se desvelaram constantemente por merecer o título de Protectores das Letras. Alexandre, César, Carlos Magno, Frederico II da Prússia, e sobre todos o imortal Napoleão, assombro do nosso século, serão eterno testemunho desta verdade.  
Se eu, Senhor, neste breve discurso que hoje tenho a honra de dirigir a Vossa Excelência, somente refiro no número dos protectores das ciências os nomes dos mais famosos heróis militares, não é porque a estes não pudesse ajuntar os de muitos outros príncipes e varões beneméritos da humanidade, que por tão nobre título se fizeram credores de honra memória; é porque vindo hoje em nome da Academia das Ciências de Lisboa invocar em seu favor a protecção de um guerreiro ilustre não menos pelo seu grande valor do que pelos seus vastos conhecimentos, a razão exige, que não me sendo possível apontar-lhe exemplos de que ele não tenha inteira notícia, me limite a trazer-lhe à lembrança somente aqueles que com ele têm maior analogia.  
O Grande Napoleão, na sua admirável resposta dada há pouco a uma deputação do Instituto de Paris, que fora chamada à sua augusta presença para relatar-lhe quais têm sido os progressos das ciências na Europa desde a memorável época de 1789 até ao presente, e para lhe especificar que parte tiveram nestes mesmos progressos os sábios da França, acaba de dar ao mundo inteiro a prova mais irrefragável de quanto preza as ciências e de quanto eficazmente deseja promover o seu adiantamento. Este admirável Monarca, não se contentando com assegurar àquela ilustre corporação a perpetuidade do seu supremo favor, passou a expressar-lhe numa nobre efusão do seu magnânimo coração que ele exigira das diversas classes do Instituto a conta que acabavam de dar-lhe para vir no conhecimento do que lhe resta ainda a fazer para animar os seus ulteriores trabalhos, e para consolar-se de não poder já concorrer de outra sorte para o esplendor e utilidade deles.  
E seria possível que o grande Homem, que do alto do mais poderoso Trono do Universo parece lamentar ainda que o seu sublime destino o desviasse de acompanhar os sábios na carreira das Letras, não aprovasse que os famosos Generais a quem tem confiado o Governo das nações sujeitas ao domínio de suas armas, assim como procuram imitá-lo, e o imitam, em sustentar a glória de suas bandeiras sempre vencedoras, o imitem também em promover a pública felicidade, favorecendo e animando a divulgação e aumento dos conhecimentos humanos? 
A Academia das Ciências de Lisboa, penetrada do alto conceito das suas sublimes qualidades que adornam o espírito do Grande Napoleão, e das que todos os portugueses admiramos no varão ilustre, a quem ele cometeu o cuidado de reger-nos e que em certo modo acaba de naturalizar connosco, condecorando-o com um título português, quando me deputou e aos meus consórcios que estão presente, para termos a honra de noticiar a Vossa Excelência a eleição que por voto unânime acaba de fazer da pessoa de Vossa Excelência para seu sócio honorário, não hesitou nem levemente em que esta escolha mereceria a aprovação de um e a aceitação do outro.  
Digne-se pois Vossa Excelência de confirmar as bem fundadas esperanças desta sociedade, aceitando o diploma académico que ela por nossas mãos tem hoje a honra de oferecer-lhe; e começando por este modo a distingui-la, permita-nos a satisfação de ajuntarmos à lista dos sócios que nos honram um nome que, devendo ser eterno na História do Mundo, parece destinado pela Providência para ocupar o primeiro lugar na época talvez a mais notável dos fastos da nação português. Disse. 

A resposta de Sua Excelência foi concebida nestes termos: 

Senhores:  
Por extremo sensível sou ao passo que dá hoje para comigo a Academia das Ciências de Lisboa, e as expressões obsequiosas que da sua parte acaba de dirigir-me o senhor secretário perpétuo.  
Não me deixarei porém levar do desvanecimento de que me poderiam encher as comparações que o orador quis fazer; mas, já que a Academia das Ciências de Lisboa julga que eu posso ser-lhe útil, aceito com reconhecimento o diploma de sócio honorário que ela me oferece. Do poder que me conferiu o Imperador, nosso benigníssimo Soberano, farei de mui boa vontade uso para animar as ciências e as artes no Reino de Portugal; e com prazer recebo o título de membro da Academia de Lisboa, o qual, deixando-me ainda mais metido no número dos seus cidadão, lhe serve dum novo fiador do desejo constante que tenho de fazer em todos os ramos a administração do Governo que me confiou o Grande Napoleão. 

Ao mesmo tempo nomeou a Academia das Ciências de Lisboa por sócio a mr. Carrion Nizas, ex-tribuno, sujeito bem conhecido na literatura francesa, actualmente empregado, como oficial superior, no Estado-Maior do Exército de Portugal, e junto da pessoa do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe, que, pela confiança com que o honra, o tem incumbido de vários objectos particulares que o fazem ter uma correlação diária com as autoridades e cidadãos de Lisboa, de cuja benevolência se tem ele universalmente feito merecedor. 

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 15, 12 de Abril de 1808].


[Acrescento introduzido no Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º XV, 15 de Abril:] 

No número dos sócios da Academia das Ciências de Lisboa que formavam a deputação que teve a honra de apresentar ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe o diploma que Sua Excelência se dignou de aceitar, como fica referido na folha precedente, omimos um dos mais distintos, qual é o Excelentíssimo Conde da Ega, sócio honrário que se achava à testa da deputação. 


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Nota:

A este respeito, veja-se ainda o seguinte texto:

 
(clique na imagem para aceder)

Carta-circular de Hermann para os corregedores do país (12 de Abril de 1808)


Em consequência das ordens do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe do Exército de Portugal, Francisco António Hermann, Secretário de Estado da Repartição do Interior e das Finanças, mando a vós Corregedor (de tal comarca) que não entregueis dinheiro algum da vossa responsabilidade por requisição dos Generais e oficiais militares estabelecidos nas províncias do Reino, mas sim por ordens expressas do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe do Exército de Portugal ou do Secretário de Estado do Interior e das Finanças, ficando na inteligência que as entregas que fizerdes por outro modo, à excepção das remessas para o Erário, não vos serão abonadas; no caso, porém, não esperado, de [vos] verdes constrangido por força armada, procedereis a um processo legal, em que se individuem todas as circunstâncias do facto, que remetereis logo ao Erário Régio. O que assim executareis e fareis executar por todos os exactores da vossa inspecção, a quem expedireis as competentes ordens para observância do presente. 

João Anastácio Luís Vieira a fez em Lisboa, aos 12 de Abril de 1808. 

José Joaquim Marinho a fiz escrever. 


Francisco António Hermann