terça-feira, 9 de agosto de 2011

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (9 de Agosto de 1808)



Ontem teve com efeito lugar a conferência proposta pelo General Wellesley em Montemor-o-Velho, mas ele chegou tão tarde que eu não pude aqui chegar a tempo de dar parte a Vossa Excelência do resultado ontem mesmo; e hoje quis comunicar a Vossa Excelência o embaraço em que nos vemos, depois de conhecer melhor as circunstâncias. O General Wellesley pretende marchar imediatamente e no caso que nós o não pudessemos acompanhar, prossegue ele só na expedição. Vossa Excelência pode bem conhecer que em tal caso é preciso forçar os meios, porque se trata da honra da Nação, da do Governo e da de cada um de nós, e portanto fiquei com ele em que Sexta-feira desta semana nos encontraríamos em Leiria, conduzindo eu [as] forças que Vossa Excelência verá na nota que com esta remeto. As razões que o General Wellesley tem para tomar este partido são palpáveis, e sobretudo, ser conveniente não deixar ao inimigo tempo de se fortificar nem de se reforçar, tendo mandado para Elvas essa tropa que assolou Évora, talvez no intuito de cooperar com o corpo de Dupont, cuja sorte pode ser que ignorassem então. Porém, Senhor, quais são as nossas circunstâncias? Ainda agora se organiza a repartição de víveres; a Caixa Militar está exausta; além de 2.000 contos de réis que se receberam e um cofre de esta cidade, já hoje foi necessário pedir a um negociante 1.200 contos de réis para socorrer a Caixa, enquanto não chega a remessa que dessa cidade [do Porto] se espera. Não posso exagerar os embaraços de toda a espécie em que me vejo e de que não poderei sair sem uma mui particular protecção do Céu, porque com efeito, faltando todos os meios, é necessário um esforço mais que humano para fazer que a ordem saia do meio da confusão mais completa.
Foi absolutamente preciso mandar declarar as promoções dos corpos que marcham; isto é, a do Regimento de Valença e de Caçadores do Porto, porque as tropas não podem marchar nem servir sem oficiais, e eu resolvi-me a praticar este meio extraordinário porque as circunstâncias também o são e eu não posso deixar por minha honra de ir solicitar a aprovação de Vossa Excelência e a da Junta do Supremo Governo, com a qual conto assim como se praticou a respeito do Zagalo.
Do General Loison não se sabe mais do que ter mandado um destacamento a Estremoz, onde entrou sem resistência nem violência; é muito preciso enviar-nos embarcações que sigam a costa com toda a quantidade de farinhas e bolacha que possa aí dispensar-se, porque conforme as notícias, vamos entrar num país [=região] onde não encontraremos recursos, porque realmente é um país devastado. Lembrarei a Vossa Excelência a remessa dalguns altares de campanha com as competentes barracas, das quais necessitamos muito nas ocasiões de marcha, em que não se pode concorrer muito aos templos.
Quartel-General de Coimbra, 9 de Agosto de 1808.


Bernardim Freire de Andrada [sic].


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 169-170 (doc. 6)].

Carta do General Arthur Wellesley ao General Bernardim Freire de Andrade (9 de Agosto de 1808)





Quartel-General de Lavos, 9 de Agosto de 1808.




Senhor:


Tenho a honra de vos informar que ontem à noite chegaram aqui dois Deputados do Algarve, requerendo que eu lhes fornecesse 10.000 conjuntos de armas. Estou disposto a fornecer armas para as tropas regulares que possam ter sido reunidas naquela parte de Portugal; e ser-vos-ei muito agradecido se me deixardes saber a vossa opinião sobre o número de homens realmente soldados que se reuniram naquela parte, aos quais deverei dar armas. Deveis estar consciente de que o número de armas que a Grã-Bretanha pode fornecer a Espanha e a Portugal tem de ser limitado; que as armas não podem ser dadas aos meros paisanos do país com qualquer expectativa de sucesso; que se eles estão assim tão dispostos [a ser armados], o seu fornecimento diminuirá o número [de armas] que poderia de outro modo ser dado às tropas regulares; e devo confiar em vós para me informardes se é apropriado que eu deva dar à província do Algarve quaisquer armas, e em que número.
Em consequência da informação que aqui foi recebida na noite passada acerca do avanço do inimigo em direcção a Leiria, reforcei com duas Brigadas de Infantaria a minha guarda avançada, que em qualquer caso terá marchado esta manhã, as quais mandei para diante; e a parte restante do Exército marchará amanhã. 
Tenho a honra de ser o vosso mais obediente e humilde servidor.


Arthur Wellesley 


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 171-172 (doc. 8)].

Carta do Tenente-Coronel Nicholas Trant ao General Bernardim Freire de Andrade (9 de Agosto de 1808)




Coimbra, 9 de Agosto de 1808.


Meu General:

O Coronel [do Regimento de Milícias de Chaves] Luís Maria reconhece que, segundo os relatos dos desertores*, os quais foram por ele mesmo inquiridos, os franceses não passaram Rio Maior ontem, ou melhor, no Domingo [7 de Agosto].
Ele perde assim demasiado tempo caso tenha a intenção de ocupar Leiria, dado que nos últimos três ou quatro dias continuaram a surgir rumores da aproximação [dos franceses]; porém, eu cá não creio em tudo o que chega de tão a norte. 
No total, ele não tem mais de 5.000 homens que pode actualmente dispor em plena campanha; e ficai seguro, General, que ele está empregado presentemente em operações defensivas, ou mais precisamente, que empreendeu uma invasão dessa vizinhança. As tropas que ele espera em Rio Maior são aquelas que chegaram há pouco a Alcobaça ou um reforço que se envia de Santarém ou de Lisboa à fortaleza de Peniche.
Em todo o caso, como será necessário que na jornada de hoje se envie um correio a Lavos, não se poderá esperar que um destacamento inglês chegue a Leira um dia antes, contando sobretudo com o adiamento de um dia que foi proposto pelo nosso Exército. Os ingleses encontrar-se-ão naquela cidade na manhã de Sexta-feira [12 de Agosto], e é necessário esperar por essa chegada; ou se pensais que há razões para crer que o inimigo caminha seriamente para Leiria, um destacamento de Cavalaria deverá ser enviado antes de Pombal para Leiria, na noite de hoje, com ordem para se postar a uma meia légua do outro lado da cidade, de maneira a poder dar aviso da aproximação do inimigo, e enquanto espera pelo Coronel Luís Maria de Sousa, poderá tomar as medidas necessárias para assegurar o depósito de víveres, fazendo-o retirar para Venda de Galegos, onde algumas das vossas tropas encontrar-se-ão reunidas amanhã, ou, se preferirdes, 300 homens de Infantaria podem avançar de Pombal durante esta noite, os quais poder-se-ão manter seguramente em Leiria até que as vossas tropas ou as dos ingleses se unissem em seu socorro, pois não penso que o inimigo que se fala remonta a mais de 1.000 ou 5.000 [homens].
Tenho a honra de ser, General, vosso muito humilde,


Trant


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 170-171 (doc. 7)].

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Nota: 


Oficiais da Legião de Polícia promovidos por um decreto de Junot de 9 de Agosto de 1808




[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 31, 24 de Agosto de 1808]