sábado, 28 de maio de 2011

Aviso publicado na Gazeta de Lisboa de 28 de Maio de 1808z



[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 21, 28 de Maio de 1808].

Acta de vereação da Câmara de Faro (28 de Maio de 1808)


Nesta mesma [vereação] foi apresentado o Decreto do Ex.mo Duque de Abrantes, General em Chefe deste Reino, para que mandem imprimir a fala que fizera a Deputação Portuguesa a Sua Majestade Imperial e Real [Napoleão], nomeada[=remetida] aos compatriotas para que a mesma se fizesse pública, como assim já se acha cumprido [n]esta cidade e agora este Senado a manda registar para todo o tempo constar o seu conteúdo.

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 186, doc. 24].

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (28 de Maio de 1808)



Lisboa, 28 de Maio.


A exemplo da cidade de Coimbra, pediram Leiria, Amarante, Castelo-Branco, Ricardães e várias outras povoações licença aos seus Magistrados para pôr luminárias, por três dias, em sinal de regozijo das intenções tão cheias de benevolência que a Deputação portuguesa transmitiu aos seus concidadãos, em nome de Sua Majestade o Imperador e Rei. Em Amarante, [a]demais disso, se cantou o Te Deum, para dar graças ao Céu pela certeza que tinha este Reino de conservar a sua independência debaixo da protecção tutelar do Grande Napoleão*.

O clero portugués tomou vivamente parte neste movimento de entusiasmo geral. Entre os prelados que publicaram a este respeito pastorais tão conformes ao espírito da Religião como ao interesse do Estado, merecem ser citados os Excelentíssimos Bispos do Porto, do Algarve e de Aveiro; como também o Muito Reverendo Vigário Geral que governa a diocese de Coimbra, na ausência do Bispo, membro da Deputação portuguesa.

A cidade do Porto também manifestou a mais viva alegria à nova dos benefícios de que Sua Majestade já deu um tão belo penhor a Portugal. O Tribunal da Relação daquela cidade, que é o segundo Parlamento do Reino, formalmente encarregou os deputados que tinha já em Lisboa de se apresentarem em seu nome ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, querendo dar um novo testemunho do respeito que professa à Religião, declarou que a procissão do Corpo de Deus, que é uma das mais brilhantes solenidades de Lisboa e que oferece nesta cidade o mais magnífico espectáculo, se faria este ano como de costume. Conseguintemente, as ruas por onde há de passar se deverão armar com a mesma pompa. Segundo as intenções de Sua Excelência, o Senhor Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Policia do Reino [Lagarde], já deu as ordens necessárias para que as ditas ruas se reparassem e calçassem de novo. 


A 12 deste mês, toda a família que cessou de reinar em Espanha saiu de Bayonne, para ir à sua destinação, no interior da França. Por todo o seu caminho se faziam as maiores honras ao antigo Rei e à Rainha Luísa, os quais se dirigiam a Fontainebleau, magnífica casa de campo Real, sita 20 léguas de Paris, onde o próprio Imperador passou uma parte do Verão precedente; e deviam ali residir, até que a casa de campo de Compiegne, que se lhes destina, se tenha posto em estado de os receber. Os bosques assim de Fontainebleau, como de Compiege, são famosos para a caça; e El-Rei Carlos IV poderá aí entregar-se a este recreio que tem sempre sido a paixão dominante da sua vida. Os Grandes de Espanha e todos os corpos civis e militares do Estado tiveram a honra de ser apresentados com o ceremonial de costume a Sua Alteza Imperial o Grão-Duque de Berg, para dar-lhe o parabém da sua exaltação à dignidade de Lugar-Tenente Geral do Reino. Sua Alteza os recebeu com aquele agrado que lhe ganha os corações, respondendo-lhes com a afabilidade que o distingue.


Os ingleses mostram cada vez mais até que ponto é sincera a afeição que têm ao Príncipe do Brasil! Depois de lhe terem feito perder os seus Estados da Europa a preço da sua aliança, e tomado a ilha da Madeira, deram ordem ao Governador de Bombaim para que se apoderasse do estabelecimento português de Goa. Assim é que socorrem os que caem no desatino de se sacrificar por eles.


[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 21, 28 de Maio de 1808].



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* Note-se como a última frase deste primeiro parágrafo foi manipulada na tradução espanhola desta notícia, publicada na Gazeta de Madrid: "En Amarante se cantó el Te Deum, y se dirigieron al cielo los votos mas fervorosos por la conservación de Napoleon el grande" (trad: Em Amarante cantou-se o Te Deum e dirigiram-se aos céus os votos mais fervorosos pela conservação de Napoleão o grande) [Cf. Gazeta de Madrid, n.º 72, 30 de junio de 1808, pp. 688-689]. 

Carta de Geoffroy Saint-Hilaire a Cuvier, Director do Museu de História Natural de Paris (28 de Maio de 1808)




Lisboa, 28 de Maio [de 1808].

Meu caro amigo:

Procedi à escolha dos répteis e dos peixes; os répteis são muito abundantes em indivíduos, mas não em espécies. Existem apenas duas espécies de crocodilos*, ambas da vossa divisão dos caimões, sendo uma nova do Brasil e a outra de uma das vossas espécies com pálpebras ossificadas. Vós as tereis, assim como um esqueleto da primeira, proveniente dum indivíduo de maior tamanho**.
Os peixes são de uma riqueza que vos fascinará, sobretudo a família dos siluros.
Frei Veloso, sobre o qual o Sr. Correia me tinha falado, produziu imensos trabalhos de história natural, e não estou a exagerar quando digo isto. Ele foi responsável por iniciar uma descrição das produções do Brasil e ensinou desenho a muitos brasileiros, que, sob a sua direcção, desenharam [as ditas produções] muito bem, segundo as vistas dos naturalistas; estão aqui muitas dessas colecções. Vandelli, inimigo do frade, tem-nas à sua disposição. Frei Veloso ainda é vivo, e deram-lhe aqui uma pensão bem merecida; encorajaram-no então a publicar, mas ele não se encontra em estado de o fazer. Foi já tarde quando ele pensou em ser naturalista; para obedecer ao ministro, foi a Veneza para obter gravuras, e regressou com 300 caixas de pranchas gravadas relativas a plantas, etc.
Ireis ter as produções do Brasil, mas muitas vezes tereis dificuldades em relação ao clima correspondente a cada objecto, porque raramente aparece indicado nas etiquetas: as colecções de desenhos de Veloso resolveriam este problema. É assim muito importante que tenhais estes objectos; mas poder-se-ão arrancar essas pranchas a um homem tão invulgar?
É possível, dado que ele as cedeu ao Príncipe [D. João] e que já não estão nas suas mãos. Já submeti ao General em Chefe [Junot] esta questão delicada, o qual, por sua vez, confiou-a ao meu tacto. Verei o Padre Veloso e darei o meu melhor para conciliar os interesses da ciência e da honra.
Decidi o diferendo entre Vandelli e o Sr. Sieber***, e espero bem que não me acusem de apenas ter dado restos a cada parte; ambos estiveram de acordo comigo. 
O Sr. conde de Hoffmansegg tinha obtido permissão para expedir [as suas caixas] na condição de dar os seus duplicados ao gabinete da Ajuda; a condição foi esquivada em relação à grande maioria das caixas, enviadas directamente para o Báltico. Duas foram apreendidas na alfândega [de Lisboa] e ficaram retidas como garantia da palavra e dos compromissos do Sr. Hoffmansegg; decidi que os dois caixotes seriam restituídos com a condição de que o Sr. Sieber daria duplicados destas caixas ou das seis que tem na sua casa: obterei esses duplicados; ainda não os tenho, mas ao menos o Sr. Hoffmansegg não ficará privado de nenhuma peça única e terá 49 duplicados dos 50 que lhe foram destinados.
[...]
Adeus, abraço-vos com todo o coração. Para sempre todo vosso,


Geoffroy Saint-Hilaire.

[P.S.] Fazei-me o favor de comunicardes ao Instituto aqueles parágrafos das minhas cartas que sejam do seu interesse, para que não fique esquecido nesse lugar. 
Nos relatórios que transmito ao ministro sobre as minhas despesas, não posso entrar nos mesmos detalhes que vos relato: desejo que queirais aproveitar o envio da minha folha de despesas de viagem para lhe apresentardes um relatório sobre tudo o que vos informei.


[Fonte: E.-T. Hamy, "La mission de Geoffroy Saint-Hilaire en Espagne et en Portugal (1808). Histoire et documents", in Nouvelles Archives du Muséum d'Histoire Naturelle, Quatrième série - Tome dixième, Paris, Masson et C. Éditeurs, 1908, pp. 1-66, pp. 48-49].


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Notas: 


* Já depois ter escrito esta carta, Geoffroy Saint-Hilaire teve conhecimento que existiam exemplares de outras duas espécies destes animais em Lisboa, pelo que anotou a este respeito seguinte post-scriptum: "Há aqui, muito seguramente, quatro espécies da vossa divisão de caimões, todas do Brasil. Acabo de ver mais duas num depósito que ainda não tinha visitado. Disponho de exemplares de cada espécie com idades diversas, e podeis contar com este resultado [ou seja, o seu transporte para a França]. Lamento não ter a vossa memória à vista. Por aqui possuem os Annales só até o 8.º volume [publicado em 1806]. Poderia ter-vos descrito os caracteres desses crocodilos diferentes dos das espécies de que já dispondes, mas não ireis perder nada, pois ficareis com todos esses animais". [N.B.: Saint-Hilaire alude ao artigo de Cuvier intitulado Mémoire sur les différentes espèces de crocodiles vivans et sur leurs caractères distinctifs", in Annales du Muséum d'Histoire Naturelle - Tome dixième, Paris, Chez Tourneisen fils, 1807, pp. 8-66].

** Segundo o editor do artigo onde a carta acima traduzida apareceu originalmente publicada, o primeiro parágrafo do manuscrito consultado continha "muitas palavras ilegíveis".

*** Sieber era o agente que Hoffmansegg enviou ao Brasil, sobre o qual já adiantámos alguns dados nas nossas anotações à carta do General Margaron a Geoffroy Saint-Hilaire datada de 10 de Dezembro de 1807.