domingo, 21 de novembro de 2010

A ocupação da Praça de Almeida pelos franceses


Vista aérea da vila fortificada de Almeida


Logo nos primeiros dias de ocupação, Junot percebeu (em grande parte por experiência própria) que o caminho da França para Portugal não deveria deveria passar por Segura (por onde as primeiras tropas haviam entrado), mas sim por Almeida. Contudo, temendo um desembarque da esquadra inglesa, Junot tardou em preocupar-se com o interior do território que deveria ter ocupado. É somente quase no fim do mês que são dadas as primeiras determinações para a ocupação daquela praça que era considerada a "chave de Portugal pela parte da Beira", segundo as palavras de Accúrsio das Neves (na sua História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal - Tomo I, ed. de 1809, p. 329)
Assim, a 21 de Dezembro de 1807, numa carta a Napoleão, diz Junot que "um oficial do Estado-Maior [francês] deslocou-se a Ciudad Rodrigo, por Almeida, e vai trazer por esse caminho tudo o que ficou para trás desde Salamanca, deixando uma guarnição em Almeida" [Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 120]. De facto, data desse mesmo dia a seguinte carta do Conde de Sampaio, ordenando a José António Botelho de Sousa e Vasconcelos, Governador interino da Praça de Almeida, para que este passasse o seu comando aos franceses. 


Diante da Praça de Almeida se há de apresentar um Oficial do Exército de Sua Majestade Imperador e Rei, da graduação de Chefe de Batalhão, com o fim de ir tomar posse do seu comando, e guarnecê-la com um Corpo do mesmo Exército, que para isso leva às suas ordens.
Ordenam em consequência os Governadores deste Reino que Vossa Senhoria, logo que aparecer o sobredito Oficial, o receba e ao seu Corpo com toda a civilidade e entregue à sua disposição o comando da mesma Praça.
Deus Guarde V.ª S.ª
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, a 21 de Dezembro de 1807.

Conde de Sampaio


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[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 1, doc. 12, fl. 1]




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No dia 23 de Dezembro, o Conde de Sampaio escreve uma nova carta ao Coronel do Real Corpo de Engenheiro, Carlos Frederico de Caula, ordenando-o a partir para Almeida acompanhando o Oficial francês que ia tomar posse de Almeida:

Os Governadores deste Reino ordenam que V.ª Mercê imediatamente se apronte para partir amanhã para a Praça de Almeida acompanhando o Oficial do Exército de Sua Majestade o Imperador e Rei, que passa a tomar o comando da mesma Praça; e determinam que tanto que V.ª Mercê receber este aviso venha logo apresentar-se a esta Regência a fim de lhe serem comunicadas as devidas ordens ao dito respeito.
Deus Guarde a V:ª Mercê.
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 23 de Dezembro de 1807.

O Conde de Sampaio

PS: Advirto a V.ª Mercê que a sua marcha deve ser pela manhã cedo.

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No dia 26 de Dezembro, o Conde de Sampaio escreve um ofício ordenando a todos os responsáveis e oficiais de justiça, guerra e fazenda, para prestarem auxílio ao capitão do Corpo de Engenheiros franceses que se dirige para a praça de Almeida:


Mandam os Governadores deste Reino a todos os ministros e oficiais de justiça, guerra ou fazenda, e demais pessoas a quem esta for apresentada e o conhecimento dela pertencer, que hajam de prestar todo o auxílio que lhes for requerido por parte do Capitão do Corpo de Engenheiros, Hugo Fournier Laclaire, a bem da diligência de que vai encarregado desta capital [de Lisboa] até à Praça de Almeida, acompanhando o Oficial do Exército de Sua Majestade o Imperador e Rei, que passa a tomar o comando da mesma Praça; devendo todos concorrer para a facilidade do seu trânsito mediante as providência que ele exigir e de que necessitar para o melhor cumprimento da sua comissão. 
Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 26 de Dezembro de 1807.

O Conde de Sampaio






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No dia 7 de Janeiro de 1808, é a vez de Gregório Gomes da Silva, Oficial maior da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, escrever as seguintes instruções para os militares portugueses que seriam incumbidos de aguardar, em onze sítios determinados, a passagem das tropas francesas, entre Lisboa e Almeida:


Instruções para os Senhores Oficiais que vão por ordem do Conselho de Regência estacionar-se nas diferentes paragens do itinerário de Lisboa até Almeida, incumbidos de servir de intérpretes e comissários das tropas francesas que transitarem por aquele caminho destinado para a sua marcha.


Da Praça de Almeida para Lisboa dirige-se uma coluna do Exército francês, da força de 4.000 homens, a qual segue a estrada designada no itinerário que se acha incluso; e para maior comodidade dos povos, se divide a dita coluna em outras mais pequenas da força de 1.200 homens cada uma; marchando assim sucessivamente umas depois das outras, e vindo pernoitar às terras designadas no referido itinerário.
Em data de 23 de Novembro [...] passado, mandou o Conselho de Regência expedir ordens circulares aos Corregedores das comarcas de Santarém, Leiria, Coimbra, Viseu, Guarda, Torres Vedras e Linhares, para fazerem aprontar imediatamente nas sobreditas terras que forem da sua comarca, tudo quanto seja necessário para o fornecimento de cada uma das colunas, combinando-o pela relação também junta, que declara a ração que se deve dar a cada soldado, havendo porém sempre um sobressalente, assim das ditas rações para os Oficiais e demais pessoas que os acompanharem, como de palhas e cevadas para as bestas que lhes servirem de transporte.
Em 26 do mesmo mês de Dezembro, ordenou a Regência aos mesmos ministros territoriais que fizessem aprontar e dar de quaisquer cofres que houvessem nas suas comarcas o pagamento para o destacamento de tropas que se mandaram postar nos diferentes sítios do dito itinerário para facilitarem a passagem das tropas francesas. E em 30 se enviou aos referidos ministros um exemplar semelhante ao incluso do estado nominativo do soldo extraordinário concedido aos Oficiais inferiores e aos Gendarmes ou Cavaleiros armados, Dragões e soldados a cavalo destinados àquele fim. 
Em 4 de Janeiro corrente, se determinou aos mesmos ministros [para] que fizessem aprontar logo a gente que fosse precisa para o concerto que se deve fazer no caminho por onde se dirige a coluna francesa, e que lhe foi requerido pelo Oficial do Estado Maior francês, que há de preceder a marcha da dita coluna; e que sendo necessário para o indicado concerto entrar por alguma fazenda para [?] medir e avaliar a porção do terreno que fosse cortado, remetendo ao Conselho de Regência uma conta com as medições, avaliações e nomes dos proprietários dos terrenos.
Em 5 de Janeiro corrente, determinou mais a Regência aos ditos ministros que se dessem as ordens necessárias para que em cada um dos sítios designados no itinerário se achem prontos e fixos 16 carros de bois e que fizessem destinar 3 homens nos mesmos sítios para levarem como expressos [=correio], ordens de lugar em lugar no caso de ser preciso, os quais não deverão partir deles sem ordem do Estado Maior General ou com despachos que sejam dirigidos ao General em Chefe ou ao Chefe do Estado Maior por determinação do Comandante da Praça de Almeida, ou do chefe de esquadrão Thomas.
Os senhores Oficiais ficam igualmente encarregados de vigiar sobre a pontual execução de todas as ordens e providências acima mencionadas; e no caso de sobrevir qualquer inconveniente a que não seja possível ocorrer, darão parte e recorrerão imediatamente ao Conselho de Regência para que sem demora se dêem aquelas providências que de novo forem necessárias.
Secretaria de Estado dos Negócios dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 7 de Janeiro de 1808.

Gregório Gomes da Silva




Itinerário de Lisboa a Ciudad Rodrigo, assim para a ida como para a volta


De Lisboa a Vila Franca
De Vila Franca a Rio Maior
De Rio Maior a Carvalhos
De Carvalhos a Leiria
De Leiria a Pombal
De Pombal a Coimbra
De Coimbra à Ponte de Mucela
Da Ponte de Mucela a Pinhanços
De Pinhanços a Linhares
De Linhares à Guarda
Da Guarda a Almeida
De Almeida a Ciudad Rodrigo.





Registo das rações completas de víveres

24 onças de pão.
8 onças de carne.
1/2 garrafa de vinho.
1 onça de arroz, ou 2 onças de legumes.
1 arratel de sal para 30 rações.


20 arratéis de palha.
2/3 de alqueire de cevada ou aveia.


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No mesmo dia 7 de Janeiro, o Capitão de Engenharia Boucherat compôs um relatório sobre o caminho e acidentes geográficos existentes entre Lisboa e Almeida (por Coimbra), queixando-se em geral das más estradas que cobriam praticamente todo o traçado. Por esse motivo, e também devido à viagem dos franceses se realizar na estação das chuvas, para além do itinerário principal, o dito engenheiro apresenta ainda alguns troços alternativos, por onde seria mais fácil passar viaturas:



Itinerário de Lisboa a Ciudad Rodrigo 
(a azul o caminho mais a a direito, a verde alguns troços alternativos, 
e a vermelho as localidades onde deveriam estar os guardas portugueses). 





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Ainda no dia 7, o Conde de Sampaio escreve a seguinte carta (e lista) ao Marquês de Alorna, a quem, como já se viu, Junot tinha atribuído os cargos de Inspector Geral e Comandante das Tropas portuguesas em Trás-os-Montes, Beira e Estremadura:


O Conselho de Regência manda remeter a V.ª Ex.ª a relação inclusa dos Oficiais nomeados para os trânsitos por onde deve passar o Corpo de tropas francesas; e havendo os mesmos Oficiais requerido que se lhes desse um camarada para os acompanhar, ordena a mesma Regência que V.ª Ex.ª haja de passar as competentes ordens aos chefes dos Regimentos para o dito fim: advertindo que os de Cavalaria devem ir montados.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 7 de Janeiro de 1808.

Conde de Sampaio





Relação dos Oficiais que vão nomeados para os trânsitos por onde deve passar a coluna francesa.


1. O Tenente Mowert, do 1.º Regimento de Infantaria.
2. O Tenente Gadí, do 1.º Regimento de Infantaria.
3. O Tenente António Tomás de Castro, do 10.º Regimento de Infantaria.
4. o Tenente Francisco Travassos, do 10.º Regimento de Infantaria.
5. O Tenente Anacleto João Torres, do 13.º Regimento de Infantaria.
6. O Capitão Raysend, do 16.º Regimento de Infantaria.
7. O Capitão Lázaro Monjardim, do 7.º Regimento de Cavalaria.
8. O Tenente Francisco de Paula, do 7.º Regimento de Cavalaria.
9. O Tenente José Maria da Cavalaria[?] do 1.º Regimento de Artilharia.
10. O Tenente António [?] da Gama, do 1.º Regimento de Artilharia.
11. O Quartel-Mestre da Cavalaria do Corpo das Tropas Ligeiras Manuel Joaquim Botelho[?]



Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 7 de Janeiro de 1808.

Gregório Gomes da Silva



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No dia 9 de Janeiro, o Conde de Sampaio envia ao general Thiébault a seguinte carta (e cópia adjunta) sobre o estacionamento das tropas francesas:




Devo participar a V.ª Ex.ª que se acham expedidas todas as ordens precisas sobre o estacionamento dos diferentes pequenos Corpos nas paragens do itinerário de Lisboa até Almeida, para facilidade do trânsito da tropa francesa; e pela cópia que tenho a honra de remeter a V.ª Ex.ª, [com a] inclusão das instruções dadas aos onze oficiais que vão destinados a servir de intérpretes e comissários da mesma tropa, verá V.ª Ex.ª as providências que se têm dado para o mencionado fim. 

Deus guarde a V.ª Ex.ª 
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e do Governo, em 9 de Janeiro de 1808.


Conde de Sampaio








[cópia a que se refere a carta:]




Para António José Correia 


O Conselho da Regência ordena a Vossa Mercê que amanhã, Domingo, pelas 11 horas da manhã, se ache no Convento de S. Bento, onde também se há de achar à mesma hora um dos membros do Conselho de D. Francisco de Noronha, o qual comunicará a V.ª Mercê as ordens que tem a distribuir-lhe. 
Deus guarde a V.ª Mercê.
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e do Governo, em 9 de Janeiro de 1808.


Conde de Sampaio






No dia 11 de Janeiro, o conde de Sampaio escreve a seguinte carta para o marquês de Alorna, referindo-lhe a falta de cavalos para os onze Oficiais portugueses que tinham sido encarregados de esperarem pelos franceses no seu caminho para Almeida:


Ilustríssimo e  Excelentíssimo Senhor:

Tendo representado ao Conselho da Regência a necessidade em que se acham de cavalgaduras os onze Oficiais subalternos que por ordem do mesmo Conselho passam a estacionar-se nos onze lugares em que se divide o itinerário de Lisboa até Almeida, para servirem de intérpretes e comissários das tropas francesas que transitarem por aquele caminho destinado à sua marcha; e lembrando que o Corpo de Artilharia [?] a cavalo se acha actualmente sem exercício algum: Peço a V.ª Ex.ª para convir[?] os referidos Oficiais e dar-lhes a providência que lhe parecer justa e for preferível sobre este indispensável artigo.
Deus Guarde a V.ª Ex.ª
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 11 de Janeiro de 1808.

Conde de Sampaio


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Finalmente, no dia 13 de Janeiro, o Capitão de Engenheiros do Exército de Junot, Hugo de Fournier, escreve ao conde de Sampaio, participando-lhe a sua chegada a Almeida:



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Sampaio:

Meu Senhor, tive a honra de escrever a V.ª Ex.ª, participando-lhe sucintamente minha chegada nesta Praça de Almeida, e o sucesso que esperava da mesma diligência; e hoje determinei-me a dirigir a inclusa ao General Thiébault; mas como não quero dar passo algum sem o participar a V.ª Ex.ª, por isso ela vai aberta, para V.ª Ex.ª ordenar que seja entrega, se lhe parecer conveniente. Ontem soube-se por um ofício do Brigadeiro espanhol que comanda em Ciudad Rodrigo que só estavam nessa praça 450 homens franceses, pouco mais ou menos, e é a só notícia que tenho que participar-lhe. 
Tenho a honra de ser com muito respeito e consideração, de V.ª Ex.ª muito atento criado,

Hugo de Fournier, Capitão de Engenheiros.

Praça de Almeida, 13 de Janeiro de 1808.



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Datada de 20 de Janeiro aparece a seguinte nota, aparentemente do próprio Conde de Sampaio (não conseguimos encontrar a resposta propriamente dita, mas o seu conteúdo pouco deve diferir): 


Deve-se responder ao Engenheiro Hugo de Fournier que recebi assim a carta em que me participava a sua chegada a Almeida, como a que me dirigiu da mesma Praça, em data de 13 do corrente, e a que vinha junta a outra, que ele escrevia ao General Thiébault; que esta carta me pareceu tão bem concebida, e conveniente para evitar as desordens que justamente se poderiam recear; que a mandei entregar imediatamente ao referido General; finalmente, que a Regência espera que ele prossiga em todo o resto da sua comissão com o mesmo zelo, honra e inteligência com que a tem começado.



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Por último, fica exposto o "Estado nominativo do soldo extraordinário concedido aos oficiais inferiores e gendarmas ou cavaleiros armados, dragões e soldados a cavalo portugueses destinados para a polícia da estrada de Lisboa a Almeida":




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Praça de Almeida