domingo, 6 de março de 2011

Carta de Napoleão a Junot (6 de Março de 1808)




Paris, 6 de Março de 1808 


Recebi a vossa carta do dia 20 [de Fevereiro], que me trouxe Bataille, que me dá informações satisfatórias sobre Portugal*. Esperei muito para saber da partida das tropas portuguesas; servirei-me delas em Itália e noutros lugares. Vejo com muito gosto que tendes dois navios de linha armados** e algumas fragatas. Em resposta a esta carta, dizei-me como estais provido de mestres, contra-mestres e artilheiros franceses. Vejo com pena que pusestes os hanoverianos*** nas embarcações, o que é um contra-senso. É preciso pôr em cada navio de linha pelo menos uns 150 franceses.  
O Gão-Duque de Berg passou o seu Quartel-General para Burgos.  
Ainda não estou instruído se já dominais Elvas. Logo que o sejais, reunireis à volta dessa praça três quartos da vossa cavalaria, ou seja, pelo menos 1.500 homens com seis peças de artilharia ligeira, e uma divisão de infantaria de 6.000 homens com doze peças de artilharia. Esta divisão deve estar pronta a dirigir-se para qualquer lugar onde seja necessária, segundo as circunstâncias, a fim de manter a comunicação com as minhas tropas, se elas se dirigirem para Madrid.  
Tereis uma boa divisão em Almeida e, se a divisão da Galiza [ou seja, a divisão do falecido Taranco] fizer algum movimento para Valladolid, estareis preparado para opor-vos e enviá-la contra esta última. É muito importante que os portugueses não passem por Madrid e se dirijam em colunas de pelo menos 1.000 homens por Valladolid.  
É possível que eu próprio me dirija brevemente à Espanha. É necessário que envieis a Almeida e a Elvas homens alguns homens de confiança e inteligentes, que vos informarão do que se passa, e que não deixeis que os espanhóis façam movimentos aparentemente ofensivos contra as tropas que tenho na Espanha. 


[Fonte: Correspondance de Napoléon Ier - Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 461-462 (n.º 13624)].


________________________________________________


Notas:


* Bataille era um Ajudante de Campo do Vice-Rei de Itália que Napoleão tinha enviado a Portugal para recolher informações sobre a situação de Junot no país [Cf. Junot, Diário da I Invasão Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008, p. 145 (n.º 95)]). Teria partido de Lisboa por volta do dia 20 de Fevereiro, chegou a Bayonne na noite de 29 e finalmente alcançou Paris no dia 6 de Março.


** Como já tivemos ocasião de referir, depois da partida da Corte para o Brasil tinham ficado no porto de Lisboa apenas 9 embarcações de guerra (4 navios de linha e 5 fragatas), todas elas por se encontrarem incapazes de empreender tal viagem. Como não se encontra publicada a carta de Junot de 20 de Fevereiro, deduzimos que os dois navios que Napoleão refere sejam o Princesa da Beira (que estava armado como bateria flutuante, mas incapaz de navegar) e o Vasco da Gama (que estava a ser reparado aquando da partida da Corte, e que segundo Junot, em carta a Napoleão datada de 1 de Março de 1808, "já está praticamente pronto, e Vossa Majestade vai ter em Lisboa uma pequena frota dentro de 2 meses" [Junot, Diário da I Invasão Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008, pp. 147-148, p. 148 (n.º 97)]). De facto, já a 24 de Março, este último navio devia estar quase ou completamente reparado, dado que nesse dia acolheria a bordo uma festa.


*** Referência a um batalhão da Legião hanoveriana que fazia parte do exército comandado por Junot (o originalmente chamado Corpo de Observação da Gironda, depois Exército de Portugal). 
Em 1803, Napoleão ocupou o Eleitorado de Hanover e licenciou a maior parte do exército local, depois de recrutar para o seu próprio exército os homens suficientes para compor a referida Legião hanoveriana (medida habitual de Napoleão sempre que ocupava um novo território, como aliás aparece indicado na própria carta acima transcrita em relação às tropas portuguesas). Contudo, no mesmo ano, muitos dos militares licenciados emigraram para outros países, maioritariamente para a Inglaterra, onde fundaram a King’s German Legion, que foi integrada no exército britânico. 
O "contra-senso", indicado por Napoleão, de meter hanoverianos nas embarcações ancoradas no Tejo (cuja foz estava bloqueada por uma esquadra britânica), parece residir na proximidade e comunicações que estes poderiam ter com os outros hanoverianos ao serviço do exército britânico. (Curiosamente, estes últimos viriam a desempenhar um papel activo em diversas batalhas travadas na península contra o exército napoleónico, a partir de 1809).
A este respeito, veja-se ainda o que acrescentou atentamente o nosso leitor Moisés Gaudêncio nos comentários.