Fonte: La Cueva de Zaratustra
O General Taranco
segundo o pintor galego Xosé Comoxo (2009)
A 25 de Janeiro de 1808, o General Taranco dirigiu-se a Lordelo do Ouro, onde comeu na quinta de um rico e conceituado negociante de origem francesa, João Pedro Salabert, que possuía uma fábrica de chapéus no Porto. Nessa noite, Taranco começou a sofrer umas violentas cólicas, acabando por morrer na madrugada. Apesar de já contar cerca de sessenta anos, as circunstâncias que antecederam a morte repentina do General causaram algumas dúvidas sobre se não teria sido envenenado. Contudo, ninguém foi detido ou ouvido a este respeito, e Salabert, apesar de vir a ser banido do reino e despojado dos seus bens alguns anos mais tarde, foi-o num contexto diverso e por outras circunstâncias.
As honras fúnebres de Taranco, no dia 28, foram memoráveis: "até então nunca vira o Porto funeral com maior pompa e aparato. Além do asseio das janelas e do povoléu nas ruas, muito dele das imediações, concorreu para isso a numerosa tropa em armas, cerca de dez mil homens" [Pedro Vitorino, O Grito da Independência, 1928, apud José Antonio Durán, Oporto, capital del Reino de Galicia].
Sucedeu a Taranco no comando interino das tropas espanholas estacionadas no norte de Portugal o Marechal valenciano D. Domingo Belestá, figura cuja importância se frisará mais adiante. Em Lisboa, a Regência foi avisada desta ocorrência através do General do Minho, Gonçalo Pereira Caldas, que fez a seguinte participação ao Conde de Sampaio:
Por ofício que acabo de receber de D. Domingo Belestá, Marechal de Campo do Exército espanhol existente no Porto, é-me participado haver falecido ali, no dia 26 do corrente [mês], o Ex.mo D. Francisco de Taranco, General em Chefe; e recaído no dito Marechal o comando interino do Exército até nova disposição da Corte [espanhola]: o que ponho na notícia de V.ª Ex.ª para ser presente à Regência deste Reino.
Deus Guarde a V.ª Ex.ªQuartel-General de Viana [do Castelo], 28 de Janeiro de 1808.
Gonçalo Pereira Caldas
[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 1, doc. 63].
No mesmo dia 28, a Câmara do Porto escreveu a seguinte carta ao próprio Belestá:
Il.mo e Ex.mo Sr.:
Acabámos de assistir às honras fúnebres do Il.mo e Ex.mo Sr. D. Francisco Taranco, e V.ª Ex.ª e todo o exército de Sua Majestade Católica [D. Carlos IV] são testemunhos de que os seus restos foram conduzidos ao sepulcro entre o lamento geral e as lágrimas dos habitantes desta cidade. Este é, Ex.mo Sr., o privilégio exclusivo da virtude e da glória que jamais se consegue por outro meio que não seja o do amor e beneficência com os homens. Podemos assegurar a V.ª Ex.ª que no interior de cada uma das famílias desta cidade foram feitas exéquias de pranto e dor ao sr. General Taranco, e que nelas restará, para sempre, o devido respeito à sua memória. Esta demonstração tão extraordinária como bem merecida pelo sr. Taranco, em pagamento de ter tratado os portuenses como seus filhos, deverá chegar ao pés de Sua Majestade Católica, para que lhe sirva de satisfação o acerto da sua eleição e a honra do vassalo que acaba de perder. Assim, em nome dos habitantes desta cidade e como seus representantes, pedimos a V.ª Ex.ª que leve ao conhecimento de Sua Majestade Católica este testemunho de amor e de gratidão a um cadáver que não se esperava nem se temia; e ao mesmo tempo tributamos àquelas respeitáveis cinzas o incenso que se deve à virtude, e que o nome do sr. General Taranco exige do nosso reconhecimento.
Sirva-se V.ª Ex.ª de condescender a nossa súplica, confiante no respeito com que lhe declaramos a nossa submissão e obediência.
Porto, no Cabido, a 28 de Janeiro de 1808
D. Domingo Belestá
[Fonte: Gazeta de Madrid, n.º 22, 15 de marzo de 1808, pp. 264-265]
O Príncipe da Paz D. Manuel Godoy, depois de saber da morte de Taranco, mandou fundir a Divisão de Taranco com a de Carrafa, colocando este último ao seu comando. Segundo o próprio Godoy, tal acção foi motivada por já prever ele a este tempo "que algum dia poderia ser conveniente, por qualquer pretexto urgente, que se retirassem para Espanha ambas as divisões". E mais disse Godoy acerca daquele que considerava um dos seus principais amigos: "O General Taranco, um dos militares mais beneméritos do nosso exército, talvez o primeiro de todos os daquele tempo, tanto pela sabedoria da sua conduta como pela perícia militar e seu valor e brio e por seu espírito conciliador, morreu em Janeiro de umas cólicas tão violentas que levou a pensar-se que teria sido envenenado. Mas quem pôde cometer tal crime e por que razão, contra um homem que não tinha senão amigos em Espanha, e que em Portugal era adorado pelos locais que ocupava?". Como prova justificante desta última afirmação, Godoy cita algumas das palavras que Acúrsio das Neves escreveu sobre Taranco, e que já aqui foram transcritas. [Cf. Cuenta dada de su vida política por Don Manuel Godoy, Príncipe de la Paz - Tomo V, Madrid, Imprenta de I. Sancha, 1838, pp. 364-365].
A este respeito, veja-se ainda o soneto composto em honra de Taranco pelo médico portuense João Evangelista de Moraes Sarmento (1773-1826):
(In Poesias de João Evangelista de Moraes Sarmento, Porto, Typographia Commercial, 1847, p. 4).
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Nota: Para além da bibliografia indicada, algumas das informações aqui recolhidas foram extraídas do seguinte artigo, que contém mais desenvolvimentos sobre este assunto:
- José António Durán, Oporto, Capital del Reino de Galicia
Na Gazeta de Madrid, n.º 23, 18 de marzo de 1808, pp. 277-278, foi publicada uma nota biográfica sobre o General Taranco.