terça-feira, 16 de agosto de 2011

Carta dum agente do Coronel Moretti ao Capitão-General da Junta da Extremadura (16 de Agosto de 1808)



Tendo sido comissionado pelo Senhor Coronel D. Federico Moretti, Comandante das tropas espanholas na cidade de Évora, para levar ofícios desta Suprema Junta e do mencionado Senhor Comandante às Juntas de Coimbra e do Porto, e aos Generais português e inglês, parti no passado dia 26 de Julho, juntamente com quatro indivíduos da minha partida volante e um indivíduo da Legião de Voluntários Estrangeiros, dirigindo a minha marcha por Tancos, em direcção a Coimbra, em cujo primeiro ponto me vi cercado por uns 300 franceses de cavalaria e artilharia volante, que dirigiam a sua marcha a Abrantes; e ainda que o muito conhecimento que tinha dos caminhos me proporcionou pôr-me a salvo, fui perseguido durante três léguas por uma grande partida do inimigo, à distância de um tiro de canhão; devendo a nossa salvação a um bosque onde pudemos ocultarmo-nos.
Cheguei finalmente a Coimbra, e tendo-me apresentado ao General português que comandava as armas naquele ponto, entreguei-lhe os ofícios, suplicando-lhe que enviasse pelo correio os que iam dirigidos à Suprema Junta e ao General em Chefe do Porto, enquanto eu me avistava com o General inglês na Figueira; acedeu à minha petição o General português, e empreendi a minha marcha para a Figueira, que dista 7 léguas a ocidente de Coimbra, por caminho de serra.
À minha chegada apresentei-me ao General Wellesley, que o é em Chefe do Exército inglês, e que se achava acampado em Lavos, a uma légua ao sul da Figueira, o qual me recebeu com as maiores provas de júbilo e satisfação; informei-o de todos os sucessos da Espanha, servindo-me de tradutor o seu secretário; e concluída a sessão, fui lanchar com o dito General e o seu Estado-Maior.
Acabado o lanche, o General honrou-me levando-me ao seu lado a ver a revista das suas tropas, que tinham acabado de desembarcar naquele mesmo dia 7 de Agosto, e formavam um corpo de 7.000 homens e 4.000 cavalos, acompanhados por um magnífico parque de artilharia, cujo número não posso precisar por não ter podido contá-los exactamente, formando quase um exército os carros, carruagens e bagagens que o acompanham.
O dito General em Chefe disse-me que tinha estado em Ferrol com a sua esquadra, onde ofereceu a sua tropa à Junta Suprema daquele Reino [da Galiza]; mas que esta só aceitou 30.000 armas e cartucheiras e 2.000.000 de pesos fortes em dinheiro.
No dia 8 chegou uma nova esquadra inglesa proveniente de Cádis, trazendo a bordo os 5.000 homens de infantaria [comandados pelo General Spencer] que o General Castaños tinha recusado, os quais começaram a desembarcar no dia 9 pela manhã.
Antes de me retirar, comunicou-me o General inglês que ainda esperava 5.000 homens da Guarda Real da Inglaterra, e que uma vez reunidas essas forças empreenderia a sua marcha em direcção a Lisboa, procurando cortar a retirada ao resto dos franceses que tinham saído de Évora para Abrantes, e que tentarão atravessar o Tejo através de [Vila Nova da] Barquinha; tendo manifestado o dito General em Chefe a sua surpresa ao ver batido em Évora o Exército francês, formado por tropas escolhidas e em número de 8.000 homens, por 1.810 espanhóis; pedindo-me que assegurasse a Vossa Excelência que, tomando [os espanhóis] a esquerda[=sul] do Tejo (que se acha sem inimigos), ele respondia pela tomada da capital; e que a não render-se Junot à discrição, aos dez dias da sua intimação, seriam todos sem excepção passados à faca. Representei-lhe o dano que nos podia fazer a esquadra russa, e então, abraçando-me, disse-me: Esses já são nossos.
Saí no dito dia 9 para Coimbra, e o General português disse-me que tinha remetido as respostas à Suprema Junta de Évora, dando-me tanto este como o General em Chefe inglês os certificados competentes de ter entregado os ofícios e de ter executado a minha comissão com a maior exactidão.
O Exército português do Porto e de Coimbra compõe-se de 2.000 homens, todos vestidos e armados; pois os dois milhões de cruzados que devia dar a cidade do Porto de contribuição extraordinária foram utilizados para vestir a tropa, tendo contribuído voluntariamente todo o comércio e nobreza com donativos com o mesmo fim.
Quando regressei, pude apreender com a minha pequena partida, a 4 léguas de Abrantes e quase à vista da divisão francesa comandada pelo General Loison, 88 fardos de algodão fino, pesando cerca de 500 arrobas no total, os quais foram escoltados até à praça de Marvão, donde se mandou que passassem à de Campo-Maior, onde as que pus à disposição do referido Senhor Coronel D. Federico Moretti, debaixo de cujas ordens me encontrava [originalmente] em Évora; sendo este o resultado da expedição que executei por uma comissão particular.
Isto é tudo quanto devo dizer a Vossa Excelência em consequência do que mandou esta manhã.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Badajoz, 16 de Agosto de 1808.

Excelentíssimo Senhor Donato Gonzalez Cortes


Relatório dos mortos, feridos e desaparecidos nos confrontos entre os postos avançados dos exércitos britânico e francês, diante de Óbidos, no dia 15 de Agosto de 1808



5.º batalhão do Regimento n.º 60 de Infantaria ligeira – 1 soldado morto, 5 feridos e 17 desaparecidos.
2.º batalhão do Regimento n.º 95 de Infantaria ligeira – 4 soldado desaparecidos. 


Oficiais mortos e feridos 

Regimento n.º 95: Tenente Bunbury, morto; Capitão H. K. Pakenham, ferido. 


G. B. Tucker, Deputado-Ajudante-General

[Fonte: The London Gazette, n.º 16177, September 3, 1808, p. 1185].

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Nota: 

Sobre o cenário desta acção, vejam-se os nossos comentários à carta de Wellesley de 16 de Agosto de 1808

Carta do General Wellesley ao Secretário de Estado da Guerra, Lord Castlereagh (16 de agosto de 1808)



Caldas [da Rainha], 16 de Agosto de 1808.


Meu Senhor: 

Marchei de Lavos no dia 10, e no dia 12, em Leiria, reuniram-se comigo as tropas portuguesas comandadas pelo General Bernardim Freire, que consistem entre 5.000 a 6.000 homens. Contudo, lamento por ter de informar Vossa Senhoria que elas não me acompanharam para mais adiante. Desde que cheguei a este país, o General Bernardim Freire e outros oficiais portugueses declararam querer que o comissariado britânico, através dos seus abastecimentos, sustentasse as tropas portuguesas durante a campanha; particularmente num encontro que tive com eles no Porto, na noite de 24 de Julho, e noutro em Montemor-o-Velho, no passado dia 7; e em ambas estas ocasiões disse-lhes explicitamente que era impossível suprir as suas necessidades através dos abastecimentos britânicos; que estes abastecimentos foram preparados com o objectivo de serem somente para consumo dos britânicos, e apenas para pouco tempo; e que era uma proposição de natureza inédita requerer a um exército desembarcando dos seus navios para que não só suprisse o seu próprio consumo de pão, mas que igualmente suprisse o exército do Estado para cujo auxílio tinha sido enviado. Disse aos oficiais portugueses, no entanto, que julgava que não teria necessidade de pedir à região para me prover de pão durante a minha marcha em direcção a Lisboa; mas que deveria requerer carne, vinho e forragem, géneros que o Bispo do Porto se comprometera a suprir-me.
Antes de marchar para Leiria, os oficiais portugueses instaram-me a avançar sem demora, a fim de guardar um armazém que se tinha formado naquele lugar para uso, segundo entendi, das tropas britânicas, e é certo que a minha marcha evitou que o armazém caísse nas mãos do inimigo. Porém, não recebi quaisquer provimentos deste armazém, que permaneceu intacto para o uso do exército português. Ainda assim, na noite em que o exército português chegou a Leiria, recebi algumas mensagens muito extraordinárias, relativamente aos seus suprimentos; e numa conversação que tive com o General Freire durante essa noite, mostrou ele a sua ansiedade sobre este assunto. 
O plano de marcha para a manhã seguinte foi-lhe comunicado, e fixou-se a hora de partida das tropas portuguesas. No entanto, em vez de fazer a marcha tal como se tinha acordado, recebi uma proposta do General Freire para um novo plano de operações, segundo o qual as tropas portuguesas marchariam a certa distância do exército inglês, por Tomar, em direcção a Santarém, a menos que eu consentisse alimentar todas elas; e o pretexto para a adopção deste plano era a provável falta de provisões no caminho que eu tinha proposto seguir, e a sua abundância no caminho agora proposto; e que as tropas portuguesas estariam em situação de cortar a retirada dos franceses de Lisboa. 
Na minha resposta apontei a ineficácia e o perigo deste plano, e pedi ao General que me mandasse 1.000 homens de infantaria, toda a sua cavalaria e as suas tropas ligeiras, que eu me comprometia a alimentá-las; e recomendei-lhe que se juntasse a mim com o resto, ou que em todo o caso permanecesse em Leiria ou Alcobaça, ou noutro ponto na minha retaguarda, onde pelo menos as suas tropas estariam em segurança. Ele mandou-me as tropas que lhe pedi, na quantidade de 1.400 homens de infantaria e 260 de cavalaria; mas anunciou-me que tinha a intenção de manter o seu proposto plano de operações em relação ao resto do seu exército; não obstante ter-lhe informado que encontrei recursos no país que permitem alimentar adequadamente as suas tropas.  Detalho a Vossa Senhoria desta forma particular as circunstâncias que ocorreram, porque estou certo que não foram elas que ocasionaram a separação do exército português do de Sua Majestade [Britânica]. Devia haver no armazém de Leiria pão para as tropas portuguesas para dois dias. Achei em Alcobaça uma quantidade suficiente para lhes alimentar durante um dia, e mais se podia ter  obtido; e este lugar [Caldas da Rainha] poderia ter subministrado amplos provimentos.
O General Freire foi informado deste estado dos recursos, mas contudo persiste no seu plano; e reconheço que não posso atribuir essa persistência unicamente aos seus receios (que contudo nunca mos manifestou) de que nós não somos suficientemente fortes para o inimigo. Estou convencido que ele não pode ter motivos pessoais para a sua conduta, pois tenho sido sempre o mais cordial possível; forneci-lhe armas, munições e pederneiras, e tenho feito tudo quanto está ao meu alcance a favor do seu exército; e um dia antes de me ter comunicado a alteração do seu plano para a marcha do seu exército, colocou-se voluntariamente a si próprio, bem como as suas tropas, debaixo do meu comando.
Se soubesse que os recursos do país eram mais amplos do que esperava, teria certamente encarregado-me de alimentar o seu exército, de acordo com a sua vontade; pois considero ser importante, mais por motivos políticos do que militares, que as tropas portuguesas acompanhassem a nossa marcha; mas achei que o Comissariado britânico estava tão mal composto e incapaz de distribuir às próprias tropas britânicas os amplos provimentos que se lhes conseguiram obter, que não quis sobrecarregá-lo com a responsabilidade adicional de providenciar e distribuir provimentos ao exército português. Além do mais, como acima expliquei a Vossa Senhoria, não creio que o motivo alegado causou a determinação que referi.
Marchei de Leiria no dia 13 e cheguei a Alcobaça no dia 14, cujo lugar tinha sido abandonado pelo inimigo na noite anterior; e aqui cheguei ontem. O inimigo, em número de cerca de 4.000 homens, estava postado a cerca de 10 milhas daqui, em Roliça; e tinha ocupado Óbidos, a 3 milhas daqui, com a sua guarda avançada. Como a posse desta última vila era importante para as nossas futuras operações, determinei ocupá-la, e logo que a infantaria britânica chegou ao terreno, ordenei que fosse ocupada por um destacamento que consistia em quatro companhias de caçadores dos Regimentos n.os 60 e 95. 
O inimigo, que consistia num pequeno piquete de infantaria e em pouca cavalaria, fez uma resistência insignificante e retirou-se; mas foi seguido por um destacamento dos nossos caçadores até à distância de 3 milhas de Óbidos. Os caçadores foram então atacados por um corpo superior do inimigo, que tentou cortá-los do corpo principal a que pertenciam, o qual tinha então avançado para sustentá-los; em ambos os flancos do destacamento apareceram corpos maiores do inimigo, e foi com dificuldade que o Major General Spencer, que tinha partido para Óbidos quando soube que os caçadores tinham avançado em perseguição do inimigo, conseguiu efectuar a sua retirada para esta vila [das Caldas]. Eles ficaram desde então em posse dela, e o inimigo retirou-se completamente dos arredores. 
Lamento acrescentar que neste pequeno confronto dos postos avançados, que foi ocasionado somente pela ansiedade das tropas em perseguir o inimigo, foi morto o Tenente Bunburry, do 2.º Batalhão do Regimento n.º 95, e foi ferido o Capitão Pakenham, embora sem gravidade; e perdemos alguns homens, sobre cujo número ainda não recebi o relatório.
Para além do corpo de cerca de 4.000 homens, comandado pelos Generais Laborde e Thomières, que se está retirando diante do exército [britânico] pela estrada costeira a caminho de Lisboa, existe um outro corpo, de cerca de 5.000 homens, reunido em Rio Maior, debaixo das ordens do General Loison, que deduzo que retirar-se-á pela estrada real de Lisboa; corpos estes que provavelmente reunir-se-ão perto de Lisboa com quaisquer tropas de reserva das defesas das fortificações. 
O corpo de Loison foi ultimamente utilizado no Alentejo contra um destacamento espanhol de cerca de 1.000 homens e contra os insurgentes portugueses naquela região, com o objectivo de socorrer Elvas. Entendo que tal corpo sofreu muito na expedição, quer pela fadiga das marchas que fez, quer pela resistência que sofreu.
Quando estava em Alcobaça, comuniquei com o Capitão Bligh, do Alfred, que se encontrava na costa da Nazaré com um comboio de provisões e navios com material de artilharia, e ele desembarcou um abastecimento [de pão e aveia], que espero receber esta tarde; ele encontra-se agora na costa de Peniche, para onde tenciono, se possível, escrever-lhe amanhã de manhã.
Tenho a honra de ser, etc.

Arthur Wellesley

[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 76-80; encontra-se outra tradução disponível na obra de Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 95-99].

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Nota: 

A 3 de Setembro de 1808, um excerto desta carta seria publicado no n.º 16177 do periódico The London Gazette [excerto esse traduzido no mesmo mês no Correio Braziliense], embora com os topónimos portugueses deformados (facto normalíssimo nos documentos da época, tanto ingleses como franceses). Se algumas destas gralhas podiam e podem ser facilmente perceptíveis e corrigidas para um português (como Lyria = Leiria; Ahobaça = Alcobaça; Boriça = Roliça), uma outra gralha, menos inteligível, deu azo a posteriores confusões sobre a localização dos primeiros confrontos entre britânicos e franceses em território português, travados a 15 de Agosto. Tratava-se do suposto topónimo Brilos [sic], que, apesar de inexistente na região, foi e tem sido sucessivamente reproduzido em bastantes obras sobre as guerras peninsulares, tanto de autores britânicos como de portugueses (por sucessivas cópias da fonte original), e isto apesar de logo no ano de 1835 (senão antes, embora não tenhamos conhecimento) ter sido publicada integralmente a carta acima transcrita (na obra que utilizámos para a traduzirmos), com os topónimos perfeitamente correctos. Segundo esta fonte, tal como acima se transcreveu, Brilos corresponde a nada mais do que Óbidos, que curiosamente também aparecia no referido excerto com o nome de Œbidos [sic].
A contribuir para uma maior confusão, o citado número do jornal The London Gazette também publicara, a seguir ao excerto desta carta, o relatório dos mortos, feridos e desaparecidos da acção da Lourinha [sic], apesar da narração de Wellesley indicar que tais baixas teriam ocorrido entre Óbidos e a Roliça (mais precisamente até à distância de 3 milhas - quase cinco quilómetros - de Óbidos), ou seja, ainda longe da Lourinhã, onde os ingleses só chegariam no dia 18 de Agosto, e onde provavelmente o General Tucker concluiu o referido relatório. 

Análise da Proclamação de Mr. Junot de 16 de Agosto de 1808, por um anónimo













Análise à Proclamação do General Junot aos habitantes de Lisboa em 16 de Agosto de 1808, pelo Deão da Sé de Braga
















[Fonte: Analyse á Proclamação do General Junot aos habitantes de Lisboa em 16 de Agosto de 1808, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1808, in Discurso do Imortal Guilherme Pitt..., pp. 103-117]. 

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Segundo uma nota manuscrita no exemplar acima publicado, "o autor deste folheto [publicado anonimamente] foi o Deão da Sé de Braga, Luiz António Furtado de Mendonça, fiho natural da casa do Visconde de Barbacena, tinha gosto pela eloquência, possuía talentos, falava com actividade e calor, cortejava a todos, e todos lhe eram afeiçoados. Recolhendo-se a Lisboa com o seu Arcebispo depois da invasão dos franceses no Porto [em 1809], com [?] de vituperar os procedimentos de Bernardino Freire, o que ofendeu D. Miguel Pereira Forjaz; censurou a inércia dos regentes, o que os escandalizou. Olharam-o como homem preguiçoso, e trataram de o segurar; assim aconteceu. Foi preso repentinamente, e conduzido aos cárceres do Santo Ofício como farinação; este crime se lhe imputou para o malquistar com o público que o amava, e para sanar a violência do procedimento que aborreceu as pessoas sensatas. A capa da religião ofendida cobriu ódios particulares contra o autor preso. Nada tão mau como a malícia dos homens!". 


Proclamação do General Junot aos habitantes de Lisboa, antes de partir para ir ao encontro das tropas inglesas (16 de Agosto de 1808)



O Duque de Abrantes, General em Chefe do Exército de Portugal, aos habitantes de Lisboa. 


Habitantes de Lisboa:

Eu me separo de vós por três ou quatro dias. Vou visitar o meu exército; e se for necessário dar uma batalha aos ingleses, e qualquer que seja o sucesso, tornarei para vós. Eu vos deixo para governar Lisboa um General que, pela sua doçura e pela firmeza de carácter, soube merecer a amizade dos portugueses em Cascais e Oeiras. O sr. General Travot saberá também por estas virtudes merecer a dos habitantes de Lisboa. Vós tendes estado até agora tranquilos; é do vosso próprio interesse continuar a sê-lo. Não vos mancheis com um crime horrendo num instante sobre os interesses das três nações que entre si disputam a posse de Lisboa. A glória e a prosperidade da cidade e reino são o que querem os franceses, porque é este o interesse e a política da França. 
A Espanha quer invadir e fazer de Portugal uma das suas províncias, para se fazer assim senhora da península; e a Inglaterra quer dominar-vos para destruir o vosso porto, a vossa marinha, e impedir que a indústria faça progressos entre vós. A magnificência do vosso porto lhes causa muita inveja; eles não consentirao que exista tão perto deles, e eles não têm a esperança de o conservar. Eles sabem que um novo exército francês passou já as vossas fronteiras; e se esse não bastar, outro virá após ele; mas eles terão destruído os vossos estabelecimentos marítimos; eles terão sido a causa da destruição de Lisboa; e eis aqui o que eles procuram, o que eles querem. Eles sabem que não podem conservar-se no continente, mas quando eles podem destruir os portos e a marinha de qualquer potência estão contentes.
Eu parto cheio de confiança em vós; conto muito sobre todos os cidadãos interessados na conservação da ordem pública, e estou persuadido que ela será conservada. Considerai as desgraças que necessariamente sucederiam se esta formosa cidade obrigasse as minhas tropas a entrar nela com a força. Os soldados exasperados não poderiam conter-se; o ferro, o fogo, todos os males da guerra praticados numa cidade tomada de assalto; o saque, a morte... eis aqui o que atraireis sobre vós; só a ideia me faz estremecer.
Habitantes de Lisboa! Evitai, afastai de vós estas terríveis calamidades.

Dada no Palácio do Quartel-General de Lisboa, aos 16 de Agosto de 1808.

O Duque de Abrantes

[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 30, 17 de Agosto de 1808; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 105-106; Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula e ás anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña - Volume VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, 44-45 (doc. 31)].

Carta do Governador interino das armas do Porto dirigida ao Juiz do povo e ao próprio povo da mesma cidade (16 de Agosto de 1808)






Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao General Wellesley (16 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Ao portador desta carta, o Comendador Joaquim Pais de Sá do Amaral e Menezes, tendo encarregado de comunicar a Vossa Excelência as notícias que por aqui temos, e as minhas intenções nas diversas circunstâncias que possam ocorrer; e de solicitar a Vossa Excelência a cooperação que deve existir para felicidade desta nação que Vossa Excelência veio socorrer. Espera que Vossa Excelência se dignará atendê-lo como ele merece, e que por ele se servirá de comunicar-me tudo o que puder interessar a causa que defendemos.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Quartel-General de Leiria, 16 de Agosto de 1808.

Bernardim Freire d'Andrada [sic].


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 191 (incluído no doc. 19)].

Instruções do Brigadeiro D. Miguel Pereira Forjaz ao Comendador Joaquim Pais de Sá do Amaral e Menezes, enviado ao Quartel-General britânico (16 de Agosto de 1808)




Instruções ao Senhor Joaquim Pais de Sá 


O Exército português não pode ter só em vista a ocupação de Lisboa, mas o seu primeiro objecto é a destruição dos corpos franceses que se acham em Portugal, devendo de preferência a tudo evitar que estes corpos, escapando-se de Lisboa, vão assolar as províncias, deitando-se em alguma das praças [de Elvas e Almeida] que ainda têm nas extremidades do Reino. Enquanto não consta que Loison se reúne inteiramente para a parte de Torres Vedras, etc., não está claro se o seu projecto é dar batalha ao Exército inglês ao retirar-se ao longo do Tejo, para passar à Beira ou [a] alguma [outra] parte do Reino, como deixa perceber a prevenção de viverem em Alentejo; por isso a nossa estada em Leiria não parece inútil; logo porém que conste a reunião do corpo de Loison aos outros corpos franceses, podemos avançar-nos a Rio Maior, e daí, conforme as circunstâncias, ou ocupar Santarém, ou marchar adiante para Alenquer, ou reunir-nos por Torres Vedras ao Exército inglês, se com efeito eles quiserem presentar batalha nas vizinhanças de Mafra, e se julgar para ela precisa a nossa cooperação. É preciso observar que este corpo se acha muito enfraquecido pelo destacamento que se enviou ao Exército inglês, e que, a poder, conviria reuni-lo outra vez em Rio Maior. É indispensável que o Exército inglês não abandone este corpo e persiga os corpos franceses que tentem forçá-lo, porque de outro modo seria sacrificar todo o Reino; e nestas circunstâncias, a ocupação de Lisboa não pode ser duvidosa, quando o Exército inglês se estabeleça entre esta cidade e os corpos franceses que se retiram e a abandonam. Para tudo isto se necessita uma mui rápida e seguida correspondência entre os Exércitos inglês e português, para isso se mandam já estabelecer postas por Alcobaça, que se irão avançando e encurtando à medida que nos formos adiantando.
Quartel-General de Leiria, dezasseis de Agosto de mil oitocentos e oito.

D. Miguel Pereira Forjaz, Brigadeiro Ajudante General.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 190-191 (doc. 18)].

Carta de Manuel Pais d'Aragão Trigoso, Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, ao General Bernardim Freire de Andrade (16 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:



Recebi a carta de Vossa Excelência e por ela vejo que o Quartel-General do nosso Exército ainda se conserva nessa cidade, contra as notícias que aqui corriam; parece-me muito bem acertado que se conserve e ponha em ponto conveniente uma força tal que obste a qualquer tentativa que o inimigo faça para atacar estas províncias, e sempre esperei que o Conselho tomasse esta deliberação. O Batalhão de Granadeiros do n.º 11 e 24 foi para Tomar com o Regimento de Penamacor, na forma das ordens que Vossa Excelência mandou a Agostinho Luís; o Batalhão de Caçadores de Trás-os-Montes ainda aqui não chegou, em vindo irá imediatamente incorporar-se a esse Exército. Agora mesmo acabo de receber uma carta do Senhor Bispo do Porto, e dentro dela a inclusa para o General inglês, que Vossa Excelência lhe fará enviar. Eu remeti a de Vossa Excelência no mesmo dia em que me chegou à mão, mas o Senhor Bispo ainda a não tinha recebido quando me escreveu; porque me diz não ter ainda notícias da marcha do Exército; e já me tinha procurado em outra carta as forças que me ficaram em Coimbra, e quem era o Comandante delas; diz-me também que ainda lhe dá bastante cuidado o inimigo pelas forças de doze ou treze mil homens que ainda tem no Reino de Leão. Os Voluntários de Aveiro que Vossa Excelência mandou vir para aqui chegaram com efeito; mas o estado em que vi esta chamada Tropa é tal que, julgando seguramente que ela me vinha a servir aqui de muito peso e de nenhuma utilidade, a mandei retirar ao terceiro dia para Aveiro.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Coimbra, 16 de Agosto de 1808.


Manuel Pais d'Aragão Trigoso



[Fonte: António Pedro Vicente, "Um soldado da Guerra Peninsular - Bernardim Freire de Andrade e Castro", in Boletim do Arquivo Histórico Militar, n.º 40, 1970, pp. 202-571, p. 440].