terça-feira, 10 de maio de 2011

Acto de cessão de D. Fernando (10 de Maio de 1808)







Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (10 de Maio de 1808)


Acabámos de receber uma carta escrita em Toledo a 23 de Abril de 1808, por um oficial reformado a um dos seus antigos camaradas, sobre a situação da Espanha. Nela se faz ver que a explosão que houve no Escorial em Outubro do ano passado, em consequência das recíprocas acusações entre El-Rei e o Príncipe hereditário, estava conexa com o que aconteceu posteriormente em Aranjuez; e que não sendo novos os exemplos de Reis que cedem a sua coroa em meio de vivas, o direito incontestável e sagrado que dá o nascimento à soberania se tira a quem é obrigado a reinar com o título precário duma espécie de eleição tumultuária; pois, ainda qu epossa haver circunstâncias em que se faça necessário um novo reinado para o bem duma nação, mostra o exemplo dum país vizinho que o povo não deve ser juiz em tal caso; e não o podendo também ser a Família Real por ter em certo modo decaído dos seus direitos pelas suas divisões, parece que reservou o Céu para árbitro desta questão um Príncipe que, trazendo e havendo já dado e restituído tantas coroas, exerce na Europa uma influência mui irresistível para que a Espanha possa ter receio de tornar a ver em disputa o que ganha uma vez [que] for por ele determinado, visto que por outra parte lhe serve de garantia o interesse comum que o mesmo Real Árbitro tem com aquela Monarquia, convindo-lhe por isso que ela não seja de modo algum desmembrada e que conserve todas as suas colónias. 

Anunciam as cartas de Madrid que, nos primeiros dias deste mês, houve naquela capital algumas perturbações excitadas, ocultamente, por um pequeno número de intrigantes ambiciosos, que receiam que a mui responsável mediação de Sua Majestade o Imperador e Rei faça com que as circunstâncias actuais tomem uma face que sirva mais para a glória e prosperidade da Espanha que para o bom êxito das suas especulações particulares. Conseguiu-se alucinar uma parte da plebe, a ponto de fazer com que ela assassinasse alguns franceses surpreendidos sem armas. O sangue francês, porém, foi logo vingado com estrondo, assim como o será por toda a parte onde se ousar cometer o menor atentado. Sua Alteza Imperial o Grão-Duque de Berg, Tenente de Sua Majestade em Espanha, usando da força das armas contra os assassinos, varreu algumas ruas a tiros de artilharia e mosquetaria, deixando mortos um certo número de rebeldes; de sorte que ao tempo da partida do último correio ficava de todo restabelecida a quietação e a boa ordem em Madrid. É certo ao que parece que a tropa espanhola se portou bem naquela ocasião, não tomando parte alguma nos excessos duma multidão que não sabe que a conduzem assim ao perigo de sacrificar a sua vida por interesses que lhe são absolutamente estranhos. É de esperar que o resultado daquelas tentativas, tão vãs como criminosas, baste para deixar a gente sediciosa de todos os países sem vontade de insultar exércitos que, depois de terem vencido e subjugado a Europa, não são feitos para ceder o terreno a um pequeno número de facciosos. 

Nunca ficou mais bem provado que a Espanha se veria ameaçada de todos os flagelos da anarquia a mais horrível, se a mão mui poderosa de Sua Majestade o Imperador e Rei não acudisse em socorro daquele povo valeroso e leal. A divisão e a falta de inteligência vão em aumento entre os que estavam incumbidos de governar aquele país, de maneira que não se sabe qual seja o modo de decifrar a justiça e a verdade em meio das acusações de que se carregam uns aos outros. Até se chega a dizer que El-Rei Carlos IV, apenas saído duma espécie de reclusão em que estava desde a sua abdicação, protestou contra a violência que se lhe tinha feito, declarando solenemente que nunca tivera o menor intento de depor a coroa senão para escapar às tramas de que se via cercado pelas intrigas intestinas de Corte, e para salvar a sua vida e a duma parte da sua família, com quem deve ter já chegado a Bayonne. 

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 19, 10 de Maio de 1808].

Ofício de Lagarde ao Juiz de Fora de Vila Franca de Xira (10 de Maio de 1808)




Lisboa, 10 de Maio de 1808. 


O Intendente General da Polícia do Reino de Portugal […] passa, sr., a prevenir a Vossa Mercê que S.ª Ex.ª o sr. Duque de Abrantes julgou conveniente, para evitar o apinhamento dos presos na cadeia de Lisboa, fazer algumas modificações ao decreto de 8 de Abril passado sobre a competência da Comissão especial estabelecida em Lisboa. Um novo decreto de S.ª Ex.ª indicará sem demora a natureza destas modificações; entretanto, considere-se V.ª Mercê desde já advertido que os roubos ordinários hão de continuar a ser julgados segundo a forma antigamente existente; e quanto aos outros delitos especificados pelo dito decreto de 8 de Abril, eles serão julgados pelo tribunal especial, mas os culpados não hão de ser enviados a Lisboa senão quando V.ª Mercê receber ordem, e pelo modo que há de ser posteriormente indicado. 
V.ª Mercê suspenderá, portanto, até nova ordem, a remessa para Lisboa de todos os presos deste género, e quando alguns estejam no caminho em pequena distância desse lugar, V.ª Mercê os fará restituir às cadeias em que se achavam. 

Tenho a honra de saudar a V.ª Mercê. 

Pierre Lagarde