terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Carta da Câmara de Faro ao Cabido da mesma cidade (8 de Fevereiro de 1808)


No dia 8 de Fevereiro de 1808, o senado da Câmara de Faro reuniu-se para remeter uma carta de repreensão ao Cabido da Sé, em virtude deste ainda não ter preparado alojamento decente para quinze oficiais estrangeiros (que julgamos que fossem franceses) que eram esperados na cidade. A mesma Câmara intimava assim o Cabido a obedecer a esta ordem, sendo que, em caso contrário, seriam os mesmos membros daquela corporação religiosa obrigados a alojar nas suas próprias casas esses estrangeiros. Vejamos então a transcrição da referida carta, que se encontra nas actas da Câmara de Faro disponíveis no Arquivo Histórico-Militar, e cujo transcritor refere que "não consta das actas seguintes qualquer resposta do Cabido, nem providências tendentes ao alojamento dos 15 oficiais esperados ou tropas do seu comando":


Il.mo e Rev.mo Sr. Cabido: 
Considerando-se madura e seriamente neste Senado o arranjo que Vossa Senhoria tem preparado para o alojamento de quinze oficiais da tropa estrangeira que se espera, e [como] sem dúvida que nem as casas da Fábrica nem os locais são lugares para [o] referido alojamento, nem tão pouco os quartos onde estão as camas nas casas da propriedade do Il.mo Sr. Conselheiro Horta* têm suficiência alguma para o dito fim, não correspondendo nada nem à dignidade de Vossa Senhoria nem ao carácter dessa oficialidade, sem reflectir que cada um dos alojados se deve considerar como em casa adequada a um dos particulares que constituem a Corporação do mesmo Il.mo Cabido. Portanto, o mesmo Senado participa que não sendo o dito aquartelamento na forma referida com toda aquela decência que a mesma oficialidade pede, o que assim deve estar pronto à chegada da mesma tropa, então passará a aquartelar por casa de cada um dos mesmos Senhores Capitulares aquela oficialidade que corresponder, visto que tanto tempo que tem havido sem o ter dado a providência necessária que se ofertara, e isto com a decência e gravidade correspondente a uma Corporação tão nobre como é o Il.mo e Rev.mo Cabido.
Deus Guarde a Vossa Senhoria.
Faro, 8 de Fevereiro de 1808. 

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 186, doc. 24].
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* [Nota do transcritor]: “Onde está hoje o Governo Civil – dos Condes de Alte. A Ermida da Senhora do Ó era capela do Palácio”.




Desenho de Luís Filipe Rosa Santos, baseado numa gravura do século XVIII
Antiga Praça da Rainha (actual Praça D. Francisco Gomes), podendo ver-se ao centro a Ermida de Nossa Senhora do Ó (com o arco da porta da vila), 
e imediatamente à direita, no rés do chão, a cadeia de Faro, e no primeiro andar, as referidas casas do Conselheiro Horta Machado, futuro primeiro Conde de Alte.



Postal de inícios do século XX, já depois da reforma da ermida e da reconstrução do palácio dos Condes de Alte, 
que, desde finais do século XIX até aos nossos dias, continua a albergar a sede do Governo Civil de Faro.

Aviso circular para os magistrados irem cumprimentar Junot (8 de Fevereiro de 1808)



José António de Sá, magistrado que em 1810 mandou publicar anonimamente uma Demonstração analítica dos bárbaros e inauditos procedimentos adoptados como meios de justiça pelo Imperador dos franceses para a usurpação do trono da Sereníssima e Augustíssima Casa de Bragança..., abordava num dos capítulos desta obra o "comportamento altivo de todos os funcionários do Governo intruso", referindo que a primeira demonstração deste comportamento foi preconizada quando Junot, "logo na sua entrada e ainda antes de declarar-se Governador de Portugal e Duque de Abrantes, recebia de pé as visitas de maior graduação". Posteriormente, já depois da instalação do Governo intruso, o mesmo Junot "obrigou por ordens circulares a todas as repartições a prestarem-lhe, em forma cerimonial, cortejos só devidos à primeira soberania". [in Demonstração analytica dos barbaros e inauditos procedimentos adoptados como meios de justiça pelo Imperador dos francezes para a usurpação do throno da Serenissima e Augustissima Casa de Bragança, e da Real Coroa de Portugal, com o exame do Tratado de Fontainebleau, Exposição dos Direitos Nacionais e Reaes, e da informe Junta dos Tres Estados para supprir as Cortes. Offerecida ao Juizo imparcial das Nações Livres, Lisboa, Impressão Regia, 1810, p. 20].

As ordens circulares mencionadas anteriormente são as seguintes:


Sua Excelência o Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade Imperial e Real, e General em Chefe do Exército francês em Portugal, manda participar a tal tribunal que no dia de terça-feira, 9 do corrente, receberá sem precedência das 2 horas da tarde até às 5 os cumprimentos dos ministros de que se compõe o mesmo tribunal, ao qual Vossa Senhoria fará presente para sua inteligência e cumprimento. 
Deus Guarde a Vossa Senhoria. 
Secretaria de Estado do Interior, 8 de Fevereiro de 1808. 
Francisco António Herman [sic
[Fonte: Op. cit., p. 280]