sábado, 27 de agosto de 2011

King Joe on his Spanish Donkey, caricatura de Thomas Rowlandson (27 de Agosto de 1808)




O Rei Zé montado no seu burro espanhol.
Caricatura de Thomas Rowlandson, segundo desenho de George Moutard Woodward, publicada a 27 de Agosto de 1808.



Nesta caricatura alusiva à retirada de José Bonaparte de Madrid, o novo monarca aparece montado sobre um burro espanhol indomável, de cujo ânus saem vários papéis, enrolados ou rasgados, onde estão escritas as seguintes frases: "Todos os que forem encontrados com armas serão fuzilados"; "Anjinhos para os prisioneiros"; "nenhuma liberdade para os espanhóis"; "Notícias francesas"; "O caminho para a fortuna"; "Proclamação"; "José Rei da Espanha"; "sem quartel"... Os coices do burro já fizeram saltar a sua carga - "um alforje para os espanhóis" -, e José, apesar de agarrar-se para não cair, deixa cair o seu ceptro e a sua coroa. Perante este comportamento do burro, afirma: "Que animal rebelde é este! Pensava que ele seria tão dócil quanto um pónei francês... e que seria domado tão facilmente quanto um galgo italiano".

Carta do Bispo do Porto ao Brigadeiro Bacelar (27 de Agosto de 1808)




Recebo com todo o prazer o ofício de Vossa Senhoria, e lhe agradeço a notícia bem importante e oportuna tomadia*, que parece [que] estava esperando para ser feita por Vossa Senhoria. Parece-me conveniente que ela seja remetida ao Governador da cidade de Coimbra, para se tirar do lugar em que está, e ser posta em segurança até segunda ordem. Pelas notícias que hoje recebi, conto com algum socorro de tropa do Algarve e do Alentejo, talvez com direcção para Abrantes, mas no caso em que Vossa Senhoria conheça que será mais conveniente que elas levassem outra direcção, importaria muito que assim lho participasse, porque possa [Vossa] Senhoria, na posição em que se acha e segundo aquela em que se acha o inimigo, sabe[r] muito melhor o que mais convém.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Porto, vinte e sete de Agosto de mil oitocentos e oito.

Bispo, Presidente Governador.

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, 1941, p. 375 (doc. 60)].

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Nota: 


* Aparente alusão à tomada de uma grande quantidade de provisões às tropas francesas, pela vanguarda do Corpo de Observação da Beira e Trás-os-Montes, comandado pelo Brigadeiro Manuel Pinto Bacelar

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (27 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

A importância e a multiplicidade de objectos que têm fixado a minha atenção desde que me pus em marcha para estes sítios, não permitiram até agora a organização do Boletim do Exército, chegando o tempo, quanto muito, para se tomarem os precisos apontamentos e se participar a Vossa Excelência, juntamente com os negócios da maior urgência, a notícia das nossas marchas e posições. Hoje que houve um momento à minha disposição, pôde-se arranjar a cópia das notícias que a Vossa Excelência remeto e que continuarei segundo me for possível*. Queira Vossa Excelência persuadir-se que eu estimaria bem estar em tão curta distância de Vossa Excelência, ou ter um tão grande número de empregados, que pudesse não dar um só passo nem tomar a mais indiferente resolução sem a consultar com Vossa Excelência; e eis aqui porém o que distâncias e uma indispensável economia tornam impraticável; quando mesmo a necessidade de tratar negócios sumamente importantes em circunstâncias imperiosas, quase sempre imprevistas, e a cada instante variáveis, e como o inimigo à vista, não me obrigassem a resoluções prontas e decisivas, sem que sobeje tempo para outros assuntos. Anteontem escrevi a Vossa Excelência sobre quanto se havia passado de importante até então. Acrescentarei agora que a evacuação de Santarém é certa, e que os povos daquele distrito tomaram o nosso partido, e se vão preparando para a sua defesa; sendo muito para estimar que as nossas tropas do comando do Brigadeiro Bacelar, que mandara parar em razão do Armistício, se tivessem avançado até aquela vila, onde estão com grande prazer do povo da Borda d'água, que me [as]seguram [que] vai desenvolvendo uma energia maior do que em nenhuma outra parte, e que nos seria bem útil. Eu já hoje fiz dirigir ofícios de agradecimento aos Magistrados e outras pessoas, e cuido de excitar naquela gente o maior entusiasmo. A guarnição francesa que ali estava se havia já dirigido para lá de Vila Franca [de Xira]; mas diz-se e não é certo que ou estes ou alguns outros se passaram para o Alentejo.
Dos que ocupavam as nossas posições actuais, parte caminhou para Lisboa, e a outra parte, que será de 4 a 5 mil homens, tomou a cabeça de Montachique, posto importante, e que vão fortificando, segundo consta.
Também se fala de revolução em Lisboa, projectada, ou já em parte desenvolvida, e que em razão da distância em que estamos e do Armistício pode ser abafada com grande desgraça daquela capital.
As posições do Exército francês, o modo triunfante com que entraram em Lisboa, o que imprimiram com tanta falsidade a respeito das suas imaginárias vitórias e sobre os Exércitos Aliados**, as barbaridades e roubos que continuam a perpetrar nos lugares da sua dominação, os reforços que o Exército inglês recebe continuamente, e aqui mesmo, tendo desembarcado de novo 14.000 homens, tudo isto parece dispor e fazer necessária a renovação das hostilidades para se pôr termo a esta luta, com a vantagem que nos promete a superioridade de forças. Ao nosso Exército se vai unindo bastante gente, e nem toda da maior utilidade; mas não sendo possível deixar de admitir a ele militares que se apresentam com patriotismo verdadeiro ou forçado, limitei-me a dar-lhe alimento, e é quanto se pode fazer por ora num país [=região] devastado por franceses, e posto em requisição de víveres pelos ingleses, e agora por nós. [As]seguro a Vossa Excelência que as subsistências me devem grande cuidado, e que por isso reputaria um grande benefício da Providência proporcionarem-se os negócios a sairmos todos para posições mais abundantes, pois que esta da Lourinhã até de água carece. A província do Alentejo está em maior desarranjo; como a Junta de Évora se dissolveu, e o Governador se ausentou para Olivença, ficou todo o corpo militar numa espécie de anarquia, e pelo que me dizem com grave prejuízo do público. Fui requerido para providenciar esta desordem, ao que me recusei por não me considerar com autoridade para o fazer. Entretanto rogo a Vossa Excelência se digne nomear Governador para aquela província, porque será de absoluta necessidade a reunião e disciplina daquela tropa, ou seja para defesa própria, ou para a da margem do Tejo, se os franceses o passarem no projecto de voltando a sua marcha sobre Abrantes ou mais adiante, se dirigirem contra as províncias do norte. Por cautela recomendo ao Brigadeiro Bacelar, que reúne do outro lado do Tejo a tropa portuguesa que lhe ficar mais à mão, e a que diz esperar-se ali de Espanha para obstarem de acordo a alguma incursão do inimigo. Tem havido um considerável número de denúncias de polícia, e fui obrigado a mandar prender algumas pessoas denunciadas, e outras contra quem haviam factos e indícios veementes de espionagem e traição. Agora mandei um Magistrado visitar as cadeias de Leiria, Caldas, Óbidos e Lourinhã, e os presos que ali se achassem em razão de desconfiança sobre a sua opinião e conduta política, ordenando-lhe [que] soltasse os que lhe parecessem inocentes ou de nenhuma importância, [mas que] conservasse porém em prisão e inquirisse formalmente sobre os que o merecessem, e à vista dos indícios que houver contra eles, enviando-me relação de todos e os sumários com os réus para Coimbra e Porto, segundo o pedisse a justiça. O assassinato premeditado e aleivoso do Corregedor mor de Abrantes, em que ultimamente falava a Vossa Excelência, foi um acontecimento desgraçado, e que não pode ter a aprovação da justiça. Pelos papéis inclusos verá Vossa Excelência o que se me representou, e o partido que tomei. Agora me consta que hoje vieram ao Quartel-General inglês dois emissários franceses que, chegando às 9 da manhã, saíram às duas da tarde; e ali se rompeu que eles tinham moderado as suas pretensões, em consequência da repulsa que encontrou o Tratado assinado a 22, da parte do Almirante Cotton, e que tudo parecia ajustado; apesar porém desta notícia, pode ser que dentro em bem pouco tempo marchemos.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Quartel-General da Lourinhã, 27 de Agosto de 1808.

Bernardim Freire de Andrada [sic].

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 212-214 (doc. 41)].

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Nota: 


* Tratava-se provavelmente do Diário do Exército de Operações da Estremadura que apareceu publicado na Minerva Lusitana de 29 de Agosto.

** Ver em particular a carta de Junot a Lagarde (datada de 19 de Agosto) e a carta do mesmo ao General Travot (de 21 de Agosto), ambas publicadas a 24 de Agosto em Lisboa, e inseridas no mesmo dia na Gazeta de Lisboa, no último número em que este periódico esteve debaixo do poder do Governo francês em Portugal. 

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao General Hew Dalrymple (27 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 


Na suposição de que a Convenção estipulada no dia 22 possa não ter inteiro cumprimento, e que as hostilidades possam renovar-se, desejaria que Vossa Excelência com a antecipação que Vossa Excelência mesmo julgar conveniente, me comunicasse a sua intenção sobre o modo e lugar em que deseja [que] seja empregado o corpo que comando.
A maior facilidade das subsistências e a conveniência de me reunir com o corpo que da Beira conduz o Brigadeiro Bacelar, e que se acha em Santarém, assim como embaraçar algum corpo francês [que] tente escapar-se para as províncias, seguindo aquele caminho; me fariam preferir o da borda do Tejo, passado daqui a Alenquer, não só com o corpo que aqui tenho, mas com aquele que se reuniu ao Exército inglês, se a sua cooperação aí não for por Vossa Excelência agora necessária; mas nem este movimento, nem o de me reunir às colunas inglesas, posso eu fazer sem a determinação de Vossa Excelência, e sem a necessária combinação, para que que do primeiro resultem as vantagens que ponderei.
O Major Aires Pinto de Sousa explicará a Vossa Excelência o estado e força destes diferentes corpos, para que com estes dados Vossa Excelência possa determinar com mais conhecimento de causa o que julgar mais oportuno aos fins que nos propomos.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Quartel-General da Lourinhã, 27 de Agosto de 1808.
De Vossa Excelência muito respeitoso e fiel servidor,

Bernardim Freire d'Andrada [sic].

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 212 (doc. 40)].

Carta de José Galluzo, comandante do Exército Auxiliar de Badajoz, ao Brigadeiro Manuel Pinto e Bacelar, comandante do Exército da Beira (27 de Agosto de 1808)



Excelentíssimo Senhor: 

Em vista do que Vossa Excelência diz-me na sua carta de Abrantes datada de 24 do corrente, tenho tomadas as minhas providências, sobre as quais avisarei a Vossa Excelência desde Montemor, onde espero que me comunique as disposições que tome por sua parte, para combinar a partir daquele ponto as minhas operações com a do Exército debaixo do seu comando, dirigindo Vossa Excelência as notícias ao General Comandante do Exército espanhol em Montemor. 
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Badajoz, 27 de Agosto de 1808.

José Galluzo

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 6 (incluído no doc. 62)].


Carta do General Wellesley a Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra (23 e 27 de agosto de 1808)



Campo do Ramalhal, 23 de Agosto de 1808


Meu caro Senhor:

Tereis sido informado que uma das consequências da nossa vitória do dia 21 foi um acordo para suspensão das hostilidades entre nós e os franceses, acordo este preliminar à negociação duma convenção para os franceses evacuarem Portugal. Apesar do meu nome ter sido inscrito neste documento, rogo para não crerdes que o negociei, que o aprovei, ou que o redigi. Ele foi negociado pelo próprio General [Dalrymple], na minha presença e na de Sir Harry Burrard, e, depois de ter sido esboçado pelo próprio Kellermann, Sir Hew Dalrymple quis que eu o assinasse. Contestei ao seu palavreado; não concordei com uma suspensão indefinida de hostilidades; ela devia ter sido estabelecida para apenas quarenta e oito horas. Mas como está agora, os franceses terão quarenta e oito horas para preparem a sua defesa, depois de Sir Hew Dalrymple pôr um fim à suspensão.
Aprovei que se permitisse que os franceses evacuassem Portugal, sobretudo porque parece que seria impossível mover o corpo de Sir John Moore para Santarém, a fim de cortar a retirada do franceses em direcção a Elvas. Eles poderiam instalar-se em Elvas, nos fortes de la Lippe, de Almeida e Peniche, cujas praças seríamos obrigados a bloquear ou a atacar regularmente na pior estação do ano em Portugal, a saber, os meses de Setembro e Outubro; e a marcha do exército [britânico] para a Espanha teria de ser adiada para depois desse momento. A causa comum tira melhor proveito de 30.000 ingleses na Espanha, com 10.000 ou 12.000 franceses adicionais na fronteira do norte da Espanha, do que com os franceses em Portugal e os ingleses ocupados no bloqueio ou cerco de praças-fortes. Se se permitir que eles evacuem [Portugal], deverão fazê-lo com as suas propriedades; mas devia ter conseguido que se adoptasse algum modo de fazer com os que Generais franceses restituam a prata roubada das igrejas.
Não tenho nada a contestar em relação ao que foi feito em relação aos russos; de facto, se os russos continuarem até ao fim da contenda na neutralidade que observaram desde o seu começo, e se os oficiais portugueses quiserem que o seu porto seja respeitado como o duma potência em estado de neutralidade entre a Rússia e a Inglaterra, poderíamos ter algumas dificuldades para atacar a frota russa. Mas não se devia ter permitido que os franceses fizessem qualquer estipulação relativa à frota russa; e esta é a grande falha de todo o acordo. Contudo, ainda que isto seja mau, felizmente não é o pior; e facilmente acreditareis que fiz tudo o que estava ao meu alcance para persuadir o General [Dalrymple] para alterar o acordo, persistindo nesta opinião apesar das suas objecções. 
Não ocultar-vos-ei, contudo, meu caro Senhor, que a minha situação neste exército é bem delicada. Nunca tinha visto Sir Hew Dalrymple até ontem; e não é uma tarefa muito fácil dar conselhos a um homem no primeiro dia que o conhecemos. Ele devia pelo menos estar preparado para receber conselhos. Acontece que tive sucesso com o exército, e não me parece que este irá gostar de receber ordens ou instruções sobre qualquer assunto por parte de qualquer outra pessoa. Esta é outra circunstância embaraçosa que não pode acabar bem; e para vos dizer a verdade, preferia regressar a casa do que ficar aqui. Contudo, se a vossa vontade é que fique, assim o farei: somente rogo que não me culpeis se as circunstâncias não forem como vós  e os meus amigos em Londres querem. Parece que o General Spencer e Sir Hew não se deram muito bem quando estiveram juntos em Gibraltar; e o pobre Spencer está de facto muito desanimado. Gostava que lhe conferísseis algum sinal do favor do Rei. Nunca houve um oficial mais corajoso, ou um que o merecesse mais. 
Incluo um memorando que enviei a Sir Hew em relação à convenção que ele negociará pessoalmente com Junot. Através dos correios franceses, Kellermann protestou contra eu ir até ao Almirante [Cotton], por ter achado que eu tinha contestado tão fortemente contra o acordo; e no entanto foi ele próprio quem propôs originalmente a Sir Hew que eu deveria assinar o acordo que ele próprio ia assinar. 
Sempre, etc., 

Arthur Wellesley







27 de Agosto.


Charles [Vane] ter-vos-á informado do estado das circunstâncias aqui desde a [primeira] data desta carta. O Almirante desembaraçou-nos da dificuldade que nos tinha envolvido o artigo 7.º do acordo, relativo aos russos, ao recusar concordar com tal; e Murray foi enviado anteontem para informar Junot desta recusa do Almirante, e para negociar a Convenção se Junot estivesse inclinado a negociar sobre a restante parte das bases propostas, e para em todo o caso concluir a suspensão das hostilidades às 12 horas de amanhã. Junot consentiu em negociar, e Murray está autorizado a continuar a suspensão por vinte e quatro horas mais, se necessário, de forma a completar o tratado. Entretanto, marcho amanhã (e Sir John Moore com uma parte do seu corpo no dia seguinte) se a Convenção não estiver concluída, e as hostilidades não deverão ser mais suspendidas. Murray foi instruído para insistir sobre os pontos do memorando incluso na negociação da Convenção. Apesar dos erros estúpidos, penso que ainda levaremos os nossos negócios neste país a uma feliz conclusão.


Carta do General Wellesley ao Duque de Richmond, Lord Tenente da Irlanda (27 de Agosto de 1808)






Ramalhal, 27 de Agosto de 1808.



Meu caro Duque

Escrevi-vos depois da batalha do dia 21. No dia 22, chegou Sir Hew Dalrymple pela manhã; e de tarde o General Kellermann veio pedir uma suspensão de hostilidades, para haver tempo para se negociar uma Convenção para os franceses evacuarem Portugal pelo mar. Sir Hew consentiu esta proposta, e quis que eu a assinasse, apesar de eu não a ter negociado ou aprovado.
Este acordo contém muitas estipulações inconvenientes; entre outras, permite que os franceses disponham de quarenta e oito horas depois de serem informados que [a suspensão de armas] chegou ao fim. Igualmente contém uma estipulação em relação aos russos que nunca deveria ter sido admitida; e, noutros aspectos, era censurável pelo seu palavreado francês. Não tenho uma cópia deste acordo. Contudo, as objecções que foram feitas acabaram por ser consideravelmente removidas, quando o Almirante [Charles Cotton] se recusou a consentir as estipulações relativas aos russos, determinando-se então que a suspensão de hostilidades acabará amanhã às 12 horas, a não ser que Murray, que está negociando a Convenção, seja da opinião de que é necessário um período adicional de vinte e quatro horas para realizar a sua tarefa. Estou pronto a marchar ao entardecer, e Sir John Moore marchará amanhã; e, haja Convenção ou não, espero estar em Lisboa no início de Setembro.
Aprovo que se permita que os franceses evacuem o país, pois estou convencido que, se não o fizerem, seremos obrigados a atacar regularmente Elvas, o forte de la Lippe, Almeida, e Peniche, ou a bloquear estas praças, e assim passará o Outono; e é melhor ter 10.000 ou 12.000 franceses adicionais nas fronteiras do norte da Espanha, e o exército inglês na Espanha, do que ter os franceses em Portugal, e os ingleses a bloqueá-los em praças-fortes. Esta necessidade teria sido evitada, se Sir Harry Burrard tivesse ou pudesse ter levado a cabo as operações em Santarém com o corpo de Sir John Moore, as quais lhe recomendei, medidas estas que certamente cortariam a retirada dos franceses para Elvas e Almeida.
Os franceses tiveram uma derrota terrível no dia 21. Não perderam menos, segundo creio, de 4.000 homens; e teriam sido completamente destruídos, se Sir Harry Burrard não me tivesse impedido de os perseguir. Na verdade, desde que chegaram os grandes generais, parece que estamos paralisados, e tudo tem corrido mal.
Estou a arranjar planos feitos para vós sobre ambas as batalhas dos dias 17 e 21, e escrever-vos-ei sobre qualquer coisa que possa acontecer. Aqui entre nós, não estou muito agradado pela forma como as circunstâncias neste país estão a ser conduzidas, e não terei pena de regressar para casa, se o puder fazer com propriedade, em cujo caso ver-vos-ei em breve. Porém, não gosto de querer partir, para que não me seja imputado que não estou disposto a servir onde não comando.
Acreditai em mim, etc., 

Arthur Wellesley

P.S.: Não recebo notícias da Irlanda desde que a deixei. Dai lembranças minhas à Duquesa e Louisa, etc., e a Lady Edward. Lord FitzRoy tem-me sido bastante útil, e hoje emprestei-o a Sir H. Dalrymple, a fim de ir até ao Quartel-General francês.

Carta do Almirante Charles Cotton ao General Dalrymple (27 de Agosto de 1808)



Hibernia, defronte do Tejo, 27 de Agosto de 1808.

Senhor:

Incluo nesta [carta], para vossa inspecção e aprovação, os artigos que eu conceberia que houvessem de ter o consentimento do inimigo; e eu os modificaria de maneira que de certo modo fosse justificável o aceder a eles. Dizem-me os meus correspondentes de Lisboa que os franceses esperavam nada menos do que renderem-se à discrição, e voltar para França como prisioneiros de guerra. Os portugueses e alguns espanhóis estão em posse de Setúbal, para onde eu haveria mandado ontem o Regimento n.º 42, se o vento se não passasse para o sul, e a informação que recebi de que a cessação de hostilidades se estendia a 4 dias desde o 26.
O inimigo tinha retirado quase todas as tropas dos diferentes fortes ao longo da baía e os mandou para Palmela, uma altura entre Lisboa e Setúbal, temeroso de um ataque do exército que está agora em Setúbal. O tempo ameaça tempestade, o que obrigou a levantar âncora com a frota; porém, voltarei outra vez para o meu ancoradouro, no momento em que o puder fazer com segurança; e trabalharei, em todo o caso, por manter a comunicação com a praia.
Tenho a honra de ser, etc.

C. Cotton


(Incluso)

Artigo 12.º Os fortes de S. Julião e Bugio, assim como aqueles que ficam à direita de S. Julião, hão de ser entregues às tropas britânicas, e por elas guarnecidos, à ratificação do presente tratado.

Para se adir ao artigo 16.º: todos os atrasados de contribuições, requisições ou de quaisquer pretensões do Governo francês a respeito do Reino de Portugal, ou de qualquer indivíduo nele residente, que estiverem por pagar à assinatura do tratado, se consideram extintos.

Artigo 17.º Deve inserir-se, depois de “propriedade móvel ou imóvel”, excepto navios. Mais, depois de “Em qualquer dos casos, a sua propriedade” deve inserir-se com a sobredita excepção.

Em adição ao artigo 17.º, além do acima, deve ajuntar-se o seguinte: “Nenhuma propriedade pertencente a qualquer português ou a súbditos de alguma potência aliada de Portugal, ao tempo da entrada do Exército francês naquele Reino, e que tem sido confiscada por causa de opiniões políticas, ou debaixo de outro qualquer pretexto, será removida, mas sim restituída aos próprios donos. Deve também entender-se claramente que as estipulações a favor de pessoas que levem para fora a sua propriedade particular, não deve servir de fundamento a alguma especulação comercial.

Em adição ao artigo 19.º: “As armas, artilharia, bagagem e toda a outra propriedade qualquer, pertencentes às tropas espanholas em Portugal, serão entregues a elas”.

Artigo 5.º dos artigos adicionais, deve ser riscado de todo.

Artigo adicional: “os navios de guerra franceses e todos os outros vasos serão entregues com todas as suas munições, velas e preparos, ficando somente sujeitos a tais arranjamentos a respeito de tais navios de guerra ou mercantes que subsequentemente se concordar entre Sua Majestade Britânica, de uma parte, e Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal de outra parte”.

C. Cotton

[Fonte: Correio Braziliense, Londres, Abril de 1809,pp. 310-312; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, p. 110].

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Nota: 

Segundo se percebe através desta carta, Charles Cotton teve acesso aos artigos da primeira versão da Convenção Definitiva para a expulsão do exército francês de Portugal um dia antes da mesma ter sido assinada por Murray e Kellermann, em Lisboa. 

Carta privada do General Dalrymple ao Tenente-Coronel Murray (27 de Agosto de 1808)





Quartel-General, Ramalhal, 1 da tarde de 27 de Agosto de 1808.



Meu caro Senhor:


Recebi a vossa [carta] de ontem através dos postos avançados, mas sem perceber claramente como ali chegou.
Concordo convosco em relação ao artigo relativo à passagem do Tejo, e penso que se poderia imaginar um ajuste melhor; mas devemos ter a posse imediata do Tejo, e de todas as baterias que defendam a sua passagem ou o ancoradouro.
Penso que é inadmissível a pretensão da troca dos prisioneiros espanhóis; estes deviam ser libertados imediatamente. Devemos consultar sobre este assunto não só os interesses, mas também os sentimentos da nação espanhola.
O [navio] Vasco da Gama e as fragatas não pertencem aos franceses; e segundo as bases desta Convenção, eles apenas poderão levar as suas bagagens individuais.
Não vejo necessidade alguma dos Chefes se encontrarem para assinarem a ratificação; de qualquer maneira, se a medida for levada avante, penso que se deveria tomar previamente uma posição segura, e o local do encontro deveria ser neutro.
O sr. [Aires] Pinto [de Sousa], que esteve alguns dias por aqui, da parte do General português [Bernardim Freire de Andrade], falou de muitos aspectos que pensa que a sua nação deveria esperar, em particular, que certos indivíduos nefastos deveriam ser obrigados a partir com os franceses; mas não tenho nenhuma comunicação do General sobre estes assunto, apesar de o ter encorajado a me enviar uma.
Dei ordens para que as tropas portuguesas se mantenham dentro da linha de demarcação, e espero que assim o façam; mas não posso afirmar categoricamente que o farão.
Escrevi-vos hoje de manhã bem cedo, através de Lord Fitzroy Somerset.

Hew Dalrymple,
Tenente-General

P.S. Incluo uma cópia parcial duma carta que recebi hoje, da parte de Sir Charles Cotton; o início não é importante. Talvez saibais o que é que ele quer dizer, e se se opõe a alguma parte da base, para além do que se eliminou por sua causa.

Carta do do General Dalrymple ao Tenente-Coronel Murray (27 de Agosto de 1808)





Quartel-General, Ramalhal, 27 de Agosto de 1808.

Senhor:
 
Tive a honra de receber a vossa carta do passado dia 26, e ao mesmo tempo uma do General Junot, que adjunto, que difere significativamente daquela que me escrevestes. Segundo a última, devo julgar que a execução de qualquer Convenção que seja acordada entre o General Kellermann e vós deve depender da conclusão dum Acordo entre Sir Charles Cotton e o Almirante Séniavin, o que é completamente inconsistente com as minhas intenções. Rogo para convencerdes o General Kellermann a explicar as intenções do General Junot sobre este ponto; e se estas não forem conformes às minhas, rompereis com as negociações, e regressareis assim que for possível.
Também tenho de observar a expressão usada pelo General Junot na sua carta, relativamente ao prolongamento do tempo da suspensão de hostilidades, que transmite uma ideia diferente em relação à que me haveis dado.
Tenho a intenção, e por este meio vos autorizo, a prolongar por 24 horas o termo da Suspensão de hostilidades, se o achardes necessário, de forma a levar a negociação a uma conclusão, se o General Junot, ou o General Kellermann em seu nome, explicar de modo satisfatório os seus sentimentos sobre o ponto referido na primeira parte desta carta; mas se isto não ocorrer, cessareis imediatamente, como acima fostes instruído, as negociações, e regressareis aqui antes do primeiro prazo se concluir.
Rogo que examineis e deis a carta inclusa ao General Kellermann, para este a entregar ao General Junot, e informeis Sua Excelência [Junot] que como vos nomeei para conduzirdes e concluírdes uma negociação importante com ele, é desejável que ele transmita através de vós qualquer comunicação adicional que possa desejar fazer-me.

Hew Dalrymple,
Tenente-General

Carta do General Dalrymple ao General Junot (27 de Agosto de 1808)





Quartel-General, Ramalhal, 27 de Agosto de 1808.



Senhor:

Tive a honra de receber a carta de Vossa Excelência sobre a negociação da convenção para a evacuação de Portugal pelo Exército comandado por Vossa Excelência, para a qual haveis autorizado o General Kellermann a tratar com o Tenente-Coronel Murray; e tenho ademais a honra de informar Vossa Excelência que enviei ao Tenente-Coronel Murray instruções e plenos poderes para concluir as disposições preliminares às quais Vossa Excelência alude.

Hew Dalrymple,
Comandante das forças britânicas em Portugal.

Carta do General Dalrymple ao General Bernardim Freire de Andrade (27 de Agosto de 1808)




Quartel-General, Ramalhal, 27 de Agosto de 1808.



Senhor:


O General francês queixou-se que um corpo português tinha avançado até Santarém, em número de 2.000 homens, e que como tal procedimento não é conforme aos artigos acordados no passado dia 22, o Comandante em Chefe do exército francês requereu-me para tomar aqueles passos que possam evitar a extensão de tal corpo para além da linha de demarcação.
Apresso-me a dar a Vossa Excelência esta informação, tal como que tenho conhecimento que os franceses estão a preparar-se para atacar estas tropas, caso lhes seja dada alguma ocasião para o fazerem.
Tenho a honra de ser, com a mais alta consideração, o mais obediente e humilde servidor de Vossa Excelência, 


Hew Dalrymple

[Fonte: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 201 (doc. 98); existe uma outra cópia do documento original, bem como a respectiva tradução, publicada por Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 211 (doc. 39)].