Campo do Ramalhal, 23 de Agosto de 1808
Meu caro Senhor:
Tereis sido informado que uma das consequências da nossa vitória do dia 21 foi um acordo para suspensão das hostilidades entre nós e os franceses, acordo este preliminar à negociação duma convenção para os franceses evacuarem Portugal. Apesar do meu nome ter sido inscrito neste documento, rogo para não crerdes que o negociei, que o aprovei, ou que o redigi. Ele foi negociado pelo próprio General [Dalrymple], na minha presença e na de Sir Harry Burrard, e, depois de ter sido esboçado pelo próprio Kellermann, Sir Hew Dalrymple quis que eu o assinasse. Contestei ao seu palavreado; não concordei com uma suspensão indefinida de hostilidades; ela devia ter sido estabelecida para apenas quarenta e oito horas. Mas como está agora, os franceses terão quarenta e oito horas para preparem a sua defesa, depois de Sir Hew Dalrymple pôr um fim à suspensão.
Aprovei que se permitisse que os franceses evacuassem Portugal, sobretudo porque parece que seria impossível mover o corpo de Sir John Moore para Santarém, a fim de cortar a retirada do franceses em direcção a Elvas. Eles poderiam instalar-se em Elvas, nos fortes de la Lippe, de Almeida e Peniche, cujas praças seríamos obrigados a bloquear ou a atacar regularmente na pior estação do ano em Portugal, a saber, os meses de Setembro e Outubro; e a marcha do exército [britânico] para a Espanha teria de ser adiada para depois desse momento. A causa comum tira melhor proveito de 30.000 ingleses na Espanha, com 10.000 ou 12.000 franceses adicionais na fronteira do norte da Espanha, do que com os franceses em Portugal e os ingleses ocupados no bloqueio ou cerco de praças-fortes. Se se permitir que eles evacuem [Portugal], deverão fazê-lo com as suas propriedades; mas devia ter conseguido que se adoptasse algum modo de fazer com os que Generais franceses restituam a prata roubada das igrejas.
Não tenho nada a contestar em relação ao que foi feito em relação aos russos; de facto, se os russos continuarem até ao fim da contenda na neutralidade que observaram desde o seu começo, e se os oficiais portugueses quiserem que o seu porto seja respeitado como o duma potência em estado de neutralidade entre a Rússia e a Inglaterra, poderíamos ter algumas dificuldades para atacar a frota russa. Mas não se devia ter permitido que os franceses fizessem qualquer estipulação relativa à frota russa; e esta é a grande falha de todo o acordo. Contudo, ainda que isto seja mau, felizmente não é o pior; e facilmente acreditareis que fiz tudo o que estava ao meu alcance para persuadir o General [Dalrymple] para alterar o acordo, persistindo nesta opinião apesar das suas objecções.
Não ocultar-vos-ei, contudo, meu caro Senhor, que a minha situação neste exército é bem delicada. Nunca tinha visto Sir Hew Dalrymple até ontem; e não é uma tarefa muito fácil dar conselhos a um homem no primeiro dia que o conhecemos. Ele devia pelo menos estar preparado para receber conselhos. Acontece que tive sucesso com o exército, e não me parece que este irá gostar de receber ordens ou instruções sobre qualquer assunto por parte de qualquer outra pessoa. Esta é outra circunstância embaraçosa que não pode acabar bem; e para vos dizer a verdade, preferia regressar a casa do que ficar aqui. Contudo, se a vossa vontade é que fique, assim o farei: somente rogo que não me culpeis se as circunstâncias não forem como vós e os meus amigos em Londres querem. Parece que o General Spencer e Sir Hew não se deram muito bem quando estiveram juntos em Gibraltar; e o pobre Spencer está de facto muito desanimado. Gostava que lhe conferísseis algum sinal do favor do Rei. Nunca houve um oficial mais corajoso, ou um que o merecesse mais.
Incluo um memorando que enviei a Sir Hew em relação à convenção que ele negociará pessoalmente com Junot. Através dos correios franceses, Kellermann protestou contra eu ir até ao Almirante [Cotton], por ter achado que eu tinha contestado tão fortemente contra o acordo; e no entanto foi ele próprio quem propôs originalmente a Sir Hew que eu deveria assinar o acordo que ele próprio ia assinar.
Sempre, etc.,
Arthur Wellesley
27 de Agosto.
Charles [Vane] ter-vos-á informado do estado das circunstâncias aqui desde a [primeira] data desta carta. O Almirante desembaraçou-nos da dificuldade que nos tinha envolvido o artigo 7.º do acordo, relativo aos russos, ao recusar concordar com tal; e Murray foi enviado anteontem para informar Junot desta recusa do Almirante, e para negociar a Convenção se Junot estivesse inclinado a negociar sobre a restante parte das bases propostas, e para em todo o caso concluir a suspensão das hostilidades às 12 horas de amanhã. Junot consentiu em negociar, e Murray está autorizado a continuar a suspensão por vinte e quatro horas mais, se necessário, de forma a completar o tratado. Entretanto, marcho amanhã (e Sir John Moore com uma parte do seu corpo no dia seguinte) se a Convenção não estiver concluída, e as hostilidades não deverão ser mais suspendidas. Murray foi instruído para insistir sobre os pontos do memorando incluso na negociação da Convenção. Apesar dos erros estúpidos, penso que ainda levaremos os nossos negócios neste país a uma feliz conclusão.
[Fonte: Supplementary Despatches and Memoranda of Field Marshal Arthur, Duke of Wellington, K.G. - Vol. VI, London, John Murray, 1860, pp. 122-125].