terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ofício da Regência ao Intendente Geral da Polícia (19 de Janeiro de 1808)


Como já referimos, Junot pouco ou nada podia fazer afastar a esquadra inglesa que bloqueava a foz do Tejo. Bem pelo contrário, esta parecia ir aumentando quase todos os dias. A 14 de Janeiro, era já composta por "14 navios de linha, 2 fragatas e um brigue". Estes números são apresentados numa carta do próprio Junot a Napoleão, onde se acrescenta: "um português que foi capturado ao regressar do Brasil e que [os ingleses] nos enviaram numa barca de pesca, declarou que 23 navios de transporte que temos visto de há dias a esta parte, mas que não foram vistos ontem, estavam carregados de tropas e que a bordo da esquadra lhe tinham dito que esperavam 16.000 homens para um desembarque. Se se destinarem a ocupar este país, encontrar-nos-ão muito bem dispostos a recebê-los" [Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 128]Este optimismo de Junot contrasta, no entanto, com o que adianta na mesma carta: as dificuldades que eram sentidas em administrar o país e em conseguir pagar e alimentar as suas próprias tropas. 
A sorte de Junot é que os ingleses não passavam à acção. Por enquanto, limitavam-se a recolher informações dos pescadores e a fazer passar a estes proclamações como uma que apareceu publicada em alguns sítios de Lisboa a meados do mês, e que suspeitamos que se tratasse do primeiro dos documentos que tivemos ocasião de transcrever aqui. Notificada do aparecimento desta proclamação pela própria polícia da capital, a Regência ordenou então ao Intendente Geral da Polícia, Lucas de Seabra da Silva, para que fossem realizados inquéritos a fim de se averiguar a proveniência daquele e doutros papéis que pudessem perturbar e arrastar com as suas ilusões "o público rústico e indiscreto"... Tudo em nome da "tranquilidade pública" e do "bem geral":


O Conselho de Regência do Reino, tomando em consideração o que Vossa Senhoria participa na conta de 17 do corrente, que em algumas esquinas tem amanhecido uma chamada proclamação do rei e parlamento da Grã-Bretanha sobre a saída de Sua Alteza Real, pela perturbação que estes e outros insidiosos papéis podem causar na tranquilidade pública, que tanto se deve manter, e para prevenir o efeito e graves consequências que de semelhantes sinistros e quiméricos papéis podem resultar, ordena que V.ª S.ª mande logo proceder por todos os ministros nos seus respectivos bairros a uma rigorosa devassa[=inquérito] sobre o dito facto, e de todos os pasquins, papéis insidiosos que aparecerem, e de quaisquer outros factos que possam perturbar a tranquilidade pública; promovendo V.ª S.ª com o seu zelo e actividade todos os meios que forem necessários e convenientes para se descobrirem os malévolos e fautores de semelhantes atentados, e dando as mais ajustadas providências para evitar que o público rústico e indiscreto se arraste pela ilusão que estes e outros semelhantes papéis lhe possam influir contra o bem geral.
O Conselho confia de V.ª S.ª a importância desta diligência, e ordena que V.ª S.ª lhe haja de participar tudo o que a respeito dela ocorrer.
Deus Guarde a V.ª S.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 19 de Janeiro de 1808.


Pastoral do Bispo do Porto favorável à ocupação espanhola e francesa









Depois do Cardeal Patriarca de Lisboa e do Inquisidor Geral terem feito as suas pastorais favoráveis aos franceses, foi a vez do Bispo do Porto se dirigir ao seu rebanho com idêntico fim. O documento que abaixo se transcreve é obra, segundo as palavras de Simão Luz Soriano, de um "homem hipócrita e sanguinário, porque ou dizia o que não sentia, quando proclamava a favor dos franceses, ou quando mais tarde proclamou também contra eles"... [in História da Guerra Civil... - Segunda Epocha. Tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1870, pp. 40-41].
No momento oportuno serão aqui publicados alguns dos documentos que originaram aquele juízo de Luz Soriano. Por agora, fiquemos com a pastoral de D. António de S. José de Castro datada de 18 de Janeiro de 1808:









Dom António de S. José de Castro, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, 
Bispo do Porto, do Conselho de Sua Majestade.

A todos os nossos amados Diocesanos, saúde e paz em Jesus Cristo Nosso Senhor.

Se o Ofício Pastoral nos obriga a vigiar sobre a guarda e sossego das ovelhas que nos foram confiadas pela Divina Providência, quanto mais nas actuais circunstâncias, em que as consideramos tímidas e vacilantes, deveremos ser em sua companhia ao menos por meio desta Carta Pastoral, para excitarmos no íntimo dos seu corações sentimentos de paz e de tranquilidade, a fim de se conservarem quietas e pacíficas?
Sim, amados diocesanos: nós vos consideramos assustados e solícitos, vendo entrar no vosso país numerosos Exércitos, não sabendo o seu destino. Talvez aumente os vossos receios a recordação do que praticaram noutro tempo, nesta nossa pátria, os bárbaros do norte e os cruéis africanos, quando vieram arrasar os nossos templos, violar os direitos mais sagrados, e derramar sobre a terra o sangue de inocentes vítimas. Não, amados filhos, não é esta a nossa sorte. Estas tropas, que aqui vedes entrar, são nossas aliadas e pacíficas; e quem as manda entrar tem sido prevenido, armado por Deus de poder e de sabedoria para as fazer entrar, e para as saber dirigir ao fim da nossa felicidade; e devemos seguramente confiar no mesmo Senhor, que não seja outro o seu destino. 
Sim: o Imperador dos franceses e Rei de Itália, o Grande Napoleãonão poderia de outro modo servir-se de nós para aumentar a sua verdadeira glória, senão fazendo-nos felizes. Nem é crível que na grandeza sem igual do seu coração, no ardente desejo de sua glória, pudesse entrar em Portugal para outro fim. Este grande Imperador elevado sobre o Trono dos seus Triunfos tem unido a eles a glória de fazer dominar a nossa Sagrada Religião nos seus Estados. Sua Majestade Católica [o rei espanhol D. Carlos IV], ao mesmo tempo, que no constante desempenho deste título tem feito a sua glória imortal, igualmente nos dá também toda a segurança da permanência do Sagrado Culto em que fomos educados. Os poderosos Exércitos destes grandes monarcas são precedidos de proclamações de segurança, de paz e de justiça; e a experiência nos está mostrando estas mesmas proclamações realizadas todos os dias. Nós estamos vendo esta grande cidade cheia de tropas estrangeiras em tanto sossego e boa disciplina que mais não se poderia esperar das nossas tropas nacionais. A segurança e o sossego nesta cidade são iguais em todas as horas do dia e da noite. O Il.mo e Ex.mo General D. Francisco de Taranco, digníssimo Chefe do Exército espanhol, a quem se deve toda a boa ordem e sossego desta cidade, além do ensino que lhes dá com o bom exemplo das suas relevantes virtudes, é ao mesmo tempo um observador vigilante sobre as mais ligeiras faltas de disciplina dos seus súbditos; e estes, debaixo das suas sábias providências, toleram com edificação os incómodos que andam anexos a semelhantes conflitos. Os templos estão cheios destes militares que edificam e que por tudo isto nos põem interiormente na necessidade de os amarmos como próprios filhos; e exteriormente, na obrigação de darmos este testemunho público da nossa satisfação e do seu merecimento. E esperamos que este testemunho, fundado já na experiência e conhecimento destas tropas religiosas, pacíficas e bem disciplinadas, vá servir não só para desvanecer nos vossos ânimos qualquer receio que vos pudesse causar a sua entrada; mas também para mostrar a obrigação em que estamos todos de praticar com elas todos os bons ofícios de caridade e de hospitalidade, como se fossem nossas próprias, e ainda mais por se acharem fora do seu país.
Por outra parte, nossos amados filhos, nós não somos insensíveis aos vossos indispensáveis incómodos, e não podemos deixar de louvar o exemplo edificante que nas actuais circunstâncias tendes dado no desempenho de todas as obrigações da honra e da virtude; a actividade, o zelo e a prudência das pessoas encarregadas de prevenir e aprontar tudo quanto podia ser necessário para o bom aquartelamento das tropas aliadas; a religião, a resignação e a hospitalidade de todas as corporações religiosas, que sem faltarem a uma só obrigação dos seus institutos, ao mesmo tempo cederam prontamente dos seus cómodos e dos seus pobres aposentos para hospedagem destas tropas estrangeiras; a prontíssima vontade com que todos os nossos diocesanos se têm prestado a concorrer com que todos os nossos diocesanos se têm prestado a concorrer com tudo quanto lhes foi pedido para o aquartelamento das mesmas tropas; tudo isto conhecemos, tudo isto louvamos e agradecemos; e assim resta só pedir-vos que continueis como tendes principiado, e exortar-vos a quem com o maior desvelo procureis obedecer aos sublimes poderes instituídos e ordenados por Deus para nos regerem e governarem, na certeza de que todos aqueles que lhes não obedecem, resistem à Ordenação Divina. E finalmente, sendo certo que os trabalhos são inseparáveis da vida presente e que poucos duram, pois com ela se acabam, procurai fazer deles um uso digno da vossa piedade, para merecerdes assim a bênção do Altíssimo, a qual venha sobre vós, e permaneça convosco para sempre.
E para que esta nossa Carta Pastoral possa chegar à notícia de todos os nossos diocesanos, mandamos que esta seja remetida a todos os reverendos párocos deste Bispado, para que a leiam à estação da missa conventual; e assim aos mesmos reverendos párocos, como a todos os mais ministros do santuário, mandamos que no exercício dos ministérios sagrados inspirem nos ânimos dos povos estes nossos sentimentos, como já lhes insinuámos na primeira exortação que lhes fizemos dirigir a este respeito, em data de cinco de Dezembro do ano [...] passado.
Dada nesta cidade do Porto, no Paço da nossa residência, sob o nosso sinal e selo das nossas armas, aos 18 de Janeiro de 1808.


A. Bispo do Porto



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[Fonte do texto: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 252, doc. 36, fls. 1-4;
Fonte da gravura: René Chartrand / Bill Younghusband, The Portuguese Army of the Napoleonic Wars (I), Osprey Publishing, Oxford, 2000, p. 8].

Edital da Secretaria da Justiça do Porto exortando ao bom acolhimento das tropas espanholas por parte do povo português (18 de Janeiro de 1808)


No dia 18 de Janeiro de 1808, o Juiz Desembargador do Porto, Dr. Manuel Francisco da Silva e Veiga Magro de Moura, faz afixar o edital que abaixo se insere, pelo que se percebe, devido a alguns desacatos que teriam ocorrido entre populares e as tropas espanholas. 
Antes de passarmos ao edital, vejamos o que sobre este juiz escreveu Inocêncio Francisco da Silva (no seu Diccionario Bibliographico Portuguez - Tomo Quinto, Lisboa, Imprensa Nacional, 1855, p. 439): "Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, Desembargador da Relação do Porto, onde exercia afinal o lugar de Chanceler, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, etc. Morreu desgraçadamente assassinado num tumulto popular, por ocasião da invasão de Soult no Porto em 1809, acusado de fautor e partidário dos franceses". 



Decreto relativo à reorganização do Exército feita por Junot (16 de Janeiro de 1808)




O Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, General em Chefe, 
em nome de Sua Majestade o Imperador dos franceses e Rei de Itália, e em consequência de ordens, decreta:


     As tropas de Infantaria portuguesa serão organizadas da maneira seguinte:
          
          Os Regimentos n.os 1, 13 e 16 serão incorporados e formarão o Regimento de Linha n.º 1.
          Os Regimentos n.os 4, 18 e 19 serão incorporados e formarão o Regimento de Linha n.º 2.
          Os Regimentos n.os 11, 12, 23 e 24 serão incorporados e formarão o Regimento de Linha n.º 3.

     Cada Regimento será composto por dois Batalhões, e cada Batalhão por oito Companhias, das quais uma será de Granadeiros e outra de Infantaria ligeira. A Companhia de Granadeiros será a ala direita do Batalhão, e a Companhia de Infantaria ligeira a ala esquerda. Cada Companhia será composta de:
          
          1 Capitão
          1 Tenente
          2 Alferes
          1 Sargento-mor
          1 Furriel
          1 Sargento
          8 Cabos-rasos
          20 Tambores
          80 Soldados
          2 filhos de Oficiais inferiores [enfants de Troupe]
          2 lavadoras de roupa serão agregados à Companhia

     O Estado-Maior de cada Regimento será composto por:

          1 Coronel
          1 Major
          2 Tenentes-Coronoéis
          2 Ajudantes-mores
          2 Ajudantes de Oficiais
          2 Porta-Bandeiras
          2 Quartéis-mestres
          2 Cirurgiões-mores
          4 Ajudantes de cirurgiões
          1 Capelão
          1 Tambor-mor
          2 Tambores-mestres
          4 Mestres de obras
          20 Músicos

     A Cavalaria portuguesa será organizada em dois Regimentos:

          Os Regimentos n.os 1, 4, 7 e 10 formarão o 1.º Regimento.
          Os Regimentos n.os 6, 9, 11 e 12 formarão o 2.º Regimento.
         
     Cada Regimento será composto de 4 Esquadrões e 8 Companhias. Cada Companhia será composta por:

          1 Capitão
          1 Tenente
          1 Oficial inferior
          1 Sargento-mor
          2 Sargentos
          4 Brigadeiros
          1 Brigadeiro Furriel
          2 Trombeteiros
          48 Cavaleiros

     O Estado-Maior de cada Regimento de Cavalaria será composto por:

          1 Coronel
          1 Major
          2 Tenentes-Coronéis
          1 Ajudante-mor
          2 Ajudantes sub-oficiais
          1 Quartel-mestre
          1 Cirurgião-mor
          2 Ajudantes de cirurgiões
          2 Porta-Bandeiras
          1 Capelão
          1 Trombeteiro-mor
          1 Médico veterinário
          4 Mestre de obras


     A partir do momento em que os Regimentos estiverem organizados e que tenham passado a revista do inspector, os oficiais, sub-oficiais e os soldados receberão o mesmo soldo e terão direito às mesmas regalias que recebe o Exército francês no interior da França; serão também tratados, nas suas marchas de campo, da mesma maneira que o Exército francês.
     O sr. Tenente-General Marquês de Alorna comunicará aos Oficiais Generais para fazerem prontamente a reunião dos corpos e a organização destes Regimentos, que deverá estar concluída ao 1.º de Fevereiro próximo.
     Todos os Oficiais que para este novo trabalho não sejam empregues, receberão na sua província o soldo dito da "Antiga Tarefa" e serão empregues, de preferência, logo que houver lugares vagos.
     O cálculo aproximado das Companhias de Cavalaria será feita no mais curto espaço de tempo possível. Cada um dos Regimentos n.os 6, 9, 11 e 12 e n.os 1, 4, 7 e 10 remeterão ao sr. Kellermann, General da Divisão de Cavalaria, cento e cinquenta cavalos completamente equipados, portanto a estimativa será constatada através de um relatório detalhado e autentificado com o acordo dos respectivos Capitães, que o enviarão para o sr. Kellermann e para o sr. Brigadeiro Pamplona.
     O Uniforme continuará a ser o mesmo, assim como o armamento. A cor dos paramentos e dos coletes será somente regulada depois, para diferenciar os Regimentos. As patentes dos Oficiais deputados serão entregues por nós.
     O Sr. Tenente-General Marquês de Alorna apresentar-nos-á uma lista duplicada das proposições de cada empregado. Ele observará, para essa apresentação, que os senhores Majores ocuparão um grau intermediário entre os srs. Coronéis e os Tenentes-Coronéis.
      
     Em nome de Sua Majestade o Imperador dos Franceses e Rei de Itália.
     Dado no Palácio do Quartel-General de Lisboa, a 16 de Janeiro de 1808.


     Junot


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[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 1, doc. 5, fls. 1-4].

Carta dos administradores do Museu de História Natural de Paris a Emmanuel Crétet, Ministro do Interior do Governo francês (14 de Janeiro de 1808)




Monsenhor [Monseigneur]:

Vossa Excelência anunciou-nos que os regulamentos actuais do exército já não permitem se usem os meios anteriormente empregados para custear as despesas das missões semelhantes àquela que haveis proposto confiar ao senhor Geoffroy, um de nós, e cujo objectivo é ir recolher nos gabinetes de Portugal os objectos dos três reinos [animal, vegetal e mineral] que possam ser úteis aos nossos.
Nestas circunstâncias, pensamos que Vossa Excelência pode fixar uma soma por cada dia de viagem e outra por cada estadia diária. Parece-nos que 12 francos por dia de viagem e 24 francos por estadia diária serão suficientes. A primeira soma é aquela que se dá aos Inspectores de Estudos em viagem. Em relação à duração da estadia, parece-nos que deverá ser cerca de dois meses e meio ou três meses, atendendo que ele precisa visitar não só os estabelecimentos de Lisboa, mas também os da Universidade de Coimbra e os que podem existir nas moradias reais.
As despesas de embalagens e de transportes devem ser calculadas em separado e dependerão da quantidade de objectos. Como não se retirará senão o que se considere ser indispensável, tais despesas não poderão ser muito grandes. Vossa Excelência verá assim que a totalidade destas despesas dificilmente chegarão a dez ou doze mil francos, o que é uma soma bem pequena em comparação com os objectos que conseguiremos obter através desta missão, tanto quanto podemos julgar desde já, segundo as noções incompletas que dispomos. Os minerais e os animais do Brasil e da costa de África reunidos no Gabinete Real, bem como as plantas das mesmas zonas cultivadas nos jardins, são, como nos garantem, duma raridade e beleza incomparáveis.
Rogamos a Vossa Excelência, etc...


[Fonte: E.-T. Hamy, "La mission de Geoffroy Saint-Hilaire en Espagne et en Portugal (1808). Histoire et documents", in Nouvelles Archives du Muséum d'Histoire Naturelle, Quatrième série - Tome dixième, Paris, Masson et C. Éditeurs, 1908, pp. 1-66, p. 6].

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Nota:

Emmanuel Crétet somente voltará a pronunciar-se sobre esta missão a 17 de Fevereiro de 1808, ao declarar aos administradores do Museu de História Natural de Paris (certamente depois de receber a autorização de Napoleão) que os custos da viagem e da remuneração de Geoffroy Saint-Hilaire e do seu assistente seriam suportados "pelos fundos relativos a despesas imprevistas do ano de 1808", enquanto que as despesas relacionadas com a embalagem e com os transportes do material, apesar de também custeadas pelos mesmos fundos, seriam calculadas à parte. Nessa mesma missiva, Crétet instava os administradores do Museu "a apressar a partida do seu enviado", que deveria "apresentar-se ao Ministro do Interior para obter uma comissão e os fundos para a sua viagem".
Apesar da aparente pressa, Crétet só viria a remeter as instruções oficiais a Geoffroy Saint-Hilaire, sobre a sua missão a Portugal, a 9 de Março. Por outro lado, Saint-Hilaire tardaria ainda até ao dia 20 do mesmo mês para partir de Paris.

Carta de Emmanuel Crétet, Ministro do Interior do Governo francês, aos administradores do Museu de História Natural de Paris (10 de Janeiro de 1808)



Senhores, recebi ontem a resposta que me haveis remetido, relativamente ao envio dum naturalista a Lisboa, e, conforme a opinião que me haveis expressado sobre a utilidade dessa missão, determinarei executá-la. Não há dúvida que o melhor é confiá-la  ao sábio em favor do qual reuniram-se os vossos sufrágios. Contudo, para que possa submeter a Sua Majestade o Imperador uma estimativa das despesas que essa missão poderá ocasionar, é necessário que tenham a complacência de me fornecer detalhes mais circunstanciados. As regras actualmente estabelecidas para a Administração do Exército não permitem que uma parte das despesas seja suportada pelo Exército, e que o mesmo forneça os meios de transporte. Peço-vos que me indiquem qual deverá ser a remuneração, tanto para o sábio encarregado desta missão como para o seu assistente, calculando quanto gastarão por cada dia de viagem e por cada estadia. Também necessito uma estimativa das despesas extraordinárias com embalagens e transportes. Não tenho necessidade de fazer-vos ver que, como esta missão não exige nenhuma representação*, e como o próprio interesse das ciências naturais exige que a repetição de viagens semelhantes não possa ser impedida por despesas demasiado exageradas, é necessário que esse cálculo seja feito da maneira mais económica. Convém também fixar a duração máxima desta viagem, e peço-vos que me declarem a vossa opinião [sobre este assunto]. Fico à espera da vossa resposta, Senhores, para tomar uma decisão definitiva; e renovo-vos a garantia da minha sincera estima.


Crétet

[Fonte: E.-T. Hamy, "La mission de Geoffroy Saint-Hilaire en Espagne et en Portugal (1808). Histoire et documents", in Nouvelles Archives du Muséum d'Histoire Naturelle, Quatrième série - Tome dixième, Paris, Masson et C. Éditeurs, 1908, pp. 1-66, pp. 5-6].


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Nota: 

* Cette mission, n'exigeant aucune représentation [sic]. Esta passagem, algo obscura, parece dar a entender que esta missão não teria carácter oficial, ou pelo menos fazer-se-ia passar como tal. Segundo as fontes conhecidas, parece que, à excepção de Napoleão, do remetente e dos destinatários da carta acima traduzida, esta missão era realmente desconhecida do grande público, para não dizermos que foi mantida em segredo (é curioso observar-se que na própria correspondência oficial de Napoleão não se encontra qualquer menção à viagem de Geoffroy Saint-Hilaire a Portugal). Este silêncio foi quebrado somente quando Saint-Hilaire regressou à França, em meados de Outubro de 1808, com milhares de objectos recolhidos nas colecções portuguesas. De facto, parece que o primeiro anúncio oficial desta missão foi precisamente uma nota sobre os objectos de história natural recolhidos em Portugal, da autoria do próprio Saint-Hilaire, que apareceu publicada ainda em finais de 1808, nos Anais do Museu de História Natural de Paris. Essa nota era um excerto do relatório (que nunca foi publicado integralmente) das suas operações em Portugal, que originalmente tinha sido apresentado a Crétet, remetente da carta acima traduzida.

Decreto da Regência sobre os papéis que deveriam ser impressos na Impressão Régia (9 de Janeiro de 1808)





Ordem do dia do Exército francês, agora chamado Armée de Portugal (9 de Janeiro de 1808)


Logo depois de receber as primeiras cartas de Napoleão desde que se encontrava em Lisboa, Junot escreveu o seguinte documento, que seria enviado ao seu chefe de Estado-Maior, o General Thiébault, para este, por sua vez, o fazer publicar nas ordens do dia do exército francês. Trata-se do anúncio das determinações previstas no Título II do decreto napoleónico de 23 de Dezembro de 1807 (à excepção do conteúdo do 6.º artigo): 







[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 4, doc. 1, fls. 12-13