segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Carta do General Wellesley requisitando forragens ao Juiz de Fora da Figueira da Foz (1 de Agosto de 1808)





H.M.S. Donegal, 1 de Agosto de 1808 


Senhor: 

Uma parte das tropas debaixo do meu comando desembarcou e acampou perto da aldeia de Lavos; e como os seus cavalos, bem como as mulas e o gado pertencente ao povo dos arredores, têm falta de grãos e forragens, ficaria muito agradecido se os mesmos grãos e forragens pudessem ser reunidos em Lavos para o uso do gado, mulas e cavalos, cuja despesa será paga pelo Comissário. 
Tenho a honra de ser, etc. 

Arthur Wellesley 

[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 44-45].

Carta privada do General Wellesley a Lord Castlereagh, secretário de Estado da Guerra do Governo da Grã-Bretanha (1 de Agosto de 1808)



H.M.S. Donegal, 1 de Agosto de 1808 



Meu caro Senhor: 

Não tenho nada a acrescentar à minha carta pública deste dia, excepto dizer-vos que tenho razões para acreditar que a estimativa do General Spencer relativa à força francesa em Portugal é exagerada. Pretendia fazer o ataque com o meu próprio corpo ajudado pelos portugueses, se porventura Spencer não pudesse juntar-se a mim, como lhe tinha ordenado no dia 26 de Julho; mas como recebi a vossa carta do passado dia 15, na qual anunciais os reforços, marcharei logo que chegue um dos corpos. 
Pole e Burghersh deram-me a conhecer as disposições para o futuro comando deste exército; e o primeiro informou-me da vossa gentileza para comigo, a qual experienciei tantas vezes que não posso duvidar dela em caso algum. Tudo o que posso dizer sobre este assunto é que, independentemente de quem comandar o exército, darei o meu melhor para garantir o seu sucesso; e podeis estar seguro de que não irei apressar as operações, nem as executarei mais cedo do que o devido, a fim de obter os créditos pelo sucesso. 
O Governo determinar-me-á onde serei empregado posteriormente, seja aqui ou noutro lugar. A minha opinião é que a Grã-Bretanha deve levantar, organizar e pagar um exército em Portugal, consistindo em 30.000 tropas portuguesas, que facilmente se formariam nos primeiros momentos; e 20.000 tropas britânicas, incluindo 4.000 ou 5.000 de cavalaria. Este exército poderia agir nas fronteiras de Portugal na Extremadura espanhola, e serviria como conduto entre os reinos da Galiza e da Andaluzia; isto daria à Inglaterra a preponderância na orientação da guerra na Península; e qualquer que fosse o resultado das exortações espanholas, Portugal estaria a salvo do jugo francês. Sabereis melhor [do que eu] se podereis suportar as despesas, ou que parte delas seriam ou poderiam ser liquidadas pelo Governo português. Contudo, se adoptardes este plano, devereis enviar tudo da Inglaterra: armas, munições, vestuário e equipamento dos militares, artilharia, farinha, aveia, etc. Este artigos devem ser conduzidos para a fronteira, uma parte através da navegação do Douro e do Tejo, e outra parte através de outros meios. 
Acreditai em mim, etc. 

Arthur Wellesley 


P.S.: O fundamento em que me baseio para acreditar que Castaños derrotou Dupont é uma cópia dum ofício do primeiro à Junta de Sevilha, publicado na Gazeta de Coimbra [Minerva Lusitana, n.º 14, 29 de Julho de 1808]. O seu teor é aproximadamente aquele que declarei no meu ofício, exceptuando somente que Dupont pode ter-se rendido com o seu exército, e que a força francesa na Sierra Morena, que não participou na acção do dia 20, pode ter capitulado, sob a condição de ser enviada para a França pelo mar; não entendo suficientemente o português para dizer se é este o caso ou não, e alguém levou a Gazeta. 

A. W. 


P.S. 2: Observareis que excedi a minha autoridade ao ordenar a Spencer para extrair 100.000 libras à Inglaterra e adiantar essa soma à Junta de Sevilha; espero que vejais a justeza deste acto, e que me envieis a sua aprovação. Devo mencionar, contudo, que desde que o dispus, ouvi dizer que Sir Hew Dalrymple se recusou a adiantar aos membros da Junta qualquer dinheiro, apesar dele ter autoridade para o fazer. 

A. W.

[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 43-44].

Carta do General Wellesley a Lord Castlereagh, secretário de Estado da Guerra do Governo da Grã-Bretanha (1 de Agosto de 1808)




H.M.S. Donegal, na foz do rio Mondego, 1 de Agosto de 1808 



Meu Senhor: 

Tenho a honra de vos informar que no dia 26 de Julho, quando ia até à esquadra na boca do Tejo, passei pelo H.M.S. Plantagenet, no qual estava embarcado o Capitão Cooke, do regimento dos Guardas de Coldstream, que me entregou os ofícios do General Spencer cujas cópias vão inclusas, através dos quais fui informado que este oficial tinha desembarcado no Puerto de Santa María, determinado a continuar na província da Andaluzia. Depois de consultar Sir Charles Cotton sobre as actuais circunstâncias de Portugal e da Espanha, pensei que era mais apropriado enviar ordens ao General Spencer para reembarcar todo o seu corpo e juntar-se a mim, a não ser que estivesse ocupado em alguma operação activa, cujo abandono poderia prejudicar a causa dos espanhóis. 
Como o General Spencer referiu na sua carta, e mais particularmente numa mensagem verbal ao Capitão Cooke, que a Junta de Sevilha sente uma grande carência de dinheiro, determinei que ele extraísse 100.000 libras à Inglaterra, para pagar essa soma à pessoa que os membros da Junta nomearem para recebê-la. 
Tenho a honra de juntar as cópias das cartas que escrevi ao General Spencer nessa ocasião, nas quais estão suficientemente detalhadas as razões que me levaram a dar essas ordens; e as ditas razões justificarão, como espero, as ordens que dei, sem estar na necessidade de preocupar Vossa Senhoria com as razões que eu tinha para pensar que era provável que Dupont não seria suficientemente forte em relação ao General Castaños; que o corpo do General Spencer era inútil em Cádis, enquanto as minhas operações em Portugal estavam limitadas pela falta da sua assistência; que uma reunião dos dois corpos era necessária para permitir a execução eficaz de qualquer serviço; e que no quadro geral dos acontecimentos em Espanha, bem como em Portugal, era mais importante expulsar os franceses de Portugal. 
As ordens que dei pareceram-me estar em total conformidade com as intenções e objectivos do Governo de Sua Majestade, e ser consistentes com aquelas que Vossa Senhoria deu ao General [Spencer] na vossa carta de 30 de Junho; e apesar do ofício de Vossa Senhoria datado de 15 de Julho, que eu recebi aqui no dia 30 através de Lord Burghersh, referir que era da intenção de Sua Majestade dar assistência à nação espanhola com um corpo das suas tropas na Andaluzia, não achei adequado revogar aquelas ordens que tinha enviado ao General Spencer no dia 26. As segundas ordens não o alcançariam antes do dia 3 ou 4 de Agosto, quando ele já deveria estar executando a primeira, e provavelmente adiantado na sua viagem; e no mesmo dia que cheguei aqui recebi notícias, às quais dei crédito, de que o General Castaños tinha derrotado o General Dupont no passado dia 20, e assim não haveria mais nenhuma necessidade imediata da assistência dos corpos britânicos naquela parte da Espanha. Estas notícias confirmaram-se depois por outras que chegaram hoje, segundo as quais se refere que o General Dupont e todas as tropas francesas a sul da Sierra Morena se renderam, sob a condição de serem enviados para a França por mar. 
A informação do estado da força do inimigo em Portugal que me foi comunicada pelo General Spencer (que merece atenção, ainda que ele talvez tenha exagerado a conta que recebera) e a expectativa de Vossa Senhoria em que chegará aqui um reforço num período próximo, levaram-me necessariamente a atrasar o início das operações das tropas debaixo do meu comando até à chegada do corpo vindo da Inglaterra, ou o do General Spencer. Este General terá recebido a minha carta do dia 26, como espero, no dia 28, e suponho que ele estivesse pronto a navegar no dia 31. A duração da sua viagem até ao Tejo e até este lugar, dependerá então dos ventos, que sopram de sul desde o dia 28. 
A posição do inimigo à volta do Tejo parece ser tão forte que não se considera praticável um desembarque naquela parte, sem primeiro se fazer uma manobra de diversão que afaste a sua atenção, através dum ataque mais a norte. Os planos para atacar sobre a baía de Cascais falhariam, porque estamos informados que é impossível fazer uma aproximação suficiente à costa com os grandes navios para calar o forte de Cascais e os outros erigidos para defesa da baía; e mesmo que os navios de guerra fossem capazes de passar o forte de S. Julião, o forte do Bugio e as outras construções que defendem a entrada do Tejo, não é imaginável que o seu fogo pudesse calar estes fortes, a fim de permitir o desembarque das tropas em Paço d'Arcos, como estava proposto. Entre Cascais e o cabo da Roca, e a norte deste cabo, existem pequenas baías, nas quais pequenos corpos de homens podiam desembarcar com o tempo razoável. Contudo, a arrebentação é grande na totalidade da costa de Portugal, e o desembarque das últimas divisões das tropas e dos seus necessários abastecimentos e provisões nestas baías seria precário, mesmo que se tivesse achado um momento favorável para o desembarque das primeiras. A vizinhança do inimigo, bem como a falta de recursos no território à volta do cabo da Roca para o transporte dos abastecimentos e provisões necessárias para o exército, aumentariam o embaraço dum desembarque naquela parte. 
Todas estas considerações, combinadas com a devida percepção das vantagens que derivariam duma cooperação com as tropas portuguesas, levaram-me a decidir a favor dum desembarque mais a norte. 
Não existe lugar algum a norte que seja mais favorável para um desembarque perto de Lisboa do que [a foz do] Mondego, exceptuando talvez Peniche. Contudo, o forte sobre esta península é resistente, está ocupado pelo inimigo com uma guarnição suficiente, e não poderia ser tomado sem artilharia pesada; e a artilharia e munições que Vossa Senhoria me informou no vosso ofício do dia 30 de Junho que partia do rio [Thames] nesse dia, ainda não chegaram. 
Considero que a posse do porto e da cidade de Lisboa é o objectivo imediato das nossas operações, que deve ser consumado ocupando os fortes que guardam a entrada do Tejo. É provável que seja necessário atacar com artilharia pesada dois destes fortes, o de Cascais e o de S. Julião; e é óbvio que o inimigo não nos permitirá levarmos a cabo estas operações até que seja afastado do campo. 
As posições que o inimigo tomará para defender estes postos devem ficar nas elevações viradas para o norte de Lisboa; e é indubitável que, a não ser que seja obstado pela nossa posse dessas mesmas elevações, o inimigo as terá em seu poder para renovar a disputa em diferentes posições, até que se dirija para dentro de Lisboa ou se retire. A retirada será difícil, se não mesmo impossível, salvo em barcos através do Tejo, pela adopção de uma linha de ataque nas elevações viradas para o norte, o que eu também prefiro, por ser mais apropriado levar a contenda a um desenlace numa batalha no campo. 
Comecei hoje o desembarque no rio Mondego, porque tinha receio que qualquer atraso a mais podia desencorajar o país, e porque experienciei maiores facilidades para combinar o movimento e suprimento do exército quando ele estava na costa do que quando continuava em alto mar. Até aqui tem sido necessário ter cuidado com algumas dificuldades para o desembarque, que seria quase impossível se não tivéssemos a cordial assistência do país, apesar do zelo e das habilidades dos oficiais da marinha; e é quase certo que o General Spencer e os reforços da Inglaterra chegarão antes que as tropas que actualmente aqui se encontram estejam em terra; se um dos dois chegar, tenciono começar a minha marcha. 
Tenho a honra de informar Vossa Senhoria que expedi 5.000 conjuntos de armas a fim de armar as tropas regulares portuguesas, com a intenção destas cooperarem com o exército britânico no ataque aos franceses neste país. 
Tenho a honra de ser, etc. 

Arthur Wellesley 

[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 39-43].

Proclamação do Conde da Ega aos magistrados e empregados na administração judicial (1 de Agosto de 1808 )



O Conde da Ega, Conselheiro do Governo, Encarregado da Repartição da Justiça, aos magistrados e empregados na administração judicial.

Os deveres do Ministério que me unem convosco, sábios e respeitáveis magistrados, obrigam-me a dirigir-vos, nas actuais circunstâncias, expressões que serão sem dúvida acordes com os vossos mesmos sentimentos. Nós tínhamos esperanças bem fundadas de sermos felizes. As nossas leis, os nossos privilégios e os nossos costumes se guardavam e mantinham. Alguns defeitos e abusos que seria indispensável emendar, se iriam pouco a pouco destruindo, até que um novo Código, que o sistema seguido por toda a Europa tem feito necessário, e no qual vós mesmos há anos trabalháveis, acabasse de aperfeiçoar a nossa legislação. As leis seriam então respeitadas, a justiça administrada sem suborno, os magistrados, sendo dignos, gozariam da consideração pública; e se alguns não o fossem, as mesmas leis os privariam das suas funções. 
Tal era o brilhante quadro da nossa futura existência, se porventura, depois de termos dirigido os nossos votos ao trono augusto de Napoleão o Grande, esperássemos sossegados a sorte que o seu génio sublime nos preparava e nos havia prometido! Vós todos, respeitáveis membros da magistratura, os firmastes em testemunho autêntico de vossos sentimentos. Dissestes comigo ao Imperador que tomasse a nação portuguesa debaixo da sua poderosa protecção, que a regenerasse, que nos desse a Constituição e o Soberano que na sua alta compreensão julgasse mais adequada à nossa felicidade e à dos nossos vindouros. Rogámos-lhe, e este foi o sentimento mais expressivo dos nossos votos, que não permitisse que fossemos confundidos com outra nação, atribulados nossos ânimos com a horrível lembrança de que poderíamos fazer parte daquela que já nos havia agrilhoado. 
Que é pois o que nos acontece? Trocam-se em amargura as mais bem fundadas esperanças! A persuasão dos nossos vizinhos foi bastante para que uma parte das nossas províncias seguisse desacordada o pernicioso exemplo da rebelião, que vai sepultá-las na sua total ruína. Vós, magistrados territoriais, que, convocando a nobreza e povo dos vossos distritos, fizestes ressoar na presença do Chefe que nos governa as mais enérgicas expressões de gratidão e reconhecimento às benéficas intenções do Imperador para com Portugal, dizei que motivos vos constrangeram a excitar e promover a discórdia e a rebelião desses desgraçados povos, subindo o vosso indiscreto fanatismo ao enorme crime de saciardes o vosso particular rancor, fundados em princípios errados do interesse público? Vemos em Beja a desolação que semelhante perfídia produziu, e vemos em muitas outras partes horrores e crueldades pouco próprias de uma nação que se presava de generosa. Qual será o resultado deste desvario? Tremo quando o considero. 
O Imperador, assim que lhe conste que a nação portuguesa, faltando a si própria e aos votos que dirigiu à sua augusta presença, levantou o estandarte da rebelião, tornará aquela benevolência com que se havia proposto acolher-nos e que o nosso primeiro procedimento merecera, no desprezo e abandono. Portugal precipitado no abismo, lastimará sem remédio a sua destruição; a nação toda verá os seus lares reduzidos a cinzas e ruínas; os proprietários dispersos não possuirão os seus bens, e perderão o património dos seus antepassados, que contavam transmitir a seus descendentes; os pais chorarão a morte de seus filhos, as esposas a de seus esposos. Este país, tão agradável e tão interessante pelo seu clima e situação, será convertido num deserto pelo ferro e fogo, pela fome e miséria. Estes são, compatriotas meus, os terríveis males que uma porção de insensatos têm, por nossa desgraça, atraído sobre uma nação que se lisonjeava de esperar melhor e mais ditosa sorte. Nós, porém, guiados pela razão e pelo verdadeiro patriotismo, trabalhemos a toda a força por atalhar, enquanto é tempo, o precipício em que vamos despenhar-nos. 
Eia, pois, ainda temos remédio, porque Napoleão, sempre grande nos projectos desde que lançou as suas vistas para arrancar a nação portuguesa da escravidão da Inglaterra, escolheu por seu delegado nesta empresa a um dos seus mais distintos capitães, de que conhecia os talentos e os apreciava, e que havendo ao seu lado sustentado a glória das armas do seu Império, se havia igualmente moldado com todos aqueles sentimentos generosos que formam o carácter nobre dos homens grandes. O perdoar é certamente a mais grata disposição da alma elevada do respeitável chefe que nos rege com mão benfeitora. Ele, crede-me, ainda se consola com a esperança, [se] bem que remota, de embainhar a sua espada justiceira, e de poder conseguir para Portugal os bens que lhe havia procurado. 
A vós, magistrados desta capital, não tenho que recomendar-vos senão que sustenteis firmes e constantes o que há pouco firmastes na presença do mais distinto ajuntamento da nação, num acto que supria as Cortes do Reino, antiga constituição que o nosso chefe quis respeitar. É portanto a vós, outra vez repito, magistrados territoriais, que vos achais perto ou incluídos naquelas províncias onde a revolta se tem manifestado, que eu particularmente me dirijo, e a quem devo mais persuadir. Lembrai-vos que não há muito tempo concorri para chegardes ao pé do trono, solicitardes e conseguirdes alguns dos lugares que ocupais, e que sempre em mim encontrastes todo o acolhimento possível. Recobrai, pois, essa mesma confiança, e atendei aos que vos digo: 
Se os vossos cuidados foram e são, como espero, persuadir e recomendar a tranquilidade e obediência ao Governo que todos vós reconhecestes e declarastes em actos solenes e voluntários, justamente persuadidos do direito que a nação havia reassumido, e que conspícuos magistrados sustentaram em diferentes ocasiões nos estado do Reino, vós sereis premiados; se, porém, seguirdes os absurdos que vos alucinam, sereis punidos, mas punidos se persistires no vosso delírio. Implorai, portanto, o perdão, e sereis perdoado; e eu, cooperando para ele, terei suma consolação vendo entrar nos seus deveres uma parte distinta da nação, e após ela a outra, e todas ficarão tranquilas. 
Os exércitos que nos defendem vão marchando contra essas povoações rebeladas, e levam ordem de sacudir delas aqueles indivíduos malévolos da nação vizinha que nos perturbou, e que é a causa do estado de convulsão em que nos vemos, e de oferecer aos bons portugueses o auxílio de que necessitarem. Animai-vos, portugueses! Paz aos bons e paz também aos maus, são as palavras da ordem. 
Lisboa, no 1.º de Agosto de 1808. 

Conde da Ega 

[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 30, 17 de Agosto de 1808; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 64-67. Raul Brandão, ao publicar um excerto desta "Arenga do Conde da Ega", na sua obra El-Rei Junot, inseriu igualmente uma "tradução" truncada (ao jeito de réplica) do mesmo discurso, extraída muito provavelmente dum folheto da época. Cf. El-Rei Junot, Lisboa, IN-CM, s.d., pp. 166-167]. 

Ordem do Conde de Novion, Chefe da Legião de Polícia de Lisboa, ao Governador (francês) de Santarém (1 de Agosto de 1808)



Lisboa, 1 de Agosto de 1808. 


Senhor Comandante:

Uma partida de Cavalaria da minha Legião acaba de desertar com armas e bagagens, dirigindo-se talvez para Mafra ou Óbidos. Rogo-vos, da parte do Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, que ponhais de emboscada alguns piquetes da vossa Infantaria, capazes de suspender esse reforço, que se encaminha para unir-se aos rebeldes, ou de aprisionar alguns para servirem de exemplo. Cuido que seria necessário mandar um grande piquete para a estrada de Óbidos, a fim de lhes embaraçar os passos, no caso de quererem entrar em Leiria, aonde naturalmente os esperarão. De resto, eu deixo tudo à vossa disposição para bem do serviço, e para tirar as forças aos nossos inimigos, pelo que vos ficarei em particular obrigação. Tenho a honra de vos cumprimentar com a mais alta estima. 

O Marechal de Campo, Governador das Armas e Chefe da Legião de Policia,
[Conde] de Novion

P.S.: Eles vão armados de pistolas; de seis cartuchos cada um, e a sua espada. 

Ordem de Junot ao Director da Impressão Régia (1 de Agosto de 1808)


O Sr. Desembargador  Monteiro, Director da Impressão Régia*, remeterá ao Sr. Geoffroy Saint-Hilaire, membro do Instituto [da França], Professor de História Natural, e comissário do Governo francês para a requisição de objectos de ciências e artes, todas as [chapas de] cobre gravadas da Flore du Fleuve [sic] do Rio de Janeiro, chapas esses em número de quinhentas e cinquenta e quatro, as quais tinham sido gravadas segundo a direcção do padre Veloso, autor da dita Flora. As chapas foram requeridas pelo Governo francês para fazer parte do Museu Imperial de História Natural.
A presente ordem terá lugar de recibo.
Lisboa, 1 de Agosto de 1808**.

O Governador do Reino de Portugal, 
O Duque de Abrantes.

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Nota:


* O Desembargador  Domingos Monteiro de Albuquerque e Amaral tinha sido nomeado Director da Impressão Régia por decreto de 7 de Dezembro de 1801. [Cf. Segundo Supplemento á Gazeta de Lisboa, n.º IV, 30 de Janeiro de 1802]. 


*Apesar desta ordem estar datada de 1 de Agosto de 1808, Geoffroy Saint-Hilaire somente viria a apresentar-se na Impressão Régia para recolher as chapas da aludida obra no dia 29 do mesmo mês. Ora, precisamente um dia antes, Junot assinara a primeira versão da Convenção para a evacuação do Exército francês de Portugal. Julgamos assim que a dita datação desta ordem foi falseada para contornar o artigo XVI da aludida primeira versão da Convenção, cujas condições viriam a ser ampliadas no artigo XV da Convenção definitiva. Se esta hipótese for correcta, os franceses conseguiram o seu objectivo, pois iludindo tanto os portugueses como os ingleses, conseguiram realmente levar estas chapas para o Museu de História Natural de Paris, onde permaneceram até 1814, data em que foram restituídas a Portugal, juntamente com outros manuscritos.


Nova Grammatica Portugueza e Ingleza. A qual serve para instruir aos portuguezes na lingua ingleza (edição de 1808)






A obra cujo frontispício se pode apreciar acima poderia passar despercebida para os estudiosos das guerras napoleónicas, não fosse precisamente o contexto em que apareceu publicada e a sua suposta autoria. Impressa em Londres no ano de 1808, esta Nova Grammatica Portugueza e Ingleza tinha o propósito, como se indicava no subtítulo, de instruir aos portuguezes na lingua ingleza. Apesar de publicada anonimamente, Inocêncio da Silva, referindo-se à segunda edição desta obra, "revista e consideravelmente aumentada", diz que o seu autor teria sido nada menos do que José Hipólito da Costa [Cf. Innocencio Francisco da Silva, Diccionario Bibliographico Portuguez - Tomo Terceiro, Lisboa, Imprensa Nacional, 1859, p. 199]. Contudo, devemos ter em conta que esta gramática não era tão nova como constava no título, pois tratava-se na verdade duma cópia quase integral duma outra gramática, da autoria de Jacob de Castro Sarmento, a qual tinha sido publicada originalmente em 1751 [ou talvez melhor, inserida na segunda edição da Grammatica Anglo-Lusitanica & Lusitano-Anglica: Or, a New Grammar, English and Portuguese, and Portuguese and English, London Printed for W. Meadows, 1751; confrontar, entre outras reedições, com a edição portuguesa de 1777]. 



Ainda que o próprio prefácio da edição de 1808 se baseie no da edição original de 1751, a sua leitura permite deduzir que Nova Grammatica Portugueza e Ingleza foi publicada já depois do conhecimento, obviamente na Inglaterra, tanto das revoltas dos portugueses contra os franceses, como da abertura dos portos do Brasil às nações amigas, ou seja, a meados do terceiro trimestre de 1808:




Esta edição de 1808, que viria a ser reeditada pelo menos três vezes (em 1811, 1818 e 1828), tem a particularidade de incluir um glossário bilingue (não disponível nas edições acima mencionadas da Grammatica de Jacob de Castro) das palavras mais usadas na conversação, organizadas por temas, entre as quais se encontram as coisas pertencentes à guerra, como não podia deixar de ser pelo contexto em questão:













Finalmente, resta acrescentar nestas poucas linhas que a Nova Grammatica de 1808 mereceu a seguinte revisão crítica, dada à estampa numa publicação anti-jacobina inglesa:




The Antijacobin Review and Magazine; or, Monthly Political and Literary Censor: from January to April (inclusive) 1808. With an Appendix, containing an Ample Review of Foreign Literatura - Volume XXIX, London, 1808, pp. 491-492.