quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A prisão do Guarda-Roupa do Príncipe Regente


"Para que não ficasse nada equívoco sobre a grande indisposição que o General em Chefe [Junot] trazia contra a sagrada pessoa de Vossa Alteza Real [o Príncipe Regente D. João], quis [Junot] exceder esta demonstração não só fazendo declarada e manifesta perseguição às famílias da grandeza do Reino e demais criados que fiéis e afectuosos a Vossa Alteza o acompanharam [para o Brasil], mas ainda àqueles que por algum inconveniente não puderam exercer a sua fidelidade. Era um destes o Guarda-Roupa de Vossa Alteza, Bernardo José de Sousa Lobato, que pela grave e perigosa moléstia de sua esposa não pôde pôr em prática os seus desejos. Mas logo que conseguiu o seu restabelecimento, não querendo perder tempo, fez as mais activas diligências para se transportar para esta capital [Rio de Janeiro]. Foi neste projecto mal sucedido, porquanto foi vulgar em Lisboa que, confiando-se ele de um amigo para o ajudar nesta tentativa e comunicando-lhe a resolução em que se achava, este atraiçoadamente o fora denunciar perante o General em Chefe. Foi ele imediatamente chamado à presença do mesmo General, que o interrogou tanto a respeito da pretensão do seu transporte como pela comunicação que o mesmo denunciante afirmou [que] ele tinha com a esquadra inglesa, exigindo todas as cartas relativas a este objecto, e que também se dizia [que] tinha recebido de seus irmãos. Passou por muito certo em Lisboa e até o ouvi a pessoas intimamente unidas ao Barão de Quintela, e que frequentavam a sua casa, que aquele fiel e honrado criado de Vossa Alteza, quanto às perguntas que lhe diziam respeito, feitas pelo referido General, respondera a tudo com legalidade e desassombro para se justificar. Quando porém ele excedeu a interrogá-lo tratando a Vossa Alteza Real com menos decoro e sem aquele respeito e acatamento que devia consagrar-lhe, então ele se inflamara e lhe respondera com bastante acrimónia e actividade, repelido todo o ataque feito a Vossa Alteza Real, do que ainda mais do que pelos seus supostos delitos procedera a sua prisão, saindo da presença daquele mesmo General preso e remetido numa sege, acompanhada de guarda da polícia, para um dos segredos da Cadeia do Castelo. Nesta prisão foi interrogado no dia 5 de Janeiro e esta diligência continuou por muitos dias. No dia 6 de Janeiro foi o mesmo ministro a sua casa dar-lhe busca nos papéis e não se achou entre eles escrito algum que o fizesse criminoso. 
A aflição e consternação em que ficou a esposa deste fiel e honrado criado de Vossa Alteza Real por aquele inesperado sucesso, a obrigou a escrever ao General Mr. Junot, dirigindo-lhe uma mui judiciosa representação, e foi a seguinte:


Representação

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

A razão e o dever conduzem respeitosamente à presença de Vossa Excelência D. Maria Rita de Gouveia Araújo Lobato, a suplicar a liberdade de seu marido, que se acha preso no Castelo de S. Jorge e em segredo. A sagrada e inviolável promessa de protecção assegurada por Vossa Excelência a todos os portugueses deve verificar-se inteiramente. O Imperador dos franceses, o grande e incomparável Napoleão, não é representado por um General que deixe de o imitar nas virtudes como o imita no valor. Bernardo José de Sousa Lobato nunca foi deliquente, ainda que seja infeliz: a fortuna que lhe conciliou invejosos, não deixaria de lhe excitar inimigos. Ele é fiel às leis; respeita o Governo; bom marido; bom cidadão; é digno de melhor sorte. Poupe Vossa Excelência na liberdade do marido a vida da mulher, e veja o mundo que o grande Junot é digno comissário do grande Imperador.



Não constou que houvesse solução alguma a respeito daquela representação. Dias porém antes da minha partida de Lisboa, que foi a 3 de Fevereiro, correu que tinha sido solto, o que suposto não se verificou, contudo havia bem fundadas esperanças de que brevemente conseguiria a sua liberdade".

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[Todo o texto acima publicado é transcrito da obra de  Domingos Alves Branco Muniz, Memoria dos Successos acontecidos na Cidade de Lisboa..., fls. 46-47]
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Adiantamentos: Segundo uma outra obra da autoria do bispo do Rio de Janeiro e publicada logo em 1808, o motivo da prisão de Bernardo José de Sousa Lobato foi o facto de ter recebido uma carta de seu irmão (Francisco José Rufino de Sousa Lobato), remetida a bordo da esquadra que rumou para o Brasil com a Corte e a família real. A mesma fonte informa que a prisão durou cerca de um mês, "sendo necessário para a sua soltura toda a protecção e valimento dos Conde da Ega" (Cf. José Caetano da Silva Coutinho, Memoria Historica da Invasão dos Francezes em Portugal no anno de 1807, Rio de Janeiro, Impressão Régia, 1808, pp. 48-49).

Baile de 6 de Janeiro na casa do Barão de Quintela

Tal como tinha ocorrido no dia 13 de Dezembro de 1807, "no dia 6 de Janeiro [de 1808] deu o General Mr. Junot um pomposo e magnífico baile no mesmo Palácio do Quintela e Quartel da sua residência. Foram convidados os membros do Governo da Regência, toda a grandeza do Reino, muitos tribunalistas e o Almirante russo, menos o Intendente Geral da Polícia [Lucas de Seabra da Silva]. Todo o preparo para o mesmo baile, armação, música e ucharia, sem excepção da menor despesa, foi feita à custa do Barão de Quintela, que, sem embargo desta bizarria, foi convidado por um bilhete do mesmo modo que o foram os demais convidados estranhos; não sendo também convidada a irmã do mesmo Barão, que se achava residindo na Quinta das Laranjeiras, ao mesmo tempo que o foi a Condessa da Cunha, que se acha com ela morando na mesma Quinta.

Os bilhetes gerais que se distribuíram para os convites foram pela forma e modo que se segue, que é a cópia de dois bilhetes originais de que me fizeram presente uma família da minha amizade, que também foram convidados.


1.º Bilhete para o Pai de Família

O Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, General em Chefe dos Exército francês, espanhol e português

Convida ao Sr. Duarte Joyce para lhe fazer a honra de vir passar a tarde em sua casa no dia quarta-feira 6 de Janeiro pelas oito horas da noite. 
Há de haver dança. 

Em 3 de Janeiro. 
Pede-se resposta.



2.º Bilhete dirigido à Família

O Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, General em Chefe dos Exército francês, espanhol e português

Convida a Sr.ª Duarte Joyce e as suas filhas para lhe fazer a honra de vir passar a tarde em sua casa no dia quarta-feira 6 de Janeiro pelas oito horas da noite. 
Há de haver dança. 

Em 3 de Janeiro. 
Pede-se resposta.



É notável o que se lê na cabeça destes bilhetes, não só pelo seu estilo e exótico formulário, mas pelo peso dos títulos, muito mais carregado do que mesmo nos Decretos que fazia expedir, onde nunca declarou ser General em Chefe dos Exércitos espanhol e português.
Um semelhante estilo decorrente mostra que aquele General se entusiasma em extremo com os títulos dos seus cargos; visto que nem nestes casos os dispensa, assemelhando-se a um cavalheiro espanhol de quem se conta blasonar tanto dos seus brasões, que até nos palitos mandava pôr as suas armas".

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[Nota: Todo o texto que acima se publica é uma cópia de Domingos Alves Branco Muniz, Memoria dos Successos acontecidos na Cidade de Lisboa..., fls. 47-48]

Decreto de Junot regulando as pescarias e proibindo as comunicações com a esquadra inglesa (5 de Janeiro de 1808)

Embarcações de pesca ao largo do Tejo
(fotografia de 1912)


Para tentar evitar as comunicações que se estabeleciam entre a esquadra inglesa que se encontrava disposta na barra de Lisboa e os pescadores portugueses, Junot decidiu publicar o decreto abaixo transcrito, no dia 5 de Janeiro de 1808. Os pescadores viam-se deste modo obrigados a matricular os seus barcos e a trazer neles uma lista com o número e nomes dos membros da tripulação, a fim de facilitar os trabalhos de inspecção. Qualquer comunicação com os ingleses estava expressamente proibida, e por isso tinham de regressar logo após o sol posto, pois de noite seria difícil controlá-los... 





O Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, General em Chefe, nome de S. M. o Imperador dos franceses e Rei de Itália:


Desejando, quanto dele depende, proteger todas as classes de cidadãos, particularmente os mais indigentes; e considerando quão grande seja a importância da pesca do porto de Lisboa para o consumo desta grande cidade; querendo, porém, embaraçar os abusos que poderiam resultar de uma liberdade ilimitada de pescar fora da barra, e particularmente da comunicação com a esquadra inglesa, decreta:

Art. I. Todas as embarcações de pescadores serão divididas por distritos, e numeradas desde o n.º 1 por diante: no distrito de Lisboa, com a letra A; no de Belém com a letra B, e assim os demais [C para Paço d'Arcos, D para Olivais, E para Barreiro, F para Seixal, G para Arrentela]. A letra e número, que deverão ter um pé de altura, serão pintadas em branco na popa e proa de cada embarcação.
Art. II. Terá cada patrão uma lista, onde esteja escrita a letra do seu distrito, o número de sua embarcação, o seu nome, a sua morada e a quantidade de homens que o acompanham, igualmente denominados pelos seus próprios nomes; servir-lhes-á este documento de passaporte para as baterias e embarcações que andarem de ronda; estas, porém, prenderão todo e qualquer indivíduo que acharem de mais a seus respectivos bordos, e a embarcação será tomada e vendida para o apresador, sendo este o único meio de se evitar que nela hajam estrangeiros.
Art. III. Os ministros e Justiças dos distritos de pescadores declararão por escrito o nome de cada proprietário de embarcação, a fim de fazerem apreensão no proprietário, em caso de infracção deste regulamento, não se devendo entregar a lista ao patrão antes de apresentar este documento; e para que não possam alegar ignorância, enviar-se-á a cada um dos ditos ministros alguns exemplares do presente decreto.
Art. IV. Haverá um registo a bordo da bateria flutuante, no qual se registará cada uma das embarcações por distritos, em conformidade da lista entregue a cada patrão.
Art. V. Todos os patrões, em geral, qualquer que seja o seu distrito, serão obrigados a apresentar-se, todos os sábados, a bordo da bateria flutuante, para se lhes passar revista em presença de Mr. Billard, Tenente de mar e guerra, comandante da dita bateria, especialmente encarregado deste serviço, a fim de se certificar que todos os indivíduos descritos na lista se acham existentes na dita embarcação; tirar-se-á, porém, a lista àqueles a quem faltar um ou mais homens, até mostrar-se legalmente o destino que tiveram.
Art. VI. Toda a embarcação de pescaria que se encontrar navegando sem ser numerada e sem trazer uma lista cinco dias depois da publicação do presente decreto, será tomada e vendida em benefício do apresador.
Art. VII. Toda a embarcação que tiver comunicações com a esquadra inglesa, será tomada; os comandantes do fortes e o oficial de marinha encarregado desta vigilância serão responsáveis pelos transgressores.
Art. VIII. Todas a embarcações de pesca deverão achar-se dentro da barra logo depois do sol posto, sob pena de pagar pela primeira vez quarenta francos; pela segunda, cento e vinte, e confisco de embarcação; e pena corporal pela terceira.
Art. IX. Os comandantes dos fortes e baterias serão todos munidos do presente regulamento, devendo igualmente receber do comandante em chefe da marinha cópias de cada uma das listas, a fim de poderem confrontá-las em caso de precisão, com as dos pescadores dos seus distritos.
Art. X. O Comandante em Chefe da Marinha é especificamente encarregado de mandar pôr a letra e número em cada uma das embarcações, e de fazer entregar aos respectivos patrões a sua lista; assim como de fazer executar o presente decreto, que será impresso e afixado.
Dado no Palácio do Quartel-General em Lisboa, a 5 de Janeiro de 1808.

Junot



[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 2, 12 de Janeiro de 1808; 



As "sobras" da esquadra portuguesa e o domínio marítimo dos ingleses



H.M.S. Victory (104 peças)
Lançado ao mar em 1765, é o único navio de linha que chegou aos nossos dias
(hoje serve como Museu Naval, no porto de Portsmouth, Inglaterra)




poderio naval era um assunto fundamental dentro do quadro do bloqueio continental decretado por Napoleão. Prevendo apoderar-se da frota naval portuguesa, o Imperador francês tinha ordenado a Junot para que este apresentasse as suas tropas como amigas, a fim de facilmente apreenderem as embarcações situadas no porto de Lisboa. Contudo, o tiro saiu-lhe pela culatra, pois a família real, em parte pressionada pelos ingleses, antecipou-se à chegada do Exército francês, levando para o Brasil a maior parte dos navios de guerra portugueses. 
Logo no dia 29 de Novembro, acompanhando a saída da frota portuguesa, o embaixador inglês Lord Strangford, um dos responsáveis pela transferência da corte para o Brasil, escreveu a George Canning (na época Secretário dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra), a bordo do navio Hibernia, em plena foz do Tejo, narrando os acontecimentos dos últimos dias e a decisão que tinha tomado o príncipe regente em sair do país. Para além de incluir nessa carta uma lista dos navios de guerra que deixaram Lisboa naquela manhã (lista essa assinada pelo chefe de Esquadra Joaquim José Monteiro Torres), Lord Strangford apresentava a seguinte lista das embarcações que tinham ficado em Lisboa, quase todas em estado lastimável:

     Navios

          S. Sebastião, de 64 peças (incapaz de serviço sem uma reparação completa);
         Maria I, de 74 peças (em idêntico estado do anterior; tinha sido ordenado para que se tornasse numa bateria flutuante, mas ainda não se encontra preparado);
         Vasco da Gama, de 74 peças (encontra-se a ser reparado e está quase pronto);
         Princesa da Beira, de 64 canhões (condenado, e mandado armar como bateria flutuante)

     Fragatas

          Fénix, de 48 canhões (precisa de reparação total)
          Amazona, de 44 canhões (precisa de reparação total)
          Pérola, de 44 (precisa de reparação total)
          Tristão, de 40 (parcialmente reparada)
          Vénus, de 30 canhões (parcialmente reparada)

[Fonte: John Barrow, The Life and Correspondance of Admiral Sir William Sidney Smith - Vol. II, London, Richard Bentley Publisher, 1848, pp. 265-266]

Foi com este cenário que se deparou Junot assim que chegou ao porto de Lisboa, no dia 30 de Novembro. Numa carta que nesse mesmo dia escreveu a Napoleão, também ele incluiu uma lista semelhante à de Strangford (ainda que contenha algumas imprecisões, quando comparada com aquela). Junot referia ainda que "dentro de alguns dias poderei dar contas a Vossa Majestade sobre os recursos que o porto apresenta; limitei-me, por enquanto, a um resumo sem mais pormenores. Há em toda a parte uma tal desordem que ainda não sabemos a quem devemos dirigir-nos" [Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 102]. Na verdade, no reduzido número de tropas com as quais Junot entrou em Lisboa, não se encontrava nenhum oficial da marinha francesa. Um relatório mais completo dos recursos navais portugueses teria sido enviado a Napoleão alguns dias mais tardes, já depois de ter chegado a Lisboa o Capitão Jean-Jacques Magendie [cf. carta de 6 de Dezembro, in Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 110]. Contudo, de pouco serviriam os relatórios pois, na prática, as embarcações portuguesas não serviam para nada. Como Junot assumira a Napoleão mais de um mês depois do início da ocupação, "não julgo possível mandar sair do porto de Lisboa um navio e algumas fragatas para obrigar o inimigo a afastar-se, pois temos constantemente a poucas léguas da barra uma esquadra que nunca tem menos de 8 navios, 2 fragatas e 1 brigue, e que já chegou a ter 14 navios. A aproximação da costa de Portugal é muito perigosa e, por pouco vento de oeste que haja, não se pode estacionar a menos de 10 ou 12 léguas no alto mar, por causa das correntes; a essa distância, a flotilha que saísse de Lisboa correria grande perigo" [cf. carta de 9 de Janeiro, in Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 125]. Aliás, a esse tempo, ainda nem sequer havia no "arsenal de marinha as madeiras necessárias para acabar o navio que está em construção" [Junot, Diário da I Invasão Francesa, p. 127].


Ver num mapa maior

Fortificações costeiras da linha defensiva do Tejo (finais séc. XVIII - inícios séc. XIX)




Se nada podia fazer no mar contra a esquadra naval inglesa, ao menos podia preparar-se em terra para evitar um desembarque esperado (relembre-se que logo no mesmo dia em que alcança a capital, Junot tinha ouvido rumores dum desembarque dos ingleses na zona de Peniche [Diário da I Invasão Francesa, pp. 104-105]. Por sorte para os franceses, tal facto não se confirmou). 
Assim, Junot não perdeu tempo para enviar ao forte de S. Julião (fotografia à direita) um Coronel de Engenharia que o informou "de que as fortificações do lado do mar necessitam de grandes reparações para pôr o forte em condições de resistir a uma esquadra; as batarias estão de enfiada, e os canhoeiros ficam tão a descoberto que a posição não poderia ser defendida". Junot ordenou então, como narrou ao Imperador francês, que se fizesse tudo quando fosse necessário para melhorar a defesa deste forte, e também a do forte de Cascais". Na carta donde se extraiu o anterior excerto Junot acrescentou ainda a Napoleão que "a que costa que terei de defender se apenas conservar a margem direita [=norte] do Tejo até ao Douro não é considerável, mas terá de ser bem fortificada porque sofrerá ataques todos os dias [Diário da I Invasão Francesa, pp. 106-107]. Posteriormente, o próprio Junot dirigiu-se ao forte de S. Julião da Barra, conhecido como Escudo do Reino pela sua localização geoestratégica (indicada a amarelo no mapa de acima), ficando bem impressionado: "é soberbo, em muito bom estado, e está armado com cem peças de canhão". O forte de Cascais, também em bom estado e em excelente localização, encontrava-se "armado com 56 bocas de fogo" [carta de 6 de Dezembro, Diário da I Invasão Francesa, p. 111].
Estes e outros fortes, ocupados desde os primeiros dias da invasão, vigiavam constantemente a entrada da barra, donde não se afastavam as embarcações inglesas, que a meados do mês contavam com "8 navios de linha e algumas fragatas" [carta de 16 de Dezembro, Diário da I Invasão Francesa, p. 116]. A 21 de Dezembro, quando já tinha chegado a Lisboa a maior parte do corpo de artilharia francesa, Junot refere a Napoleão que estava a "trabalhar a toda a força a fundição que fará morteiros; em todo o porto e no estuário não temos nenhum em bataria. Por aqui verá Vossa Majestade a bela defesa que eles [os portugueses] preparavam, e no arsenal só há 4. Estou muito grato aos ingleses, que até agora não vieram atormentar-nos; muito mal me teriam feito com isso, mas espero que ainda o farão. Aqui, como noutros sítios, vão chegar demasiado tarde" [Diário da I Invasão Francesa, p. 120]. Contudo, no dia 27 de Dezembro já se avistavam 17 navios e 4 fragatas inglesas, supostamente em virtude da declaração de guerra que a Rússia tinha feito à Inglaterra. O certo é que a esquadra russa, apesar de avisada por Junot daquela declaração, continuava numa impassível neutralidade [Carta de 27 de Dezembro, Diário da I Invasão Francesa, p. 121]. 

esquadra russa, que se encontrava atracada no porto de Lisboa desde meados de Novembro, era composta por oito navios (um navio de 80 canhões, um navio de 74 e seis navios de 64 a 70 peças), 1 fragata de 36 e 1 barco de transporte. Apesar da paz de Tilsit, Junot não pôde contar com esta esquadra, pois como ele afirmou a Napoleão, logo a 2 de Dezembro, "se eles [os russos] quisessem secundar-nos, teríamos tudo o que já possuímos e mais um tesouro imenso e uma esquadra, mas têm mantido uma impassível neutralidade; calculo que não podiam fazer outra coisa" [Diário da I Invasão Francesa, p. 107]. Mais adiante, no dia 21 de Dezembro, em nova carta ao Imperador, Junot afirma que "a esquadra russa, que continua em Lisboa, consome-nos cerca de 10.000 rações, o que muito nos prejudica na penúria de mantimentos em que nos encontramos; se ela não tiver de nos ser útil, vê-la-ei partir com muito bons olhos, tanto mais que muito desconfio de que esteja a servir de intermediária entre Lisboa e a esquadra inimiga [=inglesa]  [Diário da I Invasão Francesa, p. 120]. 

Antes de se saber na Inglaterra que esta esquadra russa tinha estacionado no porto de Lisboa, tinham sido dadas ordens para que uma outra esquadra inglesa se dirigisse para Cádis, como relatou, em carta de 1 de Dezembro, Sir Sidney Smith. O objectivo seria segurar a esquadra russa, mas esta, afinal, já se encontrava em Portugal [Cf. John Barrow, The Life and Correspondance of Admiral Sir William Sidney Smith - Vol. II, London, Richard Bentley Publisher, 1848, pp. 265-266]. No entanto, os ingleses não saíram de Cádis. Na verdade, não eram os primeiros a chegar, pois já há algum tempo que outras embarcações inglesas bloqueavam a entrada para aquele porto, em virtude de nele se encontrarem os restos da esquadra francesa que se tinha salvo da batalha de Trafalgar (no final de 1807, restavam cinco navios e uma fragata, comandados pelo Almirante Rosily) [Cf. Miguel Aragón Fontenla, La rendición de la escuadra francesa de Rosily (14 de Junio de 1808), p. 69]. 
O próprio Junot relatou a Napoleão esse facto, a meados do mês, dizendo que a dita esquadra inglesa era composta por cerca de uma dezena de navios, havendo então quem afirmasse também "haver em Gibraltar movimentações para um embarque de tropas [inglesas]" [carta de 16 de Dezembro, Diário da I Invasão Francesa, p. 116]. No dia 21, Junot chegou mesmo a receber uma carta de Godoy, relatando-a logo ao Imperador: Godoy tinha lhe dado a conhecer os "seus receios acerca da costa da Andaluzia; parece recear seriamente um ataque dos ingleses e pede-me a Divisão espanhola que tenho sob as minhas ordens [a Divisão do General Carrafa] a fim de a deslocar para a costa da Andaluzia. Respondi ao Príncipe [da Paz] que, apesar do meu desejo de contribuir de algum modo para a defesa e a tranquilidade da Espanha, não podia despedir a Divisão Carrafa sem para isso ter recebido ordem de Vossa Majestade. De resto, talvez os ingleses estivessem a fingir querer atacar a costa de Cádis para depois vir rapidamente para a costa de Portugal, onde esperam encontrar os habitantes, se não dispostos a recebê-los, pelo menos a dar-lhes grande ajuda com uma sublevação. E mais disse ao Príncipe que Vossa Majestade, a quem nada escapa, já deve ter previsto todos os acontecimentos e que, nesse caso, poderá ser empregado o 2.º exército de reserva [Segundo Corpo de Observação da Gironda] onde quer que seja necessário" [Diário da I Invasão Francesa, p. 119]. Dias depois, "os espanhóis continuam a falar dos seus receios quanto à costa da Andaluzia", mas Junot mantinha-se firme em aguardar uma decisão de Napoleão antes de dar ordens para enviar a Divisão de Carrafa para a Espanha. Começavam então a surgir rumores, "em Madrid, de uma viagem da corte [espanhola] a Cádis". Junot questionava-se: "quererá ela fazer como a corte de Portugal e partir para alguma das suas colónias?"  [Carta de 27 de Dezembro, Diário da I Invasão Francesa, p. 120].