domingo, 3 de janeiro de 2010

Carta de Napoleão a Junot (20 de Dezembro de 1807)

Embora se tenham referido já várias vezes algumas das dificuldades de Junot em governar Portugal, o maior obstáculo era talvez não só a falta de instruções de Napoleão mas, sobretudo, a grande demora em recebê-las. Com a pressa em mobilizar o Corpo de Observação da Gironda e expedi-lo para Portugal o mais rápido possível, a fim de aprisionar o príncipe regente e a frota naval portuguesa (o que aparentemente considerava como dados adquiridos), Napoleão esquecera-se de dizer a Junot o que fazer em caso de que tais objectivos não fossem cumpridos. Em várias cartas ao Imperador, Junot queixa-se precisamente disso, e não é por acaso que, aparte duma ou doutra extravagância, o General em Chefe deixou a Regência instituída por D. João governando, aproveitando-se dela para fazer cumprir as suas ordens. Junot sabia que melhores instruções por parte do Imperador poderiam tardar algumas semanas, nada restando-lhe a fazer senão ficar à espera. 
De facto, o Imperador encontrava-se em Milão quando recebeu as primeiras cartas de Junot desde que este entrara em Lisboa (algumas delas já aqui parcialmente transcritas). No dia 17 de Dezembro, numa carta ao seu irmão mais velho, José Bonaparte (então rei de Nápoles e futuramente de Espanha), Napoleão afirmava que as últimas notícias que tinha recebido de Portugal remontavam a 28 de Novembro (ou seja, dois dias antes de Junot alcançar Lisboa), embora no final da mesma carta adiantasse que:
 .



É bem possível que este post scriptum tivesse sido escrito logo que Napoleão recebeu as ditas cartas de Junot. É interessante notar-se que foi neste mesmo dia que recebeu estas notícas que Napoleão publicou o decreto de Milão [ver o texto original ou uma tradução portuguesa], o qual reforçava e agravava o decreto de Berlim, publicado um ano antes. O facto não é de estranhar, pois até à chegada de Junot, os portos portugueses eram praticamente os únicos portos continentais europeus onde as mercadorias inglesas eram desembarcadas sem embaraço. Com a chegada das tropas franco-espanholas à costa portuguesa, finalmente se podia agora cumprir rigorosamente o bloqueio continental. Isto em teoria, pois como já indicámos, grande parte da costa portuguesa encontrava-se nesta altura sem forças francesas ou espanholas a vigiá-la (e assim continuaria durante mais algum tempo).
Será somente no dia 20 de Dezembro que o Imperador escreve a sua resposta ao General em Chefe do Corpo de Observação da Gironda. Este último ainda tinha muito que esperar, pois com aproximadamente dois mil quilómetros de distância entre Lisboa e Milão e cerca de 20 dias para a correspondência alcançar o seu destinatário, a seguinte carta só chegaria a Lisboa no dia 8 de Janeiro de 1808.










Resumindo, Napoleão garantia a Junot que mais tropas seriam enviadas para Portugal, sendo por isso e, antes de mais, necessário desfazer-se do exército português, desarmando-o e licenciando quem o desejasse. Não obstante, seria também necessário afastar quatro bons regimentos do país, mandando-os para Bayonne. Este afastamento também devia ser aplicado aos dois parentes do príncipe regente que Junot tinha referido encontrarem-se em Lisboa, bem como cerca de sessenta pessoas de consideração ligadas à corte ou aos ingleses. Napoleão entendia que a Casa de Bragança tinha acabado de reinar em Portugal, mas para isso era necessário remover qualquer tipo de interferência que pudesse embaraçar os seus planos. Também era necessário cumprir-se o decreto de Milão (na carta referido como o "decreto de 17 de Dezembro") em Portugal. 
Outro aspecto interessante desta carta é a referência ao General Dupont, que se encontrava em Salamanca, o seu Quartel-General em Vitória, e a sua primeira Divisão em Badajoz. Dupont era o General em Chefe do nomeado Segundo Corpo de Observação da Gironda, força esta que ia entrando em Espanha sob o pretexto do previsto no artigo n.º 6 da Convenção anexa ao Tratado de Fontainebleau


A porta da Espanha estava aberta para a entrada das tropas francesas, e não tardaria muito para que os espanhóis se apercebessem da ratoeira que Napoleão lhes estava aprontando...




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Fonte das cartas: 

- Carta de Napoleão a José Bonaparte (17 Dez. 1807): Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI,  Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 234-235 (n.º 13402).

- Carta de Napoleão a Junot (20 Dez. 1807): Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI,  Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 242 - 244 (n.º 13406).