quarta-feira, 22 de junho de 2011

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (22 de Junho de 1808)



A venturosa tranquilidade de que continuamos a gozar é um dos graves objectos da inveja dos nossos inimigos, ou sejam externos, ou internos; custa-lhes muito perdoar ao povo português a grande prudência com que obedece ao seu novo Governo, enquanto o espírito de inquietação e de revolta vai lavrando em países vizinhos, produzindo neles todos os males da guerra civil e estrangeira. 
De vez em quando vêm alguns emissários tentar da banda das nossas fronteiras pôr em desassossego os seus pacíficos habitantes, trazendo-lhes escritos destinados a atormentá-los pelas fábulas as mais absurdas. As medidas porém estão tão bem tomadas em todas as partes, que vários daqueles emissários se acham já presos; e anda-se em busca de outros, que não poderão escapar por muito tempo a estas diligências. 
O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes prescreveu aos Comandantes militares e ao Senhor Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Polícia do Reino [Lagarde], disposições que não permitirão a emissário algum subtrair-se ao justo castigo que merece todo o agitador, seja qual for o pretexto com que se disfarce. 
Entre estas precauções, há algumas que não são de natureza de se divulgarem; outras, mas gerais, se recomendaram com grande cuidado aos Corregedores mores, Corregedores ordinários, Juízes de Fora e Juízes do Crime das províncias. Neste número podemos citar a mui exacta vigilância prescrita a respeito dos estrangeiros que não justificarem com evidência o motivo da sua viagem nos lugares por onde passarem; uma severa atenção a respeito dos passaportes, especialmente daqueles que tiverem sido entregues ou vistos nas partes de Espanha que estão agitadas; um inflexível rigor contra os distribuidores de escritos sediciosos, e contra aqueles que, sob pretexto de os terem inocentemente recebido, os comunicarem, em vez de levá-los logo à polícia; contra aqueles finalmente que, tornando-se os ecos e por conseguinte os agentes dos nossos inimigos, procuram com artifício divulgar as grosseiras imposturas por onde alimentam a louca credulidade dos seus partidistas, procurando assim aumentar o número destes. 
Neste último sentido, não estão livres de ser arguidos alguns donos de lojas de bebidas, taberneiros e outras vendas onde costuma haver ajuntamentos em Lisboa; aí se repetem muitas vezes conceitos mui desacertados e notícias extravagantes. Alguns deles foram já advertidos de prescrever mais reserva aos que frequentam as suas casas; e sabemos que a intenção do Governo é não parar aqui. 
Temos fundamento para crer que toda a loja de bebidas, taberna ou outro lugar de ajuntamento onde se houverem tolerado conversações criminosas, sem que os seus donos vão em pessoa dar parte disso à polícia, segundo a ordem que têm de o fazer, terá de ficar fechado, de um instante para outro, por um tempo proporcionado à gravidade do delito. É justo com efeito que aqueles dos donos de tais casas que deixam de impor silêncio aos malévolos que aí se atrevem a atacar e comprometer a nova ordem de coisas, sejam havidos por cúmplices do mal que tão facilmente podem impedir. 
Consta-nos que já estão presos alguns dos inventores e proclamadores das notícias falsas que a malevolência espalha na escuridão, e que a ignorância adopta e amplifica com todo o empenho. Dizem que a mesma medida talvez se aplicará àqueles que, recebendo clandestinamente cartas cheias de factos mentirosos ou de insinuações pérfidas, deixarem de comunicá-las à autoridade. É bem sabido que não se pode obstar a que alguns correspondentes faltos de prudência ponham por escrito os sonhos da sua imaginação, substituindo-os à realidade; nesse caso porém há um meio mui simples de se livrarem vitoriosamente da suspeita de conluio, qual é o ir ingenuamente dar parte à polícia de tais cartas, e provar assim que não houve intenção alguma de fazer delas abuso, para alterar a seguridade pública. 

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 25, 22 de Junho de 1808].


Ordem de Lagarde proibindo todos os tumultos nocturnos derivados dos festejos dos santos populares (22 de Junho de 1808)



Intendência Geral da Polícia do Reino.


Havendo o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, General em Chefe do Exército de Portugal, mandado que se lhe desse uma conta do perigoso uso em que estavam certas pessoas de acender fogueiras, lançar fogos de petardos e bombas nas ruas e praças públicas, na véspera de alguma festividade, e em especial nas de S. João, S. Pedro, S. Marçal e outras; 
Informado do desejo que há muito tempo a esta parte manifestam as pessoas mais piedosas de que se atalhem desordens contrárias ao espírito de quietação e de recolhimento com que a Religião manda que todos se preparem para a celebração destas santas solenidades; 
Sabendo que muitas vezes nessa ocasião há multiplicados desastres, tais como rixas, ferimentos, ou ainda risco de incêndios; 
Considerando que nas circunstâncias actuais alguns malévolos se poderiam aproveitar do dito costume, para excitar algum tumulto e perturbar o perfeito sossego de que goza a cidade de Lisboa; 
Sua Excelência me ordenou que fizesse imprimir e publicar o seguinte: 

1.º Desde que se afixar a presente ordem, fica proibido acender, nas ruas ou praças públicas de Lisboa e seu termo, fogueiras sejam de que espécie forem, deitar foguetes ou fogos de petardos, morteiros e bombas, sob pena de ser logo preso e condenado a 8 dias de cadeia, além de uma multa proporcionada aos meios do delinquente. 
2.º Ninguém poderá igualmente, seja com que pretexto for, deitar de casas particulares, pátios, jardins e terrenos que lhes pertençam, peça alguma de fogo de artifício, sem uma licença formal da Intendência Geral da Polícia, enquanto a Lisboa; e nas outras cidades e povoações, sem licença do Magistrado local destinado para este efeito. 
3.º Os pais e mães serão responsáveis da transgressão desta ordem pelos seus filhos; os chefes de casas de educação, pelos seus alunos; os amos, pelos seus criados; e os mestres de fábricas e oficinas pelos seus obreiros. 
4.ª Na véspera das festividades acima indicadas, assim como em todos os outros dias, as lojas de bebidas, tavernas, estanques e vendas de tabaco de fumo se fecharão às horas costumadas, debaixo das penas ordinárias; todo o tumulto nocturno e todo o ajuntamento extraordinário nas ruas ou lugares públicos ficam também proibidos; e o Passeio público não se abrirá senão de dia, segundo o costume. 
5.º A presente ordenação será aplicável às diferentes cidades do Reino, à medida que aí chegar, e executar-se-há logo em Lisboa e seu termo; esta execução se recomenda especialmente ao zelo da Guarda Militar da Polícia, como também a todos os Corregedores e Juízes do Crime, assim dos 13 bairros de Lisboa como das províncias, e a todos os funcionários militares e civis incumbidos de concorrer para a polícia, cada uma pela parte que lhe toca. 

Lisboa, 22 de Junho de 1808. 

O Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Polícia do Reino, 
P. Lagarde. 

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 25, 22 de Junho de 1808].


Proposta do Coronel Silveira à Junta da Galiza, para um acordo de cooperação mútua (22 de Junho de 1808)



As províncias de Trás-os-Montes, Minho e Porto sacudiram o jugo da opressão, e deixando obrar com força ao bem da causa comum, repito o que oralmente tratei com o sr. Corregedor [de Monterrei] e [com o] Administrador da Alfândega de Verín, para fazê-lo presente à Suprema Junta da Galiza. 

1.º Que convém muito que Lisboa seja libertada da tropa francesa. 
2.º Que para consegui-lo assim será muito conveniente um desembarco em Lisboa. 
3.º Que a Galiza deve também requerer este desembarco. 
4.º Que logo que não haja tropas francesas em Portugal, esta nação há de socorrer a Espanha com quarenta a cinquenta mil homens. 

Chaves, 22 de Junho de 1808. 


[Fonte: Archivo Histórico Nacional de España, "Estados de Fuerza de las tropas españolas en Portugal. Documentación relativa a los ejercitos de la provincia de Tras-os Montes, así como a subsistencias y pasaportes de ciudadanos", ES.28079.AHN/5.1.145.4.1.1.57.3//DIVERSOS-COLECCIONES,87,N.27].

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Observações:

Como atrás indicámos, o  Coronel Manuel Francisco da Silveira Pinto proclamara a restauração de Vila Real no dia 16 de Junho. Três ou quatro dias depois, soube-se em Vila Real que uma coluna de franceses comandada por Loison marchava em direcção ao Porto, vindo por Lamego. Os portugueses decidiram então tentar obstar a passagem dos franceses, fazendo uma emboscada no alto dos Padrões da Teixeira. Contudo, como não havia tropas organizadas na zona, Silveira partiu para Chaves, vila que tinha munições e pólvora armazenada, e onde já estava formado um pequeno exército duns 150 homens de infantaria de linha (recordemos que aquela vila tinha sido precisamente a primeira localidade portuguesa onde surgiram manifestações populares contra o governo francês).
Já em Chaves, Silveira enviou na tarde do dia 21 um ajudante seu até ao Corregedor de Monterrei e ao Administrador da Alfândega de Verín, a fim de convocá-los para tratarem de "assuntos importantes". Como um dia antes Loison tinha chegado a Lamego, os galegos, receosos de que os transmontanos se retractassem, tentaram impedir que aquelas duas autoridades passassem a fronteira portuguesa, não obstante as mesmas terem decidido fazê-lo. 
Enquanto estas não chegavam, partiram de Chaves os referidos 150 militares, com 4 peças de artilharia, munições e pólvora. Silveira ficou para trás, continuando à espera dos referidos Corregedor e Administrador, que só chegaram a Chaves às cinco da tarde do dia 22, já depois de Silveira lhes ter enviado um segundo aviso. A carta acima transcrita resume o resultado daquelas conversações, onde Silveira propôs os citados termos à Junta da Galiza, como base para um futuro acordo formal de cooperação mútua.

Finalmente, resta dizer que esta carta era acompanhada pela seguinte nota de recomendação, escrita provavelmente por uma das duas referidas autoridades galegas, aquando da remessa desta e doutras cartas à Junta da Galiza, junto com um ofício que explicava os acontecimentos a norte do Douro:

Nota: O dito Manuel Francisco da Silveira Pinto era Tenente-Coronel do Regimento de Cavalaria portuguesa n.º 6 e Comandante interino do dito regimento, que tinha deixado o serviço e retirado-se à sua casa de Vila Real, sujeito de distinção e conhecido mérito, por mais razões dispunha no dia de ontem a saída de tropas, munições e armas para atacar a coluna francesa que invade a referida província de Trás-os-Montes, confiando o comando a um filho que tem, capitão; todos os oficiais militares tomavam as suas ordens e deve presumir-se que obra com a faculdade e o acordo das demais autoridades. 
Entre outras coisas relativas ao feliz êxito das armas de ambas nações, manifestou verbalmente que, evacuado Portugal de todas as tropas francesas, o auxílio das que oferece no 4.º artigo a favor de Espanha, serão pagas pela sua nação. Um sr. da minha confiança tratará com a Regência já estabelecido no Porto, e por conseguinte está (até que Lisboa esteja livre do jugo) com a que reassumirá em si a soberania em nome do seu legítimo Rei D. João VI.


Carta do Coronel Francisco da Silveira ao Corregedor de Monterrei e ao Administrador da Alfândega de Verín (22 de Junho de 1808)



Sendo-me necessário tratar com alguma autoridade do Reino da Galiza, lembrei-me de Vossas Mercês. Eu sou conhecido, [e estou] seguro que as províncias de cá do Douro estão em armas; entra neste número a cidade do Porto, [tendo] à sua testa o Excelentíssimo Bispo; assim, venham debaixo do meu seguro, e [saibam] que os portugueses são amigos e irmãos dos galegos. 
Chaves, 22 de Junho de 1808. 


[Fonte: Archivo Histórico Nacional de España, "Estados de Fuerza de las tropas españolas en Portugal. Documentación relativa a los ejercitos de la provincia de Tras-os Montes, así como a subsistencias y pasaportes de ciudadanos", ES.28079.AHN/5.1.145.4.1.1.57.3//DIVERSOS-COLECCIONES,87,N.27].

Proclamação do Juiz Desembargador José Feliciano da Rocha Gameiro, anunciando a punição dos traidores (22 de Junho de 1808)




Proclamação do Bispo do Porto renovando os apelos à tranquilidade pública (22 de Junho de 1808)



Auto de eleição da Junta Suprema do Reino do Algarve (22 de Junho de 1808)


Auto de Eleição do Conselho Supremo deste Reino do Algarve, a que procedeu o Clero, Nobreza e Povo desta cidade [de Faro], como capital do mesmo Reino. 

Aos vinte e dois dias do mês de Junho de mil oitocentos e oito anos da era de Cristo Senhor Nosso, nesta cidade de Faro, [e na] Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo:
Animada mais e mais a fé do Povo de que a sua fiel constância podia restituir-lhe a sua antiga Liberdade, cooperando assim mesmo para a restauração do Trono Lusitano à Fidelíssima Casa de Bragança; pediu, clamando, a constituição de um Conselho em que depositasse todos os Direitos que unem e dirigem a sociedade civil, e que por força de uma tão grande Autoridade deliberasse sobre todo e qualquer conhecimento, assim militar como político. Em unânime declaração de tão deliberada vontade, elegeu logo de seu poder absoluto para Presidente do Conselho ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Monteiro Mor, General em Chefe do Exército deste Reino [do Algarve], e lhe conferiu toda o Direito sobre a particular economia do mesmo Exército; eleitos bem assim sete Vogais de cada um dos três Estados (Clero, Nobreza e Povo), se procedeu à eleição de oito Deputados que a pluralidade de votos se achou serem os Ilustríssimos Domingos Maria Gavião Peixoto, Bacharel formado em Cânones e Arcediago da Santa Sé desta cidade; António Luís de Macedo [e Brito], Doutor de Capelo em Cânones e Cónego Prebendado na mesma Santa Sé; Joaquim Filipe de Landerset, Major da Praça da dita cidade; Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, Mandante do Exército deste Reino; o Doutor José Duarte da Silva Negrão, Desembargador aposentado na Relação do Porto; José Bernardo da Gama Mascarenhas, Bacharel formado em Jurisprudência; o Capitão Miguel do Ó, negociante matriculado na Praça do Comércio; Francisco Aleixo, Oficial de Pedreiro; Deputados que vão a constituir ao lado do seu Excelentíssimo [Presidente] o novo e Supremo Conselho deste mesmo Reino. E para sua constância requereu o Povo este Auto, que eu, José Francisco de Abreu Camacho, Escrivão proprietário do Senado da Câmara [de Faro], escrevi e assinei com assistência do Excelentíssimo Reverendíssimo Prelado desta Diocese [e dos] Ilustríssimos Manuel José Plácido Silva Negrão, Corregedor desta Comarca, e Manuel Herculano de Freitas Azevedo Falcão, Juiz de Fora desta cidade, que receberam e publicaram os votos.
José Francisco de Abreu Camacho, Escrivão proprietário do Senado da Câmara, Armas de Aleluias, Saúde e Armazéns, o escrevi.

Francisco, Bispo do Algarve.
Manuel José Plácido da Silva Negrão.
Manuel Herculano de Freitas Azevedo Falcão. 

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, 1941, pp. 356-357. Um excerto deste auto foi publicado originalmente na Gazeta do Rio de Janeiro, n.º 4, 24 de Setembro de 1808]. 

Resposta da Câmara Municipal de Vila Nova de Portimão à participação da Câmara de Faro (22 de Junho de 1808)



Ilustríssimos Senhores Presidente e demais oficiais da Câmara:

A Câmara desta vila, recebendo a carta de Vossas Senhorias de vinte do corrente, no dia hoje convocou logo a nobreza e povo da mesma, e todos uniformemente convieram no convite que Vossas Senhorias lhes fazem e se unem aos seus sentimentos por serem tão ajustados à felicidade e amizade que os condecora para com os seus soberanos; porém, como Vossas Senhorias têm a honra de administrarem o Governo económica da capital deste reino, e estão em melhor posição de obterem os meios da defesa comum, todos se louvam em Vossas Senhorias para elegerem estes, e participar-nos as determinações e disposições que tiverem achado convenientes à segurança pública deste reino, a fim de as executarmos na parte que nos respeita. É natural que semelhante resolução fosse tomada sobre medidas com os povos vizinhos e com a capital e reino que nos cerca, e que Vossas Senhorias [a] esta hora tenham participado os seus projectos ao Excelentíssimo Senhor Conde de Castro Marim, a quem Sua Alteza Real tinha confiado o governo deste Reino, para que este correspondendo-se com o Senado da Câmara de Lisboa e com os encarregados pelo mesmo soberano da Regência destes Reinos, nos dê as ordens que mutuamente emanarem das autoridades constituídas para se executarem como convém. Entretanto devem Vossas Senhorias contar com o semestre das vias deste termo, que chegará a quatrocentos mil réis, únicos direitos reais que existem ainda sem se terem remetido para a cabeça da comarca de Lagos, onde se acha há muito tempo o primeiro terço da contribuição de guerra que talvez existirá ainda. Estão feitas as demonstrações necessárias para uma deliberação que tanto satisfaz os portugueses; e como não há receio do inimigo comum por ora nestes sítios, esperamos portanto as disposições e cautelas que Vossas Senhorias tiverem achado aptas a prevenir para o futuro, para nos traçarmos[?] de comum acordo na execução do que por Vossas Senhorias se assentar, e sempre que haja desconfiança de inimigo que possa inquietar-nos Vossas Senhorias nos deverão avisar das notícias que tiverem, o que nós igualmente participaremos a Vossas Senhorias, ou a quem Vossas Senhorias se tiverem votado para nos legar neste Reino. 
Deus Guarde a Vossas Senhorias, Vila Nova de Portimão, em Câmara de vinte e dois de Junho de mil oitocentos e oito. 

Eu, Teodoro Maria Biquer e Gusmão, Escrivão que o escrevi. 
O Juiz de Fora Jerónimo José Carneiro 
António José Antunes 
José Inácio Bustorf 
Miguel de Sousa Prado 
José Pedro dos Santos 



[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, pp. 82-84].

Resposta da Câmara Municipal de Albufeira à participação da Câmara de Faro (22 de Junho de 1808)



Ilustríssimos Senhores Juiz Presidente, Vereadores e demais Oficiais da Câmara da cidade de Faro: 

Acusamos a Vossas Senhorias a recepção da [carta] que nos enviaram na data de vinte do corrente, cujo conteúdo expusemos logo a este povo, convocando-o a pregão e toque de sino; e como quer que tivéssemos a satisfação de vermos todos decisivamente inclinados a tomarem com sinceridade e coragem parte na causa portuguesa e a quererem do coração unir-se à proposta que Vossas Senhorias por nós lhes faziam. Temos a glória de lhes certificarmos a nossa lealdade e a deste povo, oferecendo-a cordialmente para toda e qualquer reacção que seja necessária fazer-se ao comum inimigo, para cujo efeito todos constantemente se puseram em força armada, excogitando à porfia os meios mais adequados para mais segura resistência, e para melhor conseguirem o fim de serem sempre honrados portugueses. Nestes termos podem Vossas Senhorias contar com esta povoação e seu termo, para o que nos ponderarem e dignarem-se ter connosco toda a inteligência precisa para a constante unanimidade. 
Viva o Príncipe Regente Nosso Senhor. 
Deus guarde a Vossas Senhorias muitos anos. 
Albufeira, em Câmara, vinte e dois de Junho de mil oitocentos e oito. 

José das Neves Barbosa 
João Nunes de Figueiredo 
Lopo Leotte Tavares 
Francisco Rodrigues de Sousa Grade 
José Lopes Mousinho 

PS: As cartas que Vossas Senhorias nos pediam [que] quiséssemos enviar às demais Câmaras, a quem elas se dirigiam, as levou Sebastião Duarte, dizendo-nos que verbalmente vinha incumbido disto e outras coisas; estimaríamos muito para nosso governo saber qual é a sua autoridade ou comissão. 

[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, pp. 80-81].

Resposta da Câmara Municipal de Castro Marim à participação da Câmara de Faro (22 de Junho de 1808)



Ilustríssimos Senhores Presidente, Vereadores e Oficiais da Câmara da cidade de Faro: 

Hoje recebemos o ofício de Vossas Senhorias com data de vinte do corrente, participando-nos a gostosa notícia de que esse povo proclamara por seu legítimo Soberano o Príncipe Regente de Portugal Nosso Senhor, arvorando-se as suas bandeiras, às quais se reuniram os habitantes de todas as classes dessa mesma cidade e termo, para defenderem os direitos do mesmo Soberano, Pátria, vidas e propriedades, contra os esforços do inimigo comum; em consequência, respondemos a Vossas Senhorias que lhes louvamos muito a sua participação e lhes fazemos saber que ontem se determinou este povo a tomar o mesmo partido, e fica tudo pegado em armas para repelir com toda a força o inimigo comum e salvarmo-nos do jugo que tanto nos oprimia; todos nós de comum acordo devemos auxiliar uns aos outros, e nestas circunstâncias representamos a Vossas Senhorias que temos toda a necessidade de armamento e munições de boca, pois tudo o que havia destas classes levaram e destruíram os nossos inimigos. As outras cartas que Vossas Senhorias dirigiram para as Câmaras de Vila Real [de Santo António] e Alcoutim tomaram logo os seus destinos, e aos homens dessa cidade [de Faro] que as conduziram até aqui se lhes mandou dar víveres. 
Deus guarde a Vossas Senhorias. 
Castro Marim, Câmara de vinte [e] dois dias de Junho de mil oitocentos e oito. 

Belchior Drago Valente 
António Rodrigues Brabo 
Manuel José de Santiago e Castro 

[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, pp. 86-87].

Resposta da Câmara Municipal de Silves à participação da Câmara de Faro (22 de Junho de 1808)



Ilustríssimo Senhor Presidente, Vereadores e demais Oficiais da Câmara: 

Com a mais extraordinária alegria e satisfação recebemos a feliz notícia da nossa segunda Restauração e agradecemos a Vossas Senhorias o terem dado um exemplo de patriotismo e constância, que em breve será abraçado por todos os verdadeiros portugueses, e igualmente a lembrança, para nós honrosa, que Vossas Senhorias tiveram de escrever em primeiro lugar a esta Câmara, o que nós tínhamos direito de exigir, pelas nossas virtudes patrióticas. 
Hoje, vinte e dois do corrente mês, foi o dia memorável em que solenemente foi quebrado o jugo insuportável da dominação francesa, e restaurada a nossa antiga independência. 
A Câmara, nobreza e povo proclamou legalmente por seu legítimo soberano ao Príncipe Regente Nosso Senhor; foi novamente levantada a real bandeira, descobertas as suas invencíveis armas, cantando solenemente o Te Deum na Sé desta cidade. 
De hoje em diante a Câmara desta cidade dá e dará todas as providências necessárias para a defesa dos habitantes e para a resistência do inimigo comum. 
Nós pedimos a Vossas Senhorias que nos façam a graça de enviar o Digníssimo Deão da Sé dessa Catedral [de Faro], munido de todos os poderes, a fim de dirigir as operações das Câmaras desta cidade, Vila Nova de Lagoa, e todas as dessa cidade até ao Cabo de São Vicente, e igualmente autorizado para poder tratar com os comandantes das forças inglesas que acharem nestas costas. 
O Tenente Coronel Diogo João, como terceiro vereador, está encarregado de interessantes comissões, e por isso não pode concorrer para essa cidade, e nós igualmente pedimos a Vossas Senhorias [que] o queiram deixar nesta cidade, onde se faz tão necessário. 

Viva o Príncipe Regente 
Verdadeiro e Legítimo Soberano 
e Viva a Nação Portuguesa 

Deus Guarde a Vossas Senhorias muitos anos. 
Silves, em Câmara de vinte e dois de Junho de mil oitocentos e oito. 

O Juiz Presidente, José António Pereira Brahlances [?]
José Telles Moniz Corte Real 
Diogo João Mascarenhas Netto 
Rodrigo de Sousa Castel Branco 

[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, pp. 75-77].


Acta de vereação da Câmara de Faro (22 de Junho de 1808)



Nesta vereação foi proposto que, para evitar toda a suspeita e acautelar todo o dano que pode resultar à nação por cartas missivas* dirigidas aos indivíduos franceses, determinou[-se] que o correio desta cidade não abrisse as bolsas nem as fechasse com cartas que daqui fossem, sem a assistência duma pessoa de probidade e zelo pelo interesse comum desta pátria [e] que por este Senado fosse nomeada. E logo foi nomeado para este fim o Major António de Brito Correia Mascarenhas, Vereador mais velho, para assim o executar com aquela honra e actividade de que é notório desta cidade. E logo, na mesma vereação se determinou que vista [a] urgente necessidade que há de dinheiros para as munições de boca necessárias para a tropa que se acha em armas e vendo-se que não há dinheiros nos cofres em quantidades superabundantes, este Senado, querendo ocorrer com as providências necessárias para este fim, sopesa às autoridades constituídas os dinheiros que pela sua repartição forem existentes, por não haver escrúpulo em se entregarem para a defesa da pátria; e que, igualmente sopesa a cada um dos habitantes desta cidade e seu termo as porções voluntárias que cada um queira dar [de] ajudas para esse fim. E logo nomearam para depositário o Administrador do fornecimento das munições de boca ao Sargento mor Joaquim Ramalho Ortigão. E por não haver mais que determinar, etc... 

Azevedo Falcão 
Brito 
Barroso 
Pinto Coelho 
Sanches 
Amaro de Santa Teresa 

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 186, doc. 24].

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* [Nota do transcritor das actas]: “Não compreendemos que em tal ocasião, quando a Câmara ainda não dissera uma palavra sobre o sucesso de Olhão (sobre os quais sempre se calou) nem sobre os de Faro, se preocupasse tanto com a correspondência dos franceses, já em fuga!...”.


Estado das forças francesas em Portugal, segundo informações de três desertores de Hanover (22 de Junho de 1808)



Em Lisboa e vizinhanças

Infantaria francesa

Regimento n.º 15
2 Batalhões
800
Regimento n.º 66
1 Batalhão
800
Regimento n.º 70
4 Batalhões
3.000
Regimento n.º 82
2 Batalhões
800
Regimento n.º 86
3 Batalhões
2.000
Total
7.400


Cavalaria francesa

Regimento n.º 3 (dois Batalhões)
Caçadores a cavalo
2.000
Regimento n.º 9 (um Batalhão)



Infantaria estrangeira

Legião de Hanover
1 Batalhão
800
Legião de Suíços
1 Batalhão
800
Total
1.600



Em Setúbal e nos fortes a sul do Tejo

Regimento n.º 31
Caçadores italianos, na maioria
1 Batalhão
800
Regimento n.º 32
1 Batalhão
800
Total
1.600


Tropas que marcharam para as fronteiras orientais de Portugal

Regimento n.º 86
1 Batalhão
700
Regimento n.º 26
2 Batalhões
1.000
Total
1.700


Infantaria estrangeira

Legião de Neule
800
Três Batalhões de suíços
2.400
Total
3.200


Em alguma parte de Portugal, desconhecida dos desertores

Regimento n.º 47
4 Batalhões
3.000



Total
20.500



[Outras informações]

Regimento n.º 3 de Infantaria espanhola
Desarmados em Lisboa e aprisionados a bordo dos navios russos
Regimento n.º 1 de Cavalaria espanhola

150 russos desembarcaram de cada navio e estão ao serviço em Lisboa

Existe muito pouca artilharia francesa em Portugal

O General Junot está reforçando o castelo de Lisboa




[Fonte: “French Force in Portugal, as stated by three Hanoverian deserts, 22d June 1808”, in Instructions to the Commanders of His Majesty’s Forces in Spain and Portugal, in 1808, s.ed., s.l., 1809, p. 26].


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Nota: 

Aproveitando o início das revoltas populares e a retirada dos franceses do sul de Portugal, o General Spencer tinha deixado a foz do Guadiana para vir apressadamente até à foz do Tejo, a fim de falar com o Almirante Charles Cotton, que ali se mantinha inalterável com a sua esquadra. A sua ideia era ver se valia a pena trazer os cerca de 5.000 homens que comandava (e que tinham ficado em embarcações a sul de Sagres), para desembarcá-los perto de Lisboa ou somente fazer alguma manobra de diversão que provocasse o pânico entre os franceses (como directa ou indirectamente tinha acontecido no sudeste algarvio). Contudo, a zona de Lisboa contava com muitos mais franceses do que Spencer supunha, conforme pôde concluir a partir do relatório acima transcrito, assinado pelo Tenente-Coronel George W. Tucker a 22 de Junho de 1808, e elaborado de acordo com informações fornecidas por três hanoverianos que tinham desertado do exército francês que ocupava Portugal (recordemos, a propósito, que a 6 de Março Napoleão dera a entender a Junot para retirar a Legião Hanoveriana da costa, talvez precisamente para evitar situações destas). 


Carta do General José Galluzo, em nome da Junta Suprema da província espanhola da Extremadura, a D. Federico Moretti, sobre a tomada da praça de Juromenha (22 de Junho de 1808)



Pelo ofício de Vossa Senhoria de 21 do corrente mês, vejo que se apoderou dessa praça [de Juromenha], em consequência das acertadas providência que tomou Vossa Senhoria; e sendo muito conveniente que se mantenha nela com a tropa do seu mando, espero que Vossa Senhoria, com o seu acreditado zelo e amor ao nosso Soberano, tomará todas as medidas oportunas para se suster nesse ponto enquanto for possível; e no caso de que as circunstâncias exijam que o abandone, procurará fazer a retirada com a precaução correspondente, em cujo caso pedirá auxílio à praça de Olivença, para que possa executá-la com a maior segurança, sendo muito importante que com antecedência tenha prevenido tudo o que for conveniente para transportar as armas, artilharia e os demais efeitos que indica nos relatórios que me enviou; e, se não puder transportar os canhões, deixe-os inutilizados, tal como os seus trens. Devo ainda advertir a Vossa Senhoria para que previna o Governador da praça de Olivença a fim de estar atento aos movimentos que os inimigos possam executar nestas imediações, para acudir a auxiliar Vossa Senhoria prontamente, por quantos meios lhe sejam possíveis.
Esta Junta Suprema fica satisfeita do zelo de Vossa Senhoria e do acerto com que se manejou nesta empresa, e pelo mesmo motivo aprovou e agradece a Vossa Senhoria através do meu conduto, esperando que continuará com o mesmo zelo na conservação desse ponto.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Badajoz, 22 de Junho de 1808.

José Galluzo



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Nota: 

O primeiro levantamento popular alentejano ocorreu no dia 19 de Junho de 1808, quando o povo de Vila Viçosa investiu sobre o destacamento francês que ali se encontrava, o qual se viu obrigado a encerrar-se no castelo da localidade. Esta acção, bastante arriscada (dado que entre Elvas e Estremoz, ambas a pouca distância, encontravam-se pelo menos uns 6.000 franceses, comandados pelos Generais Kellermann e Avril), foi logo abafada no dia seguinte, através do envio de mais de 2.000 franceses sob o mando do próprio General Avril, que dominaram a insubmissão e saquearam a vila durante uma hora, morrendo na contenda cerca de 26 portugueses e 36 franceses, segundo as crónicas portuguesas (o Boletim n.º 1 do exército francês mostra uma outra versão).
Entretanto, logo na noite de 19 de Junho tinham partido dois deputados de Vila Viçosa em direcção a Badajoz, com o objectivo de requerem auxílio à Junta Suprema da província espanhola da Extremadura (sediada precisamente em Badajoz). Pouco demoraram estas conversações, pois logo no dia 20 a dita Junta decide nomear o Coronel D. Federico Moretti, segundo conta o próprio, "para entrar em Portugal com uns duzentos homens da Legião de Voluntários Estrangeiros do meu mando (que tinha formado naqueles dias em Badajoz com o objectivo de favorecer os portugueses que queriam, imitando-nos, sacudir o jugo francês); naquela mesma noite cheguei a Olivença, e no dia seguinte, 21 de Junho, fiz-me dono da praça de Juromenha" [Fonte: Contestacion del Brigadier Don Federico Moretti y Cascone, (en la parte que le toca) al Manifiesto del Teniente General D. Juan Carrafa, Cadiz, Imprenta de Don Jose Maria guerrero, 1812p. 19]. 
D. Federico Moretti (que como vimos passara pelo Algarve e Alentejo com o exército espanhol encarregado de ocupar aquelas províncias), contudo, omite vários dados nesta passagem. Ao chegar a Olivença na noite do dia 20, Moretti encontrou-se com o Sargento mor das Milícias de Vila Viçosa, António Lobo Infante de Lacerda, que ali se tinha refugiado depois de ver que era infrutífera a resistência ao mencionado ataque das forças de Avril. Concordando que o número de soldados que dispunham eram bem inferiores ao dos franceses, concertaram então estes dois comandantes que seria mais viável ocuparem a praça-forte de Juromenha, que serviria de ponto de apoio para manobras posteriores. Esta operação foi executada sem problemas logo no dia seguinte, por cerca de duzentos espanhóis e vinte portugueses que tinham acompanhado o Sargento António Lobo, todos eles comandados por Moretti, que detinha a maior patente. Depois de terem aprisionado o Governador da praça, José Joaquim de Silveira (acusado de colaboracionista), estes homens arvoraram a bandeira portuguesa e aclamaram o Príncipe Regente. Moretti notificou então a Junta da Extremadura, que lhe respondeu com a carta acima transcrita. Moretti permanecerá em Juromenha até 18 de Julho (quando parte para Évora com um corpo mais reforçado, como adiante veremos), tendo entretanto enviado diversas cartas e proclamações às povoações portuguesas das redondezas, convidando-as a se reunirem à "causa comum" e a formarem Juntas de governo, ao mesmo tempo que procurava causar o maior dano possível aos franceses, mandando interceptar a sua correspondência e tomar-lhe o gado, vinho e outros víveres com que se abastecia. 


Vista aérea da praça-forte de Juromenha, sobranceira ao Guadiana (cujo leito subiu bastante devido à construção da barragem do Alqueva).