Lê-se numa relação impressa na Minerva Lusitana de 21 de Julho de 1808 que a 16 de Junho foram reconhecidos em Vila Real, primeiro do que alguma outra parte, os direitos do nosso augusto Príncipe, e rompido o vergonhoso grilhão francês que nos oprimia. Não é verdade, nós o temos visto, que Vila Real fosse a primeira em sacudir o jugo e restituir-se ao governo legítimo; mesmo sem sair da província e sem falar em Bragança, muitas outras terras lhe precederam, como Miranda, que se declarou a 13, Ruivães a 14, etc.
As suas pretensões de preferência sobre Bragança fundam-se na suposta ideia de que os aclamadores desta cidade haviam retrocedido; ideia que parecia confirmada por aquelas memoráveis cartas de que falei há um momento, as quais foram interceptadas em Vila Real; mas a cobardia e a deserção de dois ou três homens tímidos não prejudica o valor e firmeza de um povo inteiro, que continuou e consumou a restauração.
O Tenente-Coronel de Cavalaria (hoje [1811] Marechal de Campo) Francisco da Silveira Pinto da Fonseca foi um dos oficiais militares que Sepúlveda chamou junto a si logo desde os primeiros momentos da restauração; e Silveira, irresoluto ainda, deixou-se ficar em Vila Real, onde se achava; apenas, porém, ali rompeu a revolução, pôs-se à frente dela. Vila Real, tornando-se a émula de Bragança, Silveira foi o competidor de Sepúlveda; fez-se independente deste General e declarou-se chefe da revolução. É assim que começou a sua carreira um General ilustre, que depois se tem assinalado por tão distintos serviços, como tem feito ao Soberano e à pátria, na segunda restauração de Chaves, na defesa das províncias do norte, na Galiza mesmo, e na Beira Alta, onde neste momento [1811] está servindo de barreira à entrada de novos reforços do inimigo e cortando as comunicações a Massena.
Não cumpriu as determinações de Sepúlveda, e Sepúlveda chegou ao ponto de enviar o Brigadeiro (hoje Tenente-General) Manuel Pinto Bacelar para o prender. Bacelar contemporizou, pensando poder reduzir as coisas à devida ordem sem tocar os extremos; não o conseguiu, e entretanto Silveira passou o Douro; não como um fugitivo que intentava subtrair-se ao castigo, mas como um patriota zeloso e um militar afoito, que ia levar o estandarte da independência nacional às terras da Beira, de que algumas já reconheciam o governo legítimo e muitas ainda sofriam o jugo.
A prudência do Bispo do Porto e da Junta Suprema do Governo, e também o tempo, que tudo adoça, puseram felizmente o termo a estas contestações, sem aquelas grandes consequências que podiam ser o seu resultado. Eram contestações entre dois homens que, animados de iguais sentimentos e desejando constantemente o bem, não deviam jamais separar-se nas suas operações; destas, a disposição pertencia inquestionavelmente ao General e a execução religiosa aos subalternos; mas como todo o princípio, por mais verdadeiro que seja, admite variedades na sua aplicação aos factos, pela das circunstâncias que o determinam, eu não me constituirei Juiz nesta causa, não cessando contudo de clamar contra um monstro que, sendo um inimigo eterno de toda a ordem social, destruindo todos os planos, todas as combinações as mais bem entendidas, é uma das primeiras causas dos desconcertos morais deste pobre mundo que habitamos, e aumenta terrivelmente as calamidades da espécie humana: Maldita discórdia, possam os homens estar sempre prevenidos contra os teus venenos!
[Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo III, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 150-154].