terça-feira, 21 de junho de 2011

Notícias circunstanciadas dos sucessos na viagem do General Loison, dos dias 21, 22 e 23 de Junho de 1808



Tendo-se em 16 de Junho em Vila Real, primeiro que em outra parte, reconhecido os Direitos do Nosso Augusto PRÍNCIPE e rompido o vergonhoso Grilhão Francês que nos oprimia, na tarde desse feliz dia se ouviram por toda a parte alegres vozes de Viva Portugal, Viva o PRÍNCIPE, e Viva a Religião, pondo-se à testa de toda a Nobreza e Povo Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, Tenente Coronel de Cavalaria. Depois de tão gloriosa acção, se principiou a combinar os meios com que se fizesse realizar o projecto de extermínio do Tirano e Sanguinário Governo Francês, e restaurar em Portugal o da Soberana Casa de BRAGANÇA. Foi então que se soube em Vila Real que o General Loison, à testa de 2.500 homens, se encaminhava por Lamego ao Porto, a vingar nesta cidade a prisão que os valorosos Espanhóis tinham feito nos executores infames do pérfido Governo Francês; projectou-se obstar-se-lhe na passagem do Douro, porém, reflectindo-se melhor, intentou-se atacar o inimigo na passagem do escarpado Marão no sítio dos Padrões da Teixeira, convidando-se a isto os Povos de Guimarães, [Marco de] Canaveses e Amarante; partindo o Tenente-coronel Silveira para Chaves, a procurar fazer marchar 150 homens de Infantaria, já ali unidos, alguma Artilharia, e principalmente pólvora e bala, que não tínhamos. 
Enfim chega o dia 21, em que Loison passa o Douro com 2.500 Infantes, 100 Dragões, 4 Peças de Artilharia e 2 Obuses, trazendo 27 carros de bagagem. 0 General marchava numa carruagem no centro de uma desmantelada coluna, que marchava com toda a confiança de Conquistadores, sem ordem, e mesmo sem Armas carregadas: passaram primeiro 8 Cavaleiros, que imediatamente se dirigiram a Mesão Frio, para fazerem Quartéis; passou depois o General e o infame português Baeta, Físico-mor do Exército Francês, e a Cavalaria; o General e o Físico-mor dirigiram-se à Estalagem da Régua para almoçar, onde um valoroso Soldado do 18.º Regimento, por alcunha o Ruivo, intentou vingar neles as mortes que tão injustamente este General fez nos Oficiais, Soldados, e Paisanos na vila das Caldas, mas que aquela povoação não consentiu com o temor de que fosse arrasada. A Infantaria principiou a passar e logo que se achava formada alguma Divisão, carregava as armas e continuava a marcha a Mesão Frio. Estando Loison para jantar nesta vila, lhe veio dizer uma Ordenança que nos Padrões da Teixeira os Paisanos da Serra não os deixavam passar, a que respondeu o General, cheio de cólera: «Fazia tenção de dormir aqui, agora mudei de tenção; às 4 horas da tarde vou castigar os rebeldes.» Principiando de jantar, chega-lhe a notícia que na Régua dois valorosos homens portugueses tinham principiado a atacar as bagagens, e que este partido ia engrossando; destina-se o General a vir castigar os novos rebeldes: toca às armas; deixam comeres, malas e fardos em poder dos habitantes, e correm à Régua, aonde dois corajosos homens de Canelas, chamados António Teixeira Fraga Botelho e Manuel Pereira Falante, acompanhados depois de Manuel Alves Failde, António Teixeira de Araújo e do sempre animoso Capitão-Mor da Prezegueda, que ali tinha vindo com suas Ordenanças, e que em todo o dia comandou e animou, com outros de Poiares e Covelinhas, como também do Peso da Régua, atacaram a guarda da bagagem, que seriam 200 homens, e tendo-lhe feito grande carnagem, desampararam três carros que já tinham passado o Rio Douro, dos quais os nossos ficaram senhores, ficando a outra da margem oposta, à excepção de uma barca que vinha passando o rio, da qual os marinheiros se fizeram senhores, ficando todos os seus efeitos nas nossas mãos; este sucesso fez retroceder o General e a sua Coluna. Uns corajosos Paisanos se emboscaram no sítio do Santinho; Carlos, Cirurgião da Régua, e outro, cujo nome se ignora, esperaram com as armas ocultas, mas descobertos, que o General passasse; passou, e a 30 passos lhe atiraram quatro tiros, e vendo que não caíra, lhe começaram a atirar à pedra, acção que pasmou o General; os emboscados fizeram fogo, mataram 2 Oficiais de Dragões e alguns Soldados de Cavalaria, mas se retiraram, porque duas Companhias Ligeiras passaram a atacá-los nas vinhas; os nossos tomaram as alturas, e o General, estabelecendo as suas guardas, se acampou no Olival Escuro, e assim se manteve tranquilo aquela tarde e noite, sendo contudo incomodado algumas vezes pelos Paisanos. Foi neste dia de manhã que Carlos, irmão do Capitão do Peso, matou o Capitão da 3.ª Companhia do 2.º Regimento de Infantaria Ligeira, chamado Francisco Leport, com ferimento de faca. Distinguiram-se mais João Guedes Figueira, João de Mancilha, um Alfaiate, e o Esquerdino, e outros muitos do Peso e Régua. 
Projectando no dia 22 o inimigo saquear o Peso e a Régua, quis assegurar-se das alturas de S. Gonçalo, e Senhora da Graça de Lobrigos, e Ribeira de Jugueiros; para isto mandou o Grão-Major de Batalha com um Destacamento de 30 homens, e vários outros Destacamentos, e fez passar a Artilharia para o lado oposto do rio, e a fez assestar no Peso e Régua; pôs as suas Guardas de forma que estas povoações ficaram cercadas; bordou tudo com a sua Tropa, e passou a executar mil modos de barbaridades e crueldades sobre os infelizes, que por sua idade, sexo e enfermidades não puderam largar as suas casas; o que tendo executado, sendo avisado [que] ia a ser atacado por diferentes Colunas de valorosas e corajosas Ordenanças, ao meio-dia tocou a reunir, e começou de repassar o Rio Douro, esquecendo-se de ir ao Porto executar os vis projectos do seu infame Governador. Foi neste dia de manhã que no posto da Senhora da Graça três valorosos Paisanos de Vila Real e um do Peso atacaram a Guarda do Grão-Major, matando a este e mais dois Soldados, sendo o primeiro que o feriu João Baptista de Araújo, Estanqueiro de pólvora em Vila Real, e repetindo-lhe segundo o caixeiro do Velela do Peso, tomando-lhe o primeiro um bom macho em que ia o tal Oficial. O Reverendo Capucho Fr. Pedro de Parada de Cunhos aqui matou 2 Soldados, e no alto de S. Gonçalo outro foi morto, sem que neste ataque tivéssemos algum morto ou ferido, mas tão somente aqueles infelizes, que a raiva a barbaridade de hum inimigo batido sacrificou no saque ao seu furor. 
Foi na tarde do dia 22 que a Coluna de Ordenanças de Vila Real, numerosa em mais de 10.000 animosos Paisanos, comandada, por unânime consentimento de todos e pela nomeação do Capitão mor das mesmas Ordenanças de Vila Real, pelo Tenente de Cavalaria João Botelho Guedes, chegou a S. Gonçalo de Lobrigos, e sendo informado que o inimigo tinha embarcado e que só lhe restava uma pequena porção de Tropa a passar, animou o Povo, mandando uma porção pelas alturas da Senhora da Graça, e outra pela Ribeira de Jugueiros, para irem batendo todas aquelas vinhas, não caírem em alguma emboscada, e reconhecer o país; foi pelo centro o Tenente de Granadeiros de Milícias de Vila Real, António de Almeida, acompanhado dos valorosos habitantes de Vila Real, os quais, por mais que voaram, já acharam que o inimigo havia passado o Rio Douro; porém como divisassem gente e carros, se embarcam, passam o Rio, espargem uma pequena Guarda, fazem um prisioneiro, e tomam uma forja de Campanha; sendo noite se recolhem à Régua, aonde pelas 10 horas da noite chegaram também duas Colunas de Ordenanças de Guimarães e Amarante, vindo à testa desta o Alferes de Cavalaria n.º 6 Luís Maria de Cerqueira e o Cadete de Artilharia João Borges de Cerqueira; e à testa daquela o Monsenhor Miranda, o Mestre Escola e Cónegos da Colegiada de Guimarães, o Capitão de Cavalaria António de Sousa, o Tenente de Cavalaria João Pinto Passo e outros muitos Fidalgos e Cavalheiros daquela Província, não faltando em todas estas colunas imensos Religiosos de todas as Ordens, Clérigos e seculares de toda a qualidade. Para segurança e sossego de Paisanos tão valorosos mas cansados com marchas de 5, 7, e 12 léguas, se estabeleceram guardas avançadas, guarnições em todos os barcos e barcas, os quais foram guardados, e rondados com valor, vigilância e disciplina Militar. 
Tendo-se no dia 23 pela manhã distribuído pólvora e bala que a actividade do Tenente-coronel Silveira tinha remetido de Chaves, e chegando à nossa notícia que Lamego era saqueada, determina-se o embarque e ir socorrer os nossos compatriotas; não se vê outra coisa mais do que a emulação de ser o primeiro no embarque; e se algum desfalecia por falta de comida (pois havia muitos que fizeram a marcha de um dia sem ter tomado alimento) o Tenente Botelho e Francisco Correia do Amaral o animava, dando-lhe mesmo do seu dinheiro para comprarem pão em Lamego e marcharem, sendo ambos incansáveis em fazer embarcar a gente, animá-la e conduzi-la em seguimento do inimigo. 
Chega-se a Lamego: a valorosa coluna de Vila Real formada a 3, com Bandeiras despregadas e ao som de caixas batentes, e seguida das outras, fazem declarar a esta cidade, ressoar nas suas ruas alegres vozes de Viva o PRÍNCIPE REGENTE, Viva PORTUGAL, Morram os seus inimigos. Os Cidadãos desta cidade, berço da nossa Monarquia, repetem o mesmo, correm às armas e unem-se à causa comum. Isto feito, corre-se ao ataque e encontra-se o inimigo acima da Póvoa de Juvantes, aonde estavam descansando; mas vendo que o seguíamos, continua a sua marcha nesta forma: O General Loison com toda a sua Cavalaria na Vanguarda, levando no centro a bagagem, e a Infantaria em coluna na retaguarda, marchando com grande união e disciplina, mas velozmente. Foi aqui que 250 a 300 homens valorosos, cheios do maior ânimo e coragem fazem sobre o inimigo um fogo matador e constante por mais de duas léguas. É de admirar a ordem e o método, com que o faziam, aproveitando-se das posições locais, penedias, e desfiladeiros; a presteza com que depois de fazerem a sua descarga, se lançavam à terra para carregar, e enquanto os outros avançavam terreno para dar a sua descarga, o reconhecimento das alturas, as emboscadas, etc., sendo animados todos pela Nobreza já dita, distinguindo-se muito o Monsenhor Miranda e o Tenente João Pinto Passo, que igual ao vento chegou numa escaramuça a raspejar a coluna inimiga; porém, a falta de pólvora e bala fez cessar o fogo e ataque. Mostra bem o respeito que nos olharam, a disciplina com que a coluna inimiga marchava, a retirada em ordem que fazia, as guardas que lançava para protegê-la, e o ser obrigado o General a montar a cavalo e a manobrar em consequência. 
Cessando o ataque, o inimigo acampou em duas pequenas eminências, formando da sua coluna dois quadrados, e reconcentrando no seu intervalo toda a bagagem, postando fortes guardas em todas as direcções, que mesmo de noite foram incomodadas por alguns que dormiram ao pé e pelos povos daquelas serras, que igualmente concorreram a seguir o inimigo. 
No dia 24 não passaram de Castre Daire, sendo até ali mesmo acossados, aonde o General pediu fios para se curar, por ir ferido numa coxa. 
Resultou destes diferentes ataques ser livre a capital do Porto, pôr-se em fugida um General experimentado, que comandava esses chamados valorosos vencedores de Marengo, Austerlitz e Jena, sendo acossados por Paisanas descalços, armados pela maior parte de foices, chuços e paus; vermos seguras de invasão as províncias do Minho e Trás-os-Montes; sofrendo de perda incalculáveis bagagens, já na Régua, que se lhe tomaram, já em Mesão Frio e Castro Daire, que abandonaram; vários e ricos uniformes, que ornam os Templos de S. Gonçalo de Amarante e [da] Senhora da Oliveira em Guimarães, e de que andam vestidos os nossos Paisanos; 2 obuses e mais de 25 barris de pólvora e bala, que foram mergulhados no Rio Douro, uma forja de Campanha, que enobrece Vila Real, outra despedaçada na Póvoa de Juvantes, uma carreta ali quebrada, a secretária lançada no Rio; perda para eles e para nós considerável, para nós por perdermos o conhecimento de seus planos e projectos, livros mestres e económicos de Companhias, livros e instrumentos de música, e sobretudo várias preciosidades de ouro e prata, que deixaram os nossos Paisanos ricos. 
Calcula-se a perda dos mortos do inimigo em mais de 300, e sabe-se que em Viseu achou de menos 700 a 800; nos mortos entra um Grão-Major, um Ajudante de Ordens, um Capitão e dois Oficiais de Cavalaria; consta levar de Castro Daire 20 carros de feridos, sendo do seu número o General e um Ajudante de Campo. Morreram da nossa parte 4 valorosos homens, perda considerável pelo seu valor, o qual os sacrificou até ir com uma foice no Peso atacar-lhe as fileiras; tivemos três feridos; morreram mais no saque 15 pessoas das desgraçadas que nas casas se achavam e [e que se] encontravam nos caminhos descuidadas. 
Distinguiram-se, além dos já nomeados e cujos nomes se puderam averiguar, de Vila Real o Capitão Baía, o Padre Luís Cambalhoto, 2 irmãos por alcunha os Paciências, Gregório das Quintelas, o Tenente de Milícias de Parada Cristóvão, o Reverendo José de Galegos da Serra, um sobrinho do pintor da Rua Nova, o Padre José Ferreira Grilo, Alexandre Carroça, António Dias, o Reverendo Abade de S. Dionísio, António Cumprido, um rapaz por alcunha o Mirandeiro, Romão Fernandes, todos de Vila Real, e outros muitos que ignoro os nomes; 3 Religiosos de Celeiros, os de Canelas, os da Prezegueda, muitos de Guimarães, alguns de Lamego, e entre estes os Marchantes, que até foram a cavalo e com os seus cães de fila; é grande o sentimento ignorar o nome de um Religioso que em toda a acção de 23 perseguiu o General, e que obrigou a este a fazer-lhe elogios em Viseu. Deve-se grande parte desta acção ao valoroso Coronel de Milícias António da Silveira Pinto, motor da marcha da Coluna de Vila Real; e que com presteza nos veio sustentar e franquear a passagem do Rio com 150 homens de Tropa de Linha e 4 peças. 
Assim se terminaram três gloriosos dias, cujos louros são as primícias dos muitos que se hão-de de colher, e que puseram em segurança o Porto, o Minho, e Trás-os-Montes.