quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Notícias publicadas na Minerva Lusitana (31 de Agosto de 1808)



Coimbra, 31 de Agosto.


Agora recebemos a notícia de pessoas fidedignas, com quem o capitão Carpienter falou, vindo de Badajoz, e para onde fora desta cidade; que havendo, receios de que o General Junot fugisse para Elvas, saíra de Badajoz um corpo de tropas a embaraçar-lhe este passo.
Um corpo de 400 para 500 franceses que já tinham passado o Tejo, tornou a voltar para aquém do dito rio, talvez por lhe constar não só dos espanhóis que saíram de Badajoz, mas também da marcha das nossas tropas do Alentejo e Algarve.
Consta de ofício que o Exército combinado marchava, no dia 29, para diante. O Exército português, que forma
a ala direita, dirigia-se para Mafra, e o inglês, que tomou a esquerda, para Sobral de Monte Agraço.

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Bernardim Freire de Andrade (31 de Agosto de 1808)



Quartel-General inglês [em Torres Vedras], 31 de Agosto de 1808.



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

O dia de hoje tem sido para mim algum tanto sem sabor, e a tarde ainda mais; finalmente a intriga francesa venceu a sinceridade inglesa, e os nossos protectores titulares obtiveram pouco menos do que o estipulado nos [artigos] preliminares, salvo algumas pequenas explicações do artigo que respeita às bagagens, que algum tanto se modificou, e algumas pequenas coisas que despenderam de nós em suma; porém, a capitulação se reduz a que os franceses evacuarão o Reino de Portugal quanto antes, levando consigo a sua bagagem própria, a artilharia que trouxeram, e cavalos não excedendo o número de 600; que não serão prisioneiros de guerra, que as pessoas civilmente empregadas ainda prisioneiras serão restituídas, que os franceses ou seus aliados domiciliários sairão dentro de um certo espaço [de tempo], podendo dispor das suas propriedades; que as pessoas portuguesas que tomaram parte no Governo francês ficam debaixo da protecção britânica para não serem inquietadas em si, nem as suas propriedades; que todos os pagamentos de qualquer contribuição imposta sobre o Reino de Portugal, vencidos ou vencer, ficam extintos; que os fortes e praças serão evacuadas pelos franceses e guarnecidas provisoriamente pelos ingleses; e outros mais artigos relativos à evacuação de Lisboa, dos quais o essencial é que enquanto ela não tiver lugar, as tropas [anglo-lusas] não poderão avizinharem-se de Lisboa a menos distância que três léguas. 
Fiz a respeito de cada artigo aquelas observações que a decência pedia [que] se fizessem; abalancei-me a perguntar o que em tal caso restava fazer por parte do Exército debaixo do comando de Vossa Excelência, e depois de algumas instâncias foi-me dito que parecia conveniente que Vossa Excelência despedisse para suas casas tudo quanto fossem Corpos irregulares e [que] conservasse junto a si os Corpos de Linha, e que provavelmente uma parte deles deveria entrar com Vossa Excelência em Lisboa, a outra repartir-se pelas praças, juntamente com as guarnições inglesas; e que quanto ao Corpo de Bacelar, o que fosse de Linha deveria acantonar-se por algumas das vilas do Ribatejo, fazendo-se recolher para suas casas os Corpos irregulares. Finalmente me disseram que tira[n]do aquele Corpo mais escolhido que Vossa Excelência julgasse a propósito dever entrar com Vossa Excelência em Lisboa, que o mais Vossa Excelência o poderia fazer acantonar da forma mais acomodada para conseguir as necessárias subsistências, visto que tudo o que os portugueses tinham de fazer para o futuro era organizar-se e preparar-se para receber os franceses, se eles pudessem tentar outra vez penetrar em Portugal. Eu pedi da parte de Vossa Excelência [uma] cópia dos artigos da Capitulação, que prometeram dar-me, o que não se pode fazer hoje, porque o Senhor Junot, assinando os artigos adicionais da Capitulação, esqueceu-se de assinar a própria Capitulação, que esta tarde lhe foi recambiada por esse motivo. Será preciso que Vossa Excelência faça avisar o Senhor Bacelar para suspender a marcha no lugar que a Vossa Excelência parecer mais próprio, para que não aconteça ter algum encontro que escandalize os senhores franceses. Eu logo que obtenha a cópia oficial que requeri em nome de Vossa Excelência, passo imediatamente a buscar a Vossa Excelência, julgando terminada a minha comissão, ainda que não a meu gosto, o que não obstante, não me admira, porque a pluralidade do Exército inglês também não está contente com a tal Capitulação. Hoje tenho mandado apresentar a Vossa Excelência muitos soldados da Polícia e depósito de Lisboa, que se me têm vindo apresentar, julgando mais conveniente que eles para aí vão, do que expô-los a algumas desordens pela desconfiança que os ingleses têm deles. Aqui chegou o Major da Polícia, filho de Francisco de Azevedo Coutinho; assim que o soube, mandei chamá-lo, e receando que o assassinassem, como ontem quiseram fazer a Bramcamp, prendi-o à ordem de Vossa Excelência e nesta mesma ocasião o remeto a Vossa Excelência debaixo do cuidado do Capitão Malheiros.
Ao próprio Major disse que o motivo principal do meu procedimento a seu respeito era livrá-lo de algum perigo, e entretanto o consolei como pude; Vossa Excelência pois mandará dispor dele conforme o seu bom coração decerto lhe há de ditar, que da minha parte não achei melhor expediente para o salvar.
Aqui veio um Major de Milícias determinado para estabelecer a comunicação das Colunas; porém, como nada disso prossegue, assentei que era melhor recolher-se outra vez, mesmo porque não há aqui quem forneça o que é necessário.
Amanhã direi o mais, entretanto o meu desejo é que Vossa Excelência tenha o que lhe deseja este.
De Vossa Excelência súbdito o mais obediente,

Aires Pinto de Sousa

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 222-224 (doc. 55)].

Carta da Junta de Setúbal ao General Bernardim Freire de Andrade (31 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

A vila de Setúbal, quebrados os grilhões infames, já aclamou, transbordando de alegrias, o Príncipe Regente Nosso Senhor, que Deus guarde, e organizou esta Junta de Regência, que vai congratular-se com Vossa Excelência, e agradecer-lhe a lealdade, o patriotismo e o valor herdado de seus beneméritos avós, com que tem quebrado a força dos opressores, e posto os povos na liberdade de respirarem sem custo os leais sentimentos de seus corações. Setúbal ainda tem defronte no castelo de Palmela uma guarnição dos intrusos que se comunica com as forças francesas de Almada, mas as tropas auxiliares do Algarve, e o entusiasmo do povo pronto a sacrificar a vida pela Religião, pela Pátria e pelo Príncipe, nos deixam conceber as esperanças de que Setúbal não correrá a sorte de outros povos desgraçados. Se para seu plano e direcção for necessário alguma coisa, esta Junta se oferece gostosa, e também pede para seu governo algumas notícias do estado do nosso resgate, que aqui são muito escassas por se achar cortada a comunicação com a capital. 
Deus guarde a pessoa de Vossa Excelência muitos anos.
Setúbal, em Junta de 31 de Agosto de 1808.

Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.
F.re Caetano de Nossa Senhora da Piedade.
Tomé Joaquim Vieira da Mota de Carvalho.
Bernardo António Sanches Pereira de Gusman [sic].
José Pedro da Lança Cordeiro.
Francisco Xavier da Cerveira Peixoto.
António José Mesquita.


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 54 (incluído no doc. 95)].

Diário do General John Moore (31 de Agosto de 1808)



Torres Vedras, 31 de Agosto.


Anteontem foi enviada a [primeira versão da] convenção para a evacuação de Portugal pelos franceses, tal como ficou acordada entre o Coronel Murray e o General Kellermann. Os Tenentes-Generais [britânicos] reuniram-se, alguns artigos foram contestados, e enviaram-se de volta para serem explicados e emendados. O artigo de maior importância indicava que eles [os franceses] deviam entregar-nos os fortes de S. Julião, do Bugio e de Cascais quando o tratado fosse ratificado. Os franceses propunham dar-nos apenas o de Cascais, enquanto o de S. Julião e o do Bugio seriam entregues somente depois do embarque da segunda divisão das suas tropas. O Coronel Murray chegou esta manhã com estes e outros condenáveis artigos corrigidos. Devemos marchar em direcção a Lisboa amanhã. Estamos preparados para avançar de qualquer maneira. É bastante favorável que esta operação tenha assim terminado. Se Sir Arthur Wellesley não tivesse sido impedido [primeiro pelo General Harry Burrard, e depois pelo General Hew Dalrymple], se lhe fosse dada a permissão para continuar o seu sucesso do dia 21, o exército francês teria dispersado, e nunca teria conseguido alcançar Lisboa. Depois de se reunirem, se se tivessem reforçado, ou se qualquer outra circunstância viesse a permitir que tomassem o terreno novamente, seria muito provável que conseguiriam obter sucesso; pois, infelizmente, o comando do [exército] britânico foi dado a Sir Hew Dalrymple, um homem que certamente não é destituído de senso, mas que nunca tinha servido antes no campo enquanto oficial general, o qual permitiu que passasse uma guerra de dezasseis anos sem estar em qualquer serviço senão na Inglaterra e em Guernsey, e que aparentou estar completamente perdido na situação em que foi colocado.


Carta do Major-General John Murray ao General Bernardim Freire de Andrade (31 de Agosto de 1808)




Tenho a honra de anunciar a Vossa Excelência que o Tratado está assinado, e que os franceses renderam-se.
Segundo as ordens [recebidas], creio que amanhã o Exército deve marchar. Espero a todo o momento pelas ordens posteriores, as quais terei a honra de dar parte a Vossa Excelência. Espera-se, como é desejável, que os caminhos estejam em estado de deixar passar os canhões. 
Tenho a honra de ser o mais sincero servidor de Vossa Excelência.
31 de Agosto de 1808.


J. Murray,
Major-General

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 222 (doc. 54)].

Carta do General Dalrymple ao General Junot (31 de Agosto de 1808)




Quartel-General britânico, 31 de Agosto de 1808.





Senhor:


O Tenente-Coronel Lord Proby terá a honra de entregar a Vossa Excelência os artigos da Convenção ratificada por mim. Lord Proby está também encarregado com instruções para pôr em execução as diversas disposições preliminares, cujo período avançado da estação torna da maior importância, particularmente para a segurança dos transportes, e, consequentemente, para o embarque das tropas francesas.
Lord Proby também explicará a Vossa Excelência que a irregularidade que vos queixais que ocorreu com os vossos postos avançados (e diversas outras do mesmo tipo que receio que desde então tenham ocorrido) deriva da deserção de Lisboa de grandes corpos de cavalaria portuguesa, e que estou seguro que nada impróprio foi feito por quaisquer tropas debaixo das minhas ordens.
Tenho a honra de ser, com sentimentos da mais alta consideração,


Hew Dalrymple




Carta do General Dalrymple ao Bispo do Porto (31 de Agosto de 1808)


A Sua Excelência o Presidente da Suprema Junta do Conselho no Porto*.


Quartel-General de Torres Vedras, 31 de Agosto de 1808**


Tenho a honra de informar Vossa Excelência que o exército francês abandonará rapidamente Portugal, em consequência duma Convenção concluída para esse propósito entre o Comandante em Chefe francês duma parte, e o Almirante que comanda a esquadra de Sua Majestade [Britânica] que se encontra na barra do Tejo e eu próprio pela outra parte. As ratificações desta Convenção ainda não foram trocadas, e ainda não tenho, neste momento, uma cópia exacta deste tratado em minha posse, para transmiti-la a Vossa Excelência; contudo, penso que é essencial que tenhais esta primeira notícia possível deste facto; entretanto, ordenei que o conteúdo dos vários artigos fosse comunicado ao Major Aires Pinto de Sousa, que está aqui da parte do General Bernardim Freire. Assim que Portugal estiver livre da opressão daquele poder que suspendeu a autoridade do legítimo Príncipe e a da Regência estabelecida antes da sua partida, poderá naturalmente supor-se que tudo voltará a ser reconduzido para o canal donde se desviou pela força estrangeira; mas como parece que alguns membros da Regência nomeada pelo Príncipe abandonaram a sua causa e aderiram ao inimigo, tornando-se consequentemente incapazes de retomar as suas antigas funções, é necessária alguma delicadeza ao reestabelecer-se um Governo que a nação portuguesa estará inclinada a reconhecer. 
Relativamente a este ponto, tenho lido, desde que tomei o comando deste exército, os papéis enviados pela Junta Suprema de Governo no Porto a Sir Charles Cotton, em inícios de Agosto, juntamente com as suas respectivas respostas. Teria sido presunçoso da minha parte, logo depois de ter chegado a este país, ignorando as circunstâncias da causa, que tivesse dado qualquer opinião sobre os meios propostos para realizar um fim que não hesito em reconhecer que teve a minha mais perfeita aprovação; mas parece ser evidente que, aproximando-se a expulsão dos franceses de Portugal, nenhum objecto pode ser mais importante do que tomar precauções antecipadas contra aqueles males que podem surgir no povo, a partir de qualquer fonte de ressentimento.

H. W. Dalrymple

[Fonte:  Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 212 (doc. 123); Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, pp. 294-296; Existe uma outra tradução - bem como o texto original em inglês - disponível na obra de Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potências desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, p. 60-63]. 

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Nota:

Frederick von Decken, agente secreto do Governo britânico, chegara ao Porto no dia 17 de Agosto de 1808, tendo no dia seguinte comunicado ao General Dalrymple, entre outros factos, que o Bispo do Porto lhe dissera que tinha tomado o Governo de Portugal nas suas mãos. Dalrymple recebeu esta  notícia com bastante admiração, tendo inclusive chegado ao ponto de no dia 24 repreender von Decken pela insinuação que este tinha feito ao Bispo, como que admitindo que tal medida iria ser aprovada pelo Governo britânico e pelo próprio Dalrymple. Muito pelo contrário, ainda que na presente carta não o admita explicitamente, Dalrymple nunca reconheceu que a Junta Suprema do Porto fosse o Governo legítimo de Portugal (antes considerava que o legítimo era o Governo da Regência), receando ademais que o povo de Lisboa, uma vez livre de franceses, tampouco reconheceria tal autoridade, facto que, agravado pela grande falta de chefes militares e políticos (recordemos que grande parte da corte tinha emigrado para o Brasil, outros altos cargos eclesiásticos e nobiliárquicos tinham ido para a França fazendo parte da chamada deputação portuguesa, e finalmente vários milhares de militares tinham também emigrado para lutarem por Napoleão ao serviço da Legião Portuguesapoderia conduzir o país uma guerra civil.

** Segundo o próprio Dalrymple, uma cópia desta carta foi enviada a Lord Castlereagh, embora nesta última se tenha alterado a data para 1 de Setembro.

Termo de entrega das chapas da Flora do Rio de Janeiro de Fr. José Mariano da Conceição Veloso a Geoffroy Saint-Hilaire (31 de Agosto de 1808)





O deputado tesoureiro deu conta nesta Junta [Literária da Impressão Régia] de que no dia de Segunda-feira, vinte e nove do presente [mês], veio a esta Impressão Régia Mr. Geoffroy Saint-Hilaire apresentar uma ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe da data do primeiro deste mês, a qual fica no cartório, para se lhe entregarem as chapas da Flora do Rio de Janeiro, feitas pelo Director Literário, Fr. José Mariano da Conceição Veloso, exigindo-as logo, o que se executou, entregando-se-lhe quinhentas e cinquenta e quatro chapas de estampas da dita Flora
E para constar se fez este termo.
Lisboa, em trinta e um de Agosto de mil oitocentos e oito anos.

[Alexandre António dasNeves.
[Joaquim JoséEscopezy.
[Custódio José deOliveira.
[Joaquim António Xavier] Anes da Costa.

Long faces at Bayonne or King Nap and King Joe in the dumps, caricatura publicada por Walker (Agosto de 1808)



Rostos descontentes em Bayonne ou o Rei Nap' e o Rei Zé carrancudos.
Caricatura publicada por Walker em Agosto de 1808.



Esta caricatura retoma as circunstâncias da resistência espanhola e da retirada de José Bonaparte de Madrid após a derrota de Dupont em Bailén. Transportado para Bayonne (embora na realidade continuasse na Espanha), José Bonaparte é representando com as vestes e coroa dos monarcas espanhóis, portando um colar da ordem do Tosão de Ouro e tendo ao seus pés um ceptro com uma faixa com a inscrição latina Servata Fides Cineri (fiel às cinzas dos antepassados). Ao seu lado, também sentado e com uma expressão igualmente mal humorada, encontra-se o seu irmão Napoleão, que lhe diz: Um belo pedaço de negócio foi o que fizemos, mano Zé. Ao que este lhe replica: Sempre te disse o que ocorreria por seres tão liberal com os espanhóis... 
Note-se que a caricatura é rica em trocadilhos que nos remetem para o tema já abordado da evacuação de Murat. Tanto Napoleão como o seu irmão parecem estar em posição para defecar, acção essa que é precisamente um dos vários significados do termo "dumps". Por outro lado, note-se a quase homofonia entre "long faces" (expressões carrancudas) e "long faeces/feces" (fezes longas), pelo que outra tradução livre para esta caricatura poderia ser: Grandes excrementos em Bayonne ou a cagada do Rei Nap' e do Rei Zé.

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Political Quadrille - the Game Up. Plate 2d, caricatura de Charles Williams (Agosto de 1808)






Em Outubro de 1806, Ansell (pseudónimo de Charles Williams) compôs a caricatura acima publicada, na qual dispunha dois grupos de figuras entretidas a jogar uma partida de quadrilha, antigo jogo de cartas a quatro mãos (curiosamente, de origem espanhola). À volta da mesa da esquerda aparecia Jorge III da Grã-Bretanha, Carlos IV da Espanha, Frederico III da Prússia e Alexandre I da Rússia, enquanto na noutra mesa estava Napoleão, Francisco I da Áustria, um burguês gordo representando a Holanda, e o Papa Pio VII, cuja tiara e cruz estavam no chão, sendo esta última pisada por Napoleão. Note-se que Carlos IV, com ar desconsolado, referia que tinha sido obrigado a jogar uma carta do naipe de espadas, já que fora traído pela sua rainha, embora acrescentasse que mesmo que tivesse perdido todos os seus dólares não podia abdicar dos seus Ases [Aires, literalmente em espanhol], em alusão à primeira invasão britânica a Buenos Aires.

Menos de dois anos depois, a irrupção da Espanha na luta anti-napoleónica levou o mesmo autor a publicar a sequela que apresentamos de seguida. Aparte do tom satírico, trata-se de uma interpretação brilhante - e em alguns casos profética - das consequências dos levantamentos populares espanhóis no cenário da política europeia:



Quadrilha política - O fim do jogo. (Gravura 2.ª)
Caricatura de Charles Williams, publicada em Agosto de 1808

Apesar da confusão ilustrada nesta segunda caricatura, os personagens encontram-se mais ou menos nos mesmos sítios que ocupavam na primeira, exceptuando Carlos IV, que desapareceu da sala de jogo (estando supostamente encarcerado por Napoleão), vendo-se apenas a sua cadeira, vazia, com o brasão da Espanha. Em compensação, aparece um novo personagem representando a Espanha, o qual parece que acaba de descobrir a batota que Napoleão estava a fazer, provocando em consequência um enorme tumulto. Agarrando Bonaparte pelo colarinho, faz-lhe a seguinte ameaça: Digo-vos que sois um canalha, e que se não restaurais o meu Rei, o qual roubastes da outra mesa, e que se não restabeleceis o Ás [alusão à carta e ao Papa, derrubado no chão], pela honra dum patriota espanhol, estrangular-vos-ei! Napoleão, apanhado de surpresa perante a irrupção deste espanhol, perdeu o chapéu e está numa posição bastante complicada, apenas com um pé no chão, podendo cair com um simples empurrão. Ainda assim, dá ao espanhol uma resposta que não convence: Não sejas tão turbulento, tomei-o emprestado apenas para completar o baralho [a quadrilha era jogada com 40 cartas]. Interrompidas ambas as partidas perante esta confusão, os restantes personagens observam atentamente a cena, fazendo alguns comentários. Jorge III da Grã-Bretanha, na extrema esquerda, levanta-se para observar a briga com o seu monóculo, e parece admirado: O quê! Mas que confusão, não? Melhor ainda. Bonaparte ficou com o pior do jogo, devo dar uma mão. Note-se que a sua posição é a mesma como foi representado por James Gillray na caricatura The Spanish Bull-Fight... (por sua vez inspirada numa outra intitulada The King of Brobdingnag and Gulliver, do mesmo Gillray), com a excepção que, em vez do tridente, Jorge III sustenta agora uma clava com a inscrição Heart of Oak (literalmente, Coração de Carvalho), nome da marcha oficial da marinha real britânica. O Imperador Alexandre da Rússia, sentado entre o monarca britânico e Napoleão, parece reavaliar a aliança que formara em Tilsit com este último: Agora é a hora de raspar a ferrugem de Tilsit. Frederico III da Prússia, talvez a maior vítima da dita aliança, levanta-se para ver a bulha, e parece determinado a tirar proveito da desordem: Se não aproveitar a oportunidade presente, serei realmente um bolo prussiano (já na primeira das caricaturas acima inseridas o mesmo monarca usava esta expressão, a qual voltara a ser utilizada pelo mesmo autor em 1807, na caricatura intitulada The Imperial embrace - on the- raft - or Boneys new drop). Francisco I da Áustria, atrás do espanhol, levanta-se também e agarra no seu chapéu e na sua espada: Ah! Ah! O jogo tomou um rumo diferente do que esperava, não devo ficar parado. O burguês holandês, na extrema direita da gravura, apesar de sentado, afirma que também chegou a sua hora de abandonar o jogo e de se levantar: Raios e trovões! Estou bastante farto do jogo. Uau, uau, agora  ​é tempo de me levantar. Abaixo deste último encontra-se o Papa Pio VII, derrubado no chão, em aparente alusão à ocupação napoleónica de Roma desde Fevereiro de 1808
Concluindo, note-se que o subtítulo desta caricatura (The Game Up) tanto pode significar o fim do jogo ou o jogo terminado, como o jogo exaltado/agitado/revoltoso, sendo que o termo up, no sentido de movimento ascendente, também alude aos "levantamentos" ilustrados na caricatura. Por outro lado, a expressão the game is up (ou the game's up), para além do seu sentido literal de o jogo terminou, também é usada na língua inglesa para se dar a entender a alguém que as suas actividades ou planos secretos estão ao descoberto, e que por isso não podem continuar: precisamente o sentido daquilo que o espanhol diz a Napoleão...


Outras digitalizações:

1. Political Quadrille (1806):
    b) British Museum.

2. Political Quadrille - the Game Up. Plate 2d (1808):
    b) British Museum.


Little Nap. The Great in a Hobble; or Unwelcome Messengers, alias Job's Comforters, caricatura de T. P. (Agosto de 1808)




Pequena distracção. O Grande em dificuldades; ou mensageiros importunos, aliás consoladores de Job. 
Caricatura de T. P., publicada por Walker em Agosto de 1808.


Esta caricatura é uma sequela de Thieves robbing ready furnished lodgings..., e é inspirada numa caricatura que James Gillray publicou em 1806, intitulada News from Calabria! Capture of Buenos Ayres!... (cujo motivo central já antes tinha servido de inspiração a Isaac Cruikshank para uma sátira sobre a entrada das tropas napoleónicas em Lisboa). 
Vários mensageiros com feições grotescas correm em direcção a Napoleão, trazendo consigo más notícias. Na frente do Imperador, na extrema direita da gravura, um dos mensageiros anuncia que os austríacos têm 3.000.000 homens prontos para a acção debaixo das ordens do Arquiduque Carlos. Outro exibe papéis com os seguintes títulos: Suecos e russos pacificam-se10.000 espanhóis abrem caminho entre franceses na Dinamarca - Com armas, munições, canhões, etc. [alusão às tropas do Marquês de la Romana]; Levantamento em Westfália. Napoleão, irritadíssimo com estas notícias, perde o chapéu, desembainha a espada e dá um pontapé nas nádegas dum destes mensageiros, enquanto grita Fora, escravos ordinários!! Sois todos mentirosos!!! E o Moniteur irá prová-lo. Negando os factos que lhe são comunicados, Napoleão pisa um papel dizendo Liberdade de Imprensa, enquanto sustenta um número do Moniteur que anuncia que o Rei José [foirecebido em Madrid com regozijo e iluminações e que garante que não existe nenhuma guerra com a Áustria. Contudo, pelo sim, pelo não, Napoleão é escoltado por um hussardo, em cujo chapéu está desenhada uma caveira sobre dois ossos cruzados, como que indicando o futuro próximo do Imperador, cercado de perigos. 
De facto, Napoleão não só quer ignorar aquelas notícias (algumas reais, outras apenas rumores e boatos), como parece não aperceber-se do que se passa atrás de si. Um mensageiro, vindo da Espanha, está prestes a alcançá-lo com mais notícias desfavoráveis, a julgar pelos títulos que ostenta:  Dupont, Bessieres, Moncey e Exércitos aniquilados. Nenhum francês permanece na Espanha. Tomados 3000 cavalos! 10.000 mosquetes! 75 carros. Um pouco mais atrás, aparece também correndo um outro mensageiro que indica que o Rei Zé fugiu de Madrid e despojou-a de todos os bens. Atrás destes mensageiros vê-se o Exército francês fugido de Madrid, carregado com as suas pilhagens, e um pouco mais à frente José Bonaparte, que segura uma mitra, um cobertor, um saco e um crucifixo (como na caricatura Thieves robbing ready furnished lodgings...), e que exclama, preocupado: Como enfrentarei Napoleão? Ai de mim, pobre Zé! 
Finalmente, no canto superior direito surge um demónio, que chama Napoleão: Vinde, Boney. Serei o único amigo que vos restará.


Outra digitalização:


Thieves robbing ready furnished lodgings. Scene Madrid, caricatura de T. P. (Agosto de 1808)




Ladrões roubando alojamentos completamente mobilados. Cena - Madrid.
Caricatura de T. P., publicada por Walker em Agosto de 1808.


Esta caricatura representa uma sátira à retirada do Exército francês de Madrid, o qual aparece a marchar em direcção à França, conforme se indica num letreiro em forma de forca, ao centro da gravura: Estrada para a França - aliás, para a Ruína - Recompensa de Mérito. José Bonaparte, em primeiro plano, está à beira dum Lago de sangue, e apela à ajuda do demónio alado que voa à sua frente: Para onde devo fugir? Como poderei atravessar aquele lago? Senhor Bom Diabo, salvai-me. Como resposta, o demónio dá-lhe a escolher entre uma pistola e uma pequena forca com uma corda: Fazei a vossa escolha, filho. Abaixo deste está um outro demónio mais pequeno, que por sua vez oferece uma taça de veneno. Indignado com tal resposta, um francês que está debaixo destes demónios exclama Diabo, como se de uma injúria se tratasse. Enquanto caminha, José Bonaparte perde a sua coroa e deixa cair algumas moedas da sua bolsa dissimulada (ornamentada com um crucifixo), conservando contudo uma mitra e um manto (ou melhor, um cobertor barato) onde aparece a seguinte inscrição: Lã espanhola e artigos diversos tomados do Palácio onde estava ultimamente alojado.
Tal como José Bonaparte, os soldados franceses marcham carregados com os frutos das suas pilhagens, vendo-se entre eles cálices, crucifixos e outras alfaias religiosas com o monograma IHS (que corresponde à latinização das três primeiras letras de Ίησους, "Jesus" em grego) ademais de sacos cheios de prata de igreja, de dólares e de ouro. Acima deles voam outros três demónios (um dos quais atirando-lhes flechas) que se indica serem irmãos, sem se precisar se são irmãos entre si ou dos franceses... Entre estes últimos vê-se um personagem cujo saco tem a seguinte inscrição: Sou o cidadão Moser que roubou o diamante de Luís [possível alusão ao diamante que posteriormente viria a ser chamado Hope, roubado durante a Revolução francesa]. Finalmente, a retaguarda do Exército francês dispara indiscriminadamente sobre alguns espanhóis, jazendo no chão uma mulher e uma criança (à direita) e um homem ferido (em primeiro plano), que exclama, em sofrimento: Somente o Céu vinga[] a nossa causa.



Outra digitalizações: 

British Museum (a cores)

British Museum (a preto e branco)

Burglary and robbery!!!, caricatura publicada por John Fairburn (c. Agosto de 1808)




Roubo e Pilhagem!
Caricatura publicada por John Fairburn, circa Agosto de 1808.


Considerando que na passada noite de 20 de Julho um numeroso bando de bandidos entrou na cidade de Madrid e assaltou de rompante o Palácio Real, o Banco Nacional, e a maioria das Igrejas; matando todos os que se opunham aos seus procedimentos mais infames.
O dito bando continuou em Madrid até ao dia 27 do dito mês, e então partiu subitamente, tomando o caminho para a França, carregado com saques imensos, tendo ali roubado diversos carros cheios de prata e todos os artigos de valor móveis; todos os patriotas espanhóis são por este meio requisitados para ajudarem e auxiliarem na captura de todos ou de algum dos ditos ladrões; e quem quer que capture todos ou qualquer um deles, receberá os agradecimentos e as bênçãos de todas as pessoas bem intencionadas da Europa.
Os ditos bandidos eram conduzidos por Zé Nap, um feroz rufião cuja descrição é a seguinte: Tem cerca de cinco pés e sete polegadas de altura, de aspecto magro, esquálido, com a pele cor de açafrão. Estava vestido, quando escapou, com o manto real, que se sabe que foi por ele roubado do guarda-roupa do Rei em Nápoles. Ele é um irmão do famoso ladrão que praticou um sem número de roubos em toda a Europa, matando milhões da raça humana, o qual estava nos últimos tempos em Bayonne, onde se supõe que permanece com o objectivo de receber os bens roubados que o seu irmão devia trazer da Espanha.

Spanish flies or Boney takeing an imoderate dose, caricatura atribuída a Charles Williams (Agosto de 1808)



Moscas-espanholas ou Boney tomando uma dose imoderada.
Caricatura atribuída a Charles Williams, publicada em Agosto de 1808.


Aludindo à retirada do exército francês de Madrid, esta caricatura representa um enxame enorme de moscas-espanholas (Lytta vesicatoria), que cobrindo o céu desde a capital da Espanha (à direita), persegue e provoca a debandada do exército francês pela passagem do caminho dos Pirenéus para Bayonne (à esquerda). Em primeiro plano, Napoleão, a cujos pés encontra-se (ao lado duma bandeira e de espadas destroçadas) um papel parcialmente rasgado, onde se pode ler Decretos da Junta em Bayonne e Joseph Bonaparte Rex Espagnol [sic], tenta livrar-se  destes insectos, que o envolvem e assediam. O seu esforço é infrutífero, pelo motivos que o próprio afirma: "Morbleu - quão fraco e tonto estou, estas moscas costumavam ter uma grande utilidade para mim, mas receio que este seu uso descuidado vai causar uma mortificação, a menos que Doutor Tall[e]y[and] possa aliviar-me". De facto, o subtítulo da caricatura revela que Napoleão foi imprudente em abusar dos espanhóis, representados aqui como insectos que eram utilizados como uma espécie de viagra da época, visto que "uma dose muito grande de Cantáridas, ou moscas espanholas, provoca desmaios, delírios, tonturas, loucura e morte. Vide [The NewDispensatory de Lewis". 



Pormenor 


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