terça-feira, 21 de junho de 2011

Relação das acções militares espanholas ocorridas junto do rio Guadiana a 21 de Junho de 1808



D. Josef de Giron, vogal da Junta de Ayamonte, tendo sabido que estavam muito poucos franceses em Vila Real [de Santo António] e Castro Marim, comunicou esta notícia ao comandante General D. Ignacio Fonnegra e à Junta [de Ayamonte], que se formou às 7 horas da manhã do dia 21. Questionou-se durante algum tempo se se devia atacar o inimigo, pois não havia ordem desta Suprema Junta [de Sevilha] para o efeito. [Contudo,] as representações do General comandante começaram a fazer ruir esta indecisão; e tendo-se observado ao mesmo tempo que chegavam tropas [francesas] a Vila Real num barco que, depois de as desembarcar, voltava pelo rio acima (donde tinha vindo), Fonnegra ordenou ao comandante das lanchas para que enviasse um ou dois oficiais com os seus botes para deter o barco e impedir o desembarque de mais reforços. 
Pouco tempo depois da execução desta ordem, apresentou-se na Junta [de Ayamonte] um oficial da Marinha, dizendo: Senhores, não percamos tempo. Os oficiais que foram nos botes arvoraram a bandeira espanhola na bateria da Carrasqueira. O Comandante mandou tocar imediatamente a generala e sair para Vila Real e Castro Marim; e efectuou o seu desembarque com a protecção da divisão de lanchas ao comando do seu comandante D. Francisco Escalera. Na bateria da Altura estavam reunidos cerca de 60 soldados portugueses que dispararam alguns tiros. Fonnegra enviou ali um oficial com 100 soldados da marinha, e aqueles se entregaram. O Coronel português [José] Lopes de Sousa pediu esta gente para reforçar Tavira e Faro. As baterias da Carrasqueira e do Cemitério foram inutilizadas pelas tripulações das nossas lanchas, a bordo das quais se embarcaram todas as suas munições e apetrechos. Os franceses tinham saído na noite anterior de Vila Real para Tavira. 
D. Pedro Gil, Capitão de guerrilha, dirigiu-se num bote para Castro Marim, com 4 homens do seu grupo. Ao aproximar-se à praça, um oficial português que estava num falucho gritou-lhe para que não saltasse para a terra, porque vinha entrando na povoação uma companhia de franceses. Apesar disto, efectuou o desembarque, apoderou-se da bateria do Registo, deixando nela D. Josef Valera, Alferes de Fragata, comandante dum falucho canhoneiro que se lhe tinha reunido, tomou depois a fortaleza [sic] de S. António, e sabendo que a companhia francesa de setenta homens fugia da povoação, perseguiu-a sem a conseguir alcançar. Subiu depois ao castelo, que lhe foi entregue, e deixou-o em poder do Sargento mor da província de Badajoz, com 40 homens do seu mando, passando a render o forte de S. Sebastião, único que restava. As baterias que podem ofender Ayamonte foram destruídas; e a instâncias dos portugueses foram conservadas as que lhes podiam servir para se defenderem dos franceses. Estes tinham reforçado as quatro baterias de Vila Real com 54 peças de artilharia, um morteiro e um obus. Todas estas peças foram enterradas e as baterias desfeitas; trabalho a que concorreram com igual zelo as tropas de artilharia e as de mar. Esta empresa teve como resultados a tranquilização da população de Ayamonte, antes exposta a uma invasão, e o restabelecimento da comunicação do Guadiana. 
Os Oficiais de marinha que começaram as gloriosas operações deste dia, apoderando-se das baterias de Vila Real [de Santo António], são os Alferes de fragata D. Joaquin Ruiz, D. Juan María de Miguel e D. Gabriel Cláudio Sequeira; e em geral, o Comandante, Oficiais e Tropa de marinha do posto de Ayamonte manifestaram um zelo e patriotismo digno do reconhecimento público, tal como o Comandante, Oficiais e as Tropas de terra.

[Fonte: Gazeta Ministerial de Sevilla, n.º 16 en la Imprenta de la viuda de Hidalgo y Sobrino, 23 de julio de 1808, pp. 121-123]. 




Fortificações referidas no texto.
A amarelo indicam-se as localizações aproximadas das baterias actualmente desaparecidas.

Excerto de uma carta do General Spencer ao Secretário de Estado da Guerra, Visconde Castlereagh (21 de Junho de 1808)




No brigue de Sua Majestade Scout, diante de Lagos, 21 de Junho de 1808


Meu Senhor:

Como a esquadra francesa rendeu-se no dia 14 e os comissários espanhóis [enviados pela Junta de Sevilha] embarcaram seguidamente para a Inglaterra, permita-me que recapitule os diferentes eventos que conduziram a este objecto desejável, e que relate a Vossa Senhoria a situação presente da Espanha e de Portugal, se são correctas as informações que obtive.
Os ânimos gerais dos espanhóis foram sendo excitados durante algum tempo, até chegarem ao maior grau de indignação pela conduta dos franceses. A informação da resignação forçada da Coroa de Espanha por Carlos IV, Fernando e toda a Família Real a favor de Bonaparte, foi aparentemente o que provocou a oposição universal aos objectivos da França.
A Junta de Sevilha, uma das principais jurisdições provinciais da Espanha, arrogou em alguns estatutos da sua constituição a sua rejeição às ordens do Supremo Conselho de Madrid, enquanto aquela capital estiver em poder das tropas estrangeiras. Assumiu-se assim como uma autoridade independente, em nome de Fernando VII, a quem proclamou Rei; e depois de alguns passos preliminares, declarou formalmente guerra à França e apelou à nação espanhola para a sustentar; e a sua supremacia foi reconhecida pelas Juntas de várias outras províncias.
Na Andaluzia, a Junta reuniu entre quinze a vinte mil tropas regulares, e distribuiu armas a mais de sessenta mil paisanos. O General Castaños foi nomeado Comandante em Chefe; e suponho que ele tenciona aumentar, a partir dos primeiros recrutamentos, o estabelecimento dos antigos regimentos, para duplicar o seu número actual.
Também se estão formando assembleias provinciais na maioria das grandes vilas e diferentes depósitos [de militares], em consequência do aumento dos voluntários. 
A Junta tem proporcionalmente cerca de quatro mil homens de cavalaria, e ainda uma grande quantidade de artilharia, visto que Sevilha tem uma fundição e um dos maiores depósitos da Espanha.
Todos os relatos confirmam que as insurreições começaram quase ao mesmo tempo em todas as partes da Espanha; e muitos destacamentos do inimigo, e seus oficiais, foram travados na suas marchas.
O General Avril recebeu ordens para se juntar em Sevilha com quatro mil homens, que se deviam reunir em Alcoutim, mas com a nossa chegada à barra de Ayamonte, com o armamento de toda a Espanha, e com os alarmes em Portugal, os franceses evitaram esse movimento; creio que o General Junot não será capaz de destacar quaisquer tropas de Portugal, e ainda que se suponha que um corpo francês foi reunido em Elvas, não penso que possa exceder quatro mil homens, embora as notícias da sua força sejam muito diversas.
Em Faro, os portugueses já se levantaram, aprisionando ou destruindo um destacamento de cerca de duzentos homens, e apoderando-se das armas e munições da província, que os franceses tinham juntado num depósito, e também cerca de quarenta mil dólares em ouro, que o General francês [Maurin] tinha acumulado.




Proclamação do Bispo do Porto apelando à tranquilidade e segurança pública (21 de Junho de 1808)



Carta do Juiz de Fora da Sertã para Lagarde, sobre os acontecimentos no Porto, boatos e a situação em Sertã (21 de Junho de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:


Neste correio recebo dois ofícios de V. Ex.ª datados um a 10 e outro a 15 do corrente, e tenho a dizer a V. Ex.ª que já nesta vila se relatava o triste evento entre as tropas francesas e espanholas na cidade do Porto, o que julgava [que] não devia participar a V. Ex.ª primeiramente porque semelhante novidade em nada alterou e menos atraiu os ânimos dos meus domiciliários, antes continuam no mesmo bom sossego; em 2.º lugar esta notícia, tendo chegado por vozes vulgares, não dava certeza e crédito, e nunca eu quero ser achado em engano, e ultimamente entremeando daqui ao Porto 28 léguas e tantos magistrados, mais incumbia aos mais vizinhos darem conta do que a mim; mas, como V. Ex.ª exige participação até de boatos, anuncio (não respondendo pela verdade ou certeza) que se diz vulgarmente que em Espanha se cuida apressadamente num numeroso Exército, que este todos os dias se aumenta com imensos voluntários; que com eles se envolvem muitos ingleses, e que destinam uma grande parte a entrar em Portugal dirigidos contra as autoridades delegadas de Sua Majestade Imperial e Real; que Elvas está em sítio; e ultimamente, que em Espanha tudo é tumulto contra as tropas francesas; mas este povo nem dá inteiro crédito a estas notícias, nem menos as apoia; e por isso sem esforço nem predicações mantenho a paz entre eles.
Convém também dar parte a V. Ex.ª que nesta vila se faz um mercado, a que concorrem os povos em distância de quatro e seis léguas a comprarem os géneros de que precisam, e a venderem os de que abundam; isto no dia sábado de cada semana: requereram os povos que em cada um daqueles dias perdia a lavoura e agricultura oitocentas ou mil pessoas, [o] que em todas as semanas do ano fazia um prejuízo muito considerável, e que este se evitava mudando-se o mercado para o dia Domingo, em cujo dia não implicava venderem-se semelhantes géneros; a Câmara, em conferência que olhava a economia do povo, consultando os interesses destes julgou de acerto e utilidade mudar-se aquele mercado para o Domingo; porém, como muito poucos indivíduos, principalmente eclesiásticos, que têm aquele dia Domingo mais ocupado na sua paróquia, e por isso menos tempo de passarem o mercado, ao qual nenhuma utilidade ou abundância resulta da sua assistência; figurando-se nimiamente escrupulosos da disciplina eclesiástica, mostram-se pouco satisfeitos com a mudança; quando esta seja da aprovação de V. Ex.ª, queira por uma sua portaria autorizá-la e apoiá-la, para maior firmeza para o futuro, no que fará ao público uma nova graça própria da liberalidade da sua alma.
Sertã, 21 de Junho de 1808.

O Juiz de Fora, Isidoro António do Amaral Semblano

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 5, doc. 18].


Carta de Domingos Moniz, Juiz de Fora da vila de Trancoso, para Lagarde, sobre boatos e requisições de Loison





Trancoso, 21 de Junho de 1808


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Neste correio, senhor, recebi 2 ofícios, um com a [?] gazeta e notícias de Madrid, e outro com as proclamações do acontecimento do Porto e disposições das armas aos espanhóis, das quais instruções de V.ª Ex.ª fico ciente, e fiz publicar aos concidadãos que hoje assistiram à audiência; e mandei [que] se lessem[?] aos que não assistiram; na [?] inteligência de que o sucesso do Porto diste desta vila 28 léguas, diferente província; mas porque não estava inteirado do mesmo, mas só o fiei depois que se pôs em marcha a tropa de Almeida para aquela cidade, de cujo chefe, o Excelentíssimo sr. Loison, recebi ordens em 18 deste [mês], e que o mesmo mo participou, é que acreditei [n]o sucesso, e de que só neste correio devia participar a V.ª Ex.ª o mesmo trânsito, e o meteria o sucesso, por não ser neste território; é-me como o que aqui se diz acontecido na Guarda às tropas francesas com os desertores, que estes mataram um daqueles, e sobreviera a morte a mais 4, porém que nem o povo e nem as justiças são responsáveis. A par dos ofícios de V.ª Ex.ª nada ouço ou posso informar relativo ao caso da Espanha mais que alguns factos inacreditáveis de levantes e partidos, mas ignoro aonde e de quem seriam.
Da praça de Almeida se me têm feito algumas requisições para fornecimento das tropas, o que esta vila e termo se tem prestado louvavelmente, mas para melhor complemento pedi ao Sr. Governador da mesma e General da província [a] autoridade para poder estender as mesmas [requisições] às vilas das mesmas superintendências das décimas e sisas, algumas próximas a esta, mas não da mesma jurisdição ordinária; e como os mesmos senhores ainda não me autorizaram, nem sei se anuíram à mesma súplica, a faço a V.ª Ex.ª para melhor poder concorrer com o que se me pedir em auxílio das tropas; pois pedindo agora por autoridade (ainda que vocal) do Excelentíssimo sr. Loison aos juízes ordinários das ditas vilas, estes não se prontificaram como deveriam, nem o farão [a] menos que os oficiais deste juízo não exigir[em] as mesmas requisições por mandato meu independente dos mesmos juízes, que, por serem ordinários, o não fazem com o zelo que requer o serviço de Sua Majestade Imperial e Real, ao qual sempre me prontificarei sem a menor hesitação, e muito mais facultando-me V.ª Ex.ª a autoridade que exijo e espero.
Tenho a distinta honra de saudar a V.ª Ex.ª

O Juiz de Fora Domingos Moniz

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 5, doc. 17].

Carta do Juiz Desembargador e Corregedor da comarca de Moncorvo para Lagarde, sobre a conduta do General Sepúlveda (21 de Junho de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:


No correio antecedente avisei a V. Ex.ª de algumas coisas sucedidas nesta comarca e província; agora acresce mais dizer a V. Ex.ª que tenho notícia de que o General desta província Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda em Bragança deu ordens ao Feitor do assento daquele Quartel para fazer cozer e aprontar munício para sustento de alguns Batalhões de tropa que ele passava a formar nesta província para defesa dela, e a mesma ordem dirigiu por via do Governador da Praça de Chaves à administração do mesmo assento nela estabelecida, para o dito efeito de prontificação de munício. Como este concelho de Monforte de Rio Livre, que é em que estou, dista de Chaves quatro léguas, consta-me que à mesma Praça têm concorrido vários soldados e oficiais, que saíram na redução, para se atestarem, aos quais o General fez convocar por via dos Coronéis; igualmente consta que o mesmo General, em nome do Príncipe do Brasil, tem publicado que perdoa a todos os desertores da primeira deserção no caso de se reunirem a seus corpos. 
O Edital que V. Ex.ª me dirigiu na data de vinte e um [sic] do corrente o fiz afixar. E como as circunstâncias actuais pode ser [que] venha[m] a causar revolução, tumulto ou desordens, eu passo já à cabeça desta comarca (Torre de Moncorvo), a fim de suplicar todos os meus esforços para que o povo não se altere e sossegue o espírito, e até para ali receber e executar as ordens que V.ª Ex.ª e as mais repartições me dirigirem. 
Consta-me finalmente que de Espanha têm vindo alguns soldados a procurar outros da mesma nação que se achavam nesta província ocupados a levar a vida por jeiras, e os têm conduzido consigo para o mesmo Reino. 
V. Ex.ª mandará o que lhe parecer justo.
Monforte de Rio Livre, 21 de Junho de 1808.

O Desembargador Corregedor da Comarca de Moncorvo, 
Francisco de Avis da Fonseca

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 5, doc. 29].


Gravura do General Sepúlveda





Gravura da autoria de Francesco Bartolozzi (1812)


Sepúlveda em Bragança alçando a mão 
Disse pelo Príncipe Regente D. João


Carta de Sepúlveda, em nome da Junta de Bragança, à Junta Suprema do Reino da Galiza (21 de Junho de 1808)



Havendo esta província de Trás-os-Montes tomado a nobre resolução de sacudir o jugo francês que nos oprimia, hoje, 21 do corrente Junho, proclamou com bando solene [a] guerra aos franceses e arvorou as quinas portuguesas; formando-se uma Junta de representantes de todos os estados da província para deliberar e decretar tudo aquilo que for conducente aos bens dos povos e ao feliz êxito da guerra; e pondo-se em armas toda a tropa possível, a fim de repelir a força e obrar belicamente onde e como melhor convenha. E como os interesses desta província são os mesmos que os de toda a Espanha, temos a honra de participar a Vossas Excelências a nossa resolução para nos ajudarmos mutuamente nas urgências da causa comum; rogando a Vossas Excelências [que] se dignem [a] comunicar-nos as novidades que ocorrerem, que nós da nossa parte faremos outro tanto.
Da Praça de Almeida consta com toda a certeza [que] saíram três ou quatro mil franceses, e há motivos de supor que se encaminham ao Porto; e como por ali podem penetrar a esta província, nos pareceu necessário participar isto a Vossas Excelências; e por estarmos ainda com a tropa por organizar, é indispensável que Vossas Excelências queiram secundar as nossas boas intenções, enviando-nos dois oficiais Generais que possam comandar as nossas tropas (pois que o nosso Excelentíssimo Presidente se acha impedido na Junta) e ao mesmo tempo alguma artilharia e infantaria de linha que possa animar a nossa, a qual está há muitos tempos sem disciplina e ainda mal organizada; esperando que esta providência seja rápida, porque os movimentos dos franceses o são também.
O oficial portador desta [carta] melhor exporá a Vossas Excelências a nossa resolução, o nosso estado e as nossas provisões; rogamos a Vossas Excelências [que] o ouçam benignamente e se sirvam atendê-lo em quanto for possível.
Deus Guarde a Vossas Excelências.
Quartel-General de Bragança, em Junta de 21 de Junho de 1808.

Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda
Tenente-General e Presidente

P.S. Inclusa remetemos uma cópia da nossa proclamação; e podemos certificar que uma parte da província do Minho tem tomado igual resolução.


[Fonte: Archivo Histórico Nacional de España, "Estados de Fuerza de las tropas españolas en Portugal. Documentación relativa a los ejercitos de la provincia de Tras-os Montes, así como a subsistencias y pasaportes de ciudadanos", ES.28079.AHN/5.1.145.4.1.1.57.3//DIVERSOS-COLECCIONES,87,N.27].


Edital do General Sepúlveda convocando os transmontanos às armas contra os franceses (21 de Junho de 1808)





Criação da Junta de Bragança (21 de Junho de 1808)



Em Bragança, depois de no dia 11 de Junho de 1808 se ter aclamado o Príncipe regente e do General Sepúlveda ter convocado os desertores às armas, através de um edital, “desde o dia 15 se tinha falado numa Junta de Governo, mas [esta] somente veio a formar-se a 21, quando a revolução já estava muito adiantada; e denominando-se ao princípio Suprema, tomou depois o título mais modesto de Provincial, para não chocar com a que dois dias antes se tinha estabelecido no Porto [...]. Sepúlveda foi o seu Presidente; e para ela se transferiu realmente toda a administração e poder supremo nos negócios da província, em nome de Sua Alteza Real o Príncipe Regente; mas as suas determinações não foram sempre respeitadas em todas as terras, como mostrará a série dos factos. 
É do mesmo dia um segundo edital de Sepúlveda, pelo qual chamou novamente às armas, e com mais ampla generalidade, a todos os transmontanos sem excepção de pessoa, contra o inimigo comum; trazendo-lhes à memória os feitos dos antigos portugueses, e pondo-lhes diante dos olhos o exemplo dos espanhóis. Pelo mesmo edital ordenou que todos os franceses, de qualquer graduação que fossem, existentes nos limites da província, saíssem dela no termo de três dias, com a cominação de serem havidos por espias e punidos na conformidade das leis, com sequestro de seus bens por via de represália. E contando já com a completa insurreição de todo o norte do Douro, estabeleceu a sua linha de defesa neste rio, e tratou de formar um plano de operações ulteriores, combinado com os espanhóis, abrindo para isso correspondências com o General Pignatelli, que comandava em Zamora, e com de la Cuesta, então Capitão-General de Castela [e ainda com a Junta da Galiza].

[Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo III, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 148-149].


Versos de Marfirio Cândido, “Pastor do Douro”, dedicados à retirada de Loison



À face das Lusas Quinas 
É qualquer um novo Marte: 
Que o diga Loison fugindo
E os seus Soldados no Douro, 
Que em vão tentam passá-lo, 
Pois lhe iam chegando ao couro. 

[Fonte: Trombeta da verdade metrico-analytica, contra os planos, e imposturas de Napoleão, e seus satellites, por Marfirio Candido, pastor do Douro, Lisboa, Impressão Regia, 1811, apud Artur de Magalhães Basto, "O Porto contra Junot (continuação)", in Revista de Estudos Históricos, Faculdade de Letras do Porto, vol. 1, nº. 3, 1924, pag. 88-120, p. 102].

Notícias circunstanciadas dos sucessos na viagem do General Loison, dos dias 21, 22 e 23 de Junho de 1808



Tendo-se em 16 de Junho em Vila Real, primeiro que em outra parte, reconhecido os Direitos do Nosso Augusto PRÍNCIPE e rompido o vergonhoso Grilhão Francês que nos oprimia, na tarde desse feliz dia se ouviram por toda a parte alegres vozes de Viva Portugal, Viva o PRÍNCIPE, e Viva a Religião, pondo-se à testa de toda a Nobreza e Povo Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, Tenente Coronel de Cavalaria. Depois de tão gloriosa acção, se principiou a combinar os meios com que se fizesse realizar o projecto de extermínio do Tirano e Sanguinário Governo Francês, e restaurar em Portugal o da Soberana Casa de BRAGANÇA. Foi então que se soube em Vila Real que o General Loison, à testa de 2.500 homens, se encaminhava por Lamego ao Porto, a vingar nesta cidade a prisão que os valorosos Espanhóis tinham feito nos executores infames do pérfido Governo Francês; projectou-se obstar-se-lhe na passagem do Douro, porém, reflectindo-se melhor, intentou-se atacar o inimigo na passagem do escarpado Marão no sítio dos Padrões da Teixeira, convidando-se a isto os Povos de Guimarães, [Marco de] Canaveses e Amarante; partindo o Tenente-coronel Silveira para Chaves, a procurar fazer marchar 150 homens de Infantaria, já ali unidos, alguma Artilharia, e principalmente pólvora e bala, que não tínhamos. 
Enfim chega o dia 21, em que Loison passa o Douro com 2.500 Infantes, 100 Dragões, 4 Peças de Artilharia e 2 Obuses, trazendo 27 carros de bagagem. 0 General marchava numa carruagem no centro de uma desmantelada coluna, que marchava com toda a confiança de Conquistadores, sem ordem, e mesmo sem Armas carregadas: passaram primeiro 8 Cavaleiros, que imediatamente se dirigiram a Mesão Frio, para fazerem Quartéis; passou depois o General e o infame português Baeta, Físico-mor do Exército Francês, e a Cavalaria; o General e o Físico-mor dirigiram-se à Estalagem da Régua para almoçar, onde um valoroso Soldado do 18.º Regimento, por alcunha o Ruivo, intentou vingar neles as mortes que tão injustamente este General fez nos Oficiais, Soldados, e Paisanos na vila das Caldas, mas que aquela povoação não consentiu com o temor de que fosse arrasada. A Infantaria principiou a passar e logo que se achava formada alguma Divisão, carregava as armas e continuava a marcha a Mesão Frio. Estando Loison para jantar nesta vila, lhe veio dizer uma Ordenança que nos Padrões da Teixeira os Paisanos da Serra não os deixavam passar, a que respondeu o General, cheio de cólera: «Fazia tenção de dormir aqui, agora mudei de tenção; às 4 horas da tarde vou castigar os rebeldes.» Principiando de jantar, chega-lhe a notícia que na Régua dois valorosos homens portugueses tinham principiado a atacar as bagagens, e que este partido ia engrossando; destina-se o General a vir castigar os novos rebeldes: toca às armas; deixam comeres, malas e fardos em poder dos habitantes, e correm à Régua, aonde dois corajosos homens de Canelas, chamados António Teixeira Fraga Botelho e Manuel Pereira Falante, acompanhados depois de Manuel Alves Failde, António Teixeira de Araújo e do sempre animoso Capitão-Mor da Prezegueda, que ali tinha vindo com suas Ordenanças, e que em todo o dia comandou e animou, com outros de Poiares e Covelinhas, como também do Peso da Régua, atacaram a guarda da bagagem, que seriam 200 homens, e tendo-lhe feito grande carnagem, desampararam três carros que já tinham passado o Rio Douro, dos quais os nossos ficaram senhores, ficando a outra da margem oposta, à excepção de uma barca que vinha passando o rio, da qual os marinheiros se fizeram senhores, ficando todos os seus efeitos nas nossas mãos; este sucesso fez retroceder o General e a sua Coluna. Uns corajosos Paisanos se emboscaram no sítio do Santinho; Carlos, Cirurgião da Régua, e outro, cujo nome se ignora, esperaram com as armas ocultas, mas descobertos, que o General passasse; passou, e a 30 passos lhe atiraram quatro tiros, e vendo que não caíra, lhe começaram a atirar à pedra, acção que pasmou o General; os emboscados fizeram fogo, mataram 2 Oficiais de Dragões e alguns Soldados de Cavalaria, mas se retiraram, porque duas Companhias Ligeiras passaram a atacá-los nas vinhas; os nossos tomaram as alturas, e o General, estabelecendo as suas guardas, se acampou no Olival Escuro, e assim se manteve tranquilo aquela tarde e noite, sendo contudo incomodado algumas vezes pelos Paisanos. Foi neste dia de manhã que Carlos, irmão do Capitão do Peso, matou o Capitão da 3.ª Companhia do 2.º Regimento de Infantaria Ligeira, chamado Francisco Leport, com ferimento de faca. Distinguiram-se mais João Guedes Figueira, João de Mancilha, um Alfaiate, e o Esquerdino, e outros muitos do Peso e Régua. 
Projectando no dia 22 o inimigo saquear o Peso e a Régua, quis assegurar-se das alturas de S. Gonçalo, e Senhora da Graça de Lobrigos, e Ribeira de Jugueiros; para isto mandou o Grão-Major de Batalha com um Destacamento de 30 homens, e vários outros Destacamentos, e fez passar a Artilharia para o lado oposto do rio, e a fez assestar no Peso e Régua; pôs as suas Guardas de forma que estas povoações ficaram cercadas; bordou tudo com a sua Tropa, e passou a executar mil modos de barbaridades e crueldades sobre os infelizes, que por sua idade, sexo e enfermidades não puderam largar as suas casas; o que tendo executado, sendo avisado [que] ia a ser atacado por diferentes Colunas de valorosas e corajosas Ordenanças, ao meio-dia tocou a reunir, e começou de repassar o Rio Douro, esquecendo-se de ir ao Porto executar os vis projectos do seu infame Governador. Foi neste dia de manhã que no posto da Senhora da Graça três valorosos Paisanos de Vila Real e um do Peso atacaram a Guarda do Grão-Major, matando a este e mais dois Soldados, sendo o primeiro que o feriu João Baptista de Araújo, Estanqueiro de pólvora em Vila Real, e repetindo-lhe segundo o caixeiro do Velela do Peso, tomando-lhe o primeiro um bom macho em que ia o tal Oficial. O Reverendo Capucho Fr. Pedro de Parada de Cunhos aqui matou 2 Soldados, e no alto de S. Gonçalo outro foi morto, sem que neste ataque tivéssemos algum morto ou ferido, mas tão somente aqueles infelizes, que a raiva a barbaridade de hum inimigo batido sacrificou no saque ao seu furor. 
Foi na tarde do dia 22 que a Coluna de Ordenanças de Vila Real, numerosa em mais de 10.000 animosos Paisanos, comandada, por unânime consentimento de todos e pela nomeação do Capitão mor das mesmas Ordenanças de Vila Real, pelo Tenente de Cavalaria João Botelho Guedes, chegou a S. Gonçalo de Lobrigos, e sendo informado que o inimigo tinha embarcado e que só lhe restava uma pequena porção de Tropa a passar, animou o Povo, mandando uma porção pelas alturas da Senhora da Graça, e outra pela Ribeira de Jugueiros, para irem batendo todas aquelas vinhas, não caírem em alguma emboscada, e reconhecer o país; foi pelo centro o Tenente de Granadeiros de Milícias de Vila Real, António de Almeida, acompanhado dos valorosos habitantes de Vila Real, os quais, por mais que voaram, já acharam que o inimigo havia passado o Rio Douro; porém como divisassem gente e carros, se embarcam, passam o Rio, espargem uma pequena Guarda, fazem um prisioneiro, e tomam uma forja de Campanha; sendo noite se recolhem à Régua, aonde pelas 10 horas da noite chegaram também duas Colunas de Ordenanças de Guimarães e Amarante, vindo à testa desta o Alferes de Cavalaria n.º 6 Luís Maria de Cerqueira e o Cadete de Artilharia João Borges de Cerqueira; e à testa daquela o Monsenhor Miranda, o Mestre Escola e Cónegos da Colegiada de Guimarães, o Capitão de Cavalaria António de Sousa, o Tenente de Cavalaria João Pinto Passo e outros muitos Fidalgos e Cavalheiros daquela Província, não faltando em todas estas colunas imensos Religiosos de todas as Ordens, Clérigos e seculares de toda a qualidade. Para segurança e sossego de Paisanos tão valorosos mas cansados com marchas de 5, 7, e 12 léguas, se estabeleceram guardas avançadas, guarnições em todos os barcos e barcas, os quais foram guardados, e rondados com valor, vigilância e disciplina Militar. 
Tendo-se no dia 23 pela manhã distribuído pólvora e bala que a actividade do Tenente-coronel Silveira tinha remetido de Chaves, e chegando à nossa notícia que Lamego era saqueada, determina-se o embarque e ir socorrer os nossos compatriotas; não se vê outra coisa mais do que a emulação de ser o primeiro no embarque; e se algum desfalecia por falta de comida (pois havia muitos que fizeram a marcha de um dia sem ter tomado alimento) o Tenente Botelho e Francisco Correia do Amaral o animava, dando-lhe mesmo do seu dinheiro para comprarem pão em Lamego e marcharem, sendo ambos incansáveis em fazer embarcar a gente, animá-la e conduzi-la em seguimento do inimigo. 
Chega-se a Lamego: a valorosa coluna de Vila Real formada a 3, com Bandeiras despregadas e ao som de caixas batentes, e seguida das outras, fazem declarar a esta cidade, ressoar nas suas ruas alegres vozes de Viva o PRÍNCIPE REGENTE, Viva PORTUGAL, Morram os seus inimigos. Os Cidadãos desta cidade, berço da nossa Monarquia, repetem o mesmo, correm às armas e unem-se à causa comum. Isto feito, corre-se ao ataque e encontra-se o inimigo acima da Póvoa de Juvantes, aonde estavam descansando; mas vendo que o seguíamos, continua a sua marcha nesta forma: O General Loison com toda a sua Cavalaria na Vanguarda, levando no centro a bagagem, e a Infantaria em coluna na retaguarda, marchando com grande união e disciplina, mas velozmente. Foi aqui que 250 a 300 homens valorosos, cheios do maior ânimo e coragem fazem sobre o inimigo um fogo matador e constante por mais de duas léguas. É de admirar a ordem e o método, com que o faziam, aproveitando-se das posições locais, penedias, e desfiladeiros; a presteza com que depois de fazerem a sua descarga, se lançavam à terra para carregar, e enquanto os outros avançavam terreno para dar a sua descarga, o reconhecimento das alturas, as emboscadas, etc., sendo animados todos pela Nobreza já dita, distinguindo-se muito o Monsenhor Miranda e o Tenente João Pinto Passo, que igual ao vento chegou numa escaramuça a raspejar a coluna inimiga; porém, a falta de pólvora e bala fez cessar o fogo e ataque. Mostra bem o respeito que nos olharam, a disciplina com que a coluna inimiga marchava, a retirada em ordem que fazia, as guardas que lançava para protegê-la, e o ser obrigado o General a montar a cavalo e a manobrar em consequência. 
Cessando o ataque, o inimigo acampou em duas pequenas eminências, formando da sua coluna dois quadrados, e reconcentrando no seu intervalo toda a bagagem, postando fortes guardas em todas as direcções, que mesmo de noite foram incomodadas por alguns que dormiram ao pé e pelos povos daquelas serras, que igualmente concorreram a seguir o inimigo. 
No dia 24 não passaram de Castre Daire, sendo até ali mesmo acossados, aonde o General pediu fios para se curar, por ir ferido numa coxa. 
Resultou destes diferentes ataques ser livre a capital do Porto, pôr-se em fugida um General experimentado, que comandava esses chamados valorosos vencedores de Marengo, Austerlitz e Jena, sendo acossados por Paisanas descalços, armados pela maior parte de foices, chuços e paus; vermos seguras de invasão as províncias do Minho e Trás-os-Montes; sofrendo de perda incalculáveis bagagens, já na Régua, que se lhe tomaram, já em Mesão Frio e Castro Daire, que abandonaram; vários e ricos uniformes, que ornam os Templos de S. Gonçalo de Amarante e [da] Senhora da Oliveira em Guimarães, e de que andam vestidos os nossos Paisanos; 2 obuses e mais de 25 barris de pólvora e bala, que foram mergulhados no Rio Douro, uma forja de Campanha, que enobrece Vila Real, outra despedaçada na Póvoa de Juvantes, uma carreta ali quebrada, a secretária lançada no Rio; perda para eles e para nós considerável, para nós por perdermos o conhecimento de seus planos e projectos, livros mestres e económicos de Companhias, livros e instrumentos de música, e sobretudo várias preciosidades de ouro e prata, que deixaram os nossos Paisanos ricos. 
Calcula-se a perda dos mortos do inimigo em mais de 300, e sabe-se que em Viseu achou de menos 700 a 800; nos mortos entra um Grão-Major, um Ajudante de Ordens, um Capitão e dois Oficiais de Cavalaria; consta levar de Castro Daire 20 carros de feridos, sendo do seu número o General e um Ajudante de Campo. Morreram da nossa parte 4 valorosos homens, perda considerável pelo seu valor, o qual os sacrificou até ir com uma foice no Peso atacar-lhe as fileiras; tivemos três feridos; morreram mais no saque 15 pessoas das desgraçadas que nas casas se achavam e [e que se] encontravam nos caminhos descuidadas. 
Distinguiram-se, além dos já nomeados e cujos nomes se puderam averiguar, de Vila Real o Capitão Baía, o Padre Luís Cambalhoto, 2 irmãos por alcunha os Paciências, Gregório das Quintelas, o Tenente de Milícias de Parada Cristóvão, o Reverendo José de Galegos da Serra, um sobrinho do pintor da Rua Nova, o Padre José Ferreira Grilo, Alexandre Carroça, António Dias, o Reverendo Abade de S. Dionísio, António Cumprido, um rapaz por alcunha o Mirandeiro, Romão Fernandes, todos de Vila Real, e outros muitos que ignoro os nomes; 3 Religiosos de Celeiros, os de Canelas, os da Prezegueda, muitos de Guimarães, alguns de Lamego, e entre estes os Marchantes, que até foram a cavalo e com os seus cães de fila; é grande o sentimento ignorar o nome de um Religioso que em toda a acção de 23 perseguiu o General, e que obrigou a este a fazer-lhe elogios em Viseu. Deve-se grande parte desta acção ao valoroso Coronel de Milícias António da Silveira Pinto, motor da marcha da Coluna de Vila Real; e que com presteza nos veio sustentar e franquear a passagem do Rio com 150 homens de Tropa de Linha e 4 peças. 
Assim se terminaram três gloriosos dias, cujos louros são as primícias dos muitos que se hão-de de colher, e que puseram em segurança o Porto, o Minho, e Trás-os-Montes.