sexta-feira, 3 de junho de 2011

Carta do General Dupont interceptada pelos espanhóis (3 de Junho de 1808)



Exército de Observação da Gironda
Império francês, no Quartel-General de Andújar, 3 de Junho de 1808

O General Dupont, Cavaleiro da Águia Grande da Legião de honra, Comandante em Chefe do [2.º] Corpo de Observação da Gironda, ao Sr. Avril*:

Sua Alteza Imperial e Real o Grão Duque de Berg encarregou-me de vos avisar que uma brigada do vosso comando deve deixar Portugal, para reunir-se ao [segundo] Corpo de Observação da Gironda, e que há de estar no dia 8 de Junho em Alcoutim, junto ao Guadiana. Assim que as tropas e artilharia que compõem a dita brigada estejam reunidas, saireis sem demora de Alcoutim para Sevilha. Terminareis o vosso itinerário, e se a região que atravessais está tranquila, podeis dividir o vosso exército em duas colunas, que marcharão com um dia de intervalo; mas deverão unir-se para entrar em Sevilha. Fazei com que vos preceda, com um dia de antecipação, um oficial inteligente e escoltado por uma destacamento de Dragões, que se encarregará de tomar conhecimento do estado da região e de [mandar] preparar os víveres. Ser-vos-á conveniente enviar correios espanhóis, com muitos dias de antecipação, para anunciar a vossa passagem e pedir víveres. Escrevei aos Governadores das povoações para tranquilizarem os habitantes, manifestando-lhes as intenções favoráveis de Sua Majestade o Imperador, e a boa conduta da tropa francesa. Com efeito, é essencial observar uma disciplina muito exacta para tranquilizarmos as opiniões. Penso estar em Sevilha no dia 13 ou 14. Entre Córdova e Andújar existem vários destacamentos, comandados por um Oficial chamado Chavarrias: marchamos para os destroçar.
Espero que não encontrareis inimigos no vosso caminho; mas nem por isso deveis omitir as precauções militares. Instrui-me acerca da vossa posição, forças e itinerário: em Sevilha recebereis novas instruções. 
Tenho a honra, &c.

PS: Acabo de saber que ocorrem agitações em Sevilha: marchai com precaução e dissipai a tiros de canhão esses sediciosos. Se encontrardes obstáculos que vos impeçam de chegardes a Sevilha, tomai uma posição, ou aproximai-vos o máximo que possais. Eu marcho a bater os sediciosos de Chavarrias. Espero estar no dia 8 em Córdova e a 14 em Sevilha.

[Fonte: Gazeta Ministerial de Sevilla, n.º 6, en la Imprenta de la viuda de Hidalgo y Sobrino, 18 de junio de 1808, pp. 46-47; Demonstracion de la Lealtad Española: Coleccion de proclamas, bandos, ordenes, discursos, estados de exercito, y relaciones de batallas publicadas por las Juntas de Gobierno, ó por algunos particulares en las actuales circunstancias – Tomo Primero, Madrid, Imprenta de Repullés, 1808, pp. 114-115 [tradução nossa]. 

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Nota: 


* Apesar de em ambas as fontes citadas se indicar que esta carta era remetida ao "sr. D' Oubril" [sic], parece-nos que existe aqui uma transliteração fonética (existem outros exemplos na época) - para o castelhano - do apelido do General de brigada Jean-Jacques Avril, que tinha entrado em Portugal ao comando da 1.ª brigada da 1.ª divisão do 1.º Corpo de Observação da Gironda (depois Exército de Portugal), e que se encontrava em Elvas no final de Maio de 1808.



Edital do Senado da Câmara de Lisboa avisando os padeiros da capital para não reduzirem a produção de pão (3 de Junho de 1808)



Ao Tribunal do Senado da Câmara baixou na data de 31 de Maio próximo o aviso do teor seguinte: 


AVISO 


Constando que alguns padeiros desta capital, com intenções sinistras, faltam em fornecer o público de pão em alguns dias, e principalmente nas ocasiões em que o seu preço, ordenado pela estiva, não corresponde à sua ambição, por ser inferior ao que esperam na semana seguinte, de cujo abuso tem resultado a vexação do povo; e querendo o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe do Exército de Portugal prover a este respeito com a consideração devida à causa pública: ordena que o Senado da Câmara faça publicar por edital – Que todos os padeiros que faltarem em algum dia ao fornecimento de pão que costumam diariamente fabricar, segundo o seu consumo e possibilidades, tendo em seu poder farinhas de sobejo, serão presos por tempo de dois meses na cadeia do Limoeiro, e dela pagarão duzentos cruzados cada um em benefício dos presos da mesma cadeia. 
Confiando o mesmo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor que o Senado da Câmara com o seu zelo promoverá a efectiva execução desta providência pública com as disposições que forem convenientes e úteis, para que não haja de continuar esta vexação dos concidadãos e povo desta capital. 
Em observância deste aviso, e na sua conformidade, manda o Senado afixar o presente em todos os lugares públicos desta cidade, para que a todos conste e não possam alegar ignorância, remetendo-se exemplares às Casas da Almotaçaria, onde serão registados; e consequentemente ordena aos ditos almotacéis das execuções [para] que examinem e mandem examinar pelos seus oficiais, se aqueles padeiros que se têm obrigado a vender diariamente certas e estipuladas quantidades de pão nas praças da cidade, cumprem com a sua obrigação; e achando que faltaram ou diminuíram as ditas quantidades, procedam contra eles na forma que está determinada por ordens do mesmo Senado da Câmara. 
Lisboa, 3 de Junho de 1808. 

Francisco de Mendonça Arraes e Mello 


[Fonte: 2.º Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 24, 18 de Junho de 1808].

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (3 de Junho de 1808)



Lisboa, 3 de Junho.


Refere uma carta autêntica de Bayonne, em data de 23 de Maio, que um regimento português, recentemente chegado àquela cidade, fora ali recebido com distinção: que fora festejado, na véspera desse dia, pela Guarda Imperial; que reinara a maior cordialidade, durante o banquete, entre os militares de ambas nações; e que Suas Majestades o Imperador-Rei e a Imperatriz-Rainha se dignaram de gozar daquele espectáculo por um pouco de tempo. 
Na manhã de 22, Sua Majestade o Imperador passou revista ao mesmo regimento português. 

Ainda que a mania de passar à esquadra inglesa não tente já quase a ninguém de Portugal, não é talvez inútil fazer saber aos que todavia chegarem a pensar nisso, o regime que ali se lhes destina e que nos comunica pessoa fidedigna. Os ingleses se têm capacitado, sem que se saiba porque motivo, que se experimenta alguma penúria em Lisboa, onde de todos os géneros de comestíveis há uma quantidade mais que suficiente, e sem dúvida por isso é que tratam tão mesquinhamente os que vão ter com eles. Todo o alimento que lhes dão consiste numa xícara de chocolate, pela manhã, e um copo de aguardente à noite, com um pedaço de pão mais pequeno que o que a Misericórdia fornece aos presos de Lisboa. 
Bem longe depois de transportá-los para o Brasil, como lho persuadiam ao princípio, costumam deitar uns em Plymouth e outros nas ilhas dos Açores, onde os deixam sem recurso algum. 
É provável que os destinem os ingleses para povoar antes as suas próprias colónias que o novo reino do Brasil; e a suprir assim as dificuldades que o comércio da escravatura encontra diariamente. 
Cumpre acrescentar que logo que constar que alguém se deixou aliciar para ir à esquadra inglesa (o que hoje em dia é muito raro), o Senhor Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Polícia do Reino, tem ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, General em Chefe do Exército, de mandar que se lhe ponha o selo nos seus bens, assim móveis como de raiz. 

A sorte que experimentaram os emigrados franceses, sucessivamente iludidos pelas vãs promessas de todas as Cortes, e que enfim se veriam sem asilo no Universo, se o grande Monarca, que exercita um império tão generoso sobre a França e sobre a Europa, não se tivesse compadecido da sua situação, e não lhes tivesse nobremente perdoado: uma tal sorte é bem própria para deixar os homens sensatos e de razão dissuadidos daquelas emigrações políticas, que conduzem sempre aos últimos termos do infortúnio os miseráveis que a elas se deixam arrastar. A experiência dos últimos 15 anos tem demonstrado que era ainda mais arriscado que criminoso o abandonar assim a pátria para correr após umas quimeras que nunca se realizam. 

Alguns viajantes, dignos de crédito, e observadores tão hábeis como iluminados, que acabam de decorrer todo o norte de Portugal, nos asseguram que por toda a parte acharam as estradas tão seguras como se possa desejar; que, se ouviram falar de roubos, tais como acontecem nos países os mais sossegados, era tão somente no interior de alguns campos isolados, onde não se pode estender sem grande dificuldade a acção da autoridade pública. Acrescentam que o melhor espírito dirige em geral os funcionários públicos e o Clero; que por toda a parte viam o desprezo com que era olhado o antigo Governo, o qual só se deixava dirigir por frades ou lacaios; ao mesmo tempo que se fazia bem digno do seu reparo o zelo com que os povos procuram servir o novo Governo, de quem esperam um melhor futuro; e a afeição que professam à pessoa de Sua Excelência o General em Chefe, a cuja firmeza e sábia moderação fazem todos uma justiça completa. Segundo os mesmos viajantes, há agora em Portugal bem poucas povoações pequenas, onde não se encontrem bibliotecas com livros próprios para ilustrar os espíritos, e homens que mostram havê-los lido bem; neste sentido, podem as províncias disputar a primazia à capital. 

Enquanto ao mais, é tão bom quanto possível seja o espírito público, apesar das insinuações e imposturas clandestinas de alguns homens, que o Governo conhece, sobre quem vigia, e de quem poderá lançar mão, quando menos o esperarem. Hoje em dia Portugal parece ser um país francês, segundo o entusiasmo e admiração que excita por toda a parte o augusto nome de Sua Majestade o Imperador e Rei, e segundo a inteira confiança que todos os portugueses têm nas promessas que lhes tem feito e na bondade com que os trata. 

A 15 deste mês é que os representantes das diversas classes e corporações da Espanha devem achar-se reunidos em Bayonne, para exprimir aí os seus votos sobre os meios de assegurar à sua pátria, debaixo dos auspícios de Napoleão o Grande, uma ordem de coisas durável e uma prosperidade que ela debalde buscou debaixo do fraco governo dos Reis da Dinastia que há pouco teve fim. 

Os meios de comunicação entre Bayonne e Madrid se têm já tornado mais fáceis. Dizem que de um a outro daqueles dois lugares se pode agora ir pela posta, assim a cavalo como em carruagem. O primeiro benefício de que vai agora gozar a Espanha será o de estradas reais que devem atravessá-la de umas partes às outras, e o de ver os seus rios tornados navegáveis para servirem de canais às suas riquezas interiores, bem susceptíveis dum tal aumento, logo que o seu governo quiser proteger a sua agricultura. 

[Fonte: 1.º Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 22, 3 de Junho de 1808].


Ordem de Junot a Domingos Vandelli, Director do Gabinete de História Natural da Ajuda (3 de Junho de 1808)



O Duque de Abrantes, General em Chefe do Exército de Portugal, autoriza o Sr. Geoffroy, membro do Instituto de França enviado pelo Ministro do Interior para fazer pesquisas sobre os objectos de História Natural existentes em Portugal e úteis ao Gabinete de Paris, a levar e mandar encaixotar para serem transportados para França os objectos especificados na presente, [...] compreendendo 65 espécies e 76 exemplares de mamíferos, 238 espécies e 384 exemplares de aves, 25 espécies e 32 exemplares de répteis e 89 espécies e 100 exemplares de peixes. O Director do Gabinete [da Ajuda], Sr. Vandelli, dará ao Sr. Geoffroy todas as facilidades que dependerão de si em relação aos objectos, e a presente ordem ficará na posse do sr. Vandelli, como recibo.
Lisboa, 3 de Junho de 1808.

O Duque de Abrantes

[Fonte: Carlos França, "Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815). História de uma missão scientifica ao Brasil no século XVIII", in Boletim da Sociedade Broteriana - Vol. 1 (II Série), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1922, pp. 65-123, p. 112 (com 12 estampas). Diz o autor que "este documento foi conservado pelo Prof. Barbosa du Bocage e a cópia existe na Biblioteca do Museu Zoológico de Lisboa, hoje Museu Bocage"].