domingo, 17 de abril de 2011

Notícia publicada na Gazeta de Lisboa sobre o modo como Junot passou o dia 17 de Abril de 1808 (Domingo de Páscoa)



Lisboa, 19 de Abril 



A cerimónia religiosa anunciada na folha precedente se executou anteontem, Domingo de Páscoa, acrescentando o concurso das primeiras autoridades militares e civis uma grande e nova pompa à solenidade ordinária, que acompanha, entre o povo desta capital, a celebração do mais santo mistério da nossa religião. 

O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, General em Chefe do Exército, partiu às dez horas da manhã do seu Palácio, rodeado do seu Estado-Maior a cavalo, para ir à Santa Igreja Patriarcal. As carruagens em que se achavam os senhores oficiais Generais e superiores, franceses e portugueses; os senhores secretários e conselheiros de Estado e os membros das principais autoridades, precediam à de Sua Excelência; e de distância em distância estavam em armas batalhões de tropas francesas, espanholas e portuguesas no maior asseio. A dita comissão se dirigiu, a passo, à Santa Igreja Patriarcal, que se achava magnificamente adornada, a cuja porta a respectiva corporação, formada das diferentes hierarquias daquela Santa Igreja, presidida pelo Excelentíssimo Principal Miranda, como Deão, esperava a Sua Excelência para apresentar-lhe a água benta e fazer-lhe as demais honras devidas à sua graduação. 

O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, depois de ter feito oração, de joelhos, na capela do Santíssimo Sacramento, e ouvido cantar o Te Deum, passou a uma tribuna destinada para Sua Excelência e para o seu Estado-Maior, como também para as autoridades superiores, assim civis como militares. Então começou a missa, celebrada naquela Santa Igreja do mesmo modo que na Basílica de S. Pedro em Roma, reindando em tudo o decoro e majestade que lhe são particulares; executou a respectiva um coro sumamente harmonioso; e pregou com a sua costumada eloquência o M. R. P. M. [Muito Reverendo Padre Mestre] Frei Manuel da Avé Maria, religioso Trinitário. Ainda que aquele templo seja mais rico que vasto, acudiu aí com o maior empenho uma grande multidão de gente; mas sem embargo disso, a boa ordem e a decência que nele reinaram constantemente, edificavam na verdade. Desde a porta da Igreja até o altar-mor havia uma ala formada por Granadeiros franceses, cujo grande asseio e movimentos executados com a maior perfeição e regularidade contribuíam para aumentar ainda mais o aparato desta função, que não acabou senão às duas horas da tarde. 

Sua Excelência, havendo feito ao descer da tribuna as mesmas estações que ao entrar na Igreja, foi reconduzido pela mesma corporação até à porta, e metendo-se na sua carruagem, voltou ao seu Palácio, seguido da mesma comitiva e por entre as mesmas alas de tropa. 

O dia era um dos mais amenos que pode haver num dos mais belos climas do mundo, e favorecia singularmente o impulso de curiosidade e de interesse que fizera concorrer assim às ruas como às janelas das casas uma multidão de habitantes, que à porfia manifestavam os sentimentos de afeição e de respeito de que estão penetrados para com o nosso Ilustre Governador Geral. 

Sua Excelência, depois de ter voltado ao seu Palácio, rodeado novamente de todos aqueles que tiveram a bondade de acompanhá-lo à Santa Igreja Patriarcal, recebeu uma deputação que lhe enviou a vila de Abrantes para dar-lhe o parabém do novo título com que o honrou Sua Majestade Imperial e Real. Esta deputação, composta das pessoas mais recomendáveis da mesma vila, e presidida pelo Juiz de Fora dela, foi apresentada a Sua Excelência por mr. Pepin de Bellisle, auditor do Conselho de Estado de França e Corregedor-mor da província da Estremadura, onde Abrantes fica situada. Sua Excelência recebeu a deputação com a bondade que o distingue, e deu aos seus membros uma resposta muito obsequiosa, que em especial o era para o seu presidente, a quem nomeara Juiz de Fora em recompensa dos serviços que ele fez ao exército francês ao tempo da sua passagem por Abrantes, e da afeição que desde então tem mostrado para com os franceses; assegurando-lhe que com satisfação se havia de aproveitar de todas as ocasiões que tivesse de ser útil a uma vila cujo nome forma o do título que Sua Excelência deve usar daqui em diante. 


[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 16, 19 de Abril de 1808].