sábado, 21 de maio de 2011

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (21 de Maio de 1808)



Lisboa, 21 de Maio.


Entre as cidades que se distinguem pelo entusiasmo com que têm recebido o anúncio dos benefícios prometidos por Sua Majestade o Imperador e Rei à Deputação portuguesa, devemos citar a de Coimbra: os seus habitantes e a sua célebre Universidade, composta dos sábios mais distintos de Portugal, se uniram na sua alegria, e solicitaram dos magistrados licença para fazer iluminar, por três dias, toda a cidade em sinal de regozijo.

Sabemos que vários bispos também deram ordem para que a memória da Deputação se lesse à missa do dia, pelos párocos das freguesias das suas dioceses; e que alguns até ajuntaram a essa ordem pastorais destinadas para trazer à lembrança do povo português o que ele deve ao poder tutelar que, ao tempo que se achava abandonado e entregue a todo o género de incerteza pela fugida dos seus antigos chefes, o salvou da anarquia, o maior dos flagelos; que lhe garantiu a venturosa tranquilidade de que goza, em meio das agitações que o rodeavam; e que lhe prepara um futuro que o indeminizará do padecimento momentâneo que tem experimentado, bem como o resto da Europa, em consequência da guerra obstinada que a Inglaterra faz ao Continente.


Não há coisa mais mal fundada que o boato de ter havido um suposto movimento entre as tropas portuguesas, chegadas a Valladolid, em Espanha. Estas tropas conhecem sobejamente o seu dever, e sobejamente participam do bom espírito que anima os seus concidadãos, para que podessem deliberar-se a desobedecer de modo algum aos seus chefes. Toda a dúvida a este respeito fica tirada por cartas autênticas posteriores às datas citadas.


Cumpre ter por suspeita a exageração dum artigo da Gazeta de Madrid, em data de 13 deste mês, em que, debaixo da rubrica de Tours, se diz que Sua Majestade o Imperador e Rei tinha perdoado a contribuição de cem milhões imposta a Portugal. Por ora não consta a este respeito mais que a promessa feita por Sua Majestade à Deputação portuguesa de reduzir esta contribuição a justos limites, aos que são compatíveis com os meios do país.

Não é num diário de província que Sua Majestade há de manifestar as suas intenções benéficas para com este país. Seria uma causa tão imprudente como criminosa o querer a este respeito interpretar antecipadamente a expressão positiva da sua vontade; da sua bondade, da sua justiça é que tudo se deve esperar; e até que Sua Majestade o tenha declarado, ninguém pode retardar o pagamento do que deve, sem se expor a rigores tão sensíveis para aqueles em quem houvessem de recair, como penosos para os que tivessem de os aplicar.


O General espanhol Solano, que comandava em Badajoz, recebeu outra destinação do seu Governo; e vai exercer outro comando mais importante da banda da Andaluzia.


Segundo algumas cartas particulares de Bayonne, o Príncipe das Astúrias partiu daquela cidade, com os príncipes seu irmão e seu tio, para ir habitar [n]o interior da França, onde Sua Alteza Real fez escolha de um palácio digno da sua qualidade.

Conforme as mesmas cartas, El-Rei Carlos IV, depois de ter delegado os seus poderes a Sua Alteza Imperial o Grão-Duque de Berg, debaixo do título de Lugar-Tenente Geral do Reino, se dispunha também a retirar-se por algum tempo com a Rainha e o Príncipe da Paz, para uma quinta não distante de Paris, a fim de achar aí o sossego que tão necessário se faz para o restabelecimento da sua saúde, depois de tão cruéis abalos.


Imprime-se, há alguns dias, em Madrid, debaixo do título de Diario de Madrid, uma nova folha, cujo tom é notável, nas circunstâncias presentes; nela se agita a questão de saber se a dinastia actual, depois das divisões que a têm desacreditado no conceito dos povos, pode ser capaz para a felicidade de um Estado cuja decadência parece ter por data o Reinado da família dos Bourbons. Do dito artigo se pode concluir que os votos em Espanha parecem dirigir-se a outra família, mais em harmonia com a situação da Europa, e com a precisão que teria aquela Monarquia, para se restaurar e consolidar, de uma autoridade forte e bem respeitável: “O que nos convém essencialmente, nas bordas do abismo a que nos arrastaram os erros do nosso Governo (diz em resumo a citada folha) é que não nos sacrifiquemos à vaidade de alguns indivíduos que nos têm feito ser vítimas da sua incapacidade, da sua fraqueza, e das suas dissensões; mas sim que conservemos a integridade do nosso território, os nossos privilégios tais quais os possuíamos antes de Filipe V; e em especial a Religião Católica, que tanto presa a nossa nação”.


[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 20, 21 de Maio de 1808].


Pastoral do Bispo do Algarve (21 de Maio de 1808)





Dom Francisco Gomes, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo desta Diocese e Bispado do Reino do Algarve, etc.: 

A todos os Nossos amados Filhos em Cristo, saúde, paz e benção do Senhor, que de todos é verdadeiro remédio, luz e salvação. Haveis de saber que a Eterna Sabedoria, que tudo rege, há disposto que a nossa Deputação, que se foi apresentar ao Augusto Imperador dos Franceses, Rei de Itália e Protector da Confederação do Reno, tivesse a felicidade de ser benignamente recebida por Sua Majestade Imperial e Real, com promessa de usar com todos nós, os portugueses, dos efeitos da Sua cordial beneficência. Todos pois nos devemos unir em dar a Deus as devidas graças por ter movido a piedade a um tão grande Monarca. E para que esta Acção de Graças seja bem aceite a Deus, vos exortamos a que vos lembreis que a Nossa Santa Lei e Religião nos manda que procuremos sempre viver em paz com todos, e sujeitarmos a quem governa com uma perfeita sujeição e obediência; e tratar a todos os nossos próximos, e as tropas que ao presente se acham entre nós, com afável caridade, para merecermos a Protecção do Senhor, que é Deus de paz; e deste modo mostraremos ao Augusto Imperador e Rei, que satisfazemos às suas Boas Intenções. 
Igualmente exortamos a todos os soldados nossos diocesanos que tiverem desertado, que sem demora recolham para onde são chamados pelo Decreto que sobre isto se publicou, para evitarem o perigo gravíssimo a que estão expostos, e a que expomos interesses verdadeiros de todos nós; e assim esperamos que os Pais e parentes dos mesmos desertores os obriguem e persuadam a que cumpram o que lhes é mandado, para não causarem dano tão notável a si e a todo o Reino. Damos a todos vós, amados Filhos em Cristo, a nossa Bênção, em nome do Senhor. 
Dado em Faro, sob nosso sinal e selo das nossas Armas, aos 21 de Maio de 1808. E eu, Joaquim Manuel Rasquinho, Secretário de Sua Ex.a R.ma que a fiz escrever. 

Francisco, Bispo do Algarve. 

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve (Subsídios para a História da Guerra Peninsular), Lisboa, Tip. Inácio Pereira Rosa, 1941, pp. 344-345 (doc. 12)].


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Nota:

Ano e meio depois (mais precisamente a 4 de Janeiro de 1810), o mesmo Bipo do Algarve, D. Francisco Gomes de Avelar, em carta a João António Salter de Mendonça (Secretário de Estado dos Negócios do Reino do governo regente), parece de algum modo justificar a posição que tomou com a pastoral acima transcrita: “Ocupados (de facto) os Reinos de Portugal e Algarve pela prepotência francesa; abolida a regência dos mesmos reinos; dada por extinta a Real Casa de Bragança; e sujeito tudo ao poder do Imperador Napoleão, a cujo arbítrio estava o dar um rei aos portugueses; desde logo ficou à vontade destes, ou sujeitarem-se ao duro e estranho Império, ou a reassumirem os seus direitos primitivos para reinvindicação de sua legítima monarquia, liberdade e independência: entre estes dois extremos, não havia meio” [Fonte: op. cit., pp. 395-397, p. 395 (Doc. 94)].