Lisboa, 21 de Maio.
Entre as cidades que se distinguem pelo entusiasmo com que têm recebido o anúncio dos benefícios prometidos por Sua Majestade o Imperador e Rei à Deputação portuguesa, devemos citar a de Coimbra: os seus habitantes e a sua célebre Universidade, composta dos sábios mais distintos de Portugal, se uniram na sua alegria, e solicitaram dos magistrados licença para fazer iluminar, por três dias, toda a cidade em sinal de regozijo.
Sabemos que vários bispos também deram ordem para que a memória da Deputação se lesse à missa do dia, pelos párocos das freguesias das suas dioceses; e que alguns até ajuntaram a essa ordem pastorais destinadas para trazer à lembrança do povo português o que ele deve ao poder tutelar que, ao tempo que se achava abandonado e entregue a todo o género de incerteza pela fugida dos seus antigos chefes, o salvou da anarquia, o maior dos flagelos; que lhe garantiu a venturosa tranquilidade de que goza, em meio das agitações que o rodeavam; e que lhe prepara um futuro que o indeminizará do padecimento momentâneo que tem experimentado, bem como o resto da Europa, em consequência da guerra obstinada que a Inglaterra faz ao Continente.
Não há coisa mais mal fundada que o boato de ter havido um suposto movimento entre as tropas portuguesas, chegadas a Valladolid, em Espanha. Estas tropas conhecem sobejamente o seu dever, e sobejamente participam do bom espírito que anima os seus concidadãos, para que podessem deliberar-se a desobedecer de modo algum aos seus chefes. Toda a dúvida a este respeito fica tirada por cartas autênticas posteriores às datas citadas.
Cumpre ter por suspeita a exageração dum artigo da Gazeta de Madrid, em data de 13 deste mês, em que, debaixo da rubrica de Tours, se diz que Sua Majestade o Imperador e Rei tinha perdoado a contribuição de cem milhões imposta a Portugal. Por ora não consta a este respeito mais que a promessa feita por Sua Majestade à Deputação portuguesa de reduzir esta contribuição a justos limites, aos que são compatíveis com os meios do país.
Não é num diário de província que Sua Majestade há de manifestar as suas intenções benéficas para com este país. Seria uma causa tão imprudente como criminosa o querer a este respeito interpretar antecipadamente a expressão positiva da sua vontade; da sua bondade, da sua justiça é que tudo se deve esperar; e até que Sua Majestade o tenha declarado, ninguém pode retardar o pagamento do que deve, sem se expor a rigores tão sensíveis para aqueles em quem houvessem de recair, como penosos para os que tivessem de os aplicar.
O General espanhol Solano, que comandava em Badajoz, recebeu outra destinação do seu Governo; e vai exercer outro comando mais importante da banda da Andaluzia.
Segundo algumas cartas particulares de Bayonne, o Príncipe das Astúrias partiu daquela cidade, com os príncipes seu irmão e seu tio, para ir habitar [n]o interior da França, onde Sua Alteza Real fez escolha de um palácio digno da sua qualidade.
Conforme as mesmas cartas, El-Rei Carlos IV, depois de ter delegado os seus poderes a Sua Alteza Imperial o Grão-Duque de Berg, debaixo do título de Lugar-Tenente Geral do Reino, se dispunha também a retirar-se por algum tempo com a Rainha e o Príncipe da Paz, para uma quinta não distante de Paris, a fim de achar aí o sossego que tão necessário se faz para o restabelecimento da sua saúde, depois de tão cruéis abalos.
Imprime-se, há alguns dias, em Madrid, debaixo do título de Diario de Madrid, uma nova folha, cujo tom é notável, nas circunstâncias presentes; nela se agita a questão de saber se a dinastia actual, depois das divisões que a têm desacreditado no conceito dos povos, pode ser capaz para a felicidade de um Estado cuja decadência parece ter por data o Reinado da família dos Bourbons. Do dito artigo se pode concluir que os votos em Espanha parecem dirigir-se a outra família, mais em harmonia com a situação da Europa, e com a precisão que teria aquela Monarquia, para se restaurar e consolidar, de uma autoridade forte e bem respeitável: “O que nos convém essencialmente, nas bordas do abismo a que nos arrastaram os erros do nosso Governo (diz em resumo a citada folha) é que não nos sacrifiquemos à vaidade de alguns indivíduos que nos têm feito ser vítimas da sua incapacidade, da sua fraqueza, e das suas dissensões; mas sim que conservemos a integridade do nosso território, os nossos privilégios tais quais os possuíamos antes de Filipe V; e em especial a Religião Católica, que tanto presa a nossa nação”.
[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 20, 21 de Maio de 1808].