Sire:
A deputação portuguesa junto da pessoa sagrada de Vossa Majestade Imperial e Real acaba de transmitir a seus concidadãos uma carta que preenche dignamente o objecto da missão, porém que não aumentou a confiança sem limites que depois de muito tempo eu trazia calculada com a grandeza e clemência incomparável de Vossa Majestade Imperial e Real. Assim que as tropas francesas entraram neste reino, minha voz pastoral aquietou publicamente meus diocesanos e garantiu sua segurança, lembrando-lhes que uma nação pouco extensa, e além disso dócil e submissa às leis, não oferecia outra glória ao grande Napoleão mais do que a glória de a fazer feliz.
Por esta prática antecipei eu as seguranças de que foram depois órgãos os deputados meus compatriotas. Tenho, pois, a glória de os haver antecipado, por ser o primeiro que anunciei aos portugueses a benevolência de Vossa Majestade Imperial e Real, que outra coisa não lhes pode dar que não seja segurança e felicidade.
Eu os excederei ainda, se é que podem ser excedidos nos sentimentos mais declarados de gratidão e respeito, que eu tenho a honra de transmitir, conjuntamente com os deles, à augusta presença de Vossa Majestade Imperial e Real, acrescentando-lhes as mais humildes e fervorosas orações, que por meu carácter episcopal sou obrigado a fazer pela conservação e glória da nossa santa religião católica, e as que o amor da pátria reclama.
A pátria, órfã e incerta de quais sejam os seus destinos, é infinitamente digna de atrair as vistas compassivas de Vossa Majestade Imperial e Real.
Eu rogo a Deus Nosso Senhor que haja em sua santa guarda a pessoa sagrada de Vossa Majestade Imperial e Real.
Porto, 22 de Maio de 1808
António, Bispo do Porto.
[Fonte: O Campeaõ portuguez. Ou o Amigo do Rei e do Povo (Jornal politico, publicado todos os quinze dias para advogar a cauza e interesses de Portugal), 1.º de Setembro de 1819, Londres, Impresso por L. Thompson, p. 175; republicada, sem menção da sua proveniência, por Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 235-236. Finalmente, também Raul Brandão publicou esta carta, na sua obra El-Rei Junot (Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, s.d. p. 156)].
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Nota:
Este documento do bispo do Porto situa-se, cronologicamente, entre dois factos que demonstram bem a hipocrisia e o aproveitamento das circunstâncias políticas por parte do prelado: a sua pastoral de 18 de Janeiro de 1808, e a sua colocação à frente da presidência da Junta do Porto (como adiante veremos, menos de um mês depois de escrever a carta acima transcrita dirigida a Napoleão).
Aparentemente mais interessado em conservar o seu poder hierárquico do que em questões patrióticas ou de conservação da independência, D. António José de Castro foi ainda o primeiro a propor ao almirante inglês que bloqueava a entrada do Tejo, Charles Cotton (em ofício de 4 de Agosto de 1808), que o Governo da Regência nomeada pelo príncipe regente D. João deveria reassumir as suas funções assim que os franceses fossem expulsos do país, mas com algumas alterações, dado que propunha que fossem incluídos naquele referido Governo três membros da Junta do Porto (que se assumira como Junta Suprema), entre eles um seu irmão...