domingo, 11 de setembro de 2011

Anedotas relativas à campanha do exército britânico em Portugal, segundo o periódico The National Register de 11 de Setembro de 1808



Na batalha do dia 21 [de Agosto de 1808], os franceses tinham no campo cerca de 15.200 homens, dos quais 1.200 compunham a cavalaria. Esta última força não teve a oportunidade de se distinguir, pois não fez sequer uma só carga durante todo o dia; contudo, a sua posição e número era formidável, o que contribuiu para manter embaraçado um corpo considerável de tropas britânicas, ocupado a observar os seus movimentos. Os seus uniformes eram verdes. 
As munições Shrapnel (assim chamadas devido ao seu inventor, o Coronel de artilharia Shrapnel) fizeram, por si só, uma matança terrível entre as fileiras francesas. Elas contêm cerca de 100 balas de mosquete, e são calculadas para explodir a uma determinada distância, espalhando instantaneamente a morte e a devastação em seu redor. 


Fonte: Wikipedia
Exemplo do efeito de metralha
 provocado pelas munições Shrapnel 


A maneira científica segundo a qual o Comandante em Chefe [Wellesley] enfrentou o ataque dos franceses contribuiu materialmente para a derrota destes. O exército francês avançou em três grandes colunas, de forma a carregarem todas elas sobre a esquerda e centro do exército britânico. À medida que cada uma destas colunas avançava, invariável e independentemente da resistência que encontrava pela frente, sofria um ataque em ambos os flancos pelo fogo dos corpos avançados para tal objectivo, através duma pequena mudança das suas posições; desta forma os franceses perderam um surpreendente número de homens antes de poderem usar as baionetas. Em caso algum os franceses chegaram a recorrer a esta última arma, pois cada vez que carregavam, eram instantaneamente batidos. 
O avanço do inimigo para o ataque foi impetuoso e até furioso. À medida que se aproximava, o inimigo saudava os ingleses com todos os epítetos injuriosos que são tão férteis na sua língua, ao passo que, pelo contrário, os ingleses, escarninhamente, davam vivas à sua aproximação. O uniforme do inimigo era singular: azul e com adornos brancos, sobre o qual levava um sobretudo branco de lã, um pouco parecido à bata dum condutor de carroças; o seu chapéu era quadrado, como o dos ulanos [lanceiros polacos]; e as mochilas eram de pele de cabra. A sua mosquetaria foi completamente formidável, particularmente a de dois Regimentos suíços ao seu serviço, que se comportaram com a maior bravura. Os seus atiradores [voltigeurs] foram, em geral, bons, mas muito inferiores em actividade e real serviço aos caçadores [riflemen] ingleses. Proporcionalmente, o número das forças sobre o campo era muito favorável aos ingleses, não se podendo dizer o mesmo acerca do número que realmente participou na acção. Resumindo, a batalha do Vimeiro foi decidida pela superior habilidade militar do Líder e pela bravura superior do soldado; todas as manobras praticadas surgiram dos vários e combinados movimentos de ataque e defesa; ocorreram em ambos os lados repetidas mudanças de posição; e finalmente, a palma da vitória foi o prémio para quem melhor mereceu portá-la, depois duma longa e árdua luta de quase quatro horas.
Em relação aos Generais franceses comprometidos naquele dia, umas poucas palavras não serão desinteressantes. Da conduta pessoal de Junot, que comandou o exército francês na batalha do Vimeiro, pouco se sabe. Os seus Oficiais capturados, e até aqueles de alta graduação, falaram muito superficialmente, e até em termos de reprovação, em relação às suas manobras durante a acção. Pouco se fala do General Loison, apesar deste ter, contudo, a reputação de ser um homem hábil. O General Laborde distinguiu-se na Roliça no dia 17, quando contestou aos ingleses, de forma tão hábil, os passos da montanha. Tem a reputação de oficial experimentado, mas possui um carácter muito feroz. O General Brenier também se distinguiu na batalha da Roliça. Por três vezes conduziu o ataque que resultou tão destrutivo para os Regimentos os 9 e 29 de infantaria a pé, cobrindo assim a retirada de Laborde com o corpo principal do exército, e retirando-se depois em boa ordem, apesar de com muitas baixas. Foi aqui que pereceram os Coronéis Lake e Stewart. Ele não foi, contudo, tão feliz no dia 21, sendo aprisionado na brava carga da brigada do General Ferguson, que rompeu a coluna direita do inimigo, à frente da qual combatia Brenier. É impossível não noticiar aqui algumas circunstâncias relacionadas com a captura deste Oficial. Ele rendeu-se, quando a coluna cedeu, ao Cabo Ross*, do Regimento n.º 71, e imediatamente tirou o seu relógio e dinheiro, que, juntamente com a sua espada, dragonas e faixa, ofereceu ao seu capturador: este nobre homem, contudo, recusou tudo o que lhe foi oferecido, trazendo o General em segurança ao Coronel Pack, e entregando-o a este Oficial. Brenier, espantado, não pôde deixar de exclamar: Que tipo de homem é este; ele prestou-me o maior dos serviços: trouxe-me para aqui em segurança, arriscando a sua vida, e ainda assim recusa tomar-me todas as recompensas que lhe posso oferecer! A esta exclamação observou secamente o Coronel Pack: Nós somos soldados britânicos, Senhor, não saqueadores. Os nossos leitores ficarão contentes, contudo, em saber que tal conduta não deixou de ser recompensada: assim que Sir Arthur Wellesley foi informado deste caso, pediu ao Coronel Pack o favor de graduá-lo sargento no campo de batalha (o que foi cumprido imediatamente pelo Coronel), e deu do próprio bolso uma boa gratificação ao seu generoso camarada. A conduta, nesse dia, dum primo deste mesmo Cabo Ross, que era tocador de gaita de foles do mesmo regimento, é também demasiado notável para ser passada em silêncio. Ao avançar até às suas fileiras, combatendo com bravura enquanto os seus músicos ficaram para trás, foi ferido gravemente na sua perna por uma bala de mosquete; vendo-se incapaz de prosseguir, sentou-se deliberadamente no chão, e tirando as correias do seu instrumento, gritou [no seu gaélico nativo]: Camaradas, não posso mais combater convosco, mas constante será a minha alma se quereis música, e imediatamente começou a tocar a sua música mais bélica com o seu máximo poder e na maior descontracção**
O General Kellermann, que foi enviado por Junot para tratar os termos sobre os quais capitularia o seu exército, comandava a reserva francesa na acção do dia 21. Foi ele que se esforçou para recuperar os canhões tomados pela brigada do General Ferguson, num desesperado ataque sobre os Regimentos n.os 71 e 82, que tinham parado no vale onde os franceses tinham perdido as ditas peças. Contudo, este ataque foi repelido através duma brilhante manobra do Comandante em Chefe, que, posicionado sobre um terreno alto, vendo a desvantagem que estes corpos teriam se fossem atacados no vale, deu-lhes ordens para se retirarem para as alturas, medida esta que foi obedecida muito relutantemente. Chegando às alturas, pararam, dispararam e, descendo a colina, carregaram sobre o inimigo, que a este tempo tinha chegado ao fundo do vale, com tal impetuosidade e efeito, que o derrotaram e o obrigaram a retirar-se completamente com muitas baixas, deixando as seis peças de canhão para trás. Este Oficial é o filho do célebre Marechal do mesmo nome. Ao chegar ao Quartel-General britânico no dia 22, ele não parecia minimamente abatido pelos acontecimentos desastrosos dos dias 17 e 21, nem mostrava o menor sentimento ou compaixão pela desgraça de muitas centenas dos seus camaradas soldados que estavam mortos e morrendo devido às suas feridas por toda a parte. Ao jantar à mesa do General, para a qual foi naturalmente convidado, pareceu surpreendido pelos biscoitos duros que aí havia, e disse: Sinceramente, General, se soubesse que estáveis tão mal providos, ter-vos-ia trazido algum pão fresco!



_________________________________________________________________


Notas:


* Tratava-se na realidade do Cabo Angus Mackay.


** O aludido tocador de gaita de foles escocesa, que se tornou algo famoso por este feito, chamava-se George Clark (ou Clarke).

Plano da batalha do Vimeiro, publicado no periódico The National Register de 11 de Setembro de 1808






Uma relação da Batalha do Vimeiro
servindo de explicação ao plano da batalha


A Batalha do Vimeiro iniciará uma época importante na nossa História. É um daqueles acontecimentos decisivos que não só terminam uma campanha e aniquilam os recursos do inimigo naquela região, mas que produzem uma superioridade decidida nas operações posteriores dos vitoriosos. Neste aspecto, apresenta uma forte semelhança com as batalhas de Marengo, Ulm e Jena. Ela mudou completamente as características da guerra. Os franceses, que têm tido durante tantos anos o hábito de abrirem fogo e devastarem os Estados dos seus inimigos, e dos seus exércitos subsistirem às custas destes últimos, estarão agora limitados à necessidade de defenderem as suas próprias fronteiras contra uma força invasora. A relação transmitida por Sir Arthur Wellesley é tão clara e judiciosa que seria presunçoso acrescentar-lhe algo.

[Seguia-se um excerto da citada carta de Wellesley a Sir Harry Burrard]