sábado, 3 de setembro de 2011

The Spanish Pye. A Ditty for young Patriots, caricatura de Isaac Cruikshank (3 de Setembro de 1808)





A tarte espanhola. Uma cantilena para jovens patriotas.
Caricatura de Isaac Cruikshank, publicada a 3 de Setembro de 1808.


Esta caricatura satiriza o susto de José Bonaparte e dos franceses perante a inesperada irrupção das sublevações espanholas, representando o momento em que um grupo de pequenos soldados espanhóis (identificados pelas suas roupas e pela bandeira que ostentam) irrompe de dentro da tarte espanhola que o novo monarca, de faca e garfo nas mãos, se preparava para comer. Surpreendido e assustado, José Bonaparte recua, e ainda que ostente ameaçadoramente a faca do bolo, o certo é que os seus reforços estão do outro lado da mesa, também assustados... Trata-se provavelmente duma alusão directa às consequências da derrota em Bailén do General Dupont (que talvez esteja representado na caricatura como o francês com a cabeça enfaixada, as calças rasgadas e as botas gastas), facto que viria a provocar a decisão de José Bonaparte retirar-se de Madrid, apenas cerca de uma semana depois de aí ter chegado.
Por cima da tarte espanhola que dá título à caricatura encontram-se os versos da cantilena assinalada no subtítulo, que abaixo traduzimos literalmente: 

Canto uma canção de seis pences - um saco cheio de centeio, 
Quatro e vinte Patriotas - cozidos numa torta.
Quando a tarte foi aberta, os rapazes começaram a cantar. 
Ora, não era um belo prato para apresentar a um rei?



Os versos originais em inglês correspondem precisamente (ou melhor, quase inalterados) aos primeiros versos duma famosa cantilena infantil inglesa, Sing a song of sixpence, cuja fixação moderna pode ser abaixo escutada: 

 


Tendo em conta algumas variações conhecidas desta cantilena*, conseguimos apurar que a maior alteração que Cruikshank fez aos versos originais foi a introdução de um único termo que lhe era alheio (a saber, patriots), o qual, no entanto, para além de complementar o sentido da ilustração, altera significativamente o sentido dos versos originais. De facto, devemos ter em conta que o termo patriots ["patriotas"] tinha sido largamente difundido pela imprensa britânica, desde meados de Maio de 1808, em referência aos sublevados espanhóis, pelo que passara praticamente a ser sinónimo destes. Devemos finalmente acrescentar que para além da referida cantilena inglesa que indubitavelmente serviu de inspiração à caricatura, é possível ainda que a alusão à mocidade espanhola (através do termo sublinhado boys ["rapazes"] e do termo young ["jovens"], presente no subtítulo) derive do conhecimento que Cruikshank tinha de uma obra patriótica dirigida aos jovens espanhóis, nomeadamente um catecismo que começara a ser largamente divulgado na Espanha pouco depois dos incidentes de 2 de Maio de 1808 em Madrid, e que chegou mesmo a ser traduzido e publicado na Inglaterra em Setembro de 1808 (se não antes), através do periódico The Monthly Register


Outra digitalização: British Museum.

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Nota: 


* Como vulgarmente sucede em recolhas de manifestações da cultura popular, os versos desta cantilena (cuja primeira recolha foi publicada em 1744) encontram-se publicados em diferentes obras com algumas variações. Indicamos abaixo, a negrito, algumas dessas variações (relativamente ao excerto que nos interessa), acompanhadas por uma sugestiva gravura:


Sing a song of sixpence 
bag/pocket full of rye;
Four and twenty naughty boys/blackbirds 
Baked/Bak'd in a pie.

When the pie was open'd, 
the birds began to sing;
[And/NowWasn’t that a pretty/dainty dish 
to set before a/the King?

Carta de D. Domingos António de Sousa Coutinho, Embaixador de Portugal em Londres, a George Canning, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do Governo britânico (3 de Setembro de 1808)



O abaixo assinado já comunicou à Secretaria da Guerra a cópia por ele rubricada dos artigos da suspensão de armas assinada a 22 de Agosto por Sir Arthur Wellesley e pelo General francês Kellermann; e remeteu a Mr. Hammond a tradução do ofício que o abaixo assinado recebeu do Governo Supremo do Porto, com os sentimentos do qual não pode deixar de concordar nem de pedir a Sua Excelência [para que] queira fazer-lhe saber a resolução que o Governo britânico tiver tomado a respeito desta infeliz transacção, tão pouco conforme aos direitos de Sua Alteza Real, aos esforços dos seus vassalos para lhe restituir o reino completamente, aos sentimentos expressos por Sir Arthur Wellesley na sua proclamação, quando desembarcou em Portugal, e tão pouco análoga à brilhante e gloriosa vitória que acabava de alcançar em 21 de Agosto.
O abaixo assinado aproveita esta ocasião para repetir a Sua Excelência a segurança da sua subida consideração.

O Cavalheiro de Sousa Coutinho

Londres, 3 de Setembro de 1808.


Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (3 de Setembro de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Ontem comuniquei a Vossa Excelência quanto se havia resolvido em Conselho dos Oficiais Superiores deste Exército sobre as espinhosas circunstâncias a que nos conduziu a precipitada e extraordinária Convenção dos nossos aliados. Agora tenho a honra de pôr na presença de Vossa Excelência a cópia da mesma Convenção traduzida do inglês e da carta com que o General Dalrymple acompanhava esta remessa - n.º 1, como também as respostas n.º 2 e n.º 3 que ele deu aos ofícios do Major Aires Pinto de Sousa e aos que ele dirige sobre os roubos dos franceses em Lisboa e o bloqueio de Peniche, de que remeti a Vossa Excelência a cópia (n.º 3 e seguintes) na carta de ontem, sendo muito para admirar que, fazendo-se cargo de haver recebido os dois ofícios últimos, não respondeu ao que fazia parte do Conselho, e era o de maior importância, contentando-se em dizer vocalmente ao oficial que lho levou que, quando se encontrasse comigo, se trataria do seu conteúdo. Na resposta ao ofício do Major Aires Pinto certamente se falta à verdade; pois que não pode [que] se lhe comunicaram as minhas observações sobre o Armistício, a que ele satisfez vocalmente, prometendo modificá-los, e a algumas delas até me respondeu na carta que antedatou, para condizer com a comunicação do tal Armistício
Enfim, eu não sei o que se deva pensar, muito mais vendo agora que o General pretende na carta dita n.º 3 que eu passe as ordens necessárias ao Exército português para cessarem as hostilidades diante de todas as praças, e que faça com que o mesmo seja intimado aos comandantes franceses dela; pois que isto parece comprometer-me dum ou doutro modo, e algumas delas, como a de Elvas, não estão sujeitas às minhas ordens. 
Eu lhe respondo pela carta que Vossa Excelência verá na cópia n.º 4, e como em todo o caso pareça muito conveniente que este Exército todo, ou parte dele, comigo entre em Lisboa, não obstante os meus protestos sobre a capitulação eu me presto à requisição do General, e vou ter com ele uma conferência logo que chegue a Mafra, para onde movo parte do Exército amanhã.
Nesta conferência lhe farei sentir melhor o mesmo que se trata na Memória que acompanha a dita carta e cópia n.º 4, sobre a impolítica e mau efeito que pode produzir o que se acha estipulado, e pretenderei que se ponham por escrito as suas proposições.
Se a completa evacuação dos franceses der tempo a que chegue a decisão que espero de Vossa Excelência sobre o ofício de ontem, eu me referirei em tudo ao que Vossa Excelência resolver com a Junta do Governo; se porém ela se demorar como se demorou a resposta à carta sobre o Armistício, que ainda não recebi de Vossa Excelência, tendo-a solicitado com tanta instância, nesse caso eu julgo indispensável aparecer na capital com o Exército inglês. Permita-me Vossa Excelência lembrar-lhe que os objectos desta natureza, para nós os mais importantes talvez que se têm tratado depois da maldita Revolução Francesa, pedem uma pronta resolução, e que a demora de resposta pode ser da mais fatal consequência e de uma enorme responsabilidade para com o Príncipe Nosso Senhor e a Nação; não me podendo também esquecer de que realmente eu não estou autorizado pela Junta para entrar em tais negociações; excedem as força das minhas instruções; pois que se trata de mais do que a capitulação; mas não posso fazer outra coisa, uma vez que tem tanta demora em chegar um delegado que se me fez esperar para este caso, cuja presença me livraria dos maiores embaraços. Repetirei a Vossa Excelência que a falta de instruções em tais circunstâncias faz a minha posição por extremos espinhosa, e com a maior instância lhe suplico [que] mande alguém encarregado destas negociações, uma vez que me falta as noções por que deva dirigir-me; o qual pode já vir instruído vocalmente por Vossa Excelência de mil circunstâncias a que o papel e a pena não oferecem a mesma facilidade.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Quartel-General da Encarnação, 3 de Setembro de 1808.

Bernardim Freire d'Andrada [sic].

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 26-27 (doc. 72)].

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Nota: 

Apesar de composto no dia 3 de Setembro, este documento foi enviado ao Bispo do Porto com a data de 4 de Setembro, como se pode ver na sua resposta de 7 de Setembro.

A chegada a Londres das primeiras notícias das vitórias do exército comandado pelo General Wellesley em Portugal, e sua respectiva publicação



Por volta das 8 horas da noite de 1 de Setembro de 1808, Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, recebeu uma visita do Capitão Campbell, Ajudante de Campo do General Arthur Wellesley. Depois de cerca de oito dias de viagem, este Capitão vinha entregar a Castlereagh os importantes ofícios que Wellesley o tinha incumbido levar ao Governo britânico, relativos às vitórias que o exército britânico tinha obtido em Portugal contra o exército francês. 
Para além de escrever ao próprio Rei, ainda nessa mesma noite Castlereagh enviou um resumo destas notícias ao Lord Mayor de Londres, onde acrescentava que, em consequência da batalha do Vimeiro, "o General Kellermann chegou ao Quartel-General [britânico], com uma bandeira de tréguas, para tratar os termos [da capitulação]". Não se davam mais detalhes, pois estes ignoravam-se completamente naquele momento. Tal se devia ao facto do Capitão Campbell ter partido de Portugal no dia 22 de Agosto, pouco depois de Kellermann chegar ao Quartel-General britânico, mas antes de se concluírem na mesma tarde ou noite os referidos termos do armistício. Assim, ignorando completamente o resultado daquela anunciada trégua, Castlereagh deu permissão para que a referida carta ao Lord Mayor fosse publicada no periódico londrino The Times dois dias depois de ter sido escrita. Esta carta foi assim o primeiro documento oficial que se publicou, no qual era feita uma referência, ainda que muito breve, sobre o armistício assinado a 22 de Agosto, cujo conteúdo, no entanto, tardaria ainda duas semanas para se tornar conhecido do grande público na Inglaterra (tal como o texto da Convenção erroneamente chamada de Sintra). 

No dia 2 de Setembro, o Rei da Grã-Bretanha respondeu a Castlereagh, com grande satisfação, às duas cartas que este lhe tinha transmitido na noite anterior. Ainda nesse mesmo dia 2, o periódico The Morning Post revelou ao grande público, em primeira mão, as "gloriosas notícias" da derrota completa do exército de Junot em Portugal, e sua consequente rendição, num número encabeçado pelo sugestivo título: Most Glorious News from Portugal - Complete Defeat of General Junot and Proposals for the Surrender of His Army

Finalmente, no dia seguinte, uma série de documentos oficiais sobre as vitórias de Wellesley em Portugal (a maior parte escritas por ele próprio) foram publicados num número extraordinário do periódico The London Gazette. Tais documentos, acolhidos com natural entusiasmo, explicam em parte a recepção bastante desfavorável, duas semanas depois, dos textos do armistício de 22 de Agosto e da Convenção de 30 de Agosto.






Neste número foram publicados excertos e cópias dos seguintes documentos oficiais, segundo a ordem que se indica:


2. Relatório dos mortos, feridos e desaparecidos da acção da Lourinha (sic) [na verdade foi travada a sul de Óbidos].










Carta do Tenente-Coronel Proby ao Capitão Dalrymple (3 de Setembro de 1808)





Lisboa, 3 de Setembro de 1808.




Caro Senhor:


Rogo que informeis Sua Excelência o Comandante em Chefe [General Dalrymple] que o General Junot deseja que me comunique com o General Kellermann sobre todos os assuntos relacionados com a execução da Convenção. A primeira divisão das tropas francesas está pronta para embarcar, e pensei que tinha o dever de comunicar imediatamente esta informação ao Almirante [Charles Cotton], e sem esperar pelo relatório detalhado que tinha pedido, acerca das tropas, cavalos da artilharia, e equipamentos de todo o tipo que os franceses tencionam embarcar. Submeti ao Almirante, ao mesmo tempo, a justeza de enviar um Oficial da marinha para supervisionar o embarque, e para responder a todas as questões que se colocam sobre este assunto.
Fiz pressão para que os prisioneiros espanhóis fossem libertados imediatamente; e fui informado pelo General Kellermann que existe um acordo privado entre ele e o Coronel Murray, segundo o qual estas tropas não serão desembarcadas na margem norte do Tejo, e que também não serão libertadas antes da entrada das tropas britânicas em Lisboa. Rogo instruções adicionais sobre este assunto; entretanto, pedi ao Comissário para inquirir quais são os artigos de equipamento que estas tropas necessitam, e para fazer todos os outros ajustes necessários para a sua marcha para Madrid, se tal for o ponto para onde o Comandante em Chefe julgar apropriado enviá-las. Ainda não vi o seu Comandante, mas o General Kellermann prometeu-me que mo enviaria imediatamente. 
O General Junot desejou saber, através de mim, se lhe seria dada permissão para apropriar-se de cinco navios dinamarqueses que estão agora no rio, nos quais seriam acolhidas as suas propriedades pessoais. Considero que a decisão desta questão deve pertencer mais apropriadamente à Marinha; porém, por quanto o exército está comprometido, respondi pela negativa, porque a única menção a transportes adicionais que consta na Convenção surge no seu 6.º artigo, e entendo que tal se aplica unicamente aos transportes de cavalos. O General Kellermann também reivindica os benefícios de um acordo privado com o Coronel Murray sobre esta questão.
Espero ser informado assim que Sua Excelência determinar o dia em que as guarnições devem ser rendidas. O sr. Kennedy encarregou-se de fazer os ajustes necessários para a sua subsistência durante a marcha. 
Assim que receber os relatórios das tropas francesas que me foram prometidos, transmitir-lhos-ei ao conhecimento do Comandante em Chefe, remetendo ao mesmo tempo uma cópia ao Almirante.
O General Kellermann deseja que informe o Comandante em Chefe que ele sente uma grande apreensão sobre os ultrajes que a populaça talvez cometa, durante o dia que se fixar para o embarque da segunda divisão das tropas francesas, e espera que as tropas britânicas que tomarem posse de Lisboa não sejam menos de 10.000 homens, e que entrarão na cidade antes dos franceses estarem embarcados.
Forneceram-me aqui uma cópia do tratado.
Sendo sempre, meu caro Senhor, muito sinceramente vosso,

Proby,
Tenente-Coronel



Diário do General John Moore (3 de Setembro de 1808)




Perto de Sintra, 3 de Setembro.


Marchámos de Torres Vedras no dia 1 ao meio-dia. Previa-se que alcançaríamos Mafra naquela noite, mas encontrámos os postos franceses ainda em frente daquele lugar, e tomámos o nosso terreno nos vales e montanhas opostas; parte da esquerda estava na tapada pertencente ao convento de Mafra. Os postos franceses retiraram-se durante a noite, e começámos a marchar às seis da manhã do dia 2. O exército parou em etapas do caminho, devido à conveniência da água. A divisão do General Murray, que marchou da Coutada, parou em Mafra; a divisão do General Fraser em Cheleiros; a do Major-General Paget em Sintra, [onde se instalou] o Quartel-General; a cavalaria e a artilharia [colocou-se] neste lugar, que fica a três milhas curtas de Sintra; a divisão do General Hope está a uma milha e meia da nossa esquerda. Os fortes de S. Julião, do Bugio e de Cascais foram ontem apossados pelos Regimentos n.º 42 e Buffs, os quais encontraram-se na barra de Lisboa, vindo o primeiro de Gibraltar, e o outro da Madeira, a fim de se reunirem com o exército. A região por onde marchámos durante estes dois dias é excessivamente dura e difícil; e se os franceses têm 12.000 ou 15.000 homens, é estranho que não nos tenham tentado parar, em vez de combaterem a batalha do dia 21. Se se tivessem determinado a fazer uma campanha defensiva, deveriam manter-nos fora de Lisboa durante um tempo considerável, obrigando-nos a ganhar cada milha com perdas consideráveis.


Resposta do General Wellesley à oferta dos Generais que desembarcaram com as tropas britânicas no Mondego (3 de Setembro de 1808)



Zambujal, 3 de Setembro de 1808.



Cavalheiros:

Tive a honra de receber a vossa carta de hoje, e garanto-vos que é uma fonte de grande gratificação ver que vos satisfez a minha conduta no comando com que fui nos últimos tempos investido por Sua Majestade.
Ao dirigir os meus esforços para a concretização do serviço em que estávamos empregados, nunca deixei de receber o vosso apoio e assistência; e é ao apoio cordial e aos amigáveis conselhos e assistência que invariavelmente recebi de vós, colectiva e individualmente, que atribuo o sucesso do nosso empenho em levar o exército ao estado em que se formou para encontrar-se com o inimigo, naqueles dias em que a bravura dos oficiais e soldados foi estimulada pelo vosso exemplo, e a sua disciplina ajudada e orientada pela vossa experiência e habilidade.
Perante estas circunstâncias, a minha tarefa foi proporcionalmente leve, e imagino que as dificuldades do exército foram sobrestimadas pela vossa parte; mas orgulho-me ao pensar que, mesmo que não a mereça, não possuiria a vossa estima se não tivesse cumprido o meu dever; e com estes sentimentos, e aqueles de respeito e afeição por todos vós, aceito esse testemunho da vossa estima e confiança com que agradavelmente me presenteastes. 


[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 122-123].

Carta dos Generais que desembarcaram com as tropas britânicas no Mondego ao General Wellesley (3 de Setembro de 1808)



Campo de S. Antão de Tojal, 3 de Setembro de 1808.




Meu caro Senhor:

Ansiosos por manifestar a alta estima e respeito que vos temos, e a satisfação que deveremos sempre sentir ao termos tido a boa sorte de servir debaixo do vosso comando, ordenámos hoje a preparação duma peça de prata, avaliada em 1.000 guinéus*, para vos ser oferecida.
A inscrição inclusa, que ordenámos que fosse gravada nela, expressa os nossos sentimentos nesta ocasião.
Temos a honra de ser, etc., 

B. Spencer, Major General.
R. Hill, Major General.
R. Ferguson, Major General.
M. Nightingall, Brigadeiro General.
B. F. Bowes, Brigadeiro General.
H. Fane, Brigadeiro General.
J. Catlin Crauford, Brigadeiro General.



Inscrição 


Dos Oficiais Generais servindo no exército britânico que originalmente desembarcou na Figueira, em Portugal, no ano de 1808, ao Tenente-General o Muito Honorável Sir Arthur Wellesley, K. B., etc., etc., seu Comandante.
O Major General Spencer, segundo no comando, os Majores Generais Hill e Ferguson, os Brigadeiros Generais Nightingall, Bowes, Fane, e Crauford, oferecem este presente ao seu líder, em testemunho do alto respeito e estima que sentem por ele enquanto homem, e pela confiança ilimitada que lhe têm enquanto oficial.



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* Nota do editor desta carta: O valor desta peça foi posteriormente aumentado pelas subscrições adicionais dos Generais Anstruther e Acland, e pelos Oficiais de Campo do Exército que serviram debaixo das ordens do General Sir Arthur Wellesley na batalha do Vimeiro.

Memória do General Bernardim Freire de Andrade sobre os principais inconvenientes da Convenção de 30 de Agosto (3 de Setembro de 1808)





Memória sobre os principais inconvenientes que se encontram na Convenção ajustada entre o Exército inglês e francês para a evacuação de Portugal, e do que lembra nestas circunstâncias para minorar aqueles que são de pior consequência para este país.



Nada pode ser mais útil aos franceses, e por consequência mais prejudicial à causa geral da Europa, que o Governo britânico se propõe auxiliar à custa dos maiores esforços, como a desconfiança dos povos acerca dos verdadeiros motivos que dirigem este Governo.
Sempre os franceses procuraram excitar desconfianças acerca das vistas do Governo inglês; e a conduta que tem tido a Espanha, recusando até agora o admitir indefinidamente tropas inglesas nos seus Estados, apesar dos riscos que tem corrido, prova bem qual é ainda a sua desconfiança a este respeito; entre nós mesmos os partidistas franceses têm espalhado sobejamente estas desconfianças, para que deixe de ser arriscado que a nação, num momento de efervescência, não venha a considerar como seus opressores aqueles que só deve considerar como seus auxiliadores. Nestas circunstâncias, nada pode concorrer tanto para frustrar as intrigas francesas como a mais pronta manifestação dos intentos do Governo britânico, que estamos bem certos que não podem ser outros que os de restituir completa e inteiramente este país, e tudo o que lhe pertence, ao Príncipe Regente de Portugal, seu fiel e antigo Aliado, a quem os Povos aclamam unanimemente, e porque quem se expuseram a todos os riscos que podia trazer consigo esta determinação, quando não tinham ainda auxílio inglês, e se achavam reduzidos às suas próprias forças, lutando contra aquelas dos seus opressores. Mas como o caso não está só nas tenções, e o que mais interessa neste momento é não dar pretextos aos mal intencionados de se aproveitarem de aparências para empecer os grandes e nobres desígnios da Grã-Bretanha, permita-se-me dizer que a forma por que está concebido este Tratado pode induzir em erro não só os portugueses, mas os espanhóis, e produzir os funestos efeitos que apontei, se não se cuidar imediatamente em destruir por factos as más impressões que ele pode causar.
O Exército britânico não se pode nem deve considerar neste país senão como [um] Exército auxiliar; assim foi que ele veio requerido pelo Governo Provisório do mesmo país [=Junta Suprema do Porto], e assim lhe convém ser reputado, seja qual for a sua força, para não excitar desconfianças, que lhe vão empecer os seus ulteriores projectos. Nestas circunstâncias, parece que qualquer Tratado que se houvesse de ajustar com os franceses devia ser de acordo com o Governo do mesmo país que o chamou, ou ao menos com a sua aprovação particular, quando a delicadeza dos reconhecimentos embaraçasse de fazer intervir publicamente no ajuste o mesmo Governo. Nada disto se fez, antes pelo contrário estipularam-se coisas que não podem nunca ser da competência da Autoridade Militar, senão quando esta autoridade se acha num país conquistado; tais são as que se contêm nos artigos 16 e 17, e no 1.º dos adicionais: estipulou-se que as Praças do Reino, e marítimas, que os Arsenais e Forças Navais pertencentes aos portugueses, actualmente em poder dos franceses, serão entregues às Tropas inglesas, não se declarando ao mesmo tempo nem que esta entrega era provisional, para serem restituídas ao seu legítimo Soberano, nem se deu em parte alguma a entender que a restituição do seu Governo é o objecto que se tem em vista.
Para evitar pois as desconfianças que tais aparências podem excitar, e que os franceses não deixarão de promover, parece da primeira necessidade que quanto antes queira declarar Sua Excelência o General em Chefe do Exército britânico, que a ocupação das Praças, Arsenais e mais Estabelecimentos Públicos, assim como das Forças Navais pertencentes a este Reino, foi só uma medida provisional, motivada pela necessidade de evitar o contacto das Forças portuguesas e francesas, a fim de prevenir que o ressentimento daquelas as não excitasse a algum procedimento que pusesse em perigo a segurança da Capitulação ajustada; porém, que cessando este perigo, se deverão entregar ao Príncipe Regente de Portugal, ou ao Governo que o representar, e serem guarnecidos por Tropas portuguesas, conservando-se unicamente aquelas guarnições inglesas que de acordo com o General em Chefe se julgar conveniente para a melhor conservação e boa ordem dos pontos em que parecerem necessárias.
Quanto às garantias estipuladas nos artigos 16 e 17, parece indispensável que o mesmo General em Chefe declare que nunca foi da sua intenção embaraçar que o Governo tomasse a respeito dos indivíduos neles mencionados todas as medidas de precaução indispensáveis para evitar que estes homens, que se fazem suspeitosos, venham com efeito a prejudicar a causa pública, enquanto aqui se conservarem, e sejam castigados com toda a severidade das leis, se se achar que eles continuam a atraiçoar este país.
Quanto ao 1.º artigo dos artigos adicionais, não pode o General português deixar de lembrar a impossibilidade da sua execução, enquanto não se estabelecer uma justa reciprocidade. 
Não se pode deixar de lembrar a Sua Excelência o Senhor General em Chefe do Exército inglês a necessidade que há de estabelecer, durante a demora dos franceses em Lisboa, alguma espécie de exame sobre o procedimento dos mesmos franceses, e de lhes intimar que qualquer violência cometida por eles, durante este tempo, contra os habitantes do país, os fará responsáveis de todo o acontecimento a seu respeito.
Igual exame e protesto parece ser indispensável fazer-se acerca dos abusos a que podem dar lugar os artigos relativos a bagagens, caixa militar, e vendas de propriedades particulares, entre as quais podem os mesmos franceses envolver tudo quanto quiserem, se não os contiver o receio de verem anular, com grande desvantagem sua, a Capitulação tão favorável que obtiveram.
Não deixo de lembrar o risco a que se expõem os mesmos franceses, e o comprometimento a que está sujeita a capital e o mesmo Exército francês pela conservação em Lisboa durante a evacuação. 
O rancor com que eles são olhados pelo povo de Lisboa, e o seu menor número, pode incitar por qualquer incidente o mesmo povo a uma insurreição, que pode ser sanguinolenta para a mesma capital, e muito embaraçante para o Exército inglês e português, por uma parte ligado pelas Convenções, e por outra não lhe sendo decoroso deixar perecer à sua vista Vassalos portugueses; para evitar este risco, parecia conveniente propor com razões semelhantes que, [uma vez] embarcada a 1.ª Divisão [do Exército francês], passasse o resto para a parte de Cascais, onde se poderia embarcar ao abrigo duma Divisão inglesa, que se interpusesse entre ela [=a parte restante do exército francês] e Lisboa; por este modo evitava-se este perigo, que é iminente, apressava-se a evacuação de Lisboa, e por consequência diminuíam-se os roubos e as queixas, e podia restabelecer-se mais cedo o Governo, como parece convir a todos os respeitos.
Quartel-General da Encarnação, 3 de Setembro de 1808.


Bernardim Freire de Andrada.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 31-33 (incluída no doc. 75); Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potências desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, pp. 77-80. Existe também uma tradução em inglês disponível in Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, pp. 204-205 (doc. 106)]. 

Carta do General Dalrymple ao General Bernardim Freire de Andrade (3 de Setembro de 1808)





Quartel-General, Sintra, 3 de Setembro de 1808.



Senhor:


Tenho a honra de reconhecer o recibo das vossas duas cartas datadas de ontem, uma relativa ao estado das circunstâncias em Peniche, e a outra comunicando o que havíeis ouvido sobre a conduta dos franceses em Lisboa, desde a assinatura da Convenção. Em relação ao último assunto, devo apenas observar que não deixarei de dar a devida atenção a quaisquer representações que achardes necessário fazer, sobre qualquer suposta infracção à Convenção, da parte dos franceses, que vos for relatada. A cópia da Convenção, que tive a honra de vos transmitir, ter-vos-á consciencializado que as hostilidades devem cessar diante de todas as praças que ainda continuam em posse das tropas francesas; e tenho de requerer que não perdereis tempo em dar as ordens necessárias, para esse efeito, ao exército português; e para fazerdes o mesmo aos Comandantes franceses nas praças referidas, em conformidade com o artigo XII da Convenção do passado dia 30.
Tenho a honra de ser o mais obediente e mais humilde servidor de Vossa Excelência.


Dalrymple 

[Fonte: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 204 (doc. 105)].Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 24-25 (doc. 70)].

Carta secreta do General Dalrymple a Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico (3 de Setembro de 1808)



Quartel-General de Sintra, 3 de Setembro de 1808 


Meu Senhor:

Logo depois que se concluiu o acordo para uma suspensão de armas, mandei uma cópia ao General Freire, que comanda o exército português, e bem depressa conheci, tanto pelo seu modo, na primeira visita, como por uma conversação que tive com o Major Aires Pinto de Sousa, um oficial de sua confiança, que mandou residir, por algum tempo, no meu Quartel-General, que havia alguma coisa de enfado; e eu suspeito ser que o Governo provisional do Porto não foi de forma alguma lembrado nesta transacção. Sem entrar muito profundamente neste delicado objecto, era fácil o demonstrar que a convenção, de sua natureza uma medida militar entre os comandantes dos exércitos opostos, e que não se referiam aos Governos francês ou inglês; e que o Duque de Abrantes não era exactamente a pessoa a quem eu me dispusesse a submeter a questão da pretensão da Junta do Porto ao Governo de Portugal; mostrei contudo o meu desejo de que, se o General tinha algumas observações a fazer sobre os artigos que haviam [de] formar a base da convenção ou algumas estipulações a propor, que o fizesse por escrito sem perca de tempo. Isto nunca o General fez, ainda que, mais de uma vez, entrei na matéria com o Major Aires Pinto de Sousa; e tudo continuava sem asperezas até que a convenção se concluiu, quando repentinamente percebi no rosto e maneiras daquele oficial visíveis sinais de descontentamento. 
Tenho a honra de incluir para a informação de Vossa Senhoria a correspondência que ultimamente houve sobre esta matéria, que explica os alegados motivos de queixa, assim como a sua justiça. Eu disse motivos alegados; porque eles certamente diferem materialmente do que o senhor Pinto de Sousa exprimiu em sua conversação, na última vez que falámos, etc., etc., etc. 


[Esta carta incluía os seguintes documentos: 


[Fonte: Correio Braziliense, Londres, Maio de 1809, pp. 425-426; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 216-217].

Carta do General Dalrymple ao Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, Lord Castlereagh (3 de Setembro de 1808)



Quartel-General de Sintra, 3 de Setembro de 1808. 



Meu Senhor: 

Tenho a honra de informar Vossa Senhoria que desembarquei em Portugal e tomei o comando do exército na segunda-feira, 22 de Agosto, um dia depois da batalha do Vimeiro, onde o inimigo sofreu uma assinalada derrota, e onde o valor e a disciplina das tropas britânicas e o talento dos oficiais britânicos se revelaram eminentemente. 
Poucas horas depois da minha chegada, o General Kellermann veio [ao Quartel-General britânico no Vimeiro] com uma bandeira de tréguas, da parte do General em Chefe francês, para propor um acordo para se cessarem as hostilidades, com o objectivo de se concluir uma Convenção para as tropas francesas evacuarem Portugal. Os documentos anexos contêm os diversos artigos inicialmente acordados e assinados por Sir Arthur Wellesley e pelo General Kellermann; mas como era feita uma referência ao Almirante britânico [Cotton], que, ao lhe ser comunicado o acordo, opôs-se ao artigo VII, que tinha por objecto a disposição da frota russa no Tejo, foi finalmente concluído que o Tenente Coronel Murray, Quartel-Mestre-General do exército britânico, e o General Kellermann deveriam proceder à discussão dos restantes artigos, para concluírem finalmente uma Convenção para a evacuação de Portugal, sujeita à ratificação do General em Chefe francês, e dos Comandantes britânicos em mar e terra. 
Depois de consideráveis discussões e repetidas referências a mim, tornou-se necessário que me aproveitasse do prazo limitado para a suspensão das hostilidades, que tinha recentemente prescrito, mandando seguir o exército para diante e dispondo as diferentes colunas nos caminhos pelos quais o mesmo exército deveria marchar, a Convenção foi assinada e trocaram-se as ratificações no dia 30 do passado mês
Para que não se perdesse tempo em obter um ancoradouro para os transportes e para os outros navios, que durante alguns dias tinham estado expostos a grandes riscos nesta perigosa costa, e para garantir a comunicação entre o exército e os navios dos víveres, que tinha sido interrompida pelo mau tempo e pela marulhada na praia, enviei ordens aos Regimentos dos Buffs e ao n.º 42, que estavam a bordo dos navios de transportes com a esquadra de Sir Charles Cotton, para desembarcarem e tomarem posse dos fortes no Tejo, quando o Almirante julgasse oportuno. Consequentemente, esta medida foi executada ontem de manhã, quando os fortes de Cascais, S. Julião e Bugio foram evacuados pelas tropas francesas e apoderados pelas nossas.
Como eu desembarquei em Portugal ignorando completamente o estado real do exército francês e muitas outras circunstâncias de natureza local e acidental, que indubitavelmente tinham grande peso na decisão desta questão, sendo a minha própria opinião a favor da conveniência de se executar a expulsão do exército francês de Portugal por meio da Convenção que a última derrota levara o General em Chefe francês a solicitar, em vez de o fazer pela continuação das hostilidades, esta questão foi principalmente fundada na grande importância do tempo, que era particularmente valioso nesta estação do ano, e que o inimigo podia facilmente ter gastado na prolongada defesa das praças-fortes que ocupava, se os termos da Convenção lhe fossem recusados. 
Quando a suspensão de armas foi acordada, o exército comandado por Sir John Moore não tinha chegado, e ainda havia dúvidas se um tão grande corpo de homens podia desembarcar numa praia aberta e perigosa; e se tal se efectuasse, se poderia prover-se um exército tão grande com as provisões dos navios, com todas as desvantagens às quais os navios estavam expostos. Durante a negociação, a primeira dificuldade foi superada pela actividade, zelo e inteligência do Capitão Malcom, do [navio] Donegal, e dos oficiais e homens que estava às suas ordens; mas a possibilidade da última [dificuldade] pareceu ter cessado quase no momento em que já não era necessária. 
O Capitão Dalrymple, do 18.º Regimento de Dragões, meu secretário militar [e filho], terá a honra de apresentar este ofício a Vossa Senhoria. Ele está plenamente informado de tudo quanto foi feito debaixo das minhas ordens, em relação ao serviço para o qual fui empregue, e pode dar sobre isto qualquer explicação que possa ser requerida. 
Tenho a honra de ser, etc. 

Hew Dalrymple
Tenente-General 


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Nota: 

Esta carta foi o primeiro documento oficial que o General Dalrymple escreveu ao Governo britânico desde que desembarcara na praia do Porto Novo (a oeste do Vimeiro), na manhã de 22 de Agosto, para tomar o comando em chefe do exército britânico em Portugal. Foi também o primeiro documento oficial que o Governo britânico recebeu (no dia 15 de Setembro) onde se mencionava tanto o armistício de 22 de Agosto como a Convenção do dia 30 do mesmo mês. Dizemos documento oficial, pois no mesmo dia 3 Dalrymple escreveu outra carta, embora secreta, a Lord Castlereagh.
É certo que, antes mesmo de se ter recebido e publicado esta carta, o Governo britânico já tinha sido informado (embora não oficialmente) que Wellesley tinha assinado um armistício com Kellermann logo após a batalha do Vimeiro, através duma comunicação não oficial que D. Domingos António de Sousa Coutinho (depois de ter sido por sua vez informado através duma carta do Bispo do Porto) tivera sobre este assunto com George Canning, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do Governo britânico. Esta informação, que chegou a ser noticiada em alguns jornais, contrastava enormemente com as outras notícias das vitórias do exército comandado por Wellesley em Portugal, publicadas com ordem do Governo britânico a partir de 3 de Setembro, sendo por tal motivo abafada e até descredibilizada, sendo possível que o Governo britânico tivesse julgado oportuno esperar para ver o resultado da Convenção anunciada no dito armistício, dado que este - a ser verdadeiro - era apenas temporário. 
Pode-se assim imaginar o choque do Governo britânico ao receber não só a carta acima traduzida, como sobretudo os documentos que trazia anexos, particularmente o da Convenção definitiva. Ao serem publicados, estes documentos provocaram uma grande onda de indignação por toda a Inglaterra, mais ainda do que em Portugal, país onde tal tratado permaneceu praticamente desconhecido durante muito tempo... 

Uma última observar em relação a esta carta: Voltamos a frisar que se trata do primeiro documento oficial onde se menciona tanto o armistício como a convenção definitiva. Ao ser publicada a 16 de Setembro (um dia depois de chegar a Londres), num número extraordinário do periódico The London Gazette (um dos órgãos oficiais do Governo britânico), esta carta era seguida tanto pelo texto do armistício como pelo da Convenção. Como Dalrymple tinha remetido todos estes documentos de Sintra, onde assentara o seu Quartel-General no dia 2 de Setembro, parece que este dado confundiu o público inglês (talvez devido à sua ignorância da geografia portuguesa), que nos meses seguintes passaria a chamar "Convenção de Sintra" a uma convenção que, na verdade, fora assinada em Lisboa, e ratificada da parte de Junot também em Lisboa, da parte de Dalrymple em Torres Vedras, e da parte de Charles Cotton na barra do Tejo. Foi contudo com tal título que a convenção passou a ser definitivamente conhecida até aos nossos dias, reproduzindo os portugueses ingenuamente a expressão inglesa, e crendo mesmo alguns autores, sem qualquer tipo de fundamento, que a mais mal falada que estudada Convenção fora assinada no Palácio de Queluz ou no de Seteais...

Carta do Bispo do Porto, da parte da Junta da mesma cidade, ao General Bernardim Freire de Andrade (3 de Setembro de 1808)





Sendo conferidos nesta Junta do Governo Supremo os dois ofícios de Vossa Excelência em data de 31 de Agosto* e do 1.º do corrente, pareceu conveniente que Vossa Excelência, sendo novamente instado pelo General em Chefe do Exército inglês para demitir as tropas irregulares, as mande recolher aos seus próprios alojamentos. E quanto ao artigo político para que Vossa Excelência deseja ter instruções, pareceu que se devia dar a Vossa Excelência a mesma resposta que já lhe foi comunicada na ocasião da sua partida para o Exército, quando se disse a Vossa Excelência que esta Junta do Governo Supremo tinha deliberado mandar à Corte pessoa encarregada dessa dependência. E ultimamente resolveu também recomendar novamente a Vossa Excelência que, havendo caso em que de qualquer modo possam ser prejudicados os direitos e quaisquer interesses da Nação, Vossa Excelência requeira tempo para consultar esta Junta do Governo Supremo.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Porto, 3 de Setembro de 1808.

Bispo Presidente, Governador.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 26 (doc. 71)].
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Nota: 

Na correspondência publicada não se encontra nenhuma carta de Bernardim Freire de Andrade ao Bispo ou à Junta do Porto datada de 31 de Agosto.