sábado, 3 de setembro de 2011

Carta do General Dalrymple ao Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, Lord Castlereagh (3 de Setembro de 1808)



Quartel-General de Sintra, 3 de Setembro de 1808. 



Meu Senhor: 

Tenho a honra de informar Vossa Senhoria que desembarquei em Portugal e tomei o comando do exército na segunda-feira, 22 de Agosto, um dia depois da batalha do Vimeiro, onde o inimigo sofreu uma assinalada derrota, e onde o valor e a disciplina das tropas britânicas e o talento dos oficiais britânicos se revelaram eminentemente. 
Poucas horas depois da minha chegada, o General Kellermann veio [ao Quartel-General britânico no Vimeiro] com uma bandeira de tréguas, da parte do General em Chefe francês, para propor um acordo para se cessarem as hostilidades, com o objectivo de se concluir uma Convenção para as tropas francesas evacuarem Portugal. Os documentos anexos contêm os diversos artigos inicialmente acordados e assinados por Sir Arthur Wellesley e pelo General Kellermann; mas como era feita uma referência ao Almirante britânico [Cotton], que, ao lhe ser comunicado o acordo, opôs-se ao artigo VII, que tinha por objecto a disposição da frota russa no Tejo, foi finalmente concluído que o Tenente Coronel Murray, Quartel-Mestre-General do exército britânico, e o General Kellermann deveriam proceder à discussão dos restantes artigos, para concluírem finalmente uma Convenção para a evacuação de Portugal, sujeita à ratificação do General em Chefe francês, e dos Comandantes britânicos em mar e terra. 
Depois de consideráveis discussões e repetidas referências a mim, tornou-se necessário que me aproveitasse do prazo limitado para a suspensão das hostilidades, que tinha recentemente prescrito, mandando seguir o exército para diante e dispondo as diferentes colunas nos caminhos pelos quais o mesmo exército deveria marchar, a Convenção foi assinada e trocaram-se as ratificações no dia 30 do passado mês
Para que não se perdesse tempo em obter um ancoradouro para os transportes e para os outros navios, que durante alguns dias tinham estado expostos a grandes riscos nesta perigosa costa, e para garantir a comunicação entre o exército e os navios dos víveres, que tinha sido interrompida pelo mau tempo e pela marulhada na praia, enviei ordens aos Regimentos dos Buffs e ao n.º 42, que estavam a bordo dos navios de transportes com a esquadra de Sir Charles Cotton, para desembarcarem e tomarem posse dos fortes no Tejo, quando o Almirante julgasse oportuno. Consequentemente, esta medida foi executada ontem de manhã, quando os fortes de Cascais, S. Julião e Bugio foram evacuados pelas tropas francesas e apoderados pelas nossas.
Como eu desembarquei em Portugal ignorando completamente o estado real do exército francês e muitas outras circunstâncias de natureza local e acidental, que indubitavelmente tinham grande peso na decisão desta questão, sendo a minha própria opinião a favor da conveniência de se executar a expulsão do exército francês de Portugal por meio da Convenção que a última derrota levara o General em Chefe francês a solicitar, em vez de o fazer pela continuação das hostilidades, esta questão foi principalmente fundada na grande importância do tempo, que era particularmente valioso nesta estação do ano, e que o inimigo podia facilmente ter gastado na prolongada defesa das praças-fortes que ocupava, se os termos da Convenção lhe fossem recusados. 
Quando a suspensão de armas foi acordada, o exército comandado por Sir John Moore não tinha chegado, e ainda havia dúvidas se um tão grande corpo de homens podia desembarcar numa praia aberta e perigosa; e se tal se efectuasse, se poderia prover-se um exército tão grande com as provisões dos navios, com todas as desvantagens às quais os navios estavam expostos. Durante a negociação, a primeira dificuldade foi superada pela actividade, zelo e inteligência do Capitão Malcom, do [navio] Donegal, e dos oficiais e homens que estava às suas ordens; mas a possibilidade da última [dificuldade] pareceu ter cessado quase no momento em que já não era necessária. 
O Capitão Dalrymple, do 18.º Regimento de Dragões, meu secretário militar [e filho], terá a honra de apresentar este ofício a Vossa Senhoria. Ele está plenamente informado de tudo quanto foi feito debaixo das minhas ordens, em relação ao serviço para o qual fui empregue, e pode dar sobre isto qualquer explicação que possa ser requerida. 
Tenho a honra de ser, etc. 

Hew Dalrymple
Tenente-General 


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Nota: 

Esta carta foi o primeiro documento oficial que o General Dalrymple escreveu ao Governo britânico desde que desembarcara na praia do Porto Novo (a oeste do Vimeiro), na manhã de 22 de Agosto, para tomar o comando em chefe do exército britânico em Portugal. Foi também o primeiro documento oficial que o Governo britânico recebeu (no dia 15 de Setembro) onde se mencionava tanto o armistício de 22 de Agosto como a Convenção do dia 30 do mesmo mês. Dizemos documento oficial, pois no mesmo dia 3 Dalrymple escreveu outra carta, embora secreta, a Lord Castlereagh.
É certo que, antes mesmo de se ter recebido e publicado esta carta, o Governo britânico já tinha sido informado (embora não oficialmente) que Wellesley tinha assinado um armistício com Kellermann logo após a batalha do Vimeiro, através duma comunicação não oficial que D. Domingos António de Sousa Coutinho (depois de ter sido por sua vez informado através duma carta do Bispo do Porto) tivera sobre este assunto com George Canning, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do Governo britânico. Esta informação, que chegou a ser noticiada em alguns jornais, contrastava enormemente com as outras notícias das vitórias do exército comandado por Wellesley em Portugal, publicadas com ordem do Governo britânico a partir de 3 de Setembro, sendo por tal motivo abafada e até descredibilizada, sendo possível que o Governo britânico tivesse julgado oportuno esperar para ver o resultado da Convenção anunciada no dito armistício, dado que este - a ser verdadeiro - era apenas temporário. 
Pode-se assim imaginar o choque do Governo britânico ao receber não só a carta acima traduzida, como sobretudo os documentos que trazia anexos, particularmente o da Convenção definitiva. Ao serem publicados, estes documentos provocaram uma grande onda de indignação por toda a Inglaterra, mais ainda do que em Portugal, país onde tal tratado permaneceu praticamente desconhecido durante muito tempo... 

Uma última observar em relação a esta carta: Voltamos a frisar que se trata do primeiro documento oficial onde se menciona tanto o armistício como a convenção definitiva. Ao ser publicada a 16 de Setembro (um dia depois de chegar a Londres), num número extraordinário do periódico The London Gazette (um dos órgãos oficiais do Governo britânico), esta carta era seguida tanto pelo texto do armistício como pelo da Convenção. Como Dalrymple tinha remetido todos estes documentos de Sintra, onde assentara o seu Quartel-General no dia 2 de Setembro, parece que este dado confundiu o público inglês (talvez devido à sua ignorância da geografia portuguesa), que nos meses seguintes passaria a chamar "Convenção de Sintra" a uma convenção que, na verdade, fora assinada em Lisboa, e ratificada da parte de Junot também em Lisboa, da parte de Dalrymple em Torres Vedras, e da parte de Charles Cotton na barra do Tejo. Foi contudo com tal título que a convenção passou a ser definitivamente conhecida até aos nossos dias, reproduzindo os portugueses ingenuamente a expressão inglesa, e crendo mesmo alguns autores, sem qualquer tipo de fundamento, que a mais mal falada que estudada Convenção fora assinada no Palácio de Queluz ou no de Seteais...