Porto, 28 de Agosto.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:
Tenho a honra de receber os ofícios mais dignos e mais próprios do seu honrado e fidelíssimo coração, todo ocupado no serviço do nosso augusto Príncipe, não havendo negócio que não promovesse, nem advertência útil que não me fizesse. Eu aceito e agradeço todas, e me servirei de todas elas com o maior prazer.
Para o novo corpo recomendado por Vossa Excelência já tenho muitas recrutas que se estão disciplinando, na esperança de que chegarão brevemente os armamentos para elas. Aqui tenho tido repetidas conferências com o Brigadeiro-General Decken, que tenho por um alto político, e que se empenha muito na fortificação deste reino, sobre o que vai tomando instruções muito circunstanciadas.
Aqui têm aportado trinta e dois mil ingleses, como eles mesmo dizem. Já têm tido alguns combates com os franceses, nos quais têm vencido gloriosamente; as notícias que têm vindo individuais ainda não são certas nas suas circunstâncias, e este é o motivo por que não mando uma narração oficial. O que é indubitável é que eles têm vencido sempre, e que têm atacado o inimigo com um valor incrível.
Mas finalmente os franceses requereram capitulação, e os ingleses anuíram e estabeleceram os artigos preliminares de que ofereço a cópia, nos quais a Junta deste Supremo Governo faz alguns reparos:
1.ª Não intervir naquele congresso o nosso General [Bernardim Freire de Andrade], e somente lhe foram participados depois de feitos.
2.º Não ser considerado de modo algum este mesmo Governo represente de Sua Alteza.
3.º Não se declarar por onde há de sair o exército francês, sendo certo que, suposta a liga ofensiva e defensiva que temos feito com a Galiza, não deveremos consentir em que vão daqui para Espanha doze mil inimigos armados, quando evacuarem o reino.
4.º A demarcação mencionada para os franceses e para os dois exércitos combinados [britânico e português] fará retroceder parte das nossas forças, como é o exército de observação comandado por Bacelar, que se acha em Santarém, vindo a ficar muito mais longe de Lisboa, o que não convém.
Ultimamente se vê que se dispõe das propriedades portuguesas, que os franceses poderão levar, que poderão estar dentro das naus russianas [sic], e que poderão levar depois os agregados aos franceses. Nesta consideração lembra-se esta Junta de fazer os seus ofícios ao General inglês, e bem sinto não me poder aproveitar do conselho de Vossa Excelência. E enfim, esta batalha é por muitos modos e as forças são muito poucas.
Nosso Senhor me ajude e guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Porto, 28 de Agosto de 1808.
De vossa Excelência,
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Domingos de Sousa Coutinho,
amigo muito obsequioso e obrigado,
Bispo, Presidente Governador.
P.S.: Lembrando-me da recomendação de Vossa Excelência a respeito da esquadra russa, a fim de se evitar alguma represália, dirigi o ofício incluso ao Chefe da dita esquadra, e o mando primeiro participar ao General inglês [Dalrymple] para que ele conhecesse as nossa intenções a este respeito.
[Fonte: Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potências desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, pp. 37-38; um extracto desta carta foi publicado em inglês na obra Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, pp. 309-311].