Porto, 28 de Agosto de 1808
Senhor:
Vossa Excelência terá recebido as minhas cartas secretas dos passados dias 18 e 22, relativas ao governo temporário deste reino. Nos últimos dias, Sua Excelência o Bispo do Porto recebeu deputados da província do Alentejo; o Reino do Algarve e parte da Estremadura, nomeadamente a cidade de Leiria, também se submeteram à sua autoridade; e talvez se possa assim dizer que todo o reino de Portugal reconheceu a autoridade do Governo temporário, encabeçado pelo Bispo do Porto, à excepção da cidade de Lisboa ou da vila de Setúbal. Mesmo que o facto destas localidades não terem ainda reconhecido a autoridade do Governo temporário talvez possa ser explicado pela posse das mesmas pelos franceses, ainda assim o Bispo está convencido que os habitantes de Lisboa recusarão submeter-se ao Governo temporário do Porto, em cuja obstinação serão fortemente sustentados pelos membros da antiga Regência estabelecida pelo Príncipe Regente, que, obviamente, estarão bastante ansiosos em reassumir o seu antigo poder.
O Bispo, ao ter assumido o Governo temporário, obedeceu apenas aos votos do povo; ele tinha a certeza de que esta era a única forma de salvar o país; contudo, como não teve interesses pessoais, está disposto a abdicar da autoridade, a qual aceitou com relutância, assim que esteja convencido de que o poderá fazer sem prejudicar a causa do seu Soberano, e sem lançar o país na confusão.
Tudo indica que os habitantes das três províncias do norte de Portugal não irão permitir que o Bispo abdique do Governo e se submeta à antiga Regência; eles estão orgulhosos de terem sido os primeiros a tomar as armas, e em considerarem-se como os libertadores e salvadores do seu país. E como os habitantes de Lisboa não estarão nada inclinados a se submeterem ao Governo temporário do Porto, seguir-se-á naturalmente uma divisão das províncias, que provocará uma comoção interna, se tal não for amparado por Vossa Excelência.
Pareceu-me que a melhor maneira de reconciliar estes partidos opostos seria através dum esforço para unir o presente Governo do Porto com aqueles membros da antiga Regência que, pela sua conduta, não tenham perdido a confiança do povo. E tendo exposto a minha ideia ao Bispo, deu-me ele como resposta que não iria opor-se a isto, se tal fosse proposto por vós. Assim, tomei a liberdade de sugerir que a dificuldade acima mencionada seria em grande parte removida, se Vossa Excelência concordar, que, depois de Lisboa se render, e até que a vontade do Príncipe Regente seja conhecida, ireis considerar o Governo temporário estabelecido no Porto como o Governo legítimo, com a adição de quatro membros da antiga Regência, que me foram indicados pelo Bispo como aqueles que se comportaram fielmente com o seu soberano e país, a saber:
D. FRANCISCO NORONHA
FRANCISCO DA CUNHA
O MONTEIRO MOR, e
O PRINCIPAL CASTRO
Estes membros seriam colocados à cabeça das diferentes secretarias, e o Bispo seria considerado como o Presidente, cujas ordens seriam seguidas por eles; este plano contaria com poucas dificuldades, pois o Presidente da antiga Regência, nomeado pelo Príncipe Regente, abandonou Portugal, encontrando-se agora em França.
A circunstância de Lisboa encontrar-se actualmente num estado de grande confusão fornecerá uma justa pretensão para fixar urgentemente o assento do Governo temporário no Porto, para cujo lugar os senhores acima mencionados deverão dirigir-se sem perda de tempo, para apresentarem-se pessoalmente ao Bispo.
Independentemente das razões que tive a honra de expor a Vossa Excelência na minha carta do passado dia 22, sobre a impossibilidade do Bispo deixar o Porto, devo pedir licença para acrescentar que, por aquilo que percebo, a maior parte dos habitantes de Lisboa estão conformados aos interesses dos franceses, e que por isso será necessário que uma guarnição de tropas britânicas mantenha a cidade em ordem. O Bispo do Porto, apesar de estar convencido da necessidade de se considerar actualmente Lisboa como uma posição militar e o sítio onde deverá estar um Comandante e uma guarnição britânica, ainda assim, ansioso com os sentimentos dos habitantes possam ser o menos ofendidos possível, deseja que concordeis em também pôr algumas tropas portuguesas na guarnição de Lisboa, juntamente com um Comandante português, que, apesar de ficar completamente debaixo das ordens do Governo britânico, poderá ordenar a polícia naquela cidade, ou pelo menos serem encarregadas de fazer executar aquelas ordens que possam receber do Governador britânico que as encabeça.
Se Vossa Excelência concordar em aprovar esta proposta, o Bispo pensa que sendo o Brigadeiro António [sic] Pinto Bacelar o Oficial mais próspero entre aqueles que actualmente se encontram no Exército português, deverá o mesmo dirigir-se para Lisboa e ser ordenado para organizar a força militar da província da Estremadura. O Bispo está plenamente convencido de que o Governo temporário do país não poderá continuar a existir sem o suporte das tropas britânicas; e espera que o nosso Governo deixe um corpo de 6.000 homens em Portugal depois que os franceses sejam subjugados, até que as tropas portuguesas possam ser suficientemente organizadas e disciplinadas para serem capazes de proteger o seu próprio Governo.
Tenho a honra de ser, etc., etc.
Brigadeiro General
[Fonte: Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, pp. 288-291].