quinta-feira, 14 de julho de 2011

As ordens e contra-ordens de Junot ao General Loison


Voltamos a repetir, agora com dados mais actualizados, que o estado de desorientação de Junot (face às poucas forças que dispunha para sustentar a ocupação efectiva de Portugal) é bem ilustrado pelas movimentações da divisão do General Loison: em meados de Maio de 1808, grande parte desta divisão abandonou a faixa costeira entre Mafra e Peniche, onde estava concentrada, para reforçar a guarnição de Almeida; pouco depois de ali chegar, Junot ordena a Loison para entrar na Espanha a fim de restabelecer as comunicações com o exército francês comandado por Murat (na Espanha); Loison passa a fronteira, mas logo no dia 17 de Junho volta a entrar em Portugal, para executar novas ordens de Junot, agora para se dirigir para o Porto; a 22 de Junho (apenas um dia depois de passar o Douro), depois de vários confrontos com os populares, que lhe tentam obstruir a passagem, Loison supostamente recebe contra-ordens para regressar para Almeida; porém, antes mesmo de chegar a essa praça-forte, recebe novas ordens para se voltar a aproximar de Lisboa, o que começa a executar a 3 de Julho, depois de dar descanso às suas tropas durante apenas um dia; finalmente, no dia 11, estas forças chegam a Santarém, depois de se terem enfrentado com alguns populares da aldeia de Souro Pires (a 29 de Junho), da cidade da Guarda (a 4 de Julho) e da aldeia da Alpedrinha (a 5 de Julho).



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Percurso das forças do General Loison, de Mesão Frio a Santarém, 
entre 22 de Junho e 11 de Julho de 1808
(de acordo com o boletim n.º 4 do exército francês).




Como se não bastassem já todas estas movimentações, referia a Gazeta de Lisboa de 14 de Julho que Loison, ao chegar a Santarém, "aí achou a ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes para ir tomar o comando dos corpos destinados a varrer e punir os rebeldes da Beira"! 
De facto, Loison pouco tempo permaneceu em Santarém, pois no dia 15 já se encontrava em Alcobaça, ponto de reunião das forças de mais de 10.000 homens comandados pelos Generais Kellermann, Thomières, Brenier, Solignac, entre outros, que tinham o objectivo de aterrorizar a população da faixa litoral entre Lisboa e Leiria e submeter e reprimir qualquer tipo de revolta. Depois de alguns confrontos e saques combinados, Loison volta a partir para Lisboa, onde chegou no dia 20No entanto, apenas cinco dias se deteve na capital, pois logo recebeu novas ordens, desta vez para entrar no Alentejo, como mais adiante veremos...



Carta do Brigadeiro Francisco Venegas ao General Francisco Xavier de Castaños (14 de Julho de 1808)



Excelentíssimo Senhor:

Cheguei a esta povoação às cinco horas; uma partida de cavalaria [espanhola] perseguiu uma outra inimiga e matou-lhe dois homens, feriu gravemente outro, fez três prisioneiros e tomou seis cavalos.
À nossa chegada, o inimigo formou em coluna e começou a passar algumas tropas por barcas [para a margem sul do rio Guadalquivir]; com o acordo do Capitão de Engenheiros, mandei o Batalhão de Barbastro tomar uma posição própria para batê-los pelos flancos, se tentassem atacar-nos, mas cessou a passagem das tropas, e tudo aparenta que se retiram para Bailén. 
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Mengíbar, 14 de Julho de 1808.



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Nota: 

Para melhor contextualização deste documento, veja-se a carta de 17 de Julho de 1808 que à Junta de Sevilha enviou o General CastañosComandante do exército espanhol reunido na Andaluzia. 

Carta do Almirante Charles Cotton à Junta de Governo de Sines (14 de Julho de 1808)




O infra-escrito Almirante e Comandante da esquadra britânica na altura do Tejo recebeu com sumo prazer os agradecimentos dos leais habitantes de Sines, Santiago e das vilas e lugares circunvizinhos, aos quais tem a satisfação de [as]segurar que um exército britânico está próximo a chegar em socorro deste Reino, no presente empenho que tem entre mãos de manter tudo quanto é caro aos homens para a conservação da sua santa religião e restauração de seu legítimo Príncipe, para a protecção de suas mulheres e filhos, a independência, e ainda mesmo a existência do seu país. É escusado dizer se aos verdadeiros e leais portugueses, actualmente animados à acção que estes objectos bem valem quaisquer sacrifícios de comodidades, conforto, descanso e da mesma vida. O espírito de patriotismo fará soldados, e não se esqueça nunca que os opressores de Portugal não são mais que homens, e que são poucos: não poderão resistir a uma população justamente indignada e irritada.
Ainda que toda a assistência que a Grã-Bretanha puder fornecer ao seu antigo aliado será dada numa causa tão virtuosa, justa e honrosa, sem embargo disto tudo necessariamente há de depender da energia e esforços dos naturais de Portugal; por sua conta está manifestar o espírito de seus predecessores, e mostrar que a mocidade lusitana, noutro tempo a mais florescente e esforçada das nações, ainda conserva o seu nativo valor, e, actualmente irritada pela opressão, determina combater com zelo por Deus, por sua religião, por seus pais, mulheres e filhos, pela restauração do seu Príncipe e conservação da Pátria.
Por todas as partes do norte de Portugal, a voz geral é vencer ou morrer, e a única divisa que se traz inscrita: Liberdade e vingança.
Logo que chegarem as tropas de Inglaterra, as quais por instantes se esperam, o número pedido com as armas e competente porção de munições será expedido sem demora para Sines.
Dada a bordo da nau de Sua Majestade Britânica a Hibernia, na altura do Tejo, 14 de Julho de 1808.

C. Cotton

[Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo V, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 40-41].

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (14 de Julho de 1808)



Lisboa, 14 de Julho


Não há fábula absurda que não se tenha espalhado, de 15 dias a esta parte, a respeito do General Loison, que uns muitas vezes davam por morto, e outros, ao menos, por aprisionado. O ter ele porém voltado felizmente, com um corpo considerável, desconcerta a malevolência e traz ao Exército um numeroso e útil reforço.
O Boletim do Exército contém as particularidades da sua marcha, que foi uma espécie de vitória contínua por entre milhares de dificuldades que ele teve de vencer.
Veio até Santarém; e aí achou a ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes para ir tomar o comando dos corpos destinados a varrer e punir os rebeldes da Beira.

As notícias que diariamente se recebem do General Margaron continuam a ser muito boas. As suas últimas cartas eram de Tomar, onde tudo ficava restituído à boa ordem e à submissão, depois de um instante de desatino expiado pela expressão do mais vivo arrependimento. O dito General só cessou de bater os rebeldes por se haverem dispersado diante dele, sem que os tornassem a achar reunidos, desde que foram desbaratados em Leiria.

Tudo o que se tem espalhado, nestes últimos dias, a respeito de um suposto desembarque de ingleses ou de emigrados portugueses, da banda da Nazaré e nas costas vizinhas de Alcobaça, é falso e forjado. Naquela parte da praia sim apareceram uns cem meninos perdidos, destinados a lançar ali algumas armas e munições, a fim de aumentar a desordem e alimentar a revolta: tal é o eterno modo de proceder dos ingleses, que só subsistem pelas perturbações do continente, multiplicando neste as vítimas, para se salvarem a si mesmos. Prometem incessantemente socorros a todos aqueles que querem ajudar os seus projectos e os seus furores; mas não lhes mandam, em troca de algumas espingardas e de um pouco de ouro corruptor, senão a ruína e a morte! Como é possível, depois de tantos exemplos famosos da ilusão das suas promessas e do desastre da sua aliança, que eles possam ainda achar gente insensata que se deixe por eles extraviar e conduzir ao degoladouro? Como é possível que aqueles dos portugueses que eles procuram seduzir e arrancar à doce fruição da paz e do sossego, deixem de ver que serão por eles abandonados e traídos, assim como o serão sucessivamente todas as nações que caíram no absurdo de consentir em vender-lhes o seu sangue e a sua tranquilidade?
Enquanto ao mais, seria para desejar que os desembarques de que se tem falado da banda da Nazaré e Peniche se tivessem realizado; porquanto pela sábia previdência do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe se achavam aí reunidas forças mui respeitáveis, ficando prontas a marchar para todos os pontos que se pudessem ver ameaçados, e a aniquilar todos aqueles que se tivessem apresentado. Se os ingleses quiserem abrir aos emigrados portugueses uma sepultura, assim como a abriram, há vários anos, aos emigrados franceses em Quiberon, o resultado será infalivelmente o mesmo; e as famílias deste país conhecerão enfim a quem devem atribuir as suas desgraças e as suas lágrimas.

De algum tempo a esta parte se tem feito estudo, sem que se saiba porque razão, de misturar o nome do General Gomes Freire com os dos rebeldes que se esforçam por trazer sobre o seu país os flagelos da guerra civil e de uma luta sobejamente desigual contra um ilustre General formado na escola do maior dos guerreiros antigos e modernos, e contra um exército acostumado a todos os sucessos e cheio do mais ardente desejo de renová-los. Nada por certo é mais ridículo; pois que, durante esse tempo, o Senhor Gomes Freire se achava doente e até prisioneiro dos espanhóis em Valladolid; e mui modernamente é que ele se viu libertado pelo mesmo corpo de tropas francesas que de todo bateu os espanhóis naquele sítio, e que entrou triunfante na cidade de Valladolid, para puni-la pela resistência que ela opusera momentaneamente. Desde então, o General Gomes Freire (atravessando a Biscaia, onde se tem mantido a paz) tem continuado o seu caminho para a França, onde foi unir-se às tropas portuguesas de que comanda uma parte. Estas particularidades se confirmam por alguns criados seus, que não havendo podido segui-lo, voltaram os dias passados a Lisboa.

Enquanto ao mais, o norte de Espanha se vai apaziguando, à medida que chegam aí as tropas francesas, as quais entram em grande número por todos os pontos dos Pirenéus; e são já senhoras assim de Segovia como de Zaragoza. Um corpo considerável, que se destina a receber ainda novos reforços do exército de Itália, se formou na Catalunha, a maior parte da qual nunca se agitou e reconhece o novo Governo.
Em Lisboa há cartas de Madrid até à data de 28 de Junho, as quais atestam que se haviam aí renovado, segundo o costume, as especulações comerciais; e que tudo ficava em sossego naquela vila, sem que houvesse ali movimento algum. Sua Alteza Imperial o Grão-Duque de Berg, exercendo as funções de Lugar-Tenente do Reino, em novo do novo Rei José Napoleão, que se achava ainda em Bayonne, residia numa casa de campo nos arredores de Madrid, onde tinha o seu Quartel-General. O General Savari, um dos Ajudantes de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, exercia o lugar de Governador de Madrid.
Conforme todas as informações que recebemos, era já de notar, como tão facilmente se podia prever, que a discórdia se ia introduzindo nas Juntas revolucionárias; que elas começavam a obedecer com repugnância umas às outras; pois que efectivamente nenhuma tem autoridade legítima, e todas podem formar pretensões igualmente fundamentadas; que vários dos seus membros, convencidos pela sua própria experiência de que o império da multidão, além de ser calamitoso, só pode ter uma mui curta duração, pensavam em subtrair-se ao despotismo popular que os oprime a eles mesmos; e em ceder a sua influência ao novo Governo, capitulando com ele secretamente, e entregando-lhe até mesmo aqueles dos seus cúmplices que achavam ser menos perspicazes do que eles. Os camponeses, por outra parte, se queixavam de que os habitantes das cidades os iam arrancando às suas famílias e aos seus úteis e pacíficos trabalhos, ao tempo da colheita, para sujeitá-los aos seus caprichos, e fazê-los suportar fadigas, a que estes sabem muito bem esquivar-se com diversos pretextos. Portanto, os homens acostumados a calcular a marcha dos acontecimentos políticos têm por certo que as partes revoltadas da Espanha não tardarão em restabelecer-se por si mesmas daquele delírio de insurreição, abraçando, como a única tábua de salvamento em meio da anarquia que as devora, a centralidade do poder e a unidade do Governo Monárquico, que só pode assegurar-lhes o génio e o braço mui poderoso de Sua Majestade o Imperador e Rei NAPOLEÃO. Muitos de entre eles, até mesmo em Espanha, pensam que esta feliz mudança se efectuará talvez pela influência tão somente da razão pública e do interesse nacional bem entendido, sem esperar que o prescrevam a presença e a força dos exércitos franceses que se adiantam, e aos quais é nimiamente absurdo imaginar que poderia resistir a Espanha, sem Chefe, sem objecto, sem finanças, já dividida, já desmembrada; pois que aquelas mesmas tropas com que será invadida quando preciso for, tem tantas vezes vencido todas as Potências da Europa tão inutilmente coligadas contra o GRANDE NAPOLEÃO e contra a sua Grande Nação!

[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 27, 14 de Julho de 1808].

Aviso publicado na Gazeta de Lisboa (14 de Julho de 1808)



[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 27, 14 de Julho de 1808].

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Nota: Sobre este assunto ver a nossa segunda nota ao decreto de Junot de 14 de Junho de 1808.

Pastoral do Bispo do Porto apelando à união contra os franceses (14 de Julho de 1808)






Nota: O Bispo do Porto alude no início desta pastoral a uma exortação sua, que não conseguimos consultar, mas que julgamos que fosse uma datada de 5 de Dezembro de 1807, mencionada igualmente numa outra pastoral do mesmo Bispo, datada de 18 de Janeiro de 1808


Edital da Junta do Porto permitindo a livre circulação das moedas de ouro britânicas em Portugal (14 de Julho de 1808)

Spanish Patriots entring Madrid, or the Grand Duke of Bergs retreat discovered, caricatura atribuída a Isac e/ou George Cruikshank (14 de Julho de 1808)




Patriotas espanhóis entrando em Madrid, ou a descoberta da retirada do Grão-Duque de Berg.

Caricatura atribuída a Isaac e/ou George Cruikshank, publicada a 14 de Julho de 1808.



Antes de mais, note-se que a caricatura representa algumas variações semânticas sobre a intitulada "retirada" de Murat. É certo que o termo retreat, em termos militares, significa precisamente "retirada", mas devemos observar que pode igualmente significar "retiro", "abrigo", refúgio" (e seus correspondentes verbos), e "lugar de privacidade". Por extensão, retreat também significava, em inglês antigo, o mesmo que privy ("privada"), ou seja, "retrete". Curiosamente, tanto em português como em castelhano antigo, o termo "retrete" (s. m.) tinha o significado, entre outros, de "aposento íntimo, e o mais recolhido, na parte mais secreta de casa" ou "quarto pequeno/casinha retirada", passando também por extensão a ter o significado moderno de "retrete". [Cf., entre outras obras, Rafael Bluteau, Diccionario da Lingua Portuguesa - Tomo Segundo (L-Z), Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1799, p. 341].
Feito este esclarecimento, vejamos como um grupo de patriotas espanhóis está prestes a descobrir Murat, retirado numa latrina. O seu líder, empunhando uma espingarda cuja baioneta aponta para o interior do "esconderijo" de Murat, encoraja os seus camaradas de armas: Vamos lá, meus bravos compatriotas: começo a sentir o seu cheiro, e apesar de termos tratado os ingleses tão mal, aquela generosa nação forneceu-nos dinheiro, armas e munições. Vamos lá, então. Vamos lá. Dentro da latrina, antes de esquivar-se por um buraco, um rato avisa o seu "homónimo" Murat (sobre este trocadilho ver o que aqui referimos): homónimo, caístes numa armadilha. Sem o chapéu e com o cabelo eriçado, e apresentando um aspecto pálido e enfermiço, Murat declara, nada satisfeito: Raios, ouço-os a chegar. Oh! Quão parvo fui em me tornar vice-Rei. Só queria estar de novo a bordo das galeras. Aos seus pés encontra-se uma folha de papel (talvez para limpar-se) onde se pode ler Para o General Murat. Papéis de Estado. Bayona


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