quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Proclamação do General Comandante do Exército Português aos Soldados do Exército Francês em Portugal (10 de Agosto de 1808)



Soldados do Exército Francês! 

É chegado o momento de falar sem rebuço a quem se recusou até agora de entender a linguagem da razão. 
Abri os olhos, Soldados, sobre o abismo imenso de males que cavou debaixo de vossos pés a ambição insensata do vosso Imperador, a impolítica, a avareza e a barbaridade sanguinária dos vossos Generais. 
Escutai a voz e o clamor de um Exército que tem provado que se pode ser Soldado e humano, e reunir no mesmo peito o mais intrépido valor com a Religião e a Moral. 
Que esperais vós do Exército de portugueses, de bravos ingleses, de feros espanhóis, nossos caros aliados, inimigos jurados do vosso Governo, que há atrozmente afrontado uns e perseguido outros? Forjar grilhões à vossa pátria, ou perder a vista no campo da batalha. Que triste alternativa! Contudo, é essa a vossa sorte. 
Mas um Príncipe Aliado, e traído...! Mas um povo hospitaleiro, e roubado...! Mas uma nação pacífica, e assassinada...! reclama a nossa vingança. 
Um só meio vos resta de evitar tão dura sorte. Abandonai as vossas bandeiras: vinde unir-vos aos nossos Exércitos; e em nome do Príncipe e em nome da nação vos prometo que sereis tratados como amigos, e tereis o prazer de tornar um dia às vossas famílias desoladas pela dor da vossa perda. 
Este conselho, nem o Dever, nem a Honra bem entendida, o encontram. 
Mas, Soldados, se há alguns entre vós insensíveis às doces emoções da Religião e da Humanidade, que eles não desamparem os seus postos: Tais monstros são, pelo menos, um fardo pesado ao Universo: Eles são bem dignos da causa que defendem, e da recompensa que os espera. 
Soldados, tomai o vosso partido, enquanto é tempo: O nosso está tomado. 
Dado no Quartel-General do Exército Português, 10 de Agosto de 1808. 


[Fonte: Utilizámos para a presente transcrição um exemplar impresso desta proclamação, compilado, entre vários outros textos, num volume disponível na Biblioteca Nacional de Portugal, com a cota  S. C. 8439//5. Existe uma outra versão desta mesma proclamação, derivada provavelmente duma retradução, no Correio Braziliense de Novembro de 1808, pp. 439-440].

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (10 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Amanhã que se contam 11 do corrente [mês], sairemos deste Quartel-General em direitura para Leiria e Estrada-Nova, para com o Exército de Sua Majestade Britânica continuarmos as operações de que estamos encarregados e de cujo resultado darei parte a Vossa Excelência. Lembro a Vossa Excelência que o transporte das munições e mantimentos, sobretudo biscoito, se deve fazer ao longo da costa, mas cumpre que ele se faça quanto antes, por serem objectos da primeira necessidade e a sua falta da mais funesta consequência. Há a mesma, senão maior, de dinheiro para fornecimento da Caixa Militar, o que tantas vezes tenho representado a Vossa Excelência. Ele pode ser dirigido a Leiria por Montemor-o-Velho pelo caminho à borda do mar. Sendo muito natural que alguma Divisão inimiga desgarrada se proponha penetrar estas províncias do norte, o que deixo providenciado segundo me foi possível, é de razão que se continuem as necessárias precauções e se tomem na ocasião todos os meios de defesa. E porque Coimbra é o ponto mais exposto e importante, queira Vossa Excelência enviar logo para aqui mais algumas munições, artilheiros e a cavalaria que se puder dispensar. 
Deus guarde a Vossa Excelência.
Quartel-General de Coimbra, 10 de Agosto de 1808.

Bernardim Freire de Andrada [sic].


P.S. Novas instâncias do Exército britânico me obrigam a adiantar-me eu, hoje mesmo, até Leiria.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 173 (doc. 9)].

Carta do Bispo do Porto a D. Miguel Pereira Forjaz, Brigadeiro Ajudante General do Exército português (10 de Agosto de 1808)



Na grande confiança que Vossa Excelência  tem em Deus Nosso Senhor, lhe considero o maior socorro nos seus grandes e incessantes trabalhos e no que eu puder concorrer para o mesmo fim, não faltarei.
Joaquim de Castro ou entendeu mal ou não disse bem; Vossa Excelência o conhecerá assim logo que ele volte da Beira. Ele está incumbido da Inspecção das Milícias, de que Vossa Excelência o incumbiu; somente lembrou que seria conveniente algum título que o fizesse reconhecer como tal, porque o mero facto poderá não ser bastante.
Isto foi o que ocorreu e nada mais.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Porto, 10 de Agosto de 1808.
De Vossa Excelência muito obsequioso e obrigado,

Bispo, Presidente e Governador

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 174-175 (doc. 11)].

Carta do Bispo do Porto ao General Bernadim Freire de Andrade (10 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Bem certo estou em que Vossa Excelência por sua vontade não me demoraria um momento o gosto de me dar muito boas notícias suas, porque tenho nelas o maior interesse. Estimo muito que Vossa Excelência fizesse com feliz sucesso a sua jornada; queira Nosso Senhor que a possa continuar e concluir como eu desejo e nos convém.
O nosso Serpa (segundo me parece) vai satisfeito, e eu também o fico, esperando que a Vossa Excelência suceda o mesmo, vendo que os ofícios que me mandou vão plenamente satisfeitos, à excepção de pequenas coisas de que espero explicação. O Ministro que ainda não estava, não poderia ainda ter chegado*; agora já deverá estar no Exército; se não servir bem, darei logo providência. Todas as propostas estão na Junta para serem expedidas, e António da Silva, cuja honra é bem conhecida, tem a seu cargo a expedição delas, e eu incessantemente as recomendo. Remeto a Vossa Excelência as notícias que aqui têm concorrido; elas são favoráveis, graças a Nosso Senhor, mas eu ainda não as considero decisivas a respeito das tropas [francesas] de Burgos e lugares adjacentes, e nesta consideração ainda me dão cuidado as províncias do norte, e por isso muito estimo que Vossa Excelência mandasse armas a Bacelar, que estava inconsolável com a falta delas, e eu, se não mais, não menos. Quanto a dinheiros, devemos esperar em Deus Nosso Senhor que não faltem, ainda que de Inglaterra não venham, porque Deus Nosso Senhor não necessita dos ingleses, mas nós sim, procedendo humanamente; e porque em matéria de tão graves consequências e responsabilidade têm demasiado peso, dirijo a Vossa Excelência o ofício incluso a este respeito**; até lembrando-me de que ele poderá ter lugar em alguma conferência com o General inglês, que, conhecendo o nosso aperto, talvez nos possa socorrer com algum dinheiro do que traz, enquanto não chega o que se espera de Inglaterra. Vamos todos de comum acordo, sabendo todos a verdade e conhecendo de longe os perigos e as dificuldades para se poderem remediar antes que cheguem até onde nós pudermos chegar com o auxílio de Deus Nosso Senhor. Peço a Vossa Excelência que, da minha parte, participe ao Governador dessa cidade as notícias inclusas e que depois em meu nome as mande remeter ao General Wellesley. Já mandei vir os 300 homens de Viana e as tropas espanholas já têm aviso para partirem, e por toda esta semana partirão. Parte hoje o Regimento de Cavalaria que aqui se achava, e vai descontente por falta de promoção, pretendendo ao mesmo tempo que não entrem nele oficiais de fora; eu respondi que em parte tinham razão, mas que as mãos do Soberano não podiam ser ligadas. Nosso Senhor conceda a Vossa Excelência muito feliz saúde e forças para o grande trabalho dessa campanha. Terei toda a satisfação em poder agradar a Vossa Excelência e em que se persuada e todos que sou de Vossa Excelência amigo e obsequioso venerador e obrigado.

Bispo Presidente e Governador

10 de Agosto de 1808.

[P.S.] Nesta carta respondo igualmente ao ofício que recebo de Vossa Excelência no dia de ontem pelas 11 horas.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 173-174 (doc. 10)].

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Notas:

** Trata-se do "ministro autorizado que faça pôr em movimento todas as molas desta máquina", o qual tinha sido requerido por Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto, em carta de 6 de Agosto

** Desconhecemos que ofício seria este, ainda que, pelo contexto, se possa supor que se tratasse do edital que a Junta do Porto publicara a 8 de Agosto, o qual visava precisamente o reforço económico necessário para "sustentação do Exército que vai cada vez mais a aumentar-se na justíssima causa da defesa do Reino".

Memorando para consideração, sobre as medidas que se projectaram perante as actuais circunstâncias em Espanha e Portugal, por Lord Castlereagh (10 de Agosto de 1808)




10 de Agosto de 1808 


A redução do exército de Dupont, o regresso a Madrid dos restantes corpos de Moncey, e a retirada de Bessières de Leão e Benavente, indicam que o inimigo tenciona concentrar-se em Madrid ou retirar-se para Burgos. Estando assim as forças espanholas das províncias meridionais livres e capazes de se moverem para a capital, não é provável (a não ser que chegue um reforço poderoso) que o inimigo se aventure a sustentar Junot em Portugal. 
Se a retirada de Junot for dilatada até à chegada da totalidade da força britânica a Portugal, pode-se considerar que o destino do seu exército está decidido; e o Gabinete deve encarregar-se de determinar quais serão os passos que se devem seguir. 
Se os franceses tentarem manter-se em Madrid, pode-se esperar que a totalidade da força que o circunda, vinda da Andaluzia, Múrcia, Valência, Extremadura e Galiza, acabará por obrigá-los a retirarem-se daquela posição, se não pela força, pelo menos devido à fome. 
Para ajudar os esforços dos espanhóis, seria contudo bastante importante que se enviasse, a partir de Portugal, toda a cavalaria que possa ser sobressalente, quer britânica, quer portuguesa. Se um corpo de infantaria ligeira britânica de 8 ou 10.000 homens for suficiente para sustentar os seus esforços, servindo igualmente como protecção da nossa própria cavalaria, poder-se-á equipar rapidamente um corpo deste tamanho, mandando-o avançar; mas isto não deve interferir materialmente com as outras operações, que são talvez de maior importância do que mandar-se fazer um movimento avançado tendo o resto de todo o exército britânico no lado de Portugal, e sendo tal movimento demorado, por necessariamente ter que ser feito com equipamentos*, e exposto a ter o seu preciso objectivo frustrado com a retirada antecipada do inimigo de Madrid.
Assumindo que esta observação sobre a situação relativa dos exércitos beligerantes está provavelmente correcta, parece que é da maior importância - de forma a embaraçar o avanço dos reforços da França, e para se conseguir, se possível, a rendição final de todo o exército francês - darmos força, através dos meios em nosso poder, aos esforços das províncias setentrionais, particularmente as Astúrias e as províncias do levante, cuja permanência sobre as armas dependerá em grande parte da presença e da protecção dos corpos britânicos.
Para este objectivo seria desejável que se destacasse daqui uma força considerável, tanto de infantaria como de cavalaria, para agir em união com os recrutamentos de espanhóis daquela parte, a fim de finalmente ameaçar o flanco e a retaguarda da linha de operações do inimigo. Este corpo pode ser composto por tropas britânicas suficientemente autónomas para embaraçar consideravelmente as operações dos franceses, sem enfraquecer prematuramente o exército em Portugal; contudo, se não houver hipóteses de atacar naquela parte, e se a força [espanhola] que se move em direcção a Madrid compelir o inimigo a retirar-se em direcção à sua própria fronteira, seria apropriado então embarcar uma parte tão grande da força em Portugal quanto a que pudesse estar de reserva em Lisboa, sem que isto exponha a segurança interna do país, para se ir juntar aos corpos britânicos no norte da Espanha. Se, através de tal movimento, 30.000 tropas britânicas, sustentadas pelos exércitos espanhóis das Astúrias e de Aragão, conseguirem agir na linha de comunicações dos inimigos, estes ficarão bastante pressionados, por estarem também diante das forças que os afastaram de Madrid; não será então demais esperar que tais divisões do exército inimigo, ao tentarem retirar-se pelos Pirenéus Ocidentais, serão obrigadas a render-se, ou procurarão retirar-se através da Espanha, em circunstâncias difíceis e dificuldades extremas.
Lord Castlereagh julgou que tinha o dever de levar estas considerações aos seus colegas, a fim deles poderem agora fazer as suas determinações sobre os princípios como a guerra em Espanha e Portugal deve ser conduzida daqui para diante. 
O Gabinete sentirá que é urgente que tome uma rápida decisão, pois Sir Hew Dalrymple não tem instruções exactas para além da ocupação de Lisboa, da segurança de Cádis, e da redução de Dupont. Inicialmente considerou-se  que não se podia decidir adequadamente quais seriam as medidas posteriores sobre estes pontos, mas estes ou já se realizaram, ou estão prestes a realizar-se. As informações dos últimos dias forçam necessariamente a pôr esta importante questão debaixo da atenção do Governo.
Estão preparados navios-transportes para embarcar um corpo de 10.000 homens; e já partiram os transportes para Cork, a fim de recolherem os 5.000 que aí embarcarão. A tonelagem para os 5.000 homens adicionais (que são parte dos 10.000 debaixo das ordens da Inglaterra), estará completa em cerca de dez dias.
Com o objectivo de transportar os cavalos da artilharia de algum corpo que se julgue oportuno expedir daqui, já se mandaram regressar os transportes para 2.300 cavalos da cavalaria que tinham partido para Portugal, ficando por lá, junto com a força, provisões para cerca de 800 cavalos.
Para além dos transportes para os mencionados 2.300 cavalos, estão agora a requisitar-se outros tantos para 534 cavalos, cuja fornecimento cresce de dia para dia, embora lentamente.

[Fonte: Charles William Vane (org.), Correspondence, Despatches, and other Papers of Viscount Castlereagh, second Marquess of Londonderry – Vol. VI, London, William Shoberl Publisher, 1851, pp. 399-401].

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Nota: 

* Equipments, no texto original. Julgamos que Castlereagh se refira aos diversos utensílios utilizados pelos sapadores para abrir caminhos. 

Marcha proposta para o Exército britânico a partir de Lavos (entre 10 e 12 de Agosto de 1808)




[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 177].