domingo, 28 de agosto de 2011

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao General Dalrymple (28 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Quando Vossa Excelência me participou a Convenção de 22 do corrente, comuniquei logo ao Brigadeiro Bacelar a disposição que lhe dizia respeito, dirigindo o meu aviso a Abrantes, donde ele me havia ultimamente escrito; no dia seguinte lhe repeti o mesmo aviso, e foi o primeiro que ele recebeu, porque entretanto se tinha avançado, e se achava já na Golegã, tendo-se feito preparar rações e quartéis em Santarém, que se achava evacuada pelos franceses, como tudo se verifica dos ofícios que o Major Aires Pinto, a quem os remeto, apresentará a Vossa Excelência. Pode ser que o Brigadeiro não devesse adiantar-se até Santarém, mas achando-se na Golegã quando recebeu a notícia que lhe comuniquei, também me parece que não estava no caso de retroceder sem ordem expressa; havia porém suponho que ainda uma razão que o induziu a obrar assim. O povo de Santarém proclamou o Príncipe, e sublevou-se contra os franceses logo que eles evacuaram aquela vila. Aquele corpo, que depende do que eu comando, está por isso nas mesmas circunstâncias em que eu me considero a respeito de Vossa Excelência; ele há de defender aqueles povos se os franceses quiserem tomar vingança da sublevação de Santarém, e entretanto guardar a mais perfeita suspensão de hostilidades, que certamente não temos nenhuma ideia de romper, e que também suponho [que] se nos não podem fazer sem interessar o Exército britânico a que estamos unidos, e com o que havemos sempre obrar de acordo, e esperando que Vossa Excelência faça perceber ao General Junot que ele não pode considerar o Exército português como um Exército separado do Exército britânico; pois que ambos compõem um mesmo corpo. Aproveitarei com muita satisfação toda a ocasião que se me oferecer de mostrar a alta consideração com que sou de Vossa Excelência muito atento e fiel servidor.

Bernardim Freire de Andrada [sic].

Quartel-General da Lourinhã, 28 de Agosto de 1808.


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 218-219 (doc. 48)].

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Bernardim Freire de Andrade (28 de Agosto de 1808)


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Aqui chego neste instante, que serão oito e meia da noite, e venho de estar já com o General Dalrymple, que me entregou a carta que remeto, cujo assunto julgo ser uma notificação do General Junot, queixando-se de se ter adiantado o corpo de Bacelar a Santarém, e creio que ameaçando de tomar despique. O General inglês não me pareceu muito assustado com isso, e mesmo me disse que esperava que os sustos de Mr. Junot se acalmassem. O tratar do outro negócio ficou para amanhã; entretanto creio que as negociações não estão de todo rotas, não obstante deverem mover-se amanhã talvez tropas; porque sei decerto que o filho do General foi ontem mesmo a Lisboa com um Coronel; é por agora o que posso dizer a 
Vossa Excelência, de quem tenho a honra de ser súbdito o mais reverente e obrigado.

Aires Pinto de Sousa.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 216 (doc. 45)].

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Bernardim Freire de Andrade (28 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Depois de jantar com efeito tive com o General Dalrymple a conferência que me havia anunciado esta manhã, e o resultado dela foi que ele entendia ser muito mais conveniente para os desígnios comuns que o corpo português, em lugar de obrar do lado de Alenquer e Beira-Tejo, obrasse do lado de Mafra, em razão de que os esforços dos franceses daquele lado não se podiam supor tão violentos e consequentes como de qualquer outro lado; que ele, General inglês, desejava marchar ele mesmo mais vizinho ao Tejo, talvez por Bucelas e Santo António do Tojal, e a ponto de poder cortar o passo mais essencial que podiam dar os inimigos para romper sobre as províncias; eu como conheci que 
Vossa Excelência desejava seguir o caminho de Alenquer, ainda instei; porém, o General inglês disse-me claramente que ele de forma alguma queria expor as forças portuguesas a ficar esmagadas, e que decerto os franceses mais naturalmente buscariam o caminho do Tejo do que o de Mafra, e que ele queria antes suster o maior esforço do inimigo; não tem dúvida que o corpo do Trant se reúna à nossa no ponto da Encarnação, aonde desejam que Vossa Excelência e o Exército se ache amanhã de tarde; sem contudo passar avante até ser quebrado o armistício, o que só pode saber-se amanhã ao meio-dia; entendo mesmo que nos querem unir uma Brigada alemã para nos apoiar; desejam que o corpo de Bacelar se ponha pronto a marchar para tomar, imediatamente que lhe for [dado] aviso, a marcha direita sobre Lisboa, até mesmo fazendo juntar o maior número de barcos possível para poder chegar a combinar-se a tempo com os movimentos dos ingleses pelo lado de Sacavém; finalmente, a nota inclusa dará uma clara ideia de todos estes movimentos. Desejam que Vossa Excelência deixe alguém para suster a guarnição de Peniche; finalmente, o General dá todos os entenderes de que deseja muito que Vossa Excelência e um corpo de tropas portuguesas possa entrar combinado com ele em Lisboa, quando Deus quiser que lá entremos, e por isso reputa o caminho por Mafra também conveniente; desejam saber o que achou a respeito de caminhos o nosso Quartel-Mestre-General Luís Gomes. Eis [que] aqui tem Vossa Excelência o que pude coligir de uma assaz larga conferência, e contudo se o meu voto é de algum peso assento que para a nossa segurança militar melhor à borda-mar que à beira do Tejo. 
Deus guarde a Vossa Excelência.
Agosto, vinte e oito, às seis da tarde.

De Vossa Excelência súbdito o atento,
Aires Pinto de Sousa.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 215-216 (doc. 44)].

Carta de R. H. Kennedy ao General Bernardim Freire de Andrade (28 de Agosto de 1808)



28 de Agosto.


Senhor:

Ocorrem muitas dificuldades na condução dos negócios do Departamento do Comissário do Exército inglês devido à falta de pessoas que saibam tanto a língua inglesa como a portuguesa. Dois cavalheiros agregados ao Exército debaixo do vosso comando, o Senhor Lobo e o Senhor Myler, prestariam o maior serviço devido ao seu conhecimento de ambas as línguas; tomo assim a liberdade de vos requerer que permitais por um tempo que eles cooperem com o Exército inglês, se daí não resultar um grande inconveniente para o serviço português.
Tenho a honra de ser, Senhor, o vosso mais obediente e humilde servidor,

R. H. Kennedy,
[Superintendente do] Departamento Comissário General [do Exército Britânico].

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 217-218 (doc. 47)].

Carta de James Bathurst ao Major Aires Pinto de Sousa (28 de Agosto de 1808)


Quartel-General, 28 de Agosto de 1808.


Memórias para as tropas portuguesas.

Requer o General Dalrymple que os corpos portugueses na Lourinhã marchem amanhã de manhã para Encarnação, onde esperarão por novas ordens. Eles serão servidos deixar 400 homens para bloquear Peniche e evitar qualquer excursão da guarnição daquela praça. O Coronel Trant se unirá ao General Freire na Encarnação. Pede-se que os corpos portugueses actualmente em Santarém se conservem prontos a marchar à primeira voz, e que quando forem mandados sigam a estrada principal para Lisboa por Sacavém, alcançando quantos barcos lhes for possível para o fim tanto de avançarem mais rapidamente pelo rio abaixo, como para se porem na retaguarda da posição francesa em Sacavém, se assim for necessário. 

Por ordem de Sir Hew Dalrymple

James Bathurst

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 217 (doc. 46)].

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Bernardim Freire de Andrade (28 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Antes da hora dada fui falar ao General, disse-lhe o que havia de novo e ele me respondeu que a não haver novidade, que somente amanhã ao meio-dia começaria a marcha do Exército inglês, do que eu avisarei a Vossa Excelência; quanto ao plano de operações ficou de me dizer alguma coisa depois de jantar, e de tudo darei conta; o General ficou com os papéis franceses*, e entendo que logo mos tornará a entregar; pelo que respeito aos movimentos de Bacelar disse-me que devia ficar aonde estava enquanto não se rompesse o Armistício; porém de forma alguma retroceder; agora nada mais posso dizer senão que é necessário o reconhecimento de Luís Gomes; o tempo aperta, e eu devo ir daqui a poucos minutos para casa do General inglês; por isso não posso ser mais extenso; e enquanto não souber as ideias do General inglês a respeito dos movimentos que se lhe propuseram, nada posso dizer. 
Deus guarde a Vossa Excelência.
Ramalhal, Agosto, vinte e oito de mil oitocentos e oito.

De Vossa Excelência súbdito amigo atento,
Aires Pinto de Sousa.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 215 (doc. 43)].
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Nota: 

* Alusão aos papéis apreendidos ao Exército francês depois da batalha do Vimeiro, entre os quais se incluía o "livro secreto da correspondência de Junot para Bonaparte", segundo as palavras de Simão José da Luz Soriano (na sua História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, p. 92). Ademais dessa correspondência (contendo 129 cartas, datadas de 26 de Julho de 1806 a 7 de Junho de 1808, cuja tradução foi recente publicada com o título de Diário da I Invasão Francesa, Livros Horizonte, 2008), constaria ainda entre esses papéis, muito provavelmente, o plano de operações defensivas do Exército francês que o Coronel de Engenheiros Vincent tinha escrito a 28 de Junho de 1808

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Bernardim Freire de Andrade (28 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Quando a carta de Vossa Excelência me chegou já eu tinha tratado os assuntos que aqui me trouxeram com o General inglês, e em consequência posso por entanto somente dizer a Vossa Excelência que ele me [as]segurou que só esta tarde poderia responder alguma coisa sobre a combinação de movimentos, e que desejava saber as averiguações dos caminhos, assim de Alenquer como da borda d'água, a que Vossa Excelência mandou proceder, e por isso será conveniente que, a ter vindo Luís Gomes, Vossa Excelência comunique o mais depressa possível o fruto da sua digressão ao General inglês; quanto ao que agora recebo só depois de jantar poderei talvez comunicar-lhe; em tudo creia Vossa Excelência que não me descuido; porém depois de me remeterem para esta tarde se decidir o negócio principal, por duas horas mais, parece que não me deverei arriscar a parecer inoportuno. 
Deus guarde a Vossa Excelência como lhe deseja este. 

De Vossa Excelência súbdito amigo reverente,
Aires Pinto de Sousa.

Agosto, vinte e oito de mil oitocentos e oito.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 214-215 (doc. 42)].

Carta do Almirante Charles Cotton ao General Dalrymple (28 de Agosto de 1808)




Hibernia, defronte do Tejo, 28 de Agosto de 1808.


Senhor:

Na minha carta de 27 de Agosto eu vos informei do meu conhecimento da segunda suspensão de hostilidades, e dos meus sentimentos a respeito do tratado em que se ia a entrar com o Comandante em Chefe francês, para a evacuação de Portugal; o Brigadeiro General Beresford, se puder desembarcar, também vos explicará as minhas razões para não aceder ao tratado como ele agora está.
Eu não tenho instruções do Governo sobre esta matéria; porém, se vós tendes lido alguma comunicação confidencial, ou se a tem tido algum dos Generais que novamente chegaram de Inglaterra, por onde conste da vontade do Governo de Sua Majestade de desalojar os franceses de Portugal por tratado, então não posso deixar de conformar-me e sacrificar a minha opinião a essas instruções.
Esperando confiadamente uma conferência em Cascais, como estava proposta, não entrei tão plenamente como o Tenente Coronel Muray nas objecções que me ocorriam a respeito dos artigos da base sobre que o tratado se devia fazer. 
A transportação do saque para a França, que se pode em grande parte encobrir, com a ilimitada permissão de respeitar toda a propriedade individual, nominal, tanto dos franceses como daqueles naturais que quisessem deixar o país para ir com eles, pode ter as piores consequências, tanto para nós como para os leais portugueses a quem viemos assistir. Para nós, porque é um meio de acrescentar alguns milhões ao tesouro de Bonaparte, a tempo em que todos os seus antigos recursos da Espanha lhe estão cortados; e uma perpétua fonte de discórdias com os portugueses, por sofrermos que a sua propriedade seja levada para fora.
A inserção de um artigo relativo à força naval no Tejo, de qualquer descrição, eu espero que vós aproveis; porque os franceses tomaram tudo, e alguns vasos foram preparados por eles. Eu tinha toda a esperança de comunicar com o Almirante [russo] Séniavin, para propôr os termos que ele de mim esperava, relativamente aos navios debaixo do seu comando, e fico-vos obrigado, por havereis tão prontamente concordado comigo na minha objecção ao artigo sétimo. A fortaleza fez parar uma fragata russa que vinha pelo rio abaixo, a qual suponho que trazia o Vice-Almirante Séniavin, ou alguma pessoa autorizada para conferir sobre esta matéria comigo; se o vento não obrigasse a sair ao mar, provavelmente teria ouvido alguma coisa dele. A primeira comunicação deveria vir da parte dele. Um navio de linha e várias fragatas estão chegando à boca do Tejo, para conservar a minha correspondência com Lisboa. Tenho escrito ao Capitão Malcom de que, ao presente, será sumamente perigoso trazer mais transportes para a baía de Lisboa, até que o Tejo esteja aberto, sem que nós estejamos em plena e segura posse de Setúbal.
Tenho a honra de ser, etc.

C. Cotton

Carta do Tenente-Coronel Murray ao General Dalrymple (28 de Agosto de 1808)





Lisboa, 28 de Agosto de 1808.



Meu caro Senhor:


Apesar de me parecer que o meu dever mais imediato seria levar ao vosso Quartel-General a Convenção que acabei de assinar, a fim de ser submetida à vossa ratificação, o conhecimento que tenho dos vossos sentimentos sobre a maioria dos pontos em questão, entre outras circunstâncias que ocorreram, induziram-me a preferir ir pessoalmente até ao Almirante [Charles Cotton] e a enviar o Capitão Dalrymple para o Ramalhal.
Fizeram-se duas cópias da Convenção em inglês, e duas em francês, de forma a que cada parte interessada possa possuir um original em cada língua.
O Capitão Dalrymple é o portador duma cópia em francês que deverá ser ratificada por vós, se a aprovardes, e eu levarei uma uma cópia em inglês ao Almirante, com o mesmo objectivo. Sugeriu-se que as duas cópias deveriam ser depois intercambiadas, de forma a que em cada uma delas possa ser inscrita a assinatura que falta.
Parece-me melhor trocar as cópias ratificadas neste lugar, e para esse fim tenciono regressar da frota amanhã; e tenho que requerer que me transmitais assim que for possível a cópia enviada pelo Capitão Dalrymple. Depois de ter ambas na minha posse, guiar-me-ei de acordo com as circunstâncias.
Se a convenção for ratificada, instarei que as tropas francesas deverão retirar-se imediatamente. Em relação às posições que podem ser ocupadas pelas nossas tropas, penso que, logo que seja possível, devemos colocar a nossa direita em Cascais e nos fortes vizinhos, dispondo-se um grande corpo em Sintra; e que uma parte do exército deve avançar em direcção à margem do Tejo, acima de Lisboa; neste caso, a parte principal do exército tomaria a estrada de Mafra. Por aquilo que pude ver do terreno, é ali que a cavalaria pode agir melhor, caso seja necessário. Quando as coisas estiverem um pouco mais avançadas, poderei sem impropriedade fazer mais investigações particulares sobre a conveniência dos meios de subsistência e outras circunstâncias.
Acreditai em mim, meu caro Senhor, etc., 


George Murray 


Primeira versão da Convenção Definitiva para a evacuação de Portugal pelo exército francês (28 de Agosto de 1808)





Convenção Definitiva para a evacuação de Portugal pelo exército francês


Os Generais Comandantes em Chefe dos Exércitos britânico e francês em Portugal, tendo determinado negociar e concluir um Tratado para a evacuação de Portugal pelas tropas francesas, sobre a base do acordo que se ajustou a 22 deste mês para uma suspensão de hostilidades, nomearam os Oficiais abaixo mencionados para negociar o mesmo em seus nomes, a saber: da parte do General em Chefe do Exército britânico, o Tenente Coronel Murray, Quartel-Mestre-General, e da parte do General em Chefe do Exército francês, monsieur Kellermann, General de Divisão; aos quais deram autoridade para negociar e concluir uma Convenção para este efeito, sujeita às suas respectivas ratificações, e à do Almirante comandante da frota britânica na foz do Tejo.
Estes dois oficiais, depois de trocarem os seus plenos poderes, concordaram nos artigos que se seguem:

Art. I. Todas as praças e fortes no Reino de Portugal ocupadas pelas tropas francesas serão entregues ao exército britânico no estado em que se encontram no momento da assinatura da presente Convenção.

Art. II. As tropas francesas evacuarão Portugal com as suas armas e bagagem; não serão consideradas como prisioneiras de guerra e, uma vez chegadas à França, terão a liberdade para [voltar a] servir.

Art. III. O Governo inglês fornecerá, às suas custas, os meios de transporte para o exército francês, que desembarcará em qualquer um dos portos de França entre Rochefort e Lorient, inclusive.

Art. IV. O exército francês levará consigo toda a sua artilharia de calibre francês, com os cavalos do seu trem, e os [respectivos] carros munidos de 60 balas por peça.

Art. V. O exército francês levará consigo todos os seus equipamentos e tudo o que se compreende debaixo da denominação de propriedade do exército, ou seja, a sua caixa militar e as carruagens agregadas ao comissariado e aos hospitais de campanha; em alternativa, permitir-se-lhe-á negociar, por sua conta, aquela parte da mesma que o Comandante em Chefe julgue desnecessário embarcar. Da mesma forma, todos os indivíduos do exército serão livres para vender a sua propriedade particular, seja qual for, com plena garantia futura para os seus compradores.

Art. VI. A cavalaria embarcará os seus cavalos, e os Generais e os outros oficiais [embarcarão] o número [de cavalos] permitido a cada um, segundo o regulamento do serviço militar francês. É contudo perfeitamente entendido que os meios de transporte dos cavalos à disposição dos comandantes britânicos são muito limitados; poderão conseguir-se alguns transportes adicionais no porto de Lisboa; e em todo o caso, dar-se-á ao exército francês toda a facilidade para negociar os cavalos que lhe pertençam e que não se possam embarcar.

Art. VII. Com o objectivo de facilitar o embarque, este será feito em três divisões, compondo-se a última das quais principalmente pelas guarnições das praças, pela cavalaria, pela artilharia, pelos doentes e pelo equipamento do exército. A primeira divisão embarcará dentro de 7 dias a partir da data da ratificação, ou mais cedo, se possível.

Art. VIII. As guarnições de Elvas e dos seus fortes, bem como as de Peniche e de Palmela, embarcarão em Lisboa; a de Almeida embarcará no Porto ou no ancoradouro mais próximo. Estas guarnições serão acompanhadas na sua marcha por comissários britânicos, encarregados de providenciar a sua subsistência e alojamento.

Art. IX. Todos os doentes e feridos que não puderem ser embarcados com as tropas ficam confiados ao exército britânico. Serão cuidados, enquanto permanecerem neste país, às custas do Governo britânico, debaixo da condição da despesa ser paga pela França quando se efectuar a evacuação final. O Governo inglês providenciará o seu regresso para a França, que será feito por destacamentos de cerca de cento e cinquenta ou duzentos de cada vez. Um número suficiente de oficiais médicos franceses ficará para trás para os tratar.

Art. X. Assim que as embarcações utilizadas para levar o exército para a França o tenham desembarcado nos portos especificados, ou em qualquer outro da França para onde as condições do mau tempo as tivessem forçado a dirigir-se, dar-se-ão todas as facilidades para regressarem à Inglaterra sem demora, e com a garantia de não serem capturadas até alcançarem um porto amigável.

Art. XI. Os franceses concentrar-se-ão em Lisboa e dentro dum raio de duas léguas de distância da cidade. Os ingleses aproximar-se-ão até à distância de três léguas da capital, e colocar-se-ão de maneira a manter cerca duma légua de distância entre os dois exércitos.

Art. XII. As fortalezas de Elvas, Almeida, Peniche e Palmela render-se-ão assim que chegarem as tropas britânicas para ocupá-las. Entretanto, o General em Chefe do exército britânico notificará a presente Convenção às guarnições daquelas praças, tal como às tropas que estão diante delas, para que cessem todas as hostilidades futuras. A ocupação de Lisboa e dos fortes de S. Julião e do Bugio, juntamente com os outros fortes de defesa do Tejo, ocorrerá quando a segunda divisão do exército francês embarcar. Assim que se troquem as ratificações, as tropas britânicas tomarão posse do forte de Cascais e dos outros fortes à direita de S. Julião.

Art. XIII. Os transportes destinados para o embarque e aqueles navios de guerra que possam ser necessários para esse serviço serão imediatamente admitidos no Tejo.

Art. XIV. Ambas as partes nomearão comissários para regular e acelerar a execução das disposições acima acordadas.

Art. XV. No caso de se levantarem dúvidas sobre o sentido de algum artigo, este será explicado a favor do exército francês.

Art. XVI. A partir da data da ratificação da presente Convenção pelos Comandantes em Chefe de mar e terra, todas as contribuições ou requisições da parte do exército francês cessarão em Portugal.

Art. XVII. Todos os súbditos da França, ou de potências amigáveis ou aliadas à França, domiciliados em Portugal ou acidentalmente neste país, serão protegidos. A sua propriedade de todo o género, móvel ou imóvel, será respeitada, e eles terão a liberdade para acompanhar o exército francês ou para permanecer em Portugal. Em qualquer dos casos, as suas propriedades serão garantidas, com a liberdade de a reterem ou de a venderem, e passarem o seu rendimento para a França ou para qualquer outro país onde queiram fixar a sua residência, sendo-lhes permitido para este fim o prazo de um ano.

Art. XVIII. Nenhum português será chamado para prestar contas pela sua conduta política durante o período que o exército francês ocupou este país. E todos aqueles que continuaram no exercício das suas funções, ou aqueles que aceitaram empregos debaixo do Governo francês, ficam debaixo da protecção dos comandantes britânicos; as suas pessoas ou propriedades não sofrerão injúrias, pois eles não puderam optar entre ser ou não obedientes ao Governo francês. Também ficam em liberdade de se aproveitarem das estipulações do artigo XVII.

Art. XIX. Os prisioneiros espanhóis detidos a bordo dos navios no porto de Lisboa serão entregues ao General em Chefe do exército britânico, que se compromete a obter dos espanhóis a restituição daqueles súbditos franceses, tanto militares como civis, que possam ter sido detidos na Espanha, sem serem capturados numa batalha ou em consequência de operações militares, mas sim por ocasião das ocorrências do dia 29 do passado mês de Maio e dos dias imediatamente seguintes.

Art. XX. Estabelecer-se-á imediatamente uma troca de prisioneiros de todas as graduações que tenham sido capturados em Portugal desde que começaram as presentes hostilidades.

Art. XXI. Fornecer-se-ão mutuamente reféns para a garantia da presente Convenção até à sua completa execução.

Art. XXII. Permitir-se-á que o General em Chefe do exército francês mande um oficial à França com a notícia da presente Convenção. Enviar-se-á uma embarcação, fornecida pelo Almirante britânico [Charles Cotton], para levá-lo a Bordeaux ou a Rochefort. 

Art. XXIII. O Almirante britânico será solicitado a acomodar Sua Excelência o Comandante em Chefe e os outros oficiais principais do exército francês a bordo dos navios de guerra [britânicos].

Dado e concluído em Lisboa, a 28 de Agosto de 1808.


George Murray, Quartel-Mestre-General

Kellermann, General de Divisão





Artigos adicionais à Convenção de 28 de Agosto


Art. I. O Tenente Coronel Murray admite ter sido avisado que o artigo XVII tem em vista particularmente os súbditos de Sua Majestade Dinamarquesa [Frederick VI, sobrinho de George III da Grã-Bretanha], e considera que as estipulações de tal artigo serão aplicadas a eles em toda a sua extensão.

Art. II. Os indivíduos com cargos civis no exército [francês] que tenham sido aprisionados pelas tropas britânicas ou pelas portuguesas, em qualquer parte de Portugal, serão restituídos, como habitualmente, sem troca.

Art. III. O exército francês subsistirá através dos seus próprios provimentos até ao dia de embarque; as guarnições, até ao dia da evacuação das fortalezas. O resto dos provimentos será entregue, na forma usual, ao Governo britânico, que se encarrega da subsistência dos homens e cavalos do exército [francês], desde os períodos acima mencionados até à sua chegada à França, debaixo da condição de serem reembolsados pelo Governo francês pelo excesso da despesa em relação à estimativa, que será feita por ambas as partes a partir do valor dos provimentos entregues ao exército britânico.

Art. IV. O General Comandante das tropas britânicas tomará as medidas necessárias para se reestabelecer a livre circulação dos meios de subsistência entre o país e a capital.

Art. V. Se se achar necessário empregar embarcações dinamarquesas ou de qualquer outra nação para levar o exército francês, em assistência dos transportes britânicos, aquelas deixarão os portos da França, da mesma forma que estes últimos, assim que o desembarque se efectue. Tais embarcações não serão detidas na França por qualquer pretexto que seja, e desfrutarão da mesma vantagem estipulada para os navios ingleses, de regressarem a um porto amigável sem serem incomodadas.

Dado e concluído em Lisboa, a 28 de Agosto de 1808.


George Murray, Quartel-Mestre-General

Kellermann, General de Divisão




Nota: 

No dia 22 de Agosto, depois da derrota decisiva do exército francês na batalha contra o exército anglo-luso ocorrida no dia anterior, Junot enviou o General Kellermann ao Quartel-General britânico no Vimeiro para tentar pedir uma suspensão de armas. Esta foi concedida, através dum armistício temporário assinado nessa mesma tarde, com a condição de que, durante esse período, seria acordada uma convenção definitiva para o exército francês abandonar Portugal. Como a negociação desta convenção dependia do parecer do Almirante Charles Cotton, Comandante da frota britânica estacionada na barra do Tejo, foi enviado ao seu encontro o Tenente-Coronel George Murray, que ocupava o cargo de Quartel-Mestre-General do Estado-Maior do exército britânico, a fim de lhe comunicar o conteúdo do dito armistício. Charles Cotton negou-se a concordar com os termos de tal tratado, pelas precisas razões que expôs num ofício ao General Dalrymple datado de 23 de Agosto*

Na noite de 24 de Agosto, George Murray regressa ao Quartel-General britânico (que se transferira para o Ramalhal), onde comunicou ao General Dalrymple o resultado das suas conversações com Cotton. Na manhã seguinte, Dalrymple enviou Murray para Lisboa, para comunicar a Junot que o armistício tinha chegado ao fim (dentro do devido prazo de 48 horas, conforme o seu artigo IX), em virtude de Cotton se ter recusado a ratificar alguns artigos do dito acordo. No entanto, ao mesmo tempo, Dalrymple deu autorização a Murray para entrar em negociações sobre os restantes artigos, caso Junot concordasse, sendo em tal caso alargada a suspensão de armas para um prazo definitivo. Na noite de 26, chega ao Quartel-General britânico um oficial francês com cartas de Murray e de Junot, motivadas pela incompreensão de qual seria o anunciado prazo definitivo. Wellesley esclarece então Murray, através de uma carta, que o prazo seria alargado por mais 24 horas. 
Finalmente, no dia 28 de Agosto, é assinada em Lisboa a Convenção acima traduzida. Na manhã seguinte, regressava ao Quartel-General do exército britânico (ainda no Ramalhal) o Capitão Dalrymple (filho do próprio General em Chefe Dalrymple, e seu secretário militar), que tinha partido para Lisboa com George Murray, trazendo consigo uma cópia desta Convenção. Apesar de trazer o título de "Definitiva", esta Convenção não chegou a ser ratificada pelo General Dalrymple, em virtude das várias objecções apresentadas por um conselho militar composto por alguns dos Generais seus subordinados. Wellesley, presente nesta reunião, minutou as alterações que deveriam ser feitas à Convenção, cuja lista foi enviada imediatamente para George Murray, que permanecera em Lisboa. Apesar de tais alterações só poderem chegar à capital no dia seguinte, devido à distância do percurso, ao meio-dia do mesmo dia 29 de Agosto o Quartel-General britânico avançava para Torres Vedras, pois já tinha terminado o prazo definitivo da suspensão de armas. Entretanto, o exército francês recuara em direcção a Lisboa, e não voltaram a ocorrer novos confrontos.

Alterada em vários pontos (inclusive alguns que não tinham sido sugeridos previamente) em relação à primeira, a versão final da Convenção Definitiva, erroneamente conhecida como Convenção de Sintra, foi finalmente assinada (em Lisboa) por Murray e Kellermann no dia 30 de Agosto, sendo ratificada no mesmo dia por Junot. Na manhã seguinte, Murray chegou ao Quartel-General britânico (ainda em Torres Vedras), trazendo consigo uma cópia deste acordo. Dalrymple convocou imediatamente os Generais Harry Burrard, John Moore, John Hope e Mackenzie Fraser (Wellesley não esteve presente pois tinha entretanto avançado com parte das tropas britânica) e, na sua presença e com a aprovação de todos, ratificou a Convenção Definitiva, que, ao ser publicada na Inglaterra a 16 de Setembro, viria a provocar uma gigantesca onda de indignação por todo o país (pois parecia que tratava como vitorioso um exército que tinha sido humilhado em três distintas ocasiões, conforme se tinha publicado pouco antes, mais precisamente a 3 de Setembro), o que por sua vez viria a motivar que o Governo britânico mandasse regressar os principais envolvidos para prestarem contas acerca do sucedido.



* Repetimos que Dalrymple tinha sido nomeado General em Chefe das forças britânicas destinadas a operar na Península Ibérica (com o General Harry Burrard como segundo no comando), facto que lhe foi comunicado a 15 de Julho. Esta informação chegou a Gibraltar, praça que governava desde 1806, no dia 8 de Agosto (ao passo que Wellesley começara a desembarcar as suas forças em Lavos no dia 1 do mesmo mês), tendo Dalrymple partido cinco dias depois. No dia 19 alcançou a barra do Tejo, onde se comunicou com Charles Cotton (que ainda desconhecia que tinha ocorrido uma batalha na Roliça dois dias antes), e sendo então informado sobre a posição que era ocupada pelas tropas de Wellesley, partiu para a praia do Porto Novo (a oeste do Vimeiro), onde desembarcou na manhã do dia 22, sendo a sua chegada antecedida, na tarde anterior, pela de Sir Harry Burrard (que partira da Inglaterra). Conforme as ordens do Governo britânico, e devido a estas chegadas sucessivas, o comando do exército britânico passou por três distintas mãos em menos de 24 horas. Para cúmulo, Kellermann dirigiu-se ao Quartel-General britânico, como acima se mencionou, poucas horas depois da chegada de Dalrymple, General sem grande experiência em campanhas militares (o cargo de General em Chefe com que tinha sido incumbido era justificado sobretudo pela habilidade que revelara nas negociações que tinha travado, nos meses anteriores, com o General Castaños e com a Junta de Sevilha, não se podendo descurar algumas intrigas que ocorreram no seio do Governo britânico a este respeito, tal como foram reveladas no diário do General John Moore, terceiro no comando do mesmo exército). 

Diário do General John Moore (28 de Agosto de 1808)



Vimeiro, 28 de Agosto.


Cheguei à Ericeira na manhã do dia 24, onde encontrei o [navio] Alfred, comandado pelo Capitão Bligh, com alguns transportes fundeados. Através do Capitão Bligh fui informado que o exército [britânico] tinha marchado para a Batalha, a cerca de onze milhas dali, na estrada para Torres Vedras, e que os franceses tinham atacado o exército, no dia 21, no Vimeiro, onde foram completamente derrotados. Sir Harry Burrard desembarcou durante a acção, e Sir Hew Dalrymple chegou no dia seguinte.
Desembarquei e vi o General Brigadeiro Crauford, que tinha ficado para trás com a sua brigada quando o exército empreendeu a sua marcha dois dias depois da acção. Através dele recebi uma ordem de Sir Hew para desembarcar as tropas debaixo do meu comando e dirigir-me pessoalmente até ele, que estava ansioso por me ver. Um dia depois da acção do dia 21, veio o General Kellermann com uma bandeira de tréguas da parte do General Junot, com uma oferta para fazer um tratado, acordando-se então uma suspensão de armas.
Geralmente, a arrebentação desta costa é grande, por não haver parte alguma protegida dos ventos de oeste, e só ocasionalmente é que se pode fazer um desembarque. Deixei ordens com o General Fraser relativas ao desembarque das tropas, etc., quando o tempo o permitisse, e desembarquei no dia 25 com o General Hope, tendo dirigido-me com ele ao Quartel-General, onde cheguei na tarde. Fiquei triste por encontrar tudo na maior confusão, existindo um geral e grande descontentamento. Sir Hew, embora já tivesse sido anunciado ao exército [como General em Chefe do mesmo], ainda não tinha tomado o seu comando; muito continuava a ser feito por Sir Arthur Wellesley, e o que não era feito por ele pura e simplesmente não se fazia. A acção do dia 21 tinha sido bastante bem concluída; os franceses atacaram o nosso centro e esquerda e foram completamente derrotados. Supõe-se que a sua força seria entre 12.000 a 13.000 homens, enquanto que a nossa seria cerca de 17.000 ou 18.000. As nossas baixas alcançam o número de cerca de 800 mortos e feridos; supõe-se que os franceses perderam cerca de 2.000.
Sir Arthur tinha a intenção de persegui-los, em cujo caso creio que estaria em Lisboa no dia seguinte; mas Sir Harry Burrard não o permitiu. Da mesma forma, Sir Harry Burrard impediu-o de atacar os franceses no dia seguinte em Torres Vedras. As considerações de Sir Arthur eram extremamente correctas em ambas as ocasiões; não dependia de nós a opinião de se combater ou não. Junot tinha marchado de Lisboa com a determinação de nos atacar; a questão resumia-se a atacar ou a ser atacado. Depois do sucesso do Vimeiro não restam dúvidas que os franceses deviam ter sido perseguidos. Várias das nossas brigadas não entraram na acção; as nossas tropas estavam bastante animadas, e os franceses estavam tão abatidos que provavelmente teriam fugido. De vinte e três peças de canhão tomámos-lhes quinze.
Junot pedia a condição dos franceses não serem considerados prisioneiros de guerra e de embarcarem com armas e bagagens para a França. Estipulava-se algo sobre a frota russa no Tejo, mas tal foi recusado, porque não se admitiu que os franceses tivessem direito algum a negociar pelos russos. O nosso Almirante, Sir Charles Cotton, seria quem negociaria com o Almirante russo. Junot concordou com isto, e espero que as negociação terminarão favoravelmente. É evidente que se alguma operação for levada a cabo relativamente a este assunto, será miseravelmente conduzida, e que a Lista dos oficiais mais antigos do Exército é um mau guia para a escolha dum comandante militar. Parece que Sir Arthur Wellesley conduziu as suas operações com uma grande habilidade, e que estas foram coroadas com sucesso. É pena, quando tanto foi feito pelas suas mãos, que não se tenha permitido que ele o conclua, sendo até certo ponto absurda a conduta do Governo nesta ocasião. Referi, tanto a Sir Hew como a Sir Arthur, que não queria interferir; que se as hostilidades recomeçassem, Sir Arthur já tinha feito tanto, que julgava que seria justo que ele devia ter o comando até um brilhante final. Renunciei a todas pretensões da minha antiguidade. Considerei que esta expedição é sua. Ele deve ter o comando para o qual foi destacado. Pela parte que me toca, queria poder afastar-me de tudo isto; mas devo ajudar tanto quanto possa a bem do serviço, e, sem interferir com Sir Arthur, deverei tomar qualquer parte que me for atribuída. 

Carta do Bispo e Presidente da Junta Suprema do Porto ao General Arthur Wellesley (c. 28 de Agosto de 1808)





O Bispo do Porto estimaria muito que Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General Arthur Wellesley tomasse na sua prudentíssima consideração as reflexões seguintes, feitas sobre os preliminares da capitulação requerida pelos franceses


1.ª Que neste ajuste interviesse também pessoa representante por parte de Sua Alteza Real.


2.ª Que os franceses, evacuando Portugal, de modo nenhum passem para Espanha, em observância da liga ofensiva e defensiva feita entre as duas nações


3.ª Que os franceses, visto terem entrado em Portugal com dolo e usurpado com furto as propriedades portuguesas, não possam levar bagagens algumas que não sejam reconhecidas pelo Governo deste reino.


4.ª Que os portugueses e mais pessoas aderentes à nação francesa igualmente não possam levar consigo bens alguns que não sejam também reconhecidos e permitidos pelo mesmo Governo.


5.ª Que as naus russianas [sic] não possam também levar depósitos que tenham sido introduzidos pelos mesmos franceses.


6.ª Que as pessoas aderentes aos franceses, sejam quaisquer que forem, que se quiserem retirar com eles, sejam obrigadas a retirar-se no termo fixo de um mês, e que todos os que quiserem conservar-se, fiquem sujeitos ao conhecimento de suas condutas e procedimento, segundo as leis do reino, por ser muito prejudicial a toda a nação que entre ela se conservem impunemente traidores e aliados da nação francesa.

Carta do Bispo e Presidente da Junta Suprema do Porto a D. Domingos António de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal em Londres (28 de Agosto de 1808)



Porto, 28 de Agosto.


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Tenho a honra de receber os ofícios mais dignos e mais próprios do seu honrado e fidelíssimo coração, todo ocupado no serviço do nosso augusto Príncipe, não havendo negócio que não promovesse, nem advertência útil que não me fizesse. Eu aceito e agradeço todas, e me servirei de todas elas com o maior prazer.
Para o novo corpo recomendado por Vossa Excelência já tenho muitas recrutas que se estão disciplinando, na esperança de que chegarão brevemente os armamentos para elas. Aqui tenho tido repetidas conferências com o Brigadeiro-General Decken, que tenho por um alto político, e que se empenha muito na fortificação deste reino, sobre o que vai tomando instruções muito circunstanciadas.
Aqui têm aportado trinta e dois mil ingleses, como eles mesmo dizem. Já têm tido alguns combates com os franceses, nos quais têm vencido gloriosamente; as notícias que têm vindo individuais ainda não são certas nas suas circunstâncias, e este é o motivo por que não mando uma narração oficial. O que é indubitável é que eles têm vencido sempre, e que têm atacado o inimigo com um valor incrível. 
Mas finalmente os franceses requereram capitulação, e os ingleses anuíram e estabeleceram os artigos preliminares de que ofereço a cópia, nos quais a Junta deste Supremo Governo faz alguns reparos:

1.ª Não intervir naquele congresso o nosso General [Bernardim Freire de Andrade], e somente lhe foram participados depois de feitos.

2.º Não ser considerado de modo algum este mesmo Governo represente de Sua Alteza.

3.º Não se declarar por onde há de sair o exército francês, sendo certo que, suposta a liga ofensiva e defensiva que temos feito com a Galiza, não deveremos consentir em que vão daqui para Espanha doze mil inimigos armados, quando evacuarem o reino. 

4.º A demarcação mencionada para os franceses e para os dois exércitos combinados [britânico e português] fará retroceder parte das nossas forças, como é o exército de observação comandado por Bacelar, que se acha em Santarém, vindo a ficar muito mais longe de Lisboa, o que não convém.

Ultimamente se vê que se dispõe das propriedades portuguesas, que os franceses poderão levar, que poderão estar dentro das naus russianas [sic], e que poderão levar depois os agregados aos franceses. Nesta consideração lembra-se esta Junta de fazer os seus ofícios ao General inglês, e bem sinto não me poder aproveitar do conselho de Vossa Excelência. E enfim, esta batalha é por muitos modos e as forças são muito poucas. 
Nosso Senhor me ajude e guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Porto, 28 de Agosto de 1808.

De vossa Excelência,
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Domingos de Sousa Coutinho,
amigo muito obsequioso e obrigado,

Bispo, Presidente Governador.

P.S.: Lembrando-me da recomendação de Vossa Excelência a respeito da esquadra russa, a fim de se evitar alguma represália, dirigi o ofício incluso ao Chefe da dita esquadra, e o mando primeiro participar ao General inglês [Dalrymple] para que ele conhecesse as nossa intenções a este respeito.


Carta do Brigadeiro-General Frederick von Decken ao General Hew Dalrymple, Comandante do Exército britânico em Portugal (28 de Agosto de 1808)





Porto, 28 de Agosto de 1808


Senhor:

Vossa Excelência terá recebido as minhas cartas secretas dos passados dias 18 e 22, relativas ao governo temporário deste reino. Nos últimos dias, Sua Excelência o Bispo do Porto recebeu deputados da província do Alentejo; o Reino do Algarve e parte da Estremadura, nomeadamente a cidade de Leiria, também se submeteram à sua autoridade; e talvez se possa assim dizer que todo o reino de Portugal reconheceu a autoridade do Governo temporário, encabeçado pelo Bispo do Porto, à excepção da cidade de Lisboa ou da vila de Setúbal. Mesmo que o facto destas localidades não terem ainda reconhecido a autoridade do Governo temporário talvez possa ser explicado pela posse das mesmas pelos franceses, ainda assim o Bispo está convencido que os habitantes de Lisboa recusarão submeter-se ao Governo temporário do Porto, em cuja obstinação serão fortemente sustentados pelos membros da antiga Regência estabelecida pelo Príncipe Regente, que, obviamente, estarão bastante ansiosos em reassumir o seu antigo poder.
O Bispo, ao ter assumido o Governo temporário, obedeceu apenas aos votos do povo; ele tinha a certeza de que esta era a única forma de salvar o país; contudo, como não teve interesses pessoais, está disposto a abdicar da autoridade, a qual aceitou com relutância, assim que esteja convencido de que o poderá fazer sem prejudicar a causa do seu Soberano, e sem lançar o país na confusão. 
Tudo indica que os habitantes das três províncias do norte de Portugal não irão permitir que o Bispo abdique do Governo e se submeta à antiga Regência; eles estão orgulhosos de terem sido os primeiros a tomar as armas, e em considerarem-se como os libertadores e salvadores do seu país. E como os habitantes de Lisboa não estarão nada inclinados a se submeterem ao Governo temporário do Porto, seguir-se-á naturalmente uma divisão das províncias, que provocará uma comoção interna, se tal não for amparado por Vossa Excelência.
Pareceu-me que a melhor maneira de reconciliar estes partidos opostos seria através dum esforço para unir o presente Governo do Porto com aqueles membros da antiga Regência que, pela sua conduta, não tenham perdido a confiança do povo. E tendo exposto a minha ideia ao Bispo, deu-me ele como resposta que não iria opor-se a isto, se tal fosse proposto por vós. Assim, tomei a liberdade de sugerir que a dificuldade acima mencionada seria em grande parte removida, se Vossa Excelência concordar, que, depois de Lisboa se render, e até que a vontade do Príncipe Regente seja conhecida, ireis considerar o Governo temporário estabelecido no Porto como o Governo legítimo, com a adição de quatro membros da antiga Regência, que me foram indicados pelo Bispo como aqueles que se comportaram fielmente com o seu soberano e país, a saber:

                    D. FRANCISCO NORONHA
                    FRANCISCO DA CUNHA
                    O MONTEIRO MOR, e
                    O PRINCIPAL CASTRO

Estes membros seriam colocados à cabeça das diferentes secretarias, e o Bispo seria considerado como o Presidente, cujas ordens seriam seguidas por eles; este plano contaria com poucas dificuldades, pois o Presidente da antiga Regência, nomeado pelo Príncipe Regente, abandonou Portugal, encontrando-se agora em França.
A circunstância de Lisboa encontrar-se actualmente num estado de grande confusão fornecerá uma justa pretensão para fixar urgentemente o assento do Governo temporário no Porto, para cujo lugar os senhores acima mencionados deverão dirigir-se sem perda de tempo, para apresentarem-se pessoalmente ao Bispo. 
Independentemente das razões que tive a honra de expor a Vossa Excelência na minha carta do passado dia 22, sobre a impossibilidade do Bispo deixar o Porto, devo pedir licença para acrescentar que, por aquilo que percebo, a maior parte dos habitantes de Lisboa estão conformados aos interesses dos franceses, e que por isso será necessário que uma guarnição de tropas britânicas mantenha a cidade em ordem. O Bispo do Porto, apesar de estar convencido da necessidade de se considerar actualmente Lisboa como uma posição militar e o sítio onde deverá estar um Comandante e uma guarnição britânica, ainda assim, ansioso com os sentimentos dos habitantes possam ser o menos ofendidos possível, deseja que concordeis em também pôr algumas tropas portuguesas na guarnição de Lisboa, juntamente com um Comandante português, que, apesar de ficar completamente debaixo das ordens do Governo britânico, poderá ordenar a polícia naquela cidade, ou pelo menos serem encarregadas de fazer executar aquelas ordens que possam receber do Governador britânico que as encabeça.
Se Vossa Excelência concordar em aprovar esta proposta, o Bispo pensa que sendo o Brigadeiro António [sic] Pinto Bacelar o Oficial mais próspero entre aqueles que actualmente se encontram no Exército português, deverá o mesmo dirigir-se para Lisboa e ser ordenado para organizar a força militar da província da Estremadura. O Bispo está plenamente convencido de que o Governo temporário do país não poderá continuar a existir sem o suporte das tropas britânicas; e espera que o nosso Governo deixe um corpo de 6.000 homens em Portugal depois que os franceses sejam subjugados, até que as tropas portuguesas possam ser suficientemente organizadas e disciplinadas para serem capazes de proteger o seu próprio Governo.
Tenho a honra de ser, etc., etc.

Brigadeiro General