sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Carta de Manuel Ferreira Sarmento ao General Bernardim Freire de Andrade (2 de Setembro de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 



Esta noite passada, pela meia para uma hora, o General Murray recebeu ordem para se pôr em marcha com a sua Divisão para Mafra, onde devemos ficar hoje, e sairmos amanhã pelas 6 horas para Sintra, para onde se avançou hoje pelas 6 horas da manhã a coluna que vem de Torres Vedras; e tinha acampado também na nossa retaguarda. 
Como nós esperávamos defronte da porta da tapada que a coluna de Torres passa-se para nós irmos na sua retaguarda, teve o General Murray ocasião de falar com o General dos postos avançados, o qual lhe disse alguma coisa a respeito da Capitulação. Sobre o artigo relativamente à Esquadra russa, nada se lhe admitiu. Os franceses sairão com a sua bagagem militar tão somente; não devem levar pinturas ou estátuas que pertençam a qualquer indivíduo do país; enfim, fica-nos o direito de poder examinar toda a sua bagagem. Queria Junot que a sua tropa só embarcasse em 3 Divisões, e que ele entregaria a Torre de S. Julião depois que a primeira estivesse embarcada, a outra [fortificação] que se lhe segue, depois da segunda, etc. Não estiveram por esta proposição, de maneira que hoje se entregaram as Torres [=fortificações]. Exigiu-se que eles dessem uma conta exacta do dinheiro da contribuição, responderam que como o país tinha sido conquistado, eles podiam pedir aquela para despesas do Exército, e que nelas o tinham despendido todo. Tratou-se também de que dessem conta da prata das igrejas, que isto tinha sido roubo, e não contribuição; porém Junot rogou que este artigo não fosse público, porque dalgum modo era chamar-lhes ladrões. O General disse-me que por ora era o que sabia. 
Mafra, 2 de Setembro de 1808.

De Vossa Excelência criado muito fiel e obrigadíssimo,
Manuel Ferreira Sarmento.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 196 (doc. 66)].

Carta do Vice-Almirante russo Séniavin ao Almirante britânico Charles Cotton (2 de Setembro de 1808)



Lisboa, a bordo do Tuerdoi, 21 de Agosto - 2 de Setembro de 1808*.


Senhor Almirante: 

Em aditamento à minha carta oficial relativa à convenção que vós me propusestes, tenho a honra de vos representar as circunstâncias que me prometiam toda a segurança neste porto de Lisboa. 
A esquadra russa debaixo das minha ordens entrou no Tejo obrigada da mais violenta tempestade, nos princípios do mês de Novembro passado, para buscar refúgio e para se reparar num porto amigo e aliado. Sua Alteza Real o Príncipe Regente dispensou a favor desta esquadra, na restrição que as leis e os tratados punham à entrada simultânea no porto de Lisboa de mais de seis navios de guerra de uma mesma nação; e Sua Alteza Real, manifestando-me a mim e à oficialidade da esquadra da maneira a mais solene os seus sentimentos para com o seu amigo e aliado o Imperador da Rússia, prometeu à sua esquadra todos os socorros que lhe pudesse fornecer o porto da capital. 
A ausência de Sua Alteza, a ocupação de Portugal e do porto de Lisboa pelos exércitos franceses, não mudam a situação em que deve ser considerada a esquadra russa, desde o momento em que a bandeira portuguesa for de novo arvorada em Lisboa, como ela já se acha arvorada em algumas províncias de Portugal. 
Ainda quando a situação das coisas e negociações entre a Rússia e a Inglaterra seja tal que o Comandante da frota de Sua Majestade Britânica julgue, segundo as suas instruções, que não pode deixar voltar para o Báltico a esquadra russa que está no Tejo, daí não se segue que ela deva ser inquietada no porto de um príncipe amigo do seu Soberano. 
A minha conduta durante uma estada de dez meses em Lisboa, a minha constante recusação em não tomar a menor parte nas medidas hostis que me propuseram, particularmente no dia 12-24 de Agosto passado*, quando o General Kellermann veio a meu bordo, da parte do General em Chefe Junot, para me obrigar a cooperar com as tropas francesas na ocupação dos fortes e defesa de Lisboa; todos estes motivos deviam manter-me na firme persuasão em que estou, que V.ª Ex.ª atenderá às circunstâncias acima mencionadas, e que a neutralidade que me pertence será guardada à minha esquadra enquanto ela estiver no Tejo. 
Tenho a honra de ser, etc. 

De Séniavin 

_______________________________________________________________

Nota: 

* Sobre as duas diferentes datas ver a explicação dada numa nota a uma anterior carta do mesmo remetente ao mesmo destinatário.

Carta do Vice-Almirante russo Séniavin ao Almirante britânico Charles Cotton (2 de Setembro de 1808)



Tuerdoi, em Lisboa, 21 de Agosto - 2 de Setembro de 1808*.


Senhor Almirante: 

Pelas instruções datadas de 17-29 do mês passado, que destes ao Capitão L. W. Halsted, e de que ele me deixou ontem cópia, vejo, com grande mágoa, e não sem admiração, que vós não podeis considerar como neutro o porto de Lisboa, nem na situação actual, nem depois que as tropas francesas o tiverem evacuado; mas vejo ao mesmo tempo, com satisfação, as considerações que vós expondes, e que me fariam esperar igualmente que as relações de paz e amizade entre a minha nação e a vossa poderiam bem depressa ser reestabelecidas, se não fossem acompanhadas de dois artigos que dizem respeito à esquadra do meu Augustíssimo Soberano, e pelos quais vós me propondes: 

1. Que eu vos entregue esta esquadra, com todo o seu aparelho e munições, no estado em que ela se acha, a fim de que ela seja enviada à Inglaterra, para ser lá guardada, como em depósito, para depois ser reentregue a Sua Majestade o Imperador [russo], dentro em seis meses, depois da conclusão da paz; e que nós seremos transportados em navios de guerra ou outros vasos convenientes à custa de Sua Majestade Britânica. 
2. Que eu, com todos os oficiais, marinheiros e gente de embarque debaixo das minhas ordens, voltemos para a Rússia sem nenhuma condição nem estipulação relativamente ao nosso serviço futuro, e que nós seremos transportados para ali por navios de guerra ou outros vasos convenientes, à custa de Sua Majestade Britânica. 

O Capitão Halsted me declarou ao mesmo tempo, da vossa parte, que a bandeira de Sua Majestade Imperial [russa] ficaria arvorada e não se arrearia antes de que os capitães e equipagem deixassem os seus respectivos vasos. Sensível, portanto, a todas as considerações e sentimentos expostos de vossa parte, e guiado pelos princípios de honra e de lealdade, assim como pelo zelo o mais inviolável pelos interesses do serviço do meu Augustíssimo Soberano, consinto em aceder às vossas proposições, por uma convenção formal, com a condição, porém, que esta convenção não será nem poderá ser valiosa, senão no caso de que a bandeira inglesa seja arvorada nas fortalezas, e que o porto de Lisboa seja reconhecido como um porto pertencente a Sua Majestade Britânica. 
Em consequência do que autorizo de minha parte ao Capitão de 1.ª classe Schettinge, e ao Secretário da Legação de Sass, que terão a honra de vos entregar esta [carta], para que possam tratar sobre os artigos da convenção, cuja ratificação, em devida forma e em duas cópias, será assinada por Vossa Excelência e por mim. 
Tenho a honra de ser, etc. 

De Séniavin


_______________________________________________________________

Nota: 

* Sobre as duas diferentes datas ver a explicação dada numa nota a uma anterior carta do mesmo remetente ao mesmo destinatário.

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (2 de Setembro de 1808)




Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 

Em data do primeiro do corrente participei a Vossa Excelência a comunicação que se me havia feito, por parte do General em Chefe do Exército inglês, do Armistício ajustado entre o dito Exército e o francês, assim como dos passos que havia dado para obstar, quanto podia, a que dele resultassem os funestos efeitos que receava, e sobretudo a que faltassem à contemplação devido ao Governo [do Porto] e a este Exército; tendo porém sempre em vista conservar a boa harmonia que as nossas circunstâncias e o interesse pela causa comum pedem que tenhamos com estes aliados. Pelo modo por que o General em Chefe tratou o Major Aires Pinto de Sousa, e pelas explicações que teve com ele, e pelo que se espalhou aqui durante alguns dias, julguei que se romperia o dito Armistício, e que prosseguiriam as operações, e foi por este caso mesmo que, de acordo com o dito General em Chefe, eu marchei para aqui no dia 29 de Agosto, e que se expediram as ordens para que o Brigadeiro Bacelar, que já se achava em Santarém, se adiantasse para as vilas de Ribatejo, como será constante a Vossa Excelência pelas cópias n.º 1. Ontem recebi pelo Major Aires Pinto de Sousa a participação que consta das cópias n.º 2, assim como do ofício que o mesmo Major dirigiu ao General em Chefe, n.º 3. E tendo-se-me pedido que me demorasse aqui no dia 31 de Agosto, e insinuado que a Brigada alemã obraria de acordo comigo, recebeu ordem esta Brigada para passar a Mafra, entretanto que não recebi comunicação alguma que me instruísse acerca do meu destino, nem mesmo recebesse ainda cópia da dita Convenção, nestas circunstâncias julguei do meu dever convocar os Oficiais Superiores deste Exército para os consultar sobre as medidas que parecia conveniente adoptar para conservar a Dignidade Nacional, comprometida sensivelmente por este procedimento. O resultado deste Conselho é o que tenho a honra de levar à presença de Vossa Excelência, rogando-lhe [que] queira pôr tudo na presença da Junta Suprema do Governo [do Porto], a fim de que me possam determinar o que deverei obrar nos diferentes casos que se podem oferecer em tão delicadas circunstâncias: 

1.º Se o General inglês não responder às explicações que se lhe pedem, que deveremos nós fazer?
2.º Se o General inglês (o que não é natural) se prestar a não embaraçar as nossas operações separadas, se com efeito as devemos empreender?
3.º Se o General inglês quiser (como é natural) sustentar a Capitulação, e opor-se às nossas operações, que devemos nós fazer?
4.º Se os corpos do Alentejo continuarem a obrar apesar da Capitulação, se devemos nós em todo o caso obrar com eles?


Juntamente tenho de remeter a Vossa Excelência a carta inclusa que o mesmo General em Chefe inglês dirige a Vossa Excelência, e que talvez, aclarando mais as circunstâncias particulares deste negócio, possam facilitar a decisão da Junta Suprema, que solicito com a brevidade indispensável.
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.

Bernardim Freire de Andrada [sic].


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 22-23 (incluída no doc. 69)].

Carta do General Dalrymple ao General Bernardim Freire de Andrade (2 de Setembro 1808)



Quartel-General, Sintra, 2 de Setembro de 1808.


Senhor: 

Tive a honra de transmitir a Vossa Excelência, no dia 23 do mês passado, os vários artigos acordados como base de uma Convenção para a evacuação de Portugal pelo exército francês; e agora incluo uma cópia da própria Convenção, tal como foi ratificada pelo General em Chefe francês. Recebi o original deste papel anteontem, bem cedo; mas como o General francês não tinha inscrito, acidentalmente, a sua assinatura na própria Convenção (pondo-a somente no fim dos artigos adicionais), fui obrigado a enviá-la de volta, a fim de rectificar esse erro, o que me impediu de poder transmitir-vos a inclusa cópia autenticada tão cedo quanto desejava; contudo, não perdi tempo em dizer ao Coronel Murray para que comunicasse confidencialmente a substância de tudo ao Major Aires Pinto de Sousa, o qual, sem dúvida, não perdeu tempo em comunicar o mesmo a Vossa Excelência. Estou ansioso para receber uma comunicação de Vossa Excelência, tal como a participação da posição que queirais que o exército português ocupe até ao embarque das tropas francesas; e agora existem muitos detalhes de importância que devem ser ajustados, sobre os quais desejarei conferir com Vossa Excelência, quando vos for conveniente. 
Tenho a honra de ser com sentimentos do mais alto respeito e consideração, o mais obediente e mais humilde servidor de Vossa Excelência.

Hew Dalrymple

Fonte: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 203 (doc. 103); Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, pp. 308-309. Este texto foi publicado em português no Correio Braziliense, Londres, Maio de 1809, pp. 428-429Existe ainda outra transcrição do texto original em inglês, bem como uma tradução diferente em português, in Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 6 (doc. 63)].

________________________________________________________________

Nota:

Ainda que datada de 2 de Setembro, esta carta foi na verdade composta (ou pelo menos enviada) somente no dia seguinte, chegando finalmente às mãos de Bernardim Freire de Andrade a 4 de Setembro.

Carta do General Dalrymple ao Major Aires Pinto de Sousa (2 de Setembro 1808)



Quartel-General, Sintra, 2 de Setembro de 1808.


Senhor: 

Em resposta à vossa carta datada de ontem, com a qual acabo de ser honrado, tomo a liberdade de recordar-vos que no dia 23 do mês passado enviei ao General Bernardim Freire uma cópia dos artigos do Acordo para uma suspensão de hostilidades entre os exércitos hostis, que serviriam como base para uma proposta Convenção para a evacuação de Portugal pelo exército francês. Em resposta à carta que anunciava estes artigos do Acordo, o General podia, como seria normal, ter feito quaisquer observações, ou recomendar quaisquer estipulações que julgasse apropriadas; e estou certo que vós me fareis a justiça de assegurar ao General, e ao Governo português (se necessário), que eu vos aconselhei e até vos instei para que o recomendásseis a Sua Excelência, a fim de obsequiar-me plenamente as suas opiniões sobre o assunto, enquanto as negociações estavam em curso. Como os meus desejos sobre este ponto nunca foram satisfeitos, e como nunca recebi uma palavra dos comentários do General Freire em relação à base em que se funda a presente Convenção, espero que serei escusado de declarar alguma surpresa que tive perante esta reclamação tardia sobre os termos fixados e concordados, nos quais está comprometida a honra dos Comandantes do exército e frota britânica, em tanto quanto se pode supor que se estende a sua influência e poder, segundo as comuns e conhecidas leis da guerra

Hew Dalrymple.

[Fonte: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 202 (doc. 100)Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, pp. 307-308. Foi publicada uma tradução em português no Correio Braziliense, Londres, Maio de 1809, pp. 427-428. Existe ainda uma outra tradução, disponível in Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 18 (doc. 64)].

Carta do General Bernardim Freire de Andrade a Dalrymple (2 de Setembro de 1808)






Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:


Consta-me que os franceses estão praticando em Lisboa uma espécie de saque sobre os Cofres públicos, o Museu e Biblioteca, as Igrejas, os Arsenais, e casas particulares. É do meu dever participar a Vossa Excelência a notícia deste procedimento, para dar as providências que lhe parecer.
Deus guarde Vossa Excelência.
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.

Bernardim Freire de Andrade

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 21 (doc. 68). Este documento foi publicado originalmente em inglês, in Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 204 (doc. 104)].

Carta do General Bernardim Freire de Andrade a Dalrymple (2 de Setembro de 1808)





Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:


Tendo-me constado pelo Major Aires Pinto de Sousa a comunicação confidencial dos artigos da Capitulação entre os Exércitos britânico e francês, que se diz assinados e de que ainda não recebi [a] cópia oficial que [o dito Major] deve esperar; e sabendo pela mesma via que aqueles artigos não diferem substancialmente dos ajustados no Armistício, sobre os quais ele apresentou a Vossa Excelência, de ordem minha, verbalmente e por escrito, algumas observações tendentes a salvar a honra, dignidade e interesses da nação portuguesa; é do meu dever declarar a Vossa Excelência que não sendo eu ouvido para esta negociação, em que suponho de algum modo comprometido este país, eu me reputo livre de toda a responsabilidade que se me possa imputar a este respeito. 
Não permitindo a situação em se acha este Exército fixar-me aqui por todo o tempo necessário para a conclusão deste negócio, e vendo adiantar as Colunas inglesas, sem que se me comuniquem os seus movimentos ou se me indique a cooperação que se me tinha anunciado para a entrada na capital, devo pretender de Vossa Excelência uma explicação a este respeito, para meu governo*.
Observarei mais a Vossa Excelência que nesta Capitulação não são também contempladas nem as tropas que comanda o Monteiro-mor do Reino e que se acham no Alentejo, nem o Exército espanhol que na mesma província marcha sobre o Tejo, como Vossa Excelência verá da carta que remeto do seu General D. José Galluzo, e que vem auxiliar este Reino, talvez no desígnio de libertar os prisioneiros que ainda existem em poder do Exército francês.
Deus guarde Vossa Excelência.
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.


Bernardim Freire d'Andrada


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 24 (incluída no doc. 69). Originalmente este documento foi publicado em inglês, in Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 203 (doc. 102)].

_________________________________________________________________

Nota:

* Existem duas versões desta carta, ambas publicadas originalmente em 1931, no citado 2.º volume do Boletim do Arquivo Histórico Militar (docs. n.º 62 e n.º 69). É possível que a primeira versão (que não transcrevemos) seja a minuta apresentada no Conselho Militar reunido a 2 de Setembro de 1808. A segunda versão (acima transcrita) parece ter sido a que realmente foi recebida por Dalrymple, pois é dela que deriva a tradução fiel que foi publicada logo em 1809, na citada obra Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention. Devemos assinalar que ambas as versões pouco diferem entre si, exceptuando a alteração significativa (e mais moderada) do trecho acima sublinhado, que na primeira versão ia como se segue:
"parece-me conveniente tomar a posição de Alenquer e outras povoações da margem do Tejo, porque, ficando em igual distância da capital, posso ali mais comodamente esperar a decisão da Junta do Supremo Governo Provisório da cidade do Porto, a quem refiro tudo o que este respeito se tem passado, e de quem espero instruções". 

Carta do General Bernardim Freire de Andrade a Dalrymple (2 de Setembro de 1808)





Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:


Tenho deixado, na conformidade das insinuações de Vossa Excelência, algumas pequenas forças para conter a guarnição de Peniche, e havendo recomendado aos Oficiais que ali se achavam que fizessem as aparências necessárias para impor ao inimigo, e mesmo que se aproveitassem (na suposição de que o Armistício se romperia) do susto em que se achava aquela guarnição, para a obrigar a capitular, recebi ontem notícias destes Oficiais que a dita guarnição estava disposta a fazê-lo, julgando ser atacados por forças mais superiores; contudo, pela comunicação que me fez o Major Aires Pinto sobre a assinatura da Capitulação concluída por Vossa Excelência, mandei suspender a continuação desta negociação [=capitulação da praça-forte de Peniche], perdendo sem dúvida por isso a ocasião de me apoderar de 300 ou 400 homens de que se compõe aquela guarnição.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.


De Vossa Excelência [o] mais reverente e obrigado servidor,


Bernardim Freire de Andrade

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 21 (doc. 67). Originalmente, este documento foi publicado em inglês, in Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, pp. 202-203 (doc. 101)].

Voto do Coronel Francisco da Silveira Pinto da Fonseca sobre a Convenção definitiva de 30 de Agosto (2 de Setembro de 1808)



O meu voto [é] de que não se aceite a Capitulação como ofensiva, que se pergunte ao General em Chefe britânico se se opõem as operações do Exército português, obrando este contra os franceses; se a resposta for de que sim, nada há a fazer do que ceder à força, até novas ordens; e sendo de que não obsta, o Excelentíssimo General em Chefe pode obrar sem novas ordens, visto ser necessário acudir ao saque de Lisboa, que já ontem principiou, e ser toda a demora de muito dano.
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.



[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 22 (incluído no doc. 69)].


_____________________________________________________________

Nota: 


Para melhor contextualização deste documento, veja-se o assento do Conselho Militar de 2 de Setembro de 1808.

Assento do Conselho do Exército português sobre a Convenção definitiva de 30 de Agosto (2 de Setembro de 1808)


O General Bernardim Freire de Andrade, constando-lhe que, apesar das observações que fez ao General em Chefe do Exército inglês sobre os artigos que lhe comunicou do Armistício concluído entre o General Wellesley e o General francês Kellermann, se ajustou definitivamente uma Capitulação entre os dois Exércitos, que ainda não lhe foi oficialmente comunicada, porém que confidencialmente se patenteou ao Major Aires Pinto de Sousa, que ele tinha autorizado para tratar destes assuntos com o dito General; e sabendo [através do dito Major] que a dita Convenção não difere na substância dos artigos anunciados no sobredito Armistício; parecendo-lhe que neles não se tem a contemplação devida com este Exército, com o Governo Supremo [do Porto] e com a Nação; e conhecendo por uma parte que uma tal Capitulação é prejudicial aos interesses da Nação, atentatória à Autoridade Soberana do Príncipe Regente, e pouco decorosa para o Exército, a quem não se contempla; mas reconhecendo também ao mesmo tempo os inconvenientes que resultariam não só para a causa pública deste Reino, mas até aos da Europa interessada principalmente em se libertar do jugo da França, se ele, General [Bernardim Freire], obrasse de algum modo que transtornasse as medidas que a Inglaterra pode ter escolhido para obter um fim tão importante: Assentou de consultar com os Oficiais Chefes das diferentes Armas [infantaria, cavalaria e artilharia] do Exército do seu comando os interesses da Nação, sem todavia comprometer o Governo e o Exército por medidas de rotura que a todos os respeitos pareciam impraticáveis; e à excepção do voto que vai em separado do Coronel Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, por todos os outros votos se acordou: Que se escrevesse ao General Dalrymple, Comandante em Chefe do Exército britânico, a carta junta por cópia, participando imediatamente à Junta do Governo Supremo do Porto este assento com a exposição dos factos que o motivaram, para dela receber as instruções e ordens para a continuação das operações do Exército. 
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.

Bernardim Freire d'Andrada.
D. Miguel Pereira Forjaz.
Nuno Freire d'Andrada.
Francisco da Silveira Pinto da Fonseca.
António de Lacerda Pinto da Silvera.
Aires Pinto de Sousa.
Luís Guedes de Carvalho.
Filipe de Sousa Canavarro.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 21-22 (doc. 69)].

Carta do General Dalrymple ao General Junot (2 de Setembro de 1808)





A Sua Excelência o General em Chefe do Exército francês em Portugal 




Senhor:


Tive a honra de receber a carta de Vossa Excelência através do Tenente-Coronel Lord Proby, que regressa a Lisboa como Comissário para levar a cabo a execução dos diversos artigos da Convenção.
Tenho a honra de ser, com a mais alta consideração,
O mais obediente e humilde servidor de Vossa Excelência,


Hew Dalrymple,
Tenente-General.


Quartel-General, Bandalhoeira [?], 2 de Setembro de 1808.



Resposta do Rei George III aos avisos de Lord Castlereagh (2 de Setembro de 1808)


Windsor Castle, 2 de Setembro.


O Rei recebeu com grande satisfação os ofícios que Lord Castlereagh lhe enviou da parte de Sir Harry Burrard e Sir Arthur Wellesley, com as notícias de duas acções bem sucedidas travadas em Portugal, que são tão honráveis para os oficiais e para as tropas que estiveram envolvidas. Sua Majestade considera tais acções como um início muito feliz, e confia que o serviço será concluído da mesma maneira. O Rei aprova o que foi sugerido na carta de Lord Castlereagh sobre a aplicação posterior da força à disposição aqui reunida e em Portugal, quando aquele Reino estiver limpo do inimigo, e das instruções que em consequência foram preparadas para Sir Hew Dalrymple.

[Fonte: A. Aspinall (ed.), The Later Correspondence of George III - Volume Five (1808-1810), London, Cambridge University Press, 1970, p. 119 (doc. n.º 3711)].

Carta do Major-General John Murray ao General Bernardim Freire de Andrade (2 de Setembro de 1808)


Durante a noite, meu General, recebi ordem para marchar e seguir a coluna que vem de Torres Vedras; creio que marchamos pelo lado de Sintra.
Como tive a honra de anunciar a Vossa Excelência, encontrámos franceses em Mafra, mas eles retiraram-se às duas horas. Essa ordem de marcha é a única comunicação que tive com o Quartel-General. Hoje verei o nosso General em Chefe [Dalrymple], e espero ter notícias mais importantes para vos comunicar. 
Até então.
Tenho a honra de ser, meu General, vosso servidor muito obediente.
2 de Setembro de 1808.


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 19 (doc. 65)].

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (1 de Setembro de 1808)


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Neste momento venho de receber a notícia que consta da carta que remeto inclusa, que é sem dúvida bem extraordinária, depois das diligências que eu tinha procurado fazer para que este tão grave negócio fosse tratado com mais vantagens nossas; porque como não se atendesse senão ao fim que os ingleses principalmente se propunham, conseguido este, tudo o mais pospuseram; a única utilidade que dele retiramos é a expulsão das tropas francesas, mas quantos franceses não ficarão entre nós debaixo da protecção de Inglaterra! Logo que os artigos me forem comunicados oficialmente, mando fazer uso da Protestação que pára na mão de Aires Pinto, e depois sucederá o que suceder. Bem desejava eu poder com mais brevidade consultar a Vossa Excelência; mas a distância é tal que não permite este recurso. Entretanto, eu teria muita necessidade de novas instruções para o caso presente, que me parece delicado demasiadamente para mim; não sei que partido tomar; lembra-me passar a Ribatejo, e unindo-me com as tropas de Bacelar, esperar as ordens de Vossa Excelência, mas também me ocorre que mesmo por política não devo deixar entrar os ingleses em Lisboa sem serem por mim acompanhados. Enfim, instrua-me Vossa Excelência com a brevidade que preciso. Creia Vossa Excelência que ver-se cada um julgar assim, sem ser ouvido, não poder resistir, não lhe permitirem as circunstâncias mais que protestos, é coisa bem triste. Dê-me Vossa Excelência as suas ordens, com que muito alegrará quem se confessa e reconhece [o] mais obsequioso amigo e respeitoso criado.

Bernardim Freire d'Andrade [sic].

Quartel-General da Encarnação, 1.º de Setembro de 1808, pelas 2 horas da madrugada.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 5 (doc. 61)].