sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Carta de Manuel Ferreira Sarmento ao General Bernardim Freire de Andrade (2 de Setembro de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 



Esta noite passada, pela meia para uma hora, o General Murray recebeu ordem para se pôr em marcha com a sua Divisão para Mafra, onde devemos ficar hoje, e sairmos amanhã pelas 6 horas para Sintra, para onde se avançou hoje pelas 6 horas da manhã a coluna que vem de Torres Vedras; e tinha acampado também na nossa retaguarda. 
Como nós esperávamos defronte da porta da tapada que a coluna de Torres passa-se para nós irmos na sua retaguarda, teve o General Murray ocasião de falar com o General dos postos avançados, o qual lhe disse alguma coisa a respeito da Capitulação. Sobre o artigo relativamente à Esquadra russa, nada se lhe admitiu. Os franceses sairão com a sua bagagem militar tão somente; não devem levar pinturas ou estátuas que pertençam a qualquer indivíduo do país; enfim, fica-nos o direito de poder examinar toda a sua bagagem. Queria Junot que a sua tropa só embarcasse em 3 Divisões, e que ele entregaria a Torre de S. Julião depois que a primeira estivesse embarcada, a outra [fortificação] que se lhe segue, depois da segunda, etc. Não estiveram por esta proposição, de maneira que hoje se entregaram as Torres [=fortificações]. Exigiu-se que eles dessem uma conta exacta do dinheiro da contribuição, responderam que como o país tinha sido conquistado, eles podiam pedir aquela para despesas do Exército, e que nelas o tinham despendido todo. Tratou-se também de que dessem conta da prata das igrejas, que isto tinha sido roubo, e não contribuição; porém Junot rogou que este artigo não fosse público, porque dalgum modo era chamar-lhes ladrões. O General disse-me que por ora era o que sabia. 
Mafra, 2 de Setembro de 1808.

De Vossa Excelência criado muito fiel e obrigadíssimo,
Manuel Ferreira Sarmento.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 196 (doc. 66)].