quarta-feira, 27 de abril de 2011

Decreto de Junot sobre a deserção (27 de Abril de 1808)


O General em Chefe do Exército de Portugal, informado que um grande número de soldados portugueses tem abandonado as suas bandeiras, deixando-se seduzir por malévolos e por boatos mentirosos a respeito do destino dos Regimentos portugueses que deveram marchar para Espanha; considerando quanto é importante à tranquilidade pública e ao próprio interesse daquelas vítimas do erro e da ignorância, o impedir que não se entreguem aos excessos de roubar, por lhes faltar os meios de subsistência, e por temor do castigo justamente merecido; persuadido que não é por cobardia, mas sim por ignorância e seduzidos pela malquerença que estes soldados abandonaram as suas bandeiras no momento em que tinham glória a adquirir; e convencido que se apressarão a unir-se aos seus camaradas e aos seus Generais, aos quais tiveram sempre confiança, decreta o seguinte:

Art. I. Todo o oficial inferior ou soldado português que tiver abandonado as suas bandeiras desde o primeiro de Fevereiro, se apresentará ao Comandante militar mais vizinho do seu domicílio, ou ao Corregedor ou Juiz de Fora do lugar da sua residência, para ali declarar que está determinado a tornar a servir; portanto se lhe dará uma guia para se dirigir ao depósito, onde receberá as ordens para voltar ao seu corpo; e não será inquietado por ter desertado.

Art. II. Estabelecer-se-ão cinco depósitos, a saber:
Um em Lisboa, para a Estremadura.
Um na Guarda, para a Beira e Trás-os-Montes.
Um em Campo Maior, para o Alentejo.
Um em Faro, para o Algarve.
Um no Porto, para Entre-Douro e Minho.

Art. III. Será enviado um oficial superior para comandar cada depósito, com oficiais para serem empregados a conduzir os soldados que deverão unir-se aos Regimentos.
Logo que hajam no depósito cento e vinte homens, ou cem pelo menos, o Comandante organizará uma Companhia provisional, com dois oficiais e quatro oficiais inferiores, e a dirigirá ao Quartel-General das Divisões portuguesas em Salamanca, onde ela receberá novas ordens.

Art. IV. O Secretário de Estado da Guerra dará as suas ordens para que nos diferentes depósitos hajam fardamento e armas para municiamento das Companhias provisionais; vigiará sobre que o pré lhes seja pago exactamente durante a sua estada no depósito, e em jornada; e fará regular as contas do que se lhes tiver devendo, a fim de que cada soldado possa receber o que se lhe dever à sua chegada ao Regimento.

Art. V. Todo o oficial inferior ou soldado que até o 1.º de Junho não se tiver unido e tiver sido preso, será imediatamente posto em Conselho de Guerra, para ali ser julgado como desertor, em tempo de guerra, com toda a severidade da Lei.

Art. VI. O Ministro Secretário de Estado da Guerra fica encarregado da execução do presente decreto, que será impresso, publicado por editais em todo o Reino e lido do púlpito em cada freguesia todos os Domingos do mês de Maio.

Dado no Palácio do Quartel-General em Lisboa, aos 27 de Abril de 1808.

O Duque de Abrantes


O Secretário de Estado da Guerra e da Marinha, 
Lhuyt


[Fonte: Suplemento Extraordinário à Gazeta de Lisboa, n.º XVIII, 3 de Maio de 1808].


Carta da Deputação portuguesa enviada de Bayonne, depois de conversações com Napoleão (27 de Abril de 1808)



A Deputação portuguesa enviada junto a Sua Majestade o Imperador dos franceses, Rei de Itália, Protector da Confederação do Reno, aos seus compatriotas:



A confiança que tendes no Grande Príncipe, junto ao qual nós temos a honra de ser os intérpretes dos vossos sentimentos e dos vossos votos, foi inspirada menos pelo conhecimento dos interesses da Pátria, que pelo desejo de confiar a decisão da nossa sorte ao Poderoso Génio, que tendo restaurado a sua, deu uma nova constituição à Europa. 
O tempo que nos demorámos na fronteira do Império francês, e que precedeu a chegada de Sua Majestade Imperial e Real, nos mostrou em toda a extensão o império que tem nos corações dos seus vassalos o Grande Monarca. 
As contínuas aclamações dos seus súbditos nos anunciaram o momento em que se devia completar a sua felicidade e começar a nossa. 
Sua Majestade Imperial e Real concedeu o primeiro dia da sua chegada a Baiona aos seus vassalos (este é o tributo ordinário do seu desvelo para com eles) e dignou-se de nos conceder o segundo. Sua Majestade Imperial e Real conhecia, ainda mesmo antes de nós lho expormos, a vossa posição, as vossas necessidades, e tudo quanto vos interessa. Se alguma coisa pode igualar o seu génio é a elevação da sua alma e a generosidade dos seus princípios. 
Ao mesmo passo que Sua Majestade Imperial e Real se dignava falar-nos sobre as nossas circunstâncias políticas com afabilidade verdadeiramente paternal, fazia as reflexões as mais interessantes para a nossa felicidade, e manifestava os princípios mais elevados a respeito do uso dos direitos que as circunstâncias lhe deram. Não foi como Conquistador que Sua Majestade Imperial e Real entrou no nosso território, nem como tal quer que o seu exército aí permaneça. O Imperador sabe que nunca tivemos guerra com Sua Majestade Imperial e Real. Pela grande distância que separa a nossa Pátria do seu Império, não pode vigiar Sua Majestade Imperial e Real sobre ela com a mesma atenção com que vigia os outros seus Estados, e que, satisfazendo todas as suas necessidades, satisfaz também o amor que Sua Majestade Imperial e Real tem àqueles que logram a fortuna de ser seus vassalos; seguem-se muitos inconvenientes da delegação de uma grande autoridade em países mui distantes. Sua Majestade Imperial e Real não tem desejo algum de vingança, nenhum ódio, nenhum rancor ao Príncipe que nos governava, nem à sua Real Família: Sua Majestade Imperial e Real ocupa-se de objectos mais nobres, e não trata senão de nos ligar com as outras partes da Europa ao grande sistema continental, do qual nós devemos fechar o último anel; trata de nos livrar da influência estrangeira que nos dominou tantos anos; o Imperador não pode consentir uma colónia inglesa no Continente; o Imperador não pode quer deixar aportar em Portugal o Príncipe que o deixou, confiando-se à guarda de navios ingleses. 
Sua Majestade Imperial e Real, considerando a vossa situação, se dignou declarar-nos que a nossa sorte estava na nossa mão, e que dependia do espírito público que nós mostrássemos, e com o qual nos uníssemos ao sistema geral do continente, e concorrêssemos para os acontecimentos já preparados, assim como da nossa vigilância e da firmeza com que repelíssemos as insinuações e as intrigas que se podem recear, e que, sem proveito real para aqueles que fossem os autores ou os objectos, necessariamente causariam a nossa desgraça. Estes são os sinais pelos quais Sua Majestade Imperial e Real quer julgar se nós somos ainda dignos de formar uma nação capaz de sustentar no trono o Príncipe que nos governar, e de ocupar entre as nações o lugar que nos compete, ou ser confundidos com aquela cuja posição se aproxima de nós, e da qual tão grandes motivos nos afastam*. Vereis com reconhecimento e com admiração, nestas sábias disposições, os profundos conhecimentos de Sua Majestade Imperial e Real, que não quer decidir a sorte de uma nação senão segundo os seus desejos, manifestados pelas suas acções. Pertence aos magistrados e às pessoas mais autorizadas que existem entre vós, pertence a vós todos publicar com a maior clareza as benéficas intenções de Sua Majestade Imperial e Real. 
Esperamos que não serão frustradas as protestações[=declarações] que lhe fizemos em vosso nome; e quando um grito unânime arrancado do fundo dos nossos corações mostrou o desejo que tínhamos de ser uma nação, então mais que nunca nos julgámos dignos intérpretes dos vossos sentimentos. Fazei ver a Sua Majestade Imperial e Real que, depois de tantas tempestades, soube fazer da sua Pátria o primeiro país do mundo, que a nossa não merece ser o último. 
Sua Majestade Imperial e Real conhece as privações que a interrupção momentânea do comércio vos faz suportar: o vosso estado a este respeito é o mesmo que o do resto da Europa e que o da América; é consequência de uma luta, cujo futuro resultado vos pode compensar os trabalhos do tempo actual; também não esqueceu a Sua Majestade Imperial e Real a coacção em que vos pôs a entrada de um exército estrangeiro. Sua Majestade Imperial e Real deseja ardentemente prevenir que se renove esta desgraça. 
Fez impressão no seu coração o peso da contribuição que oprime Portugal, e a sua bondade lhe ditou a promessa de a reduzir a justos limites, àqueles que são compatíveis com as nossas possibilidades. Os nossos compatriotas que estavam prisioneiros em França, graças à clemência do Imperador, gozam já da sua liberdade. 
Sua Majestade Imperial e Real nos autoriza para que vos participemos as suas intenções, ficando nós certos que elas excitarão em vós a maior gratidão e o mais sincero desejo de lhe corresponder. 
Continuaremos a preencher junto a Sua Majestade Imperial e Real, e conforme as suas ordens, uma missão que não tem dificuldades, pois que a bondade do Imperador se une à sua sabedoria para simplificar os nossos maiores interesses. 

Baiona, 27 de Abril de 1808. 

Marquês de Penalva
Marquês de Marialva
D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Melo
Marquês de Valença
Marquês de Abrantes
Marquês de Abrantes, D. José 
Conde do Sabugal
Francisco, Bispo de Coimbra e Conde de Arganil
José, Bispo, Inquisidor Geral
Visconde de Barbacena
D. Lourenço de Lima
D. José, Prior Mor da Ordem Militar de S. Bento de Avis
Joaquim Alberto Jorge
António Tomás da Silva Leitão 


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Observações:

Esta carta será publicada em Portugal por edital de Junot datado de 12 de Maio de 1808. A versão aqui transcrita (com a devida actualização ortográfica) é a que foi publicada no 1.º Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 19, 13 de Maio de 1808. Para além destas duas fontes, este documento também foi publicado, ainda no tempo do Governo de Junot, com o título Carta da Deputação Portuguesa aos seus compatriotas, datada de Bayona de 27 de Abril de 1808, dando conta da sua conferência com Napoleão, Lisboa, na Impressão Imperial e Real, 1808.


Abaixo deixamos algumas notas biográficas sobre os membros da Deputação portuguesa que assinam este documento, pela respectiva ordem de assinatura. Eram nove representantes da nobreza (n.os 1-7; 10-11), três representantes do clero (n.os 8, 9 e 12) e dois representantes do "povo" (n.os 13 e 14):


1. D. Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (1754-1818), 3.º Marquês de Penalva e 7.º conde de Tarouca, foi Gentil-homem da rainha D. Maria I e do Príncipe regente. Era defensor do paternalismo absolutista, conforme expôs nas suas obras Dissertação a favor da Monarquia, onde se prova pela razão, autoridade e experiência ser este o melhor e mais justo de todos os governos e Dissertação sobre as Obrigações do Vassalo (ambas publicadas em 1799). 

2. D. Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho (1775-1823), 6.º Marquês de Marialva e 8.º conde de Cantanhede, era arquivista militar quando os franceses invadiram Portugal. Dizem as más línguas que foi um dos amantes de D. Carlota Joaquina, e que D. Miguel poderia mesmo ser seu filho… 

3. D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Melo (1799-1837): 6.º duque de Cadaval, era o membro mais novo desta delegação. 

4. D. José Bernardino de Portugal e Castro (1780-1840), 5.º Marquês de Valença e 12.º conde de Vimioso. Viria a ser, já depois da revolução liberal, ministro da Guerra. 

5. D. Pedro de Lancastre da Silveira Castelo Branco Sá e Meneses (1762-1828), 3.º Marquês de Abrantes, 7.º conde de Vila Nova de Portimão e 12.º conde de Penaguião. Era o presidente do Governo da Regência instituída por D. João antes de partir para o Brasil, segundo a proclamação de 26 de Novembro de 1807, na qual o monarca lhe chamava “meu muito amado e prezado primo”. Estava em Bayonne, segundo as ordens de Junot, com o seu filho:


7. D. Manuel Assis Mascarenhas (1778-1839), 5.º conde do Sabugal, de Óbidos e de Palma. Era Tenente-Coronel do 1.º Regimento de Cavalaria das tropas portuguesas que partiram para a França (futura Legião Portuguesa) um dos organizadores da Legião Lusitana (composta por uma selecção de milhares dos melhores soldados portugueses, enviada para a França). Foi o único deste grupo de “deputados” que não ficou prisioneiro de Napoleão, pois como Tenente-coronel da dita Legião, participou com notoriedade em batalhas no centro da Europa, vindo inclusivé a ser condecorado por Napoleão por esse motivo. 

8. D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho (1735-1822), 52.º Bispo de Coimbra e 17.º Conde de Arganil e Reitor da Universidade de Coimbra. Mediante as determinações de Junot (ver a carta que lhe enviou a 23 de Fevereiro de 1808), partiu para a França sozinho, no dia 17 de Março, só se tendo juntado ao resto da deputação já em Bayonne. São do seu secretário duas cartas (uma de 18 de Abril e outra de 22 do mesmo mês) que já publicámos, com alguns pormenores sobre os resultados dos encontros dos membros desta deputação com Napoleão. 

9. José, Bispo, Inquisidor Geral. Logo depois de ter recebido o aviso de Junot para se dirigir a Bayonne, convocou uma reunião do Conselho da Inquisição, que ocorreu no dia 5 de Março, e onde declarou que o governo da mesma instituição recairia sobre o dito Conselho, durante a sua ausência. Cinco dias depois partiu para a França, donde viria a regressar somente seis anos mais tarde. Para mais informações bibliográficas, ver as nossas anotações à sua Pastoral de 22 de Dezembro de 1807

10. D. Luís António Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro (1754-1830), 6.º Visconde de Barbacena, ex-governador de Minas Gerais (Brasil), era no tempo da primeira invasão francesa vedor de Carlota Joaquina, escrivão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e presidente da Mesa da Consciência e Ordens. 

11. D. Lourenço José Xavier de Lima (1767-1839), era embaixador em França quando, a meados de Outubro de 1807, recebeu ordens de Napoleão para se retirar do país, por se ter declarado guerra a Portugal. Por esse motivo teria sido o primeiro a avisar a Corte portuguesa do ataque iminente dos franceses, caso o Príncipe regente não se submetesse às imposições do Imperador. Segundo as ordens de Junot, foi recambiado para a França como presidente desta Deputação... 

12. D. José de Almeida, Prior Mor da Ordem Militar de S. Bento de Avis. Para além do apelido deste membro do clero, recolhido por Manuel de Amaral, nada mais conseguimos apurar.

13. Joaquim Alberto Jorge e

14. António Tomás da Silva Leitão. Estes dois últimos indivíduos, representantes do “povo”, eram Juízes Desembargadores do Senado da Câmara de Lisboa...


Proclamação de Charles Cotton, prevendo o levantamento do bloqueio aos géneros de primeira necessidade nos portos portugueses, no caso de que o Governo de Junot o aceitasse (27 de Abril de 1808)




O Cavaleiro D. Charles Cotton, Barão inglês, Almirante e Comandante em Chefe das Naus e outras embarcações de Guerra que presentemente bloqueiam os Portos de Portugal

Faço saber, em resposta às repetidas queixas que por diferente vias me têm constado da grande carestia de pães e outros artigos de primeira necessidade, por todo o Reino de Portugal, e do aumento diário das calamidades insuperáveis de semelhantes faltas, que o bloqueio dos portos de Portugal não se faz para matar à fome os desgraçados habitantes desse Reino, mas é a consequência inevitável das necessárias operações da guerra, pois a cidade de Lisboa, estando entre as mãos dos inimigos da Grã-Bretanha, se considera no caso de um porto onde o inimigo possa abastecer qualquer expedição, entra os domínios de Sua Majestade Britânica e, por consequência, é indispensável um bloqueio rigoroso à sua precisa segurança. Considerando, porém, o grande aperto e a miséria a que se acha reduzido o povo de Portugal, pede-me a humanidade que representasse os meus sentimentos ao seu respeito ao governo de Sua Majestade Britânica, o que já fiz, e tenho resposta do mesmo governo cheia de benignidade, autorizando-me a oferecer os mais generosos termos de Capitulação Marítima, pela qual se pode levantar o bloqueio, e aliviar a miséria que ameaça esse desgraçado povo, influindo-me desejos de aliviá-lo, em consequência da compaixão com que Sua Majestade Britânica considera as desgraças de um povo já bastante infeliz. Estou já pronto para remeter cópias dos repetidos termos àqueles que presentemente estão no exercício do Governo em Lisboa, logo que a comunicação em todo o tempo praticada entre as nações civilizadas, por via parlamentária, seja admitida dentro do Tejo, e em qualquer outro lugar; por consequência depende agora na decisão dos actuais Governadores desse Reino o alívio do dito povo; pois como eles queiram aceder aos generosos termos que lhes ofereço, levantarei bloqueio para admitir em todos os portos do Reino de Portugal os géneros da primeira necessidade, porém no caso deles recusarem esta oferta, será forçoso aumentar o rigor deste bloqueio ao maior aperto possível. 
Dado a bordo da nau Hiberniaadiante da foz do Tejo, em vinte e sete de Abril de mil oitocentos e oito. 

Comandante Cotton 

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve (Subsídios para a História da Guerra Peninsular), Lisboa, Tip. Inácio Pereira Rosa, 1941, p. 414 (doc. 291)].