Bayona, 18 de Abril de 1808
Na [carta] que escrevi a Vossa Mercê [na] quinta-feira [dia 14], lhe dei parte de ter chegado aqui o Imperador e o Rei no mesmo dia. Na sexta-feira, passou ele revista à tropa, e no Sábado deu audiência à Deputação portuguesa. Recebeu-a com o melhor agrado e benevolência, perguntando a cada um quem era, o seu cargo e ocupação. Disse que venerava e tinha em muito bom conceito a nação portuguesa, que nada tinha contra ela; nada contra o Príncipe, senão o deixar-se enganar pelos ingleses, e nada contra a Casa de Bragança. Mostrou-se disposto a fazer quanto se lhe requeresse. Perguntou se queriam que Portugal se unisse à Espanha; mas fez esta pergunta com algum sorriso, como quem esperava resposta negativa, como com efeito se lhe deu. É pois necessário – disse o Imperador e Rei – saber se vós sois capazes de ser uma nação ([por] vós entende-se Portugal), e nesse caso é necessário um Rei. A França não pode lá ter um Exército nem Portugal [pode] sustentá-lo. Governo de vice-rei não convém nem é bom Governo. Há de ser um Rei, mas um rei que tenha espírito francês e que preserve a nação do cativeiro inglês. Que mostrou não duvidar de que seja restituída a Casa de Bragança, mas como há de voltar – disse – essa família do Brasil? Só se os ingleses que a levaram a quiserem trazer. Enfim, concluiu: fazei as vossas respostas, digo, representações por escrito; eu quero ouvir a todos e estou pronto para ouvir cada um em particular. E ele mesmo, sem se lhe falar na contribuição dos 40 milhões, dizendo que já sabia ser excessiva, mas que a modificaria quanto fosse possível.
Está pois a Deputação muito satisfeita e bem esperançada. Trabalha nas suas sessões, são nesta casa de S.ª Ex.ª, etc., etc. A mesma Deputação é aqui muito respeitada e faz grande figura. Vai hoje jantar toda ela com Champagny, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
[Fonte: João Francisco Marques, "O clero nortenho e as invasões francesas - patriotismo e resistência regional", in Revista de História, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, n.º 9, 1989, pp. 165-246, p. 235].