terça-feira, 28 de junho de 2011

Relação da marcha e do sucesso da expedição do Destacamento que de Coimbra se dirigiu a Pombal e Leiria (de 28 de Junho a 6 de Julho de 1808)



Itinerário da expedição do Destacamento de Voluntários de Coimbra 



Julgando-se conveniente fazer aprisionar as Brigadas francesas que se achavam em Pombal e Leiria, e fazer ali aclamar o nome do nosso Augusto Príncipe, se expediu para esse fim o nosso Destacamento composto de um Furriel e 15 companheiros Estudantes e soldados de Cavalo, o qual saindo de Coimbra no dia 28 de Junho, entrou às 7 horas em Condeixa, onde fomos recebidos pelo Povo com todos os aplausos e demonstrações de alegria e do maior valor, repicando os sinos, pondo à noite luminárias e lançando foguetes ao ar. Entre todos se distinguiu muito o Padre Regente do Hospício de S. António, pegando logo em armas, e acompanhando-nos a algumas diligências de que íamos incumbidos pelo nosso Excelentíssimo Governador
No dia 29 de manhã continuámos a nossa marcha, cujos incómodos e fadigas eram suavizados com a briosa e agradável lembrança de sermos os primeiros a aclamar em todas as terras, por onde passávamos, o nome do nosso amado Príncipe; e chegando à Ega, aí foram despedaçados alguns editais do Governo intruso, descobertas as Armas Portuguesas entre vivas do Povo, e dadas ordens para o seu governo e segurança ao Capitão das Ordenanças desta vila, Manuel Moniz de Gouveia Rangel, honrado e fiel Patriota. No mesmo dia entrámos em Soure, e esta vila nos encheu da maior satisfação pela sua fidelidade. Nós conhecemos então que a memória dos Príncipes justos, como o nosso, não se extingue jamais, e que ele por isso, ainda que ausente, reinava nos corações de todos os bons portugueses. Músicas, descargas de mosquetaria e contínuos vivas inflamaram extraordinariamente nossos corações. Lágrimas de prazer banharam nossas faces, e as de todo aquele fiel e honrado povo, ouvindo a exortação que o zelo pelo bem da Pátria inspirou e fez publicamente sem meditação alguma pronunciar na praça daquela vila ao M. R. P. M. [Muito Reverendo Padre Mestre] Frei José de Santa Marta, Religioso de S. Francisco, o qual desde Coimbra nos havia acompanhado, e depois nos seguiu sempre. Ela é:

VALOROSOS PORTUGUESES 

Quis finalmente a Providência libertar-nos do mais áspero e infame cativeiro. A Pátria dos Fenelons e dos Racines, inteiramente desfigurada, tem lançado o terror e o estrago em toda a Europa. Vítimas da sua perfídia, nós gememos há longo tempo, curvados debaixo do peso enorme do mais violento Despotismo. Abusando dos nomes os mais sagrados, dos Direitos mais caros ao nosso coração, sem natureza, sem humanidade, estes Godos do século décimo nono têm vindo proteger-nos, saqueando os nossos templos, profanando as nossas casas, atacando a nossa propriedade e a nossa independência. Nos dias de seu furor, o Inferno não tem jamais vomitado monstros iguais a estes monstros. Porém, graças aos Céus! já podemos respirar. Um Astro benigno parte do Norte, ponto da sua Aurora, para espalhar em todo o Portugal seu clarão brilhante. Coragem, bravos compatriotas. Nós temos à vista os filhos da Pátria, os verdadeiros heróis, encarregados de defender nossos mais prezados interesses. Marchemos a seu lado, Ah! Deus o manda, corramos a vingar a Pátria ofendida. A causa é da Religião, do Estado, do Género Humano. Caia em pedaços pelo nosso valor esse Colosso formidável que esmaga a liberdade de todos os Povos da terra. Vencer ou morrer seja a nossa divisa. Viva o Príncipe Regente Nosso Senhor. Vivam a Pátria, a Liberdade, a Honra. Viva o bravo Corpo Académico. Vivam os Leais Habitantes de Soure.

Nesta ocasião manifestaram o maior interesse pela causa comum o Dr. Juiz de Fora e o Juiz do Povo, assim como todos os outros moradores da dita vila; muitos dos quais nos acompanharam a Leiria e Nazaré.
Partindo quase à noite para Pombal com o desígnio de atacarmos as Brigadas francesas de Condeixa e Pombal, as quais se dizia [que] estavam ali reunidas, nós tivemos a mágoa de não ver ainda realizados nossos vivos desejos, pois que aquela vil tropa de insolentes espiões se pôs em fugida logo que chegámos àquela terra, onde depois de termos novamente aclamado o nosso Augusto Príncipe, descobrimos as suas Reais Armas e restabelecemos o Governo Português. Marchámos depois a cumprir as ordens do nosso Excelentíssimo Governador, pondo em cautela e segurança os pérfidos e vis partidistas franceses, que tanto ofuscam a glória da Nação Portuguesa, cujo nome desmerecem pelo enormíssimo crime de traidores à Pátria: monstros! Seduzidos por um falso e sórdido interesse, eles sacrificam à mais horrível tirania a sua Religião, o seu Príncipe e os seus Concidadãos. Por impedimento da autoridade legítima e vontade do Povo, nós entregámos o Governo Civil ao Vereador mais velho, o Dr. Luís António, e o [Governo] Militar ao Capitão de Milícias de Leiria, Francisco Peregrino de Meneses, para que guarnecesse a vila, examinasse os passageiros e prendesse os suspeitos. Cantou-se com toda a solenidade pelo Clero Secular e Regular o Te Deum em acção de graças pelo grande benefício de termos sacudido o jugo dos Usurpadores, que tanto nos oprimia; e no meio de tantos cuidados não esqueceu mandarmos espiar a estrada por onde devíamos marchar, procurando sempre ter notícias do inimigo; e sabendo que ele estava em Leiria, partimos a procurá-lo.
Perto de Leiria mandámos dois camaradas nossos a descobrir campo. Imediatamente foram cercados pelo inimigo e atacados, mas estes dois bravos portugueses dispararam suas pistolas e fizeram recuar vinte e dois franceses. Informados por eles, e temendo [que] nos escapasse a presa, deixámos as Ordenanças de Pombal, que nos seguiam, e partimos a todo o galope para Leiria. Estavam os franceses postados em linha na ponte desta cidade com ânimo de resistir. Nós os vemos, voamos a eles, e tudo foge. Metemos à estrada real em seu seguimento, mas os cavalos cansam[-se] e não podem avançar. Seis camaradas somente puderam seguir vinte franceses fugitivos; seus nomes devem passar à mais remota idade: José Joaquim de Sá, João Pedro Correia, Gonçalo Velêz Zuzarte, Joaquim Monge, Manuel José Soares da Cunha Paixão, Caetano Rodrigues de Macedo afugentam com terror vinte soldados velhos e aguerridos. Seis moços sem experiência fazem tremer vinte heróis de Marengo e de Jena! Quatro Dragões franceses de Cavalaria foram aprisionados. Um, por irmos já quatro somente, foi desarmado e dando sua palavra de honra de não arredar pé, não a cumpriu, escapando-se. Não é de admirar em tais soldados um tal procedimento!
Dos quatro camaradas, dois se demoraram com um francês que resistia; e dois partiram até os Carvalhos, perseguindo o resto. Estes dois bravos homens devem ser imortais na História. Seus nomes são José Joaquim de Sá e João Pedro Correia. O primeiro, arrebentando o seu cavalo nas alturas da Batalha, correu animosamente a pé com a espada numa mão, e a pistola na outra, em seguimento do inimigo; o segundo encarou só com três inimigos, dos quais feriu perigosamente um Gens d'armes [sic]. Os resultados deste brilhante combate foram quatro prisioneiros, cinco cavalos, três doentes que se achavam no Hospital, e quatro feridos, que ainda puderam fugir. Da nossa parte não houve o mais pequeno perigo.
Voltámos para Leiria recebendo os maiores aplausos de todo aquele Povo, que tinha sido testemunha da nossa coragem, e dirigindo-nos à praça, onde se achavam já postados os nossos camaradas e a Ordenança de Pombal, aí com o maior gosto pela vitória e risco que corremos, tivemos a honra e a satisfação de aclamar o nosso Príncipe; e partindo à Casa da Câmara um dos camaradas Gonçalo Veléz Zuzarte a buscar o Estandarte Real, a Bandeira Portuguesa foi arvorada em todas as ruas da cidade, manifestando-se em toda ela um regozijo universal.
No dia seguinte falámos a Sua Excelência Reverendíssima, e lhe rogámos [que] quisesse aceitar o Governo Civil da cidade  o que ele por justas razões recusou, oferecendo-se como leal português para tudo, excepto para mandar. Consultámos também a vontade do Povo para a eleição do Governador militar, e unanimemente elegeram a Miguel Luís de Ataíde e Silva, o qual, vendo a absoluta falta que havia de pólvora e bala, e que mesmo os paisanos estavam mal armados, partiu para Coimbra a pedir socorro e alcançar inteligências[=informações].
Enquanto esperávamos novas ordens, chegou um ofício levado pelo Juiz do Povo de Tomar, para que lhe prestássemos o pequeno auxílio que estava em nosso poder. Tratando de pôr esta ordem em execução, o Juiz dos Povos da Pederneira e Nazaré nos veio representar a urgente necessidade que havia de os socorrer; que aqueles povos já tinham sofrido um saque de víveres, que os franceses levaram para o Forte; que actualmente andavam já em combate com eles, porque queriam prender os principais daquelas terras, e levá-los para o Forte, onde seriam os primeiros que morressem, se eles franceses tivessem algum perigo. Estas apertadas circunstâncias juntas às vozes do povo de Leiria, que nos instava a dar o socorro pedido, nos determinaram a marchar pelas 2 da tarde, levando connosco 60 homens da Ordenança de Leiria ou Pombal, e outros tantos de Pataias, e às 9 da noite chegámos a Nazaré. No Forte deste nome, no de S. Gião e S. Martinho, que ficam vizinhos, havia 150 soldados franceses, e era além disso muito fácil chegar socorro do corpo aquartelado em Peniche. Tantas dificuldades não bastaram a enfrear o nosso ardente espírito. Fizemos a 80 passos de distância um reduto de areia e faxina, de altura de um homem, e por cima lhe pusemos algum mato, que nos encobrisse da pontaria do inimigo, e aí assentámos as nossas quinze espingardas. O reduto ficava muito superior ao Forte, e como os franceses tinham posto a sua artilharia sobre o terraço, era preciso descobrirem-se para lhe darem fogo, o que não podiam fazer sem grande risco, e morte quase certa. E por isso se serviam do estratagema de porem as barretinas sobre paus, para ver se se nos acabaria a pólvora, o que certamente sucederia, a não ser o seguinte.
Nestas circunstâncias nos chega a notícia de terem os franceses do Forte de S. Gião fugido vergonhosamente, sem verem de quê, desamparando-o e deixando a artilharia encravada. Corremos ao Forte com o intento de desencravar as peças, o que conseguimos, tão mal encravadas estavam! E um rapaz que assistira à sua fugida nos certificou que tinham enterrado dois barris de pólvora, muita bala e metralha; e procedendo a desenterrar este tesouro, achámos tudo verdadeiro.
Levámos duas peças, e assentámos uma em lugar vantajoso, sem que fossemos percebidos pelo inimigo. Começamos a fazer fogo com o intento de arrasar o Forte, o que o povo nos pedia com muita instância, para que os franceses não se tornassem lá a estabelecer. Então nos veio a notícia de ter chegado a Olidos (vila que só dista 4 léguas) o General Thomiers com parte da guarnição de Peniche. O povo se intimidou, mas nós não soçobrámos; cortámos as duas pontes por onde o inimigo havia de passar, e assestamos uma peça de 18 carregada de metralha na direcção da estrada. Entretanto, o dito General perguntou ao Juiz de Fora de Óbidos que força seria a do corpo inimigo, e dizendo-lhe este que o ignorava, mas que se dizia ser um Exército composto de portugueses e espanhóis, e que traziam artilharia; esta última asserção se achou confirmada porque o mesmo Thomiers ouviu os tiros que disparávamos  não foi preciso mais para ele fugir para Peniche, temendo ser cortado, e tivemos notícia verídica de ter mandado apear a artilharia e embarcar a pólvora. Talvez seus receios se realizassem, e que o fossemos atacar, se os inimigos vindos de Lisboa não tivessem ocupado Leiria por traição, segundo se afirma, de pessoas da mesma cidade. Até se diz que mandaram o plano da nossa marcha, número e intentos, para que pudéssemos ser presos e remetidos para Lisboa. Porém, uma favorável estrela nos acompanhava, e tínhamos de fazer aquela conquista.
Verificada a marcha retrógrada do inimigo, apertámos o cerco do Forte, e temendo que ele nos fugisse de noite, dispusemos sentinelas de 20 em 20 passos, dando vozes para se vigiar toda a noite; mandámos fazer diferentes fogos pelo campo, e o piquete andou a correr pelos outeiros de um para outro lado, para fingirmos ordens de um Corpo principal. Na madrugada os inimigos intentaram sair, fazendo um ataque de baioneta calada (como ao depois afirmaram); mas como nós o esperávamos e tínhamos dado as providências para o repelir, recolheram-se com mais pressa do que saíram. Ao amanhecer disparam dois tiros de peça, a que nós respondemos com outros dois; o primeiro tiro nosso levou a porta do Forte; o segundo, entrando pela mesma porta, derribou a abóbada da casa onde dormia o Comandante Miron; continuou o fogo, até que das onze para o meio-dia nos fizeram sinal para que o parássemos, e que descesse lá alguém. Mandámos um homem que foi conduzido com um lenço nos olhos para dentro do Forte, e levado à presença do Governador; este lhe perguntou de que nação éramos, e por ordem de quem combatíamos; respondemos que éramos portugueses e que combatíamos por ordem de Sua Alteza Real o Príncipe Nosso Senhor. E como víssemos que pretendia ganhar tempo com frívolas negociações, intimámos à guarnição que, a não se entregar logo, a passaríamos à espada; a que o dito Miron respondeu que fizessem os portugueses o que quisessem, que ele faria igualmente o que lhe parecesse. Continuámos o fogo, mas logo depois arrearam a bandeira, ficando prisioneiros de guerra, e custou-nos muito a livrá-los, principalmente ao Governador, das iras do povo, ao qual ele tinha tratado com suma insolência. Durante o certo tínhamos morto cinco franceses.
Inventariámos o que havia no Forte, e deixámos ao povo coisa de 100 armas e o cartuchame, porque as pedia, e com razão, em altas vozes, para estarem em defesa contra o insulto, ao menos de algum Destacamento inimigo. Determinámos que a artilharia e dois mil e tantos arráteis de pólvora se pusessem em caminho para fortificar Leiria.
Depois nos reunimos aos nossos camaradas, e com 50 prisioneiros marchámos para Leiria na tarde do dia 5 de Julho, por ignorarmos que nesse mesmo dia tinham os franceses entrado naquela cidade. Porém, pelo caminho fomos ouvindo rumores vagos a este respeito, até que em Pataias achámos o facto mais verificado; mandámos dois camaradas fazer de tudo um rigoroso exame, e este na distância de légua e meia de Leiria nos aclararam toda a verdade. Então um militar de Pombal, prático naquelas estradas, nos fez marchar em direitura à Marinha[-Grande]; porém, universalmente se asseverava que estávamos cortados e que o inimigo nos procurava. Chegando à Marinha, achámos tudo fechado, e a muito custo um homem, vendo que falávamos português, nos disse que já alguns franceses tinham passado adiante. Vendo-nos em tanto risco, separámo-nos, e fizemos marchar os prisioneiros para a praia do mar, com 20 Ordenanças, e a maior parte da Cavalaria se meteu ao Pinhal Real, onde em partes o mato nos impedia os passos; os prisioneiros, para mais desembaraço da marcha, vinham soltos. Tantos incómodos foram bem compensados por chegarmos à Figueira [da Foz] sãos e salvos, com todos os prisioneiros e a bandeira inimiga  depois de marcharmos treze léguas por toda a noite, sem descansar.
Nós omitimos muitas pequenas circunstâncias, que tornavam sumamente extensa esta relação; mas não podemos deixar de admirar a grande intrepidez e presença de espírito destes Voluntários no meio de tantos riscos, sempre renascente. Os valorosos guerreiros do Forte de S. Gião fizeram uma fugida tão fora de propósito, que a todos causa espanto, e nos deixaram artilharia e muitas munições de guerra, sem as quais era impossível continuar o cerco. A fugida de Thomiers, que trazia 300 homens, é ainda mais extraordinária. A nossa boa retirada, enfim, não pode ser devida senão ao susto do inimigo, que se fiou em vozes vagas da nossa suposta força, e não teve ânimo para nos mandar reconhecer. A mesma acção da Figueira mostra grande cobardia da parte dos franceses, porque cem homens muito bem providos de pólvora e bala, ainda não usando da artilharia, se saíssem do Forte e atacassem os nossos 30 Voluntários, e um pouco de povo mal armado, tornariam pelo menos muito incerta a vitória. Porém nada fizeram; deixaram-se ficar e entregaram-se como cordeiros.

Assinado: o Comandante Vitorino de Barros Carvalhais.


Plano de Operações Defensivas em Portugal, segundo Charles Vincent, Coronel de Engenheiros do Exército francês em Portugal (28 de Junho de 1808)



Lisboa, 28 de Junho de 1808.



Uma esquadra inimiga ameaça o porto e a cidade de Lisboa. Independentemente dos seus meios e das boas informações que dispõe, pelas quais obterá vantagens momentâneas, ela pode agir com a confiança que lhe deve inspirar a certeza de ser poderosamente secundada pelos socorros que não deixarão de multiplicar-se no meio da fermentação das ideias que os homens exaltados e corrompidos pelo ouro do inimigo disseminarão com o objectivo de levar o povo a todo tipo de excessos.
Deve-se assim pensar que a cidade e o porto de Lisboa podem ser atacados ao mesmo tempo por mar e por terra; pode-se mesmo adiantar que o momento do ataque não tardará muito, se dermos crédito às diferentes notícias dos postos mais afastados ocupados pelo exército [francês], notícias essas que, contudo, raramente inspiram muita confiança. 
Perante este estado de circunstâncias, é urgente considerarmos quais são os ataques que mais se devem recear, bem como os meios pelos quais se podem repelir.
Considerar-se-á como ataques por mar apenas aqueles que se poderiam tentar investindo sobre o porto [de Lisboa] ou sobre aquela parte da costa que está compreendida entre Peniche e Setúbal; qualquer outra tentativa operada através de um desembarque será considerada na hipótese dos ataques por terra, os quais serão observados depois de se terem considerado os ataques por mar.
Suponhamos assim que o inimigo, informado acerca dos movimentos e dos desenvolvimentos de um ataque por terra, tenciona fazer uma diversão a favor de tal ataque, aproveitando-se do vento do momento, que provavelmente será de nordeste, para passar a estreita entrada [do Tejo], protegida de perto pelo forte de S. Julião, com o objectivo de arribar ao porto [de Lisboa]. Somente se pode esperar, num caso semelhante, que o forte de S. Julião trave a esquadra disparando à queima-roupa; devem alvejá-la apenas aquelas peças de artilharia que poderão estar bem servidas com carcaças, enquanto que todos os outros canhões devem ter como principal objectivo cortar as manobras das embarcações; as baterias altas do forte devem esforçar-se para danificarem e travarem os navios. A verdadeira vantagem que se obteria seria desacelerar o movimento dos navios, forçando-os talvez a afastarem-se, e como eles devem aproveitar o vento para entrar, não é de modo algum improvável que alguma embarcação poderia encalhar nos baixios a norte da passagem, o que seria a maior vantagem que podemos esperar.
É muito pouco provável que os atacantes ancorem diante do porto [de Lisboa], para aí tentarem o desembarque; se porém o ousarem, o General Travot, a quem está confiada a defesa da costa, obterá rapidamente assistência para repelir esta empresa, que não é nada provável, devido ao estado de armamento da margem norte [do Tejo].
Ainda assim, podemos pensar que o inimigo tentará passar as defesas de Belém e da Torre Velha [de Belém], as quais devem, portanto, ser tão reforçadas quanto possível, e isto sem demora; não há dúvidas que, no estado actual das circunstâncias, o inimigo encontrará dificuldades; mas é sobretudo da parte das embarcações russas que ele deve provar uma resistência imponente; a linha de navios, sustentada na direita pela bateria de Belém [=bateria do Bom Sucesso] e na sua esquerda pelo Arsenal da Marinha, posicionando-se o mais perto possível da margem norte do Tejo, apresentará a linha de defesa mais temível que se possa imaginar. Para auxiliar esta mesma linha, devem estabelecer-se baterias de morteiros, o mais rápido possível, no baluarte de Alcântara e na bateria de S. João de Deus; devido à sua localização, estes dois pontos podem receber peças de artilharia que não seriam tão úteis noutros sítios, pois supondo-se que o inimigo passa as nossas defesas e consegue ancorar no porto, gostava de poder manter o fogo multiplicado dos navios de guerra em linha e das baterias de morteiros de Alcântara, de S. João de Deus e do Arsenal da Marinha. Consequentemente, estas baterias de morteiros devem ser estabelecidas sem demora.
Não se devem detalhar aqui cada um dos movimentos e meios de defesa que devem ser utilizados no caso de que o inimigo desembarque tanto a sul como a norte do Tejo, entre Setúbal e Peniche; a defesa dessa parte da costa está confiada aos oficiais que conhecem profundamente o teatro das operações militares que deverão então ocorrer, sendo que as vantagens locais dão grande probabilidade de sucesso [aos franceses].


Linha defensiva do norte do Tejo, segundo o presente relatório do Coronel Vicent

Os marcadores azuis assinalam, da esquerda para a direita: o forte de S. Julião da Barra, a bateria do Bom Sucesso, a torre de Belém, o baluarte de Alcântara (hoje desaparecido), a bateria de S. João de Deus (igualmente desaparecida), e o Arsenal Naval. A linha a azul indica a zona onde se recomendava que se dispusesse a esquadra russa, possivelmente combinada (apesar do Coronel Vicent não o referir) com 2 navios portugueses, o Princesa da Beira (incapaz de navegar e armado como bateria flutuante) e o Vasco da Gama (reparado desde meados de Março de 1808), e talvez ainda algumas fragatas portuguesas (no máximo 5). As linhas a amarelo marcam os limites aproximados dos escolhos e baixios (segundo um mapa de 1811), que tornavam a entrada do Tejo bastante perigosa, sobretudo em maré baixa. Indicámos finalmente com o marcador a amarelo o forte do Bugio, no qual não se encontrava nenhuma guarnição francesa (devido à sua posição demasiado exposta).




Depois desta visão global sobre os meios de resistência a um inimigo que tente forçar o porto com a ajuda da sua esquadra, iremos agora tomar em consideração os ataques por terra, que aparentemente são os que mais devem ser receados pelo porto e cidade de Lisboa.
Suponhamos (ainda que não seja nada provável) que multidões de insurgentes [algarvios] sem controlo, sem qualquer chefe com talento, sem meios de subsistência, e muito provavelmente sem unissonância, ousam penetrar no Alentejo, deixando para trás delas uma praça como Elvas (que nunca deve ter menos de 3.000 homens), para vir passar o Tejo diante dum corpo do exército [francês] que se poderia alcançar uns 6.000 homens. Não hesitamos nada em pensar que podemos passar para o outro lado do Tejo, para tomarmos como primeira linha de defesa o curso do Sor, a partir de Salvaterra, e subindo-o até Soverigno[sic], a partir donde a linha apoiar-se-ia sobre o rio; contudo, se a ponte sobre o Tejo não puder ser construída, e se a tranquilidade de Lisboa não permitir que daqui parta um grande destacamento, ficaremos com uma posição muito mais concentrada e muito mais forte na margem norte do rio. O centro desta posição será na confluência do Zêzere com o Tejo, estendendo-se pela sua direita até Lisboa; e se parecer que esta direita não pode ser forçada, os maiores meios do exército serão desenvolvidos sobre Tomar, Ourém e Leiria, onde provavelmente um oficial instruído encontrará posições defensivas excelentes, na própria geografia do terreno; admitindo no entanto que a esquerda pode ser forçada, o exército retirar-se-á então para entre Santarém e Peniche, onde o terreno, estudado e reconhecido previamente, proporcionará provavelmente meios potentes para repelir o ataque. 
Não longe dali também se encontra a boa posição de Alenquer e Torres Vedras, a partir donde a direita estender-se-ia até ao Tejo, e a esquerda até ao mar.
Chegando finalmente àquele desagradável estado de circunstâncias no qual o exército se visse reduzido à necessidade de abandonar a posição de Alenquer e Torres Vedras, a sua retirada somente pode ser para Lisboa. [Neste caso], o exército teria ainda antes da cidade uma boa posição, com a direita apoiada na ribeira de Sacavém, e a esquerda nas elevações de Belas. Esta posição, que em pouco tempo pode estar disposta em estado de defesa, impedirá que o inimigo consiga circundá-la ou que recorra a alguma diversão, obrigando-o forçosamente a investir com a sua força principal, operação esta bastante delicada, com escassas probabilidades de sucesso para as tropas verosimilmente pouco aguerridas que tentassem tal ataque.
Dado que os meios de defesa que acabámos de considerar deixam o Alentejo à disposição do inimigo, devemos sensatamente recear que ele dará ordens às suas tropas e artilharia para irem ocupar as colinas de Almada, donde poderá fazer infinitos danos à cidade [de Lisboa] e aos navios; é portanto indispensável que se impeça este perigo, assegurando uma boa posição para proteger Almada e garantir a sua boa defesa.
Supondo-se que fica bem estabelecida a primeira linha acima mencionada, cuja direita se estende da foz do Zêzere até Lisboa, será pouco provável que o inimigo consiga passar para a margem norte do rio por esta parte do seu curso; talvez tente passá-lo acima da boca do Zêzere, mas seremos informados disso, e, movendo-nos ao longo da margem norte desse rio, podemos disputar a sua passagem pelo menos até Pedrogão, elevação considerável, na qual podemos tentar impedir que o inimigo se reúna com os corpos que poderão vir da Beira Alta, do Porto e de Coimbra; contudo, supondo-se que se efectua esta junção, a defesa seria precisamente a mesma que antes abordámos, e não se esperariam novas combinações de defesa.
A força de dois ou três mil homens que supomos estar entre Leiria e Mafra poderá facilmente concertar as suas operações com os seis mil homens encarregados da defesa da margem norte do Tejo e da linha de Tomar a Leiria; estas forças serão provavelmente suficientes para enfrentar as aproximações à capital, enquanto que as tropas deixadas no interior estarão ocupadas no importante dever de manter a tranquilidade.
Contudo, com o objectivo de compreender todas as hipóteses mais ou menos verosímeis e as mais funestas para o exército [francês] – um dever que devemos impor, mesmo que o raciocínio se recuse a submeter-se – suponhamos que o exército é forçado a evacuar Lisboa. A divisão de Travot aproximaria-se para Belém, preservando as colinas da Memória e das Necessidades, para ajudar a garantir a tranquilidade na cidade. Todos os tipos de depósitos do exército serão removidos para a margem norte do rio, onde não possam ser atacados. Sacavém será o ponto de reunião, e o exército, caso se veja forçado a retirar, começará a fazê-lo a partir deste ponto, passando por Santarém até Tomar, a partir donde passará o Zêzere em Vila de Rei, continuando então a subir até Belmonte, Guarda e Almeida, passando por Sertã, Monte Gordo e Atalaia.



Itinerário da retirada do exército francês pela Estremadura e Beira


Não prevemos obstáculo algum susceptível de poder inquietar o exército na sua retirada, que poderá ser feita em peso até Tomar; mas uma vez chegando a este ponto de reunião, ou até mesmo antes, o exército poderá dividir-se em muitas colunas, para alcançarem o seu destino pela Beira Alta. 
Ao alcançar Almeida, o exército conservará provavelmente forças suficientes para atravessar a Espanha, ou o que ainda é mais provável, para efectuar a sua reunião com os corpos de tropas que estiverem mais perto.
Supomos que a retirada que se deve fazer pela província da Beira e até Almeida é a única retirada possível, se o rio [Tejo] cair no poder do inimigo; mas é muito mais provável que, em caso contrário, a retirada seja encaminhada por Elvas. 


Itinerário da retirada do exército francês através da "melhor estrada de Portugal".



A passagem do rio, tal como foi prevista antes, não apresentará provavelmente dificuldades algumas, estando reunido um grande número de barcos na ribeira de Sacavém e ocupando o exército a extensão da margem norte [do Tejo]; as tropas entrincheiradas em Almeida retirar-se-ão para proteger o desembarque na margem esquerda; e o exército poderá fazer a retirada pela melhor estrada de Portugal, o que dá toda a esperança que será realizada na melhor ordem, vantagem esta temos todo o direito de esperar que nunca ambicionaremos.

O Coronel de Engenheiros,
Vincent.

[Fonte: "Colonel Vicent's Report upon the Defence of Portugal", in Supplementary Despatches and Memoranda of Field Marshal Arthur, Duke of Wellington, K.G. - Vol. VI, London, John Murray, 1860, pp. 145-148 (texto original francês); uma tradução em inglês, deturpada nalguns trechos, tinha sido previamente publicada com o título de "Translation of the Plan of Defensive Operations for the French Army in Portugal", in Correspondence, Despaches, and other papers, of Viscount Castlereagh – Vol. VI, London, William Shoberl Publisher, 1851, pp. 376-381. Existe uma outra cópia do original francês, in Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 74-77 (doc. 117)].


Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (28 de Junho de 1808)



Lisboa, 28 de Junho


A proclamação que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes acaba de fazer publicar, dirigida aos habitantes de diversas povoações de algumas províncias, tem feito a maior comoção nos corações dos bons habitantes desta capital, por lhes manifestar aquela paternal exortação ter havido entre os seus compatriotas quem, esquecendo-se dos mais sagrados deveres da sociedade e da religião, maquinasse traças contra a paz e tranquilidade, que Sua Excelência tanto se tem desvelado por manter, e cuja perturbação só pode ser excitada por pessoas que, esquecidas do que ditam a boa razão e a prudência, se deixam facilmente seduzir de malévolas persuasões que não podem ter outro fim senão o de aproveitar a ocasião da discórdia para fazer a nossa desgraça. Altamente convencidos desta verdade, continuamos a desfrutar aqui os felizes resultados das sábias e luminosas providências que Sua Excelência não cessa de dar em nosso benefício e cujas consequências são a boa harmonia, bela ordem e perfeita tranquilidade de que se goza actualmente nesta capital.

De Taboaço avisam que o 1.º deste mês foi o dia mais assinalado que aquela vila tem visto desde que existe; porquanto o Doutor António José da Fonseca Mimoso Pereira e Guerra, seu actual Juiz de Fora, tendo feito armar mui brilhantemente a Casa da Câmara e Praça, estando aí presentes as 8 Câmaras a que preside, como também o Clero, Nobreza e Povos da sua Jurisdicção, lhes recitou uma eloquente oração, pela qual com o maior entusiasmo fez pública a memorável carta da nossa Deputação junto a Sua Majestade o Imperador e Rei. Recitada que foi, correspondeu todo o auditório com estrondosos vivas ao imortal Napoleão. Consecutivamente houve uma segunda oração, por onde o Doutor António Guedes de Carvalho Rebelo Pinto, em nome do Clero, Nobreza e Povo, nos termos os mais energéticos, agradeceu tão altas mercês ao Supremo dos Soberanos, afiançando-lhe a mais segura fidelidade. Não cessaram os vivas em todo aquele dia, que finalizou com uma iluminação geral.

Ainda que nada saibamos de positivo relativamente aos recentes acontecimentos da Espanha, temos contudo suficiente fundamento para crer que vai ali cessando de lavrar o fogo da discórdia, que apenas se conserva nas províncias onde começara a manifestar-se, nas quais ainda o sustenta o extravagante capricho dos celerados, que temerosos do justo castigo que os espera, se esforçam por demorá-lo quanto lhes seja possível, apesar de terem os que seguem uma tão desatinada mania talvez perdido já, com a vida, as suas casas e família, resultando destas desordens por outra parte a desgraça de cidades e províncias inteiras, a quem um melhor futuro prometia aliás vantagens inestimáveis.

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 26, 28 de Junho de 1808].

Carta da Câmara Municipal de Tavira em resposta à carta-circular da Câmara de Faro datada de 20 de Junho (28 de Junho de 1808)



Ilustríssimo Senhores Presidente, Vereadores e demais Oficiais da Câmara da cidade de Faro:

No dia dia vinte e um do presente [mês] recebemos a carta de Vossas Senhorias em que nos noticiam do ardente zelo com que o povo de todas as classes dessa cidade concorrem para expulsar o inimigo comum e recuperar a sua antiga liberdade, confessando e clamando por seu legítimo soberano ao Príncipe Regente Nosso Senhor, e em que Vossas Senhorias nos convocam [para que] queiramos propor-nos ao mesmo fim. Toda esta cidade e termo tinha os mesmos fervorosos sentimentos, e tanto que na resposta da recepção do ofício de Vossas Senhorias já se achava em Armas com tanto zelo que não foi necessária mais persuasão; podem portanto Vossas Senhorias ficar na certeza que os nossos sentimentos são iguais e conformes com os de Vossas Senhorias e dessa cidade e termo.
Nós temos tido tantos negócios e providências que até hoje não nos foi possível darmos resposta ao ofício de Vossas Senhorias, a quem Deus guarde muitos anos.
Tavira, em Câmara de vinte e oito de Junho de mil oitocentos e oito.

O Juiz Vereador, Manuel Vaz Velho
António de Aragão e Costa
Pedro Manuel Tavares Paes de Souza
Manuel Baptista Marçal
José Pedro de Oliva Pontes[?]
Jacinto José do Nascimento

[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, pp. 78-79].

Carta da Câmara, Nobreza e Clero de Sines dirigida à nação britânica, através do Almirante Charles Cotton (28 de Junho de 1808)




Muito respeitável e alta nação:

A falta que na presente conjuntura se experimenta neste porto duma decente embarcação, nos priva, com pesar, de fazer apresentar na vossa presença o emissário que para este mesmo fim foi nomeado pela Câmara desta vila, para que de viva voz ele pudesse com mais individuação representar as actuais circunstâncias em que nos achamos, as quais bem podereis conhecer pela inclusa cópia autêntica que nos dimanou da Câmara da cidade de Faro, onde primeiro foi proclamado entre vivas do povo o Príncipe Regente Nosso Senhor, convidando a todas as Câmaras vizinhas a abraçarem o mesmo partido; o que nós com efeito, sem demora, fizemos com a maior satisfação e contentamento, e nos consta ter feito uma grande parte desta província do Alentejo, fiados todos na vossa constante amizade e protecção, a qual particularmente vos imploramos com a possível brevidade; pelo que nos servimos, na falta de emissário nomeado pelas circunstâncias, do mestre Manuel de Jesus, pois nos consta [que] se dirige a esta fortaleza uma porção de tropa francesa, a qual, se não nos socorreis com a vossa protecção, chegará a assassinar todo este povo em vingança da prisão feita aqui ao oficial Sanguinette, Comandante da sua tropa.
Sines, 28 de Junho de 1808.

[seguiam-se as assinaturas dos membros da Câmara, nobreza e clero].

[Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo V, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 34-35].

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Nota: 

Segundo José Acúrsio das Neves, "o mestre Manuel de Jesus, portador desta carta, animou-se a ir à esquadra num barco, e entre outras coisas ia encarregado de pedir que se enviasse uma embarcação inglesa ao porto de Sines, o que conseguiu voltando ele mesmo na fragata Comus, com a [...] resposta do Almirante [Charles Cotton]" [cf. op. cit., p. 35].

Carta da Câmara Municipal de Santiago do Cacém em resposta à carta-circular da Câmara de Faro datada de 20 de Junho (28 de Junho de 1808)



Ilustríssimos Senhores Presidente, Vereadores e Oficiais da Câmara da cidade de Faro: 

Sendo presente neste Senado a sua carta rogativa e nacional de vinte do corrente mês, logo em consequência dela se renovou nos corações portugueses desta vila e suas freguesias anexas aquele Amor e invencível Lealdade que sempre se divisou nestes para com os Augustos Soberanos que nos têm governado: em altas vozes e com a maior alegria foi novamente aclamado o nosso Príncipe Regente, assim como reconhecida a sua Soberania por todos estes fiéis vassalos; também [ade]mais foi preso na vila de Sines o Governador francês que se achava ali governando, e também mais dois soldados da mesma nação: eles se entregaram sem resistência. E como assentamos [que] se deviam estes presos remeter aí à capital, para deles se dispor o que convém segundo as actuais circunstâncias, vão a ser remetidos escoltados, e acompanhando-os António Martins Leão, sujeito desta vila, em quem descobrimos as qualidades necessárias para a fiel entrega dos mesmos presos e sua bagagem.
Rogamos a Vossas Senhorias [que] queiram dar-nos não só a certeza da entrega, mas também participar-nos por este portador ou por outro ponteiro todas as novidades ou acontecimentos que nos possam ser úteis e a que nos devemos unir para defesa da Religião e da Pátria, no que Vossas Senhorias podem contar como infalíveis as vontades de todos estes habitantes.
Deus guarde a Vossas Senhorias muitos anos.
Santiago de Cacém, em Câmara de vinte [e] oito de Junho de mil oitocentos e oito.

Eu, Francisco de Paula e Sousa Brandão, escrivão da Câmara, que a subscrevi.
O Juiz de Fora Presidente da Câmara, Francisco Onofre de Faria 
José Sebastião Pinheiro
José Joaquim Salema
Joaquim António de Contreiras
Carlos José [?] Roborel

[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, pp. 86-87].

Proclamação mandada afixar em Valença, para desvanecimento de quaisquer dúvidas sobre as tropas espanholas que tinham passado àquela vila (28 de Junho de 1808)




Edital do Intendente Geral da Polícia do Porto sobre a actuação judicial contra aqueles que cometeram crimes de traição depois da aclamação de 18 de Junho (28 de Junho de 1808)

Aviso do Bispo do Porto mandando dar despacho às embarcações britânicas que ali aportassem (28 de Junho de 1808)