Portugueses,
Que delírio é o vosso? Em que abismos de males quereis vós ficar sepultados? Depois de sete meses da mais perfeita tranquilidade, da melhor harmonia, que razão pode fazer-vos correr a pegar em armas, e contra quem? Contra um Exército que deve assegurar a vossa independência, que deve manter a integridade do país; sem o qual, finalmente, cessaríeis de ser portugueses! Quem pode induzir-vos assim a trair os vossos próprios interesses? Quereis pois que a antiga Lusitânia não seja mais que uma província da Espanha? Que podeis esperar contra um Exército numeroso, valente e aguerrido, diante do qual tereis de ser dispersos, bem como as areias do deserto ao sopro impetuoso do vento do Meio-Dia? Não vedes vós que aqueles que a isso vos persuadem não buscam o que pode ser do vosso interesse, mas tão somente o que pode satisfazer a sua raiva; e contanto que o Continente fique pertubado, que se lhes dá do sangue que deve correr? Se aportam ao vosso território esses insulares pérfidos, deixai-me a mim combatê-los: este é o dever do meu Exército; o vosso consiste em ficar sossegados nos vossos campos. Tenho dó do vosso erro; se ele porém continuar, se ficardes surdos à minha voz, tremei, o castigo será terrível.
Podeis vós ainda ter uma memória saudosa de uma Dinastia que vos abandonou, e cujo Governo vos humilhara a ponto de não figurardes já entre as Nações da Europa? Que podeis vós desejar? Ser portugueses? Ser independentes? O Grande Napoleão vo-lo prometeu. Vós mesmos lhe haveis pedido com instância um Rei que, ajudado do mui poderoso braço daquele Grande Monarca, pudesse restabelecer a vossa desgraçada pátria, e tornar a pô-la na ordem que lhe pertencia. A este tempo, por certo, pensa o vosso novo Monarca em aproximar-se a vós, esperando achar vassalos fiéis; acaso porém não deverá ele achar mais do que rebeldes? Eu esperava entregar-lhe um Reino pacífico, cidades florescentes. Acaso terei de lhe não mostrar mais que ruínas, montes de cinzas e de cadáveres? Quererá ele reinar num país devastado? Não, por certo. Vós não sereis senão uma desgraçada província da Espanha. Os vossos usos, as vossas leis, tudo se tem mantido. Por ventura não é a vossa santa Religião a nossa? Tem ela sofrido o menor insulto? Não sois vós, pelo contrário, os que a violais? Vós vos deixais seduzir e levar por hereges que só querem a vossa ruína e a destruição da vossa Religião. Perguntai aos desgraçados católicos de Irlanda qual é a opressão em que gemem na sua pátria, pelas ordens do seu próprio Governo. Não sois vós, tornamos a dizer, os que a violais, obedecendo a Ministros desta santa Religião (cujo primeiro preceito é a obediência e a submissão às leis), que se atrevem a excitar-vos à matança e ao assassínio contra homens que viviam entre vós, como em meio de seus irmãos? Desgraçados eles! Caro pagarão os males que vos causam. Mas vós também, infelizes portugueses, sereis as vítimas destes males!
Se há ainda abusos na administração, a experiência de cada dia os vai diminuindo. O meu Decreto de 14 de Junho já regulou uma parte interessante das Finanças, assegurando aos Militares, de um modo fixo, o seu soldo. Os ordenados dos Administradores e dos Ministros são pagos com regularidade. O Imperador Napoleão, satisfeito pelas contas que lhe tenho dado do espírito público neste Reino, acaba de perdoar-vos metade da Contribuição; e ao tempo que ele põe o remate a todos os votos que haveis formado, é que vós vos deixais levar da influência de alguns celerados! Ao tempo de colher o fruto da vossa tranquilidade, ao tempo de serdes felizes, é que quereis ficar privados até da esperança de o ser!
Eia pois, portugueses, não tendes mais que um instante para implorar a clemência do Imperador, para desarmar a sua ira. Os seus exércitos de Espanha vêm chegando-se já para as vossas fronteiras por vários pontos: perdidos ficareis, se hesitardes. Deponde as armas; tornai pacíficos para os vossos lares; imitai a tranquilidade da vossa capital e das províncias que a rodeiam; entregai-vos ao trabalho da vossa agricultura; recolhei essas belas searas que o céu vos envia, depois de tantos receios de uma horrível fome, de que eu soube preservar-vos. Expulsai de entre vós com horror esses miseráveis celerados cujo objecto é só a pilhagem das vossas cidades; tornai-vos dignos de serdes perdoados por uma pronta obediência às minhas ordens; aliás, eis aqui a punição que vos espera:
Toda a cidade ou povoação onde se tiver pegado em armas contra o meu Exército, e cujos habitantes fizerem fogo sobre a tropa francesa, será entregue ao saque, destruída totalmente, e os seus moradores passados ao fio da espada.
Todo o indivíduo colhido de mão armada, será logo espingardeado.
Dado no Palácio do Quartel-General em Lisboa, a 26 de Junho de 1808.
O Duque de Abrantes
[Fonte: 2.º Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 25, 26 de Junho de 1808.
Inserimos também uma digitalização da versão publicada em edital, ligeiramente diferente da transcrita].
Inserimos também uma digitalização da versão publicada em edital, ligeiramente diferente da transcrita].